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Auta de Souza - seus versos e traços de sua vida breve

  • Auta de Souza - poeta

“Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo...
Leva-me, ó coração, como esta pena,
De dor em dor, até a paz serena.”
- Auta de Souza



Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, filha de Elói Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina Rodrigues e irmã dos políticos norte-rio-grandenses Elói de Sousa e Henrique Castriciano.
Ficou órfã aos três anos, com a morte de sua mãe por tuberculose, e no ano seguinte perdeu também o pai, pela mesma doença. Sua mãe morreu aos 27 anos e seu pai aos 38 anos.
Durante a infância, foi criada por sua avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula Rodrigues, conhecida como Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada por professores particulares. Sua avó, embora analfabeta, conseguiu proporcionar boa educação aos netos.
Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras vincentinas francesas, e onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand e Fénelon.
Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro.
Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação intelectual como autodidata.
Continuou participando da União Pia das Filhas de Maria, à qual se uniu na escola. Foi professora de catecismo em Macaíba e escreveu versos religiosos. Jackson Figueiredo (1914) a considera uma das mais altas expressões da poesia católica nas letras femininas brasileiras.
Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Frequentava o Club do Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, Junqueira Freire e os potiguares Lourival Açucena, Areias Bajão e Segundo Wanderley.
Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto.
Aos dezoito anos, passou a colaborar com a revista Oásis, e aos vinte escrevia para A República, jornal de maior circulação e que lhe deu visibilidade para a imprensa de outras regiões. Seus poemas foram publicados no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro. No ano seguinte, passaria a escrever assiduamente para o prestigiado jornal A Tribuna, de Natal, e seus versos eram publicados junto aos de vários escritores famosos do Nordeste. Entre 1899 e 1900, assinou seus poemas com os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves, prática comum à época.
Efígie de Auta, [em bico de pena] 
para a 2ª ed., do livro "Horto".
Também foi publicada nos jornais A Gazetinha, de Recife, e no jornal religioso Oito de Setembro, de Natal, e na Revista do Rio Grande do Norte, onde era a única mulher entre os colaboradores. 
Venceu a resistência dos círculos literários masculinos e escrevia profissionalmente em uma sociedade em que este ofício era quase que exclusividade dos homens, já que a crítica ignorava as mulheres escritoras. Sua poesia passou a circular nas rodas literárias de todo o país, despertando grande interesse. Tornou-se a poetisa norte-rio-grandense mais conhecida fora do estado.
Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. Foi sepultada no cemitério do Alecrim, em Natal, em 1904 seus restos mortais foram transportados para o jazigo da família, na parede da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba, sua cidade natal. No ano anterior (1900) havia publicado seu único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910 saía à segunda edição, em Paris, e, em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

Homenagens
Em 1936, a Academia Norte-Riograndense de Letras dedicou-lhe a poltrona XX, como reconhecimento à sua obra.
Em 1951, foi feita uma lápide, tendo como epitáfio versos extraídos de seu poema Ao Pé do Túmulo: "Longe da mágoa, enfim no céu repousa/Quem sofreu muito e quem amou demais.”

"A tormenta se desfizera ao pé do túmulo; e do naufrágio em que abismou esta singular existência, resta o Horto, livro de uma Santa."
- Henrique Castriciano de Souza - irmão, escritor e político brasileiro, 2ª ed.: “Horto”, de Auta de Souza.


"A maior poetisa mística do Brasil"
- Luís da Câmara Cascudo


AUTA DE SOUZA - OBRA E AS EDIÇÕES
Capa da 2ª ed., do livro "Horto", Auta de Souza
- Ilustração de D. O. Widhopff.
Horto. [prefácio de Olavo Bilac], contendo 114 poemas -  1ª. ed., Rio de Janeiro: Tipografia d’A República/Biblioteca do Grêmio Polimático, 1900, 232 p.
Horto(incluindo 17 novos poemas que integravam o manuscrito Dhálias), - [Breve biografia da autora, por seu irmão Henrique Castriciano de Sousa; e Ilustração e Capa de D.O. Widhopff], 2ª. ed., Paris: Tipographie Aillaud, Alves & Cia, Boulevard Montparnasse, 96, 1910.
Horto[prefácio de Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima)], 3ª. ed., Rio de Janeiro: Tip. Batista de Sousa, 1936.
Horto. 4ª. ed., Natal/RN: Fundação José Augusto, 1970.
Horto. Brasília: Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza, 2000.
Horto. [Coleção Nordestina], - (incluindo “Introdução para um Estudo da Vida e Obra de Auta de Sousa”, de Ana Laudelina Ferreira Gomes). 5ª. ed., Natal/RN: Editoras Universitárias do Nordeste, 2001.

Horto, outros poemas e ressonâncias. [obra reunida], Natal: EDUFRN, 2009, 270p.


MANUSCRITOS
Dhálias. [S.l.: s.n., 1893-1897]. Manuscrito.
Horto. Manuscrito. (1898).


"[..] Horto o labor pertinaz de uma artista, transformando as suas idéias, as suas torturas, as suas esperanças, os desenganos em pequeninas jóias, [...]."
- Olavo Bilac, in "Prefácio", 1ª ed.: "Horto", de Auta de Souza.
  

O cancioneiro das nossas tristezas
"A Auta de Souza conhecida era como um perfume de novena trazido num sopro de familiaridade lírica. Menina e moça, levada de casa para o colégio, esvaiu-se em versos. Plantou um jasmineiro e deixou um livro de saudades que é o cancioneiro geral das nossas tristezas."
- Edgar Barbosa, "A vida breve que foi canção"

Auta de Souza


O amor da poesia
"Fez versos por amor da poesia, por um amor tocante, puríssimo, da poesia e não para aparecer ou comunicar uma mensagem. Fez versos para si e para aqueles que mais perto a cercavam. […] E esse sentimento de absoluta pureza é o que mais encanta nos seus poemas."
- Alceu Amoroso Lima, Prefácio [à 3ª edição de Horto].

Capa da 1ª edição do livro "Horto", de Auta de Souza



  • Auta de Souza - poeta

AUTA DE SOUZA - POEMAS ESCOLHIDOS

À alma de minha mãe
Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa...
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.

Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.

Aí! se eu ao menos uma só pudesse
D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas...

Feliz seria... Mas minh’alma atenta
Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!
- Auta de Souza [Natal, Março de 1895].



À minha avó
Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar... Transforma o seio
N’um cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro... -

Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma...
- Hóstia guardada n’um cibório de ouro! -
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Agonia do Coração
(A Maria Carolina de Vasconcellos)

"Estrelas fulgem da noite em meio
Lembrando círios louros a arder...
E eu tenho a treva dentro do seio...
Astros! velai-vos, que eu vou morrer!

Ao longe cantam. São almas puras
Cantando á hora do adormecer...
E o eco triste sobe ás alturas...
Moças! não cantem, que eu vou morrer!

As mães embalam o berço amigo,
Doce esperança de seu viver...
E eu vou sozinha para o jazigo...
Chorai, crianças, que eu vou morrer!

Pássaros tremem no ninho santo
Pedindo a graça do alvorecer...
Enquanto eu parto desfeita em pranto...
Aves, suspirem, que eu vou morrer!

De lá do campo cheio de rosas
Vem um perfume de entontecer...
Meu Deus! que mágoas tão dolorosas...
Flores! Fechai-vos, que eu vou morrer!"
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Ao Cair da Noite
(A Maria Emília Loureiro)

Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
N’ess’hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do Céu
Num raio de luar.

Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.

Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.

E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.

Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!

Ó noite embalsamada
De castas ambrósias...
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Ao Luar
(A Maria Fausta e a Mercês Coelho)

Astros celestes, docemente louros,
Giram no espaço, em luminoso bando;
Auta de Souza
Ouve-se ao longe um violão plangente
E, mais além, n’um soluçar dolente,
Canções serenas, ao luar voando.

Quanta tristeza pela noite clara!
Quanta saudade pelo azul boiando!
Cuida-se ouvir, n’um dolorido choro,
As preces tristes de um magoado coro
De almas penadas ao luar rezando.

O céu parece uma igrejinha antiga
Que a lua branca vai alumiando...
E essas estrelas, muito além dispersas,
São rosas brancas no Infinito imersas,
Monjas benditas, ao luar chorando.

Os pirilampos, pelas moitas tristes,
Voam, calados e sutis, brilhando...
Lembram descrenças, a bailar sombrias,
Ilusões mortas de esquecidos dias,
Almas de loucos, ao luar passando.

Flocos de nuvens pela Esfera adejam,
Barcos de neve pelo Azul formando...
Semelham preces que se vão da terra,
Almas mimosas, que este mundo encerra,
De criancinhas, ao luar sonhando.

Eles parecem também velas brancas
Soltas, à toa pelo mar vogando...
Leves e tênues, a correr imensas,
Folhas de lírios pelo Ar suspensas,
Aves saudosas, ao luar chorando.

Ai! quem me dera ser também criança!
Ai! quem me dera andar também voando!
Fazer dos astros um barquinho amado,
N’ele vagar por todo o Céu dourado,
As minhas dores ao luar cantando!
- Auta de Souza [Angicos - Junho de 1896], in “Horto”, 1900.


A Eugênia
Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!

Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!

Amaranto do Céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;

Gota de orvalho a tremular n’um lírio
Que mal começa a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;

Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;

Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Bohemias
(A Rosa Monteiro)

Quando me vires chorar,
Que sou infeliz não creias;
Eu choro porque no Mar
Nem sempre cantam sereias.

Choro porque, no Infinito,
As estrelas luminosas
Choram o orvalho bendito,
Que faz desabrochar as rosas.

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus olhos riem chorando.

O seio branco da aurora
Derrama orvalhos a flux...
O círio que brilha chora:
A dor também fere a luz?

Teus olhos cheios de ardores
Aninham rosas nas faces...
Que seria dessas flores,
Responde, se não chorasses?

Sou moça e bem sabes que
A moça não tem martírios;
Se chora sempre, é porque
Pretende imitar os lírios.

Enquanto eu viver no mundo,
Meus olhos hão de chorar...
Ah! como é doce o profundo
Soluço eterno do Mar!

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus olhos riem chorando.
- Auta de Souza, [Jardim, 08.1897], in “Horto”, 1900.



Ilustração de D. O. Widhopff, para a
 2ª ed., Horto, 1910. p. 268-269.
Caminho do Sertão
(A meu irmão João Cancio)

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Cantai
(A Edwiges de Sá Pereira)

Ó vós, que guardais no seio
Com tanto amor e carinho,
- Com o mesmo doce receio
De um’ave que guarda o ninho:

As ilusões mais douradas
Que um’alma de moça encerra: -
Cantai as crenças nevadas
Que divinizam a terra;

Cantai a meiga harmonia
Das esperanças em flor,
Cantai a vida, a alegria,
Na lira santa do amor.

Cantai a vida, a alegria,
- Dizei-o nos vossos cantos -
É uma aurora querida
Que desabrocha sem prantos.

Expatriai a saudade,
- O espinho do coração -
Cantai a felicidade
De uma existência em botão.

É para vós a ventura,
A glória que o mundo tem...
Que vos importa a amargura
De um’alma que chora além?

Eu também irei cantando,
Como vós, meus pensamentos,
Vivendo sempre sonhando
Sem dores e sem tormentos.

E, já que não tenho amores,
E nem embalo esperanças...
Canto o perfume das flores,
Canto o riso das crianças.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Cantando
(A meu irmão Henrique)

Tão mimosa estrela
No céu ontem vi.
Que minh’alma, ao vê-la,
Pensou logo em ti.

Pensou em ti, santo!
Vendo-a assim brilhar...
Parecia o encanto
De teu doce olhar.

De teu olhar puro,
Meu celeste amor!
Onde o meu futuro
Vai boiando em flor.

Vai boiando, à toa,
Sem querer parar,
Qual pena que voa,
Suspensa no Ar.

Suspensa voando
Como um Querubim
Que passa cantando
Pelo Azul sem fim.

Pelo Azul se esconda
Quem deseja amar,
Qual nuvem, qual onda,
No céu ou no mar.

No céu, se anoitece,
Ninguém vê o sol...
Mas, que importa? A prece
É um rouxinol.

Rouxinol que chora,
Mas sempre a cantar.
Quando nasce a aurora,
Também canta o Luar.

Também canta amores
Um’alma sem luz...
Nunca viste flores
Aos pés de uma Cruz?

Aos pés de Maria,
Como é bom rezar!
Que casta ambrosia
Se espalha no altar.

Se espalha no lábio!
Sem gosto de fel,
O doce ressaibo
De um favo de mel.

De um favo tão doce
Como o teu olhar,
Pois nele encarnou-se
Mimosa, a brilhar...

Mimosa e tão clara,
A estrela que eu vi!
A luz que me aclara,
Quando penso em ti.
- Auta de Souza, [Macába, 1896], in “Horto”, 1900.


Consolo supremo
(A quem sofre)    
                               “Bem aventurados os que choram,
                                 porque eles serão consolados.”
                                                                    JESUS.

Os tristes dizem que a vida
É feita de dissabores
E a alma verga abatida
Ao peso das grandes dores.

Não acredito que seja
Assim como dizem, não...
Ai daquele que deseja
Viver sem uma ilusão!

Se há noites frias, escuras,
Também há noites formosas;
Há risos nas amarguras;
Entre espinhos nascem rosas.

E rosas também cobriram
O  lenho santo da Cruz,
Quando os espinhos cingiram
A cabeça de Jesus.

Rosas do sangue adorado
- Fonte de graça e de fé -
Brotando do rosto amado
Do Filho de Nazaré.

Ó alma triste, chorosa
Como uma dália no inverno,
Despe da mágoa trevosa
O negro cilício eterno!

Enquanto vires estrelas
Do Céu no imenso sacrário,
Na terra flores singelas
E uma Cruz sobre o Calvário;

Enquanto, mansa, pousar
A prece nos lábios teus,
E souberes murmurar
Com as mãos unidas: meu Deus!

Não digas que à luz vieste
Para chorar e sofrer,
E como a plantinha agreste
Sonhar um dia e... morrer...

Não digas, pobre querida!
Mesmo se a dor te magoa;
É sempre feliz na vida
A alma que é pura e boa.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Cores
(A Cecília Burle)

Enquanto a gente é criança 
Tem no seio um doce ninho 
Onde vive um passarinho 
Formoso como a Esperança. 

E ele canta noite e dia 
Porque se chama: Alegria. 

Depois... vai-se a Primavera... 
É o tempo em que a gente cresce... 
O riso se muda em prece, 
A alma não canta: espera! 

E ao ninho do Coração 
Desce outra ave: a Ilusão. 

Mas esta, como a Alegria, 
Nos foge... E fica deserto 
O coração, na agonia 
Do inverno que já vem perto. 

Nas ruínas da Mocidade 
É quando pousa a saudade... 
- Auta de Souza, [Nova Cruz, Setembro de 1897], in "Horto", 1900.


Desalento
Quando o meu pensamento se transporta
A’s praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.

É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões...

Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz...

Enganei-me: - a tristeza, que me oprime
O coração sem luz...
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz...

A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer... –

Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.
- Auta de Souza [Jardim, 1893], in “Horto”, 1900.



Ilustração de D. O. Widhopff, para a 2ª ed., Horto, 1910. p. 95-97.

Fio partido
Fugir à mágoa terrena
E ao sonho, que faz sofrer,
Deixar o mundo sem pena
           Será morrer?

Fugir neste anseio infindo
À treva do anoitecer,
Buscar a aurora sorrindo
           Será morrer?

E ao grito que a dor arranca
E o coração faz tremer,
Voar uma pomba branca
           Será morrer?

              II
Lá vai a pomba voando
Livre, através dos espaços...
Sacode as asas cantando:
           “Quebrei meus laços!”

Aqui, n’amplidão liberta,
Quem pode deter-me os passos?
Deixei a prisão deserta,
           Quebrei meus laços!

Jesus, este vôo infindo
Há de amparar-me nos braços
Enquanto eu direi sorrindo:
           Quebrei meus laços!
- Auta de Souza, [janeiro, 1901], in “Horto”, 1900.


Luz e sombra
           [Versos escritos três dias antes da morte da autora]
(À poetisa Anna Lima)

Vamos seguindo pela mesma estrada,
Em busca das paragens da ilusão;
A alma tranqüila para o Céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.


Ris e eu soluço... (Loucas peregrinas!)
E em toda parte, enfim, onde passamos,
Deixo chorando os olhos das meninas,
Deixas cantando os pássaros nos ramos.


Porque elas amam tua voz canora,
Ó delicado sabiá da mata!
E eu lembro triste a juriti que chora
E a voz dorida em lágrimas desata.


Gostam de ver-te o rosto de criança
Limpo das névoas de um martírio vago,
O lábio em riso, desmanchada a trança,
No olhar sereno a candidez do lago.


Até perguntam quando sobre a areia
Em que tu pisas vão nascendo rosas:
“Bela criança, tímida sereia,
Irmã dos sonhos das manhãs radiosas.


Por que trilhando a terra dos caminhos,
Onde o teu passo faz brotar mil flores,
Esta velhinha vai deixando espinhos
E um longo rastro de saudade e dores?”


Não lhes respondas... Pela mesma estrada
Sigamos sempre em busca da Ilusão;
A alma tranqüila para o céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.


Vamos; desprende a doce voz canora,
Que ela afugenta da tristeza o açoite;
E, enquanto elevas o teu hino à aurora,
Eu vou rezando as orações da noite...
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Meu Pai
(A Eloy)

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.

A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.

Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Meu Sonho
(A Yayá e a Maria Leonor Medeiros)

Eu tenho um sonho que no Céu mora
Feito de luz e feito de amor,
Um sonho róseo como uma aurora,
Um sonho lindo como uma flor.

E eu vivo sempre, sempre sonhando,
O mesmo sonho de noite e dia,
O mesmo sonho suave e brando
De minha vida toda a alegria.

Quando soluço, quando minh’alma,
Cheia de angústia, fica a chorar.
O sonho amado me traz a calma
E, então, minh’alma põe-se a rezar.

Quando, nas noites frias de inverno,
Eu tenho medo da tempestade,
Ele, o meu sonho, consolo eterno,
Transforma as sombras em claridade.

Quando no seio, choroso e louco,
Palpita, incerto, meu coração...
O sonho doce vem, pouco a pouco,
Trazer-me a graça de uma ilusão.

E eu canto e rio na luz dispersa
Deste dilúvio de fantasias...
Minh’alma voa no Azul imersa
Buscando a pátria das harmonias.

Imagem doce, visão sagrada,
Quimera excelsa dos meus amores,
Pérola branca, delícia amada,
Bálsamo puro das minhas dores;

Ele, o meu sonho, farol que encanta,
Guia-me à pátria da salvação,
Sorriso ingênuo, relíquia santa,
Do relicário do coração!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Minh'Alma e o verso
Não me olhes mais assim... Eu fico triste
Quando a fitar-me o teu olhar persiste
Choroso e suplicante...
Já não possuo a crença que conforta.
Vai bater, meu amigo, a uma outra porta.
Em terra mais distante.

Cuidavas que era amor o que eu sentia
Quando meus olhos, loucos de alegria,
Sem nuvem de desgosto,
Cheios de luz e cheios de esperança,
N’uma carícia ingenuamente mansa,
Pousavam no teu rosto?

Cuidavas que era amor? Ah! se assim fosse!
Se eu conhecesse esta palavra doce,
Este queixume amado!
Talvez minh’alma mesmo a ti voasse
E n’um berço de flor ela embalasse
Um riso abençoado.

Mas, não, escuta bem: eu não te amava.
Minha alma era, como agora, escrava...
Meu sonho é tão diverso!
Tenho alguém a quem amo mais que a vida,
Deus abençoa esta paixão querida:
Eu sou noiva do Verso.

E foi assim. Num dia muito frio.
Achei meu seio de ilusões vazio
E o coração chorando...
Era o meu ideal que se ia embora,
E eu soluçava, enquanto alguém lá fora
Baixinho ia cantando:

“Eu sou o orvalho sagrado
Que dá vida e alento às flores;
Eu sou o bálsamo amado
Que sara todas as dores.

Eu sou o pequeno cofre
Que guarda os risos da Aurora;
Perto de mim ninguém sofre,
Perto de mim ninguém chora.

Todos os dias bem cedo
Eu saio a procurar lírios,
Para enfeitar em segredo
A negra cruz dos martírios.

Vem para mim, alma triste
Que soluças de agonia;
No meu seio o Amor existe,
Eu sou filho da Poesia.”

Meu coração despiu toda a amargura,
Embalado na mística doçura
Da voz que ressoava...
Presa do Amor na delirante calma,
Eu fui abrir as portas de minh’alma
Ao verso que passava...

Desde esse dia, nunca mais deixei-o;
Ele vive cantando no meu seio,
N’uma algazarra louca!
Que seria de mim se ele fugisse,
Que seria de mim se não ouvisse
A voz de sua boca!

Não posso dar-te amor, bem vês. Meus sonhos
São da Poesia os ideais risonhos,
Em lago de ouro imersos...
Não sabias dourar os meus abrolhos,
E eu procurava apenas nos teus olhos
Assunto para versos.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Noites amadas
Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
- Auta de Souza [Macaíba, Agosto de 1898], in “Horto”, 1900.



Nunca Mais
... II n’est plus dans mon coeur
Une fibre que n’ait résonné sa Douleur.
LAMARTINE - Harmonics.

Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.

Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Olhos Azuis
(A Palmyra Magalhães)

O teu olhar azul claro
Reflete não sei que luz,
O brilho fulgente e raro
Do meigo olhar de Jesus.

Eu cuido ver todo o encanto,
Toda a beleza do Céu,
Nestes teus olhos sem pranto,
N’estes teus olhos sem véu.

Sinto uma doce ventura,
Uma alegria sem fim,
Se d’eles a chama pura
A’s vezes cai sobre mim.

São flores azuis boiando
À tona d’água, de leve,
Esses dois olhos beijando
O teu semblante de neve!
- Auta de Souza, [Angicos, 1896], in “Horto”, 1900.



Página triste
Há muita dor por este mundo a fora 
Muita lágrima à toa derramada; 
Muito pranto de mãe angustiada 
Que vem saudar o despontar da aurora! 

Alma inocente só de amor cercada 

A criancinha a soluçar descora, 
Talvez no berço onde o menino chora 
Também, oh Dor, tu queiras, desolada, 

Erguer um trono, procurar guarida... 
Foge do berço! Não magoes a vida 
D’esta ave implume, lirial botão... 

Queres um ninho, um carinhoso abrigo? 

Pois bem! Procura-o neste seio amigo, 
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
- Auta de Souza, [Macaíba - 1895], in "Horto", 1900.



Palavras Tristes
(Ao Nenenzinho)

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!

És a estrela gentil das minhas noites,
Noites que mudas no mais claro dia.
Não tenho medo aos gélidos açoites
Da escuridão se a tua luz me guia,
Ó estrela gentil das minhas noites!

Quando eu deixar a terra, dá-me flores
Boiando à tona de um sorriso teu;
Que os risos das crianças são andores
Onde os anjos nos levam para o céu...
Quando eu deixar a terra, quero flores!

Flores e risos me tecendo o manto,
Manto celeste feito de esperanças...
Quando eu d’aqui me for, não quero pranto,
Só quero riso, preces de criança:
Flores e risos me tecendo um manto!

Anjo moreno de alma cor de lírio,
Mais branca do que a estrela da Alvorada...
Meu coração na hora do martírio
Pede o consolo de uma prece amada,
Anjo moreno de asas cor do lírio!

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!
- Auta de Souza, [Serra da Raiz - Fevereiro de 1898], in “Horto”, 1900.



Quando eu morrer
(A Julieta Mascarenhas).

Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse n’um dia assim,
n’um dia de primavera
cheirando cravo e jasmim!)

... transformem meu coração
- sacrário azul de esperanças -
n’um pequenino caixão
para enterrar as crianças.

De meus olhos façam círios,
de meu sorriso um altar
- cheio de rosas e lírios,
tão doce como o luar -,

e guardem nele, entre flores,
longe, bem longe da terra,
a Virgem santa das Dores
lá da Igrejinha da Serra.

D’aquele sonho formoso
que minh’alma tanto adora,
façam o turíbulo piedoso
que incense os pés da Senhora...

E as saudades orvalhadas
- de meu amor triste enleio -
transformem nas sete espadas
de dor que Ela tem no seio!...

Se d’este repouso santo
em que meu corpo adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem padece:
eu quero as gotas de pranto
todas mudadas em prece...

Prece que leve, cantando,
minh’alma ao celeste ninho,
como um pássaro ruflando
as asas brancas de arminho.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Regina Coeli
(À Antonia de Araújo)

Tudo o que sobe ao céu, tudo o que desce a terra
Balbucia o teu nome.
Luiz Murat

Teu nome santo, ó Maria,
Tem a doçura inocente
De uma carícia macia,
De uma quimera dolente.

Nele se embala a Esperança
N’uma meiguice dileta,
Como no berço a criança,
Como no verso o poeta.

Do céu teu nome nos desce
Numa harmonia divina,
Como um cicio de prece
Nos lábios de uma menina.

Teu nome é setíneo laço
Prendido em formoso véu,
Qual branca nuvem no espaço,
Qual uma estrela no céu.

Teu nome reflete a imagem
Da melodia serena
Que passa rindo n’aragem
E no voejar da falena.

Uma blandícia suave
Nele cantando divaga,
Como no azul uma ave,
Como no mar uma vaga.

Teu nome, cheiroso lírio,
No níveo cálice encerra
Todo o mistério do Empíreo,
Toda a alegria da Terra.

Como um contraste do encanto,
N’este teu nome diviso
Toda a saudade do pranto
E todo o afago do riso...

Ah! todo o perfume amado,
Toda a fragrância mimosa
Que o colibri namorado
Bebe no seio da rosa;

Toda a pureza do Amor,
Todo o feitiço do olhar,
Orvalho a cair na flor,
Sereno a cair no mar...

Tudo em teu nome palpita,
Tudo embriaga e seduz,
Como a delícia infinita
De um paraíso de luz.

E n’um canto repassado
De lirismo que extasia,
Teu nome vive embalado,
Teu nome santo, ó Maria!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Rezando
(A Laura Ramos)

O Jasminseiro de Auta, ilustração de  D. O. Widhopff , para a
2ª ed., do  livro Horto, de Auta de Souza
Róseo menino
Feito de luz,
Lírio divino,
Santo Jesus!

Meu cravo olente,
Cor de marfim,
Pobre inocente,
Branco jasmim!

Entre as palhinhas,
Pequeno amor,
Das criancinhas
Tu és a flor.

Cabelo louro,
Olhos azuis...
És meu tesouro,
Manso Jesus!

Estrela pura,
Santo farol,
Flor de candura,
Raio de sol...

Dá-me a esperança
N’um teu olhar:
Loura criança,
Me ensina a amar.

Sonho formoso
Cheio de luz,
Jesus piedoso,
Meu bom Jesus...

Como eu te adoro,
Pequeno assim!
Jesus, eu choro,
Tem dó de mim.

No doce encanto
De um riso teu,
Jesus tão santo,
Leva-me ao Céu!

Em ti espero,
Mostra-me a luz...
Leva-me, eu quero
Ver-te Jesus!
- Auta de Souza, [Macaíba - Noite de Natal - 1896], in “Horto”, 1900.



Saudade
(A ela, a Eugênia, a doce criatura que me chama irmã). 

Ah! se soubesse quanto sofro e quanto 
Longe de ti meu coração padece! 
Ah! se soubesses como dói o pranto 
Que eternamente de meus olhos desce! 

Ah! se soubesses!... Não perguntarias 
De onde é que vem esta sombria mágoa 
Que traz-me o peito cheio de agonias 
E os tristes olhos arrasados d’água! 

Querem que a lira de meus versos cante 
Mais esperança e menos amargura, 
Que fale em noites de luar errante 
E não invoque a pobre noite escura. 

Mas... como posso eu levar sonhando 
A vida inteira n’um anseio infindo, 
Se choro mesmo quando estou cantando 
Se choro mesmo quando estou sorrindo! 

Ouve, ó formosa e doce e imaculada, 
Visão gentil de eterna fantasia: 
Minh’alma é uma saudade desfolhada 
De mãe querida sobre a cova fria. 

Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa, 
Que Ela partiu e me deixou no berço? 
Desde esse dia a minha lira canta 
Toda a saudade que lhe inspira o verso! 

Depois que Ela se foi a Mágoa veio 
Encher-me o coração de luto e abrolhos. 
Eu sofro tanto longe de seu seio, 
Eu sofro tanto longe de seus olhos! 

Ó minha Eugênia! Estrela abençoada 
Que iluminas o horror deste deserto... 
De teu afeto a chama consagrada 
Lança à minh’alma como um pálio aberto. 

Quando beijares teus filhinhos, pensa 
O que seria d’eles sem teus beijos; 
E, então, compreenderás a dor imensa, 
A amargura cruel destes harpejos! 

Junta as mãozinhas dos pequenos lírios, 
Das criancinhas que tu’alma adora, 
E ensina-os a rezar sobre os martírios 
E a saudade infinita de quem chora.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Auta de Souza
Suplica
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.



Teus Anos
(A Eugênia B. de Albuquerque Mello)

Teus anos amanhã. Fui ver, contente,
(E como procurei por toda parte!)
Um mimo que te desse... e achei, somente,
Meu triste coração, mimo sem arte.

Mas... o que dirás tu quando, de leve,
Bem cedinho batendo à tua porta,
Vires meu coração frio, de neve,
Pobre flor sem perfume e quase morta?

Manda-o entrar... E diz, ó doce amada!
Que ele se aqueça d’esse olhar no brilho...
Vai de tão longe te pedir pousada:
Deixa-o ficar no berço de teu filho...
- Auta de Souza, [Angicos, 2 de Maio de 1896], in “Horto”, 1900.



Versos ligeiros
Eu acho tão feiticeira
A Noemita da esquina,
Com o seu recato de freira,
Muito morena e franzina;

Que fico toda encantada
Quando na Igreja a contemplo,
Pois cuido ver uma fada
Ajoelhada no Templo.

Doce nuvem cor de rosa
Parece que a Deus se eleva.
D’aquela boca mimosa,
D’aquele olhar cor de treva.

É sua prece que voa,
Indefinida e tão mansa,
Como um hino que ressoa,
Como uma voz de criança

A trança de seu cabelo,
(Como ela é negra, Jesus!)
Semelha um lindo novelo
Tão preto que já reluz.

Tem a boquinha vermelha
Como uma rosa entreabrindo...
É um favo de mel de abelha
Aquela boca sorrindo!

Minh’alma nunca se cansa
De vê-la assim, tão divina,
Sempre formosa e criança
Com seu perfil de menina.

Às vezes, eu olho-a tanto,
Com tanta veneração,
Que fico muda de espanto,
Depois da contemplação.

É verdade que não faz
Mal nenhum fitá-la assim...
Meu Deus! se eu fosse rapaz
O que diriam de mim?!
- Auta de Souza, [Macaíba, 1897], in “Horto”, 1900.



"A primeira edição do Horto, publicada em 1900, esgotou-se em dois meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor crítica do país; leram-no os intelectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio do povo, que se apoderou dele com devoto carinho, passando a repetir muitos de seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e, até, nas igrejas, sob a forma de “benditos” anônimos."
- Henrique Castriciano de Souza - irmão, escritor e político brasileiro, 2ª ed.: “Horto”, de Auta de Souza.


Auta de Souza


FORTUNA CRÍTICA DE AUTA DE SOUZA
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Auta de Souza
POEMAS MUSICADOS
Outro aspecto importantíssimo da obra de Auta de Souza diz respeito a poemas seus que foram musicados por compositores regionais e transmitidos oralmente de uma geração para outra, desde o final do século XIX até hoje. Sem considerar aqueles que foram e vêm sendo musicados mais recentemente, e que não tiveram esta vinculação com a tradição oral, tem-se conhecimento da existência de quatorze deles, somando dezesseis ao considerar-se que um deles, Caminho do sertão, conta com três versões melódicas diferentes. Algumas destas canções ficaram conhecidas de norte a sul do país, chegando também a Portugal.
Integrariam esse cancioneiro de Auta de Souza os seguintes poemas musicados: Caminho do sertão, Teus anos, Desalento, Agonia do coração, Ao cair da noite, Ao luar, Meu pai, Nunca mais, Olhos azuis, Palavras tristes, Regina Coeli, ÀEugênia, Meu sonho, Rezando (Róseo Menino).
Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (acessado 14.5.2013).


POEMAS PSICOGRAFADOS E ORIENTAÇÕES ESPIRITUAIS
Além de seus poemas e de seu cancioneiro, Auta de Souza é conhecida também como uma grande mentora espiritual. Para os seguidores do espiritismo kardecista, que no Brasil hoje somam aproximadamente um milhão e meio de praticantes, a poeta é tida como um espírito superior que atuaria no “planoceleste” enquanto mentora e protetora espiritual.
Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (acessado 14.5.2013).



Horto
“ Oro de joelhos, Senhor, na terra  
Purificada pelo teu pranto ... 
Minh’alma triste que a dor aterra  
Beija os teus passos, Cordeiro Santo!
Eu tenho medo de tanto horror ... 
Reza comigo, doce Senhor!

Que noite negra, cheia de sombras. 
Não foi a noite que aqui passaste? 
Ó noite imensa ... porque me assombras.  
Tu que nas trevas me sepultaste?

Jesus amado, reza comigo ... 
Afasta a noite, divino amigo! ”

Eu disse ... e as sombras se dissiparam. 
Jesus descia sobre o meu Horto ...  
Estrelas lindas no céu brilharam,  
Voltou-me o riso, já quase morto.

E a sua boca falou tão doce, 
Como se a corda de um’harpa fosse:

“Filha adorava que o teu gemido  
Ergueste n’asa de uma oração, 
Na treva escura sempre envolvido,  
Por que soluça teu coração?

Levanta os olhos para o meu rosto,  
Que a vista d’ele foge o desgosto. 
 

Não tenhas medo do sofrimento,  
Ele é a escada do paraíso ... 
Contempla os astros do firmamento, 
Doces reflexos de meu sorriso.

Não pensa em dores nem canta magoas,  
A garça nívea fitando as águas.

Sigo-te os passos por toda parte,  
Vivo contigo como um irmão. 
Acaso posso desamparar-te  
quando me trazes no coração?
Auta de Souza

Nas oliveiras nos mesmos Horto, 
Enquanto orares, terás conforto.

Olha as estrelas ... no céu escuro 
Parecem sonhos amortalhados ...

Assim, nas trevas do mundo impuro,  
Brilham as almas dos desolados.

Mesmo das noites a mais sombria  
Sempre conduz-nos á luz do dia.”

Ergui os olhos para o céu lindo: 
Vi-o boiando num mar de luz ... 
E, então, minh’alma, n’um gozo infindo, 
Chorando e rindo, disse a Jesus:

“Guia o meu passo, nos bons caminhos, 
Na longa estrada cheia de espinhos.

Dá-me nas noites, negras de dores, 
Uma cruz santa para adorar, 
E em dias claros, cheios de flores, 
Uma criança para beijar.

Junta os meus sonhos, no azul dispersos, 
Desce os teus olhos sobre os meus versos ...   

E vós, amigos tão carinhosos, 
Irmãos queridos que me adorais 
E nos espinhos tão dolorosos 
De minha estrada também pisais ...

Velai comigo. longe da luz, 
Que já levantam a minha cruz. 
A hora triste já vem chegando 
De nossa longa separação ... 
Que lança aguda vai traspassando 
De lado a lado meu coração!

Não adormeçam, meus bem amados, 
Já vejo os cravos ensangüentados.

Longe, bem longe, naquele monte, 
Não brilha um astro de luz divina ? 
É o diadema da minha fronte, 
É a esperança que me ilumina!

A cruz bendita, que aterra o vício, 
Fogueira ardente do sacrifício.

Adeus, da vida sagrados laços ... 
Adeus, ó lírios de meu sacrário! 
A cruz, no monte, mostra-me os braços ... 
Eu vou subindo para o calvário.

Ficai no vale, pobres irmãos, 
Da. vovozinha beijando as mãos.

E, se ela, inquieta, com a voz tremente, 
Ouvindo as aves pela manhã, 
Interrogar-vos ansiosamente: 
“Que é do sorriso de vossa irmã?”

Dizei, alegres: foi passear ... 
Foi colher flores para o altar.”

E, quando a tarde vier deixando 
Nos lábios todos saudosos ais, 
E a pobre santa falar chorando: 
“A minha neta não volta mais?”

Dizei, sem prantos: “A tarde é linda ... 
Anda nos campos, brincando ainda.”

Livrai su’alma do frio açoite 
Das  ventanias que traz o inverno ... 
Cerrai-lhe os olhos na grande noite, 
Na noite imensa do sono eterno.

Anjo da guarda, de rosto ameno, 
Mostra-me o trilho do Nazareno ... 
.................................................. 
E ... adeus, ó lírios, do meu sacrário, 
Que eu vou subindo para o calvário!
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.


Auta de Souza
REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA
Obra de autora
Cnpq – Lattes
Teses, Dissertações, ensaios e artigos.


© A obra de Auta de Souza, é de domínio público

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske


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Trabalhos sobre o autor:
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Auta de Souza - seus versos e traços de sua vida breve. Templo Cultural Delfos, maio/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
Página atualizada em 12.6.2013.




Direitos Reservados © 2023 Templo Cultural Delfos

17 comentários:

  1. PERFEITA!!!!!!!!!!!!!!

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  2. Buscou luzes por entre os astros .Catou as flores nos campos e as cores dos pássaros ,para trazer estas luzes, estas flores, estas cores e guarda-las dentro do seu peito sofredor

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  3. Filha ilustre da minha terra!!! Parabéns ao site pela homenagem!

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  4. Excelente! Ótima página.

    Adriano

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  5. Parabéns pelo site! Grande poetisa.

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  6. Adorei! Obrigado por disponibilizar essa riqueza, adoro poesia.

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  7. Muito bom! Agradeço as informações sobre a nossa querida Auta de Souza.

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  8. Não tive como não chorar com tamanha força poética desse gênio que partiu tão cedo mas deixou um legado valioso.

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  9. nA CIDADE DE MEUS PAIS aLFENAS MG , ESTIVE NUM CENTRO ESPIRITA QUE LEVA SEU NOME , MUITA PAZ UM GRAN DE ALIVIO PRA ALMA .

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  10. Grande poetisa Potiguar.Voz vibrante de uma alma marcada pelo sofrimento e pela resignação cristã. Porém,sem amarguras ou revoltas inúteis. Um ser divinamente abençoado.

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  11. Muito obrigada pela partilha!
    Não conhecia esta poetisa e fiquei maravilhada!
    Um abraço literário de Portugal,

    Ana Santos

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  12. Boa tarde,

    Ainda esse ano será publicado o primeiro manuscrito de versos de Auta de Souza, pela Coleção Escritoras Brasileiras, da Biblioteca do Senado Federal do Brasil. Escrevi a Apresentação do livro, com um texto bastante original em relação ao que já escrevi sobre a poeta, trazendo vida e leitura dos poemas do Dálias.assim que for publicado estarei fazendo uma fala (remota) no Mulherio das Letras RN e presencialmente no Café Literário Quinta dos Girassóis (de Portugal) que será transmitido online pelos parceiros (Ppgcs/UFRN e Ppgchs/UERN). Fiquem atentos!!!

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  13. Quando adolescente nos anos 70, lia suas peosias que eram publicadas no jornal. Nunca soube nada sobre ela. Obrigada por esta publicação.

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  14. ouçam "Minha alma e o verso" músicada por Antônio Humberto.

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