Amílcar Cabral |
Em 1945, Cabral é um dos primeiros jovens das colônias portuguesas a ser contemplado com uma bolsa para freqüentar os estabelecimentos de ensino superior em Portugal e matricula-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa. A vida de estudante constituiu uma oportunidade para aprofundar o seu sentimento progressista anti-colonial, participando ativamente nas atividades estudantis clandestinas que se desenvolviam à volta da Casa dos Estudantes do Império e da Casa de África; foi aí que veio a conhecer Marcelino dos Santos, Vasco Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e outros estudantes que viriam a ser futuros líderes dos movimentos de libertação.
Estando de férias em Cabo Verde, em 1949, Cabral participa na Rádio-Clube elaborando um conjunto de programas de índole cultural que logo são interditados pelas autoridades, devido à sua mensagem nacionalista que era bem acolhida sobretudo no seio dos jovens.
Regressando a Lisboa para continuar os estudos, Cabral retoma as suas atividades políticas, com os estudantes africanos, não obstante a vigilância cerrada e as ameaças cada vez mais insinuantes da polícia política portuguesa, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).
Em 1952 Cabral terminou o curso e casou-se com Maria Helena Atalaide Vilhena Rodrigues.
No início de 1953 Cabral é colocado como engenheiro agrônomo na Guiné-Bissau, para trabalhar na estação agrária experimental de Pessubé. Ele aproveita-se então da sua atividade profissional para percorrer a Guiné de ponta a ponta e adquirir um bom conhecimento do terreno bem como da constituição social das suas populações; é Cabral quem realiza o primeiro recenseamento agrícola dessa colônia portuguesa.
Amílcar Cabral |
Um ano mais tarde, Amílcar Cabral foi trabalhar em Angola e aí participou também na criação do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em Luanda, tendo desenvolvido uma intensa atividade na mobilização de jovens angolanos para a luta contra a dominação colonial.
Em dezembro de 1957, Cabral viaja para Paris onde se encontra com Marcelino dos Santos, da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), e com Lúcio Lara, Mário de Andrade e Viriato da Cruz, do MPLA. Juntos resolvem então realizar a primeira reunião de concertação entre os movimentos de libertação das colônias portuguesas, na qual decidem cooperar em atividades conjuntas no campo internacional e criar em Lisboa um centro que coordenaria as ações entre esses movimentos. Na seqüência dessa reunião, Cabral ao regressar de Paris passa por Lisboa onde mobiliza os estudantes nacionalistas africanos para criarem o MAC (Movimento Anti Colonialista), primeira organização clandestina formada em Portugal por estudantes oriundos das colônias portuguesas.
Cabral desenvolve nessa altura uma série de contctos visando buscar apoios externos para a luta contra a dominação colonial.
Depois do massacre de Pidjiguiti realizado em Bissau pelas forças coloniais de repressão, a 3 de agosto de 1959, ele resolve regressar à Guiné-Bissau onde reúne a direção do PAIGC para analisar a situação da luta no país. Fica então decidido que o PAIGC deveria dar atenção prioritária à mobilização das populações rurais, com vista à preparação de condições para a passagem à luta armada, já que a repressão colonial havia demonstrado não admitir nenhuma veleidade de contestação legal ao sistema.
Em 1960, Cabral decide fugir com os seus companheiros para a Guiné-Conakry onde passaria a ficar instalada a sede do PAIGC. A partir desse país ele trabalha ativamente nos preparativos para o reforço do PAIGC e o arranque da luta armada de libertação nacional.
Em abril de 1960, em Casablanca, ele participa na criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das colônias Portuguesas - CONCP.
Durante cerca de três anos Amílcar Cabral desenvolve uma intensa atividade de mobilização das populações no interior da Guiné, ao mesmo tempo que, no campo internacional desenvolve contatos para a obtenção dos apoios indispensáveis para a passagem a uma nova fase de luta.
Revelando-se um homem de grande capacidade intelectual e dotado de uma firme convicção na luta pela liberdade e a justiça social, Amílcar Cabral dedicou todos os seus esforços em prol da independência dos povos da Guiné e de Cabo Verde. De forma genial ele conseguiu conjugar os sucessos que se iam alcançando no terreno da luta militar na Guiné e no da luta política clandestina em Cabo Verde, com o desenvolvimento de uma ação diplomática que ele pessoalmente conduziu da forma mais eficaz.
Vários acontecimentos cruciais durante os anos da luta de libertação nacional constituem hoje datas marcantes da história de Cabo Verde cuja ocorrência se deve fundamentalmente à ação incansável de Amílcar Cabral. De entre eles podemos destacar:
• a elaboração em 1965 das "Palavras de Ordem" do PAIGC destinadas aos combatentes;
• o juramento de fidelidade realizado a 15 de janeiro de 1967, pelo primeiro grupo de 30 cabo-verdianos que receberam formação militar, com vista à preparação para a luta em Cabo Verde;
• a realização do Seminário de Quadros do PAIGC, em 1969;
• o reconhecimento do PAIGC pelas mais altas instâncias internacionais;
• o encontro do Papa em Roma, com os dirigentes dos movimentos de libertação das colônias portuguesas, em 1972;
• a preparação da independência da Guiné-Bissau.
Devido ao sucesso inquestionável que a sua ação vinha conseguindo, fazendo com que o sistema colonial português se sentisse cada vez mais desesperado no plano interno e mais isolado no plano internacional, Amílcar Cabral foi barbaramente assassinado a 20 de janeiro de 1973, por agentes a soldo do colonialismo.
:: Fonte: Gazeta do Racionalismo Cristão (Colaboração de Manuel ROCHA, fevereiro de 2007. Dados extraídos do livro Liberdade, ainda e sempre ..., de autoria da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria (ACOLP), editado em julho de 1997). Disponível no link. (acessado em 5.7.2015).
:: Apontamentos para uma biografia, em Fundação Amilcar Cabral. (acessado em 5.7.2015).
Amílcar Cabral |
Livros
:: P.A.I.G.C. – Manual político. Porto: Afrontamento, 1974.
:: Guiné-Bissau: nação africana forjada na luta. Lisboa: Nova Aurora, 1974.
:: Obras escolhidas de Amílcar Cabral - Unidade e luta I: A arma da teoria. [textos coordenados por Mário Pinto de Andrade]. Lisboa: Seara Nova, 1978.
:: Obras escolhidas de Amílcar Cabral - Unidade e luta II: A prática revolucionária. [textos coordenados por Mário Pinto de Andrade]. Lisboa: Seara Nova, 1977.
:: Análise de alguns tipos de resistência. Guiné-Bissau: Imprensa Nacional, 1979.
:: Estudos agrários de Amílcar Cabral. Lisboa: IICT, 1988.
:: Nacionalismo e Cultura. Galiza: Edicións Laiovento, 1999.
:: As mulheres na frente da nossa vida e da nossa luta. Arquivo Amílcar Cabral, Fundação Mário Soares, documento 07060.027.027.
Artigos
CABRAL, Amílcar. A propósito da educação. Boletim de propaganda e Informação, 1947, n.º21 p. 24-25.
_______ , Amílcar. Algumas considerações acerca das Chuvas. Boletim de Propaganda e Informação, 1949, n.º 1, p. 5-7.
_______, Amílcar. Em defesa da terra. Boletim de Propaganda e Informação, 1949-1951, n.º 1 a 24.
_______ , Amílcar. A Cultura e o combate pela independência. Seara Nova, 1974, n.º 1544.
_______ , Amílcar. Apontamentos sobre a poesia caboverdiana. Revista de Cultura Vozes, N. 1 / 1976 / Ano 70 p. 15 a 21.
Obra poética de Amílcar Cabral
:: Emergência da poesia em Amílcar Cabral (30 poemas de Amílcar Cabral).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
"Era natural (...) que com a morte do famoso estadista e intelectual africano, biógrafos e outros investigariam todas as facetas pertinentes da vida pública e particular de Amílcar Cabral. Deste modo, a revelação mais ampla de Cabral o poeta, além de ser uma homenagem ao herói martirizado, faz parte da restituição da história de Cabo Verde (...) na inter- secção das três esferas. A projecção da poesia de Cabral é uma incorporação, consciente ou inconsciente, de um modo quase esquecido e de uma visão retros- pectiva deste momento."
- Russel G. Hamilton in Literatura Africana Literatura Necessária- II. (fonte: FMSoares).
Amílcar Cabral |
A minha poesia sou eu
... Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas de meu ser,
não fujas à Vida.
Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
abre de par em par as portas do meu ser
— sai...
Sai para a luta (a vida é luta)
os homens lá fora chamam por ti,
e tu, Poesia és também um Homem.
Ama as Poesias de todo o Mundo,
— ama os Homens
Solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
Confunde-te comigo...
Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
A minha Poesia sou eu.
- Amílcar Cabral, em "revista Seara Nova". 1946.
Eu sou tudo e sou nada...
Eu sou tudo e sou nada,
Mas busco-me incessantemente,
- Não me encontro!
Oh farrapos de nuvens, passarões não alados,
levai-me convosco!
Já não quero esta vida,
quero ir nos espaços
para onde não sei.
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Ilha
Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos —
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
— terra dura —
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!
- Amílcar Cabral (Praia, Cabo Verde, 1945).
Naus sem rumo
Dispersas,
emersas,
sozinhas sôbre o Oceano …
Sequiosas,
rochosas,
pedaços do Africano,
do negro continente,
as engeitadas filhas,
nossas ilhas,
navegam tristemente …
Qual naus da antiguidade,
qual naus
do velho Portugal,
aquelas que as entradas
do imenso mar abriram …
As naus
que as nossas descobriram.
Ao vento, à tempestade,
navegam
de Cabo Verde as ilhas,
as filhas
do ingente
e negro continente …
São dez as caravelas
em busca do Infinito …
São dez as caravelas,
sem velas,
em busca do Infinito …
A tempestade e ao vento,
caminham …
navegam mansamente
as ilhas,
as filhas
do negro continente …
- Onde ides naus da Fome,
da Morna,
do Sonho,
e da Desgraça? …
- Onde ides? …
Sem rumo e sem ter fito,
Sozinhas,
dispersas,
emersas,
nós vamos,
sonhando,
sofrendo,
em busca do Infinito! …
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
No fundo de mim mesmo...
No fundo de mim mesmo
eu sinto qualquer coisa que fere minha carne,
que me dilacera e tortura …
… qualquer coisa estranha (talvez seja ilusão),
qualquer coisa estranha que eu tenho não sei onde
que faz sangrar meu corpo,
que faz sangrar também
a Humanidade inteira!
Sangue.
Sangue escaldante pingando gota a gota
no íntimo de mim mesmo,
na taça inesgotável das minhas esperanças!
Luta tremenda, esta luta do Homem:
E beberei de novo – sempre, sempre, sempre -
este sangue não sangue, que escorre do meu corpo,
este sangue invisível – que é talvez a Vida!
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
(Poemas da juventude)
Eu lembro-me ainda dos tempos antigos,
Dos tempos sem nome, só teus e só teus …
Em que eras um homem de poucos amigos,
Metido contigo, contigo e com Deus …
Outro homem és hoje – e outro serás,
Bem forte na luta, em prol dos Humanos.
Na luta da vida – eu sei – vencerás,
Num Mundo de todos, sem Mal e sem danos.
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Mamãe Velha, venha ouvir comigo
o bater da chuva lá no seu portão.
É um bater de amigo
que vibra dentro do meu coração.
A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,
que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a Cidade-Velha,
— a ilha toda —
Em poucos dias já virou jardim...
Dizem que o campo se cobriu de verde,
da cor mais bela, porque é a cor da esp´rança.
Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.
— É a tempestade que virou bonança...
Venha comigo, Mamãe Velha, venha,
recobre a força e chegue-se ao portão.
A chuva amiga já falou mantenha
e bate dentro do meu coração!
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Sim quero-te...
Quero-te quando solitário cismo
na nossa vida,
nossa triste vida …
e optimista, esperançoso eu vejo
o meu futuro,
o teu futuro,
e uma vida melhor …
Quero-te quando a nossa melodia,
a nossa morna,
cantas docemente …
… e eu sonho, eu vivo, e eu subo a escada mágica
da tua voz serena,
e eu vou viver contigo!
Quero-te quando contemplo o nosso mundo,
um mundo de misérias,
de dor,
e de ilusões …
… e penso, e creio e tenho
a máxima Certeza
de que o romper da aurora
do “dia para todos”
não tarda … e vem já perto …
… E o mundo de misérias
será um mundo de Homens …
Eu quero-te! Eu quero-te!
Como o dia de amanhã! …
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Poema
Quem é que não se lembra
Daquele grito que parecia trovão?!
– É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito...
Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os Homens,
Confraternizou todos os Homens
E transformou a Vida...
... Ah! O meu grito de revolta que percorreu o Mundo,
Que não transpôs o Mundo,
O Mundo que sou eu!
Ah! O meu grito de revolta que feneceu lá longe,
Muito longe,
Na minha garganta!
Na garganta de todos os Homens
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Eu não compreendo o Amor,
eu não compreendo a Vida
Mistérios insondáveis,
Formidáveis,
Mistérios que o Homem enfrenta
Mistérios de um mistério
Que é a alma humana …
Eu não compreendo a Vida:
Há luta entre os humanos,
Há guerra,
Há fome, e há injustiça imensa:
H á pobres seculares,
Aspirações que morrem …
Enquanto os fortes gastam
Em gastos não precisos
Aquilo que outros querem …
Eu não compreendo o amor:
Amamos quem sabemos impossível
Sentir por nós aquilo
Que tanto cobiçamos …
A Vida não me entende,
Eu não compreendo a Vida.
Quero entender o Amor,
E o amor não me compreende!
- Amílcar Cabral, em "Emergência da poesia em Amílcar Cabral" (30 poemas).. [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983.
Amilcar Cabral |
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VILLEN, Patrícia. Amílcar Cabral e a crítica ao colonialismo. 1ª ed., São Paulo: Expressão Popular, 2013.
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Amílcar Cabral |
- Aristides Pereira. O perfil de Cabral e a actualidade do seu pensamento, In CONTINUAR CABRAL (Simpósio Internacional Amílcar Cabral).. (fonte: FMSoares).
DOCUMENTÁRIOS E EPISÓDIOS
Cabralista - part 1: Amilcar Cabral
PAIGC/Guiné _ Tite Primeiros Tiros Luta Armada 1963
Assassinato de Amilcar Cabral (1973)
AFRICA EM PAUTA
Amílcar Cabral, por (...) |
ESCRITORES AFRICANOS NESTE SITE
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Amílcar Cabral - o poeta da liberdade. Templo Cultural Delfos, setembro/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Amílcar Cabral - o poeta da liberdade. Templo Cultural Delfos, setembro/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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