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Mia Couto - poemas

Mia Couto - foto: Fernando Gomes/Agencia RBS

“Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte.  A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à Ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.”

“[...] a escrita não é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam. Sem a arrogância de as tentarmos entender. Apenas com a ilusória tentativa de nos tornarmos irmãos do universo.”


Mia Couto, com o cão Chocolate, a olhar para o rio Umbeluzi,
que abastece a cidade de Maputo - foto: (...)
“O segredo do escritor é anterior à escrita. Está na vida, na forma como ele está disponível a deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do cotidiano.”

"Na ciência (como em outras actividades) o mais importante não é o que chamamos científico. É o lado humano. Criou-se a ideia de que o cientista é isento de erro, uma espécie de ser privilegiado que apenas trilha pelos atalhos do rigor e da exactidão. Essa aversão pelo erro é o mais grave dos erros. È tão vital errarmos como acertarmos. Devemos afastar o medo de errar. Devemos o gosto por experimentar, mesmo cometendo falhas. A natureza foi evoluindo graças ao erro básico que é a mutação. Se os genes nunca falhassem não haveria a diversidade necessária para a continuidade da Vida. Os processos vitais exigem, ao mesmo tempo, o rigor e o erro. Não podemos ter medo de não saber. O que devemos recear é o não termos inquietação para passarmos a saber.”

“O que pode suscitar uma pequena história é quanto por trás do cientista reside um homem, com suas ignorâncias, suas incertezas e suas crenças tantas vezes muito pouco científicas.”

“Só se escreve com intensidade se vivermos intensamente. Não se trata apenas de viver sentimentos mas de ser vivido por sentimentos.”

“Há quem acredite que a ciência é um instrumento para governarmos o mundo. Mas eu periferia ver no conhecimento científico um meio para alcançarmos não domínios mas harmonias. Criarmos linguagens de partilhas com os outros, incluindo os seres que acreditamos não terem linguagem. Entendermos e partilharmos a língua das árvores, os silenciosos códigos das pedras e dos astros.
Conhecermos não para sermos donos. Mas para sermos mais companheiros das criaturas vivas e não vivas com quem partilhamos este universo. Para escutarmos histórias que nos são, em todo momento, contadas por essas criaturas.”
- trechos do texto elaborado para crianças lusófonas integradas no programa interescolar "Ciência Viva", Julho de 2004, publicado em "Pensatempos" de Mia Couto. 2ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 45-49.  Fonte: Mia Coutiando.
:: COUTO, Mia. Uma palavra de conselho e um conselho sem palavras. em “Ciência Viva”. Acesse o texto na íntegra no link. (acessado em 03.05.2015).


Capa dos Livros de Poesia de Mia Couto - Editorial Caminho (Templo Cultural Delfos)

OBRA POÉTICA DE MIA COUTO
:: Raiz de orvalho. [Cadernos Tempo], Maputo/Moçambique:  Associação de Escritores Moçambicanos (AEMO), 1983.
:: Raiz de orvalho e outros poemas1ª ed., Lisboa/Portugal: Editorial Caminho, 1999.
:: Idades cidades divindadesMaputo/Moçambique: Sociedade Editorial Ndjira, 2007; 1ª ed., Lisboa/Portugal: Editorial Caminho, 2007.
:: Tradutor de chuvas. 1ª ed., Lisboa/Portugal: Editorial Caminho, 2011.
:: Vagas e lumes1ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 2014.
## Outras obras e biografia de Mia Couto, acesse Aqui!


Mia Couto - foto: DR

POEMAS SELECIONADOS

A adiada enchente
Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.

Me  tornei  antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E  eu a esperei
como  um  rio  aguarda  a  cheia.

Gravidez de fúrias e cegueiras,
os bichos perdendo o pé,
eu perdendo as palavras.

Simples espera
daquilo que não se conhece
e, quando se conhece,
não se sabe o nome 
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


A casa
Sei dos filhos
pelo modo como ocupam a casa:
uns buscam os recantos,
outros existem à janela.

A uns satisfaz uma sombra,
a outros nem o mundo basta.
Uns batem com a porta,
outros hesitam como se não houvesse saída.

Raras vezes sou pai.
Sou sempre todos os meus filhos,
sou a mão indecisa no fecho,
sou a noite passada entre relógio e escuro.

Em mim ecoa a voz
que, à entrada, se anuncia: cheguei!
E eu sorrio, de resposta: chegou?
Mas se nunca ninguém partiu…

E tanto em mim
demoram as esperas
que me fui trocando por soalho
e me converti em sonolenta janela.

Agora, eu mesmo sou a casa,
casa infatigável casa
a que meus filhos
eternamente regressam. 
- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


A demora
O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.



Mia Couto - foto Sicnoticias/Arquivo
Amei-te sem saberes
No avesso das palavras 
na contrária face 
da minha solidão 
eu te amei 
e acariciei 
o teu imperceptível crescer 
como carne da lua 
nos nocturnos lábios entreabertos 

E amei-te sem saberes 
amei-te sem o saber 
amando de te procurar 
amando de te inventar 

No contorno do fogo 
desenhei o teu rosto 
e para te reconhecer 
mudei de corpo 
troquei de noites 
juntei crepúsculo e alvorada 

Para me acostumar 
à tua intermitente ausência 
ensinei às timbilas 

a espera do silêncio 
- Mia Couto, em "Raiz de Orvalho e outros poemas"Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


As ruas
No tempo 
em que havia ruas, 
ao fim da tarde 
minha mãe nos convocava: 
era a hora do regresso. 
E a rua entrava 
connosco em casa. 
Tanto o Tempo 
morava em nós 
que dispensávamos futuro. 
Recolhida em meu quarto, 
a cidade adormecia 
no mesmo embalo da nossa mãe. 
À entrada da cama, 
eu sacudia a areia dos sonhos 
e despertava vidas além. 
Entre casa e mundo 
nenhuma porta cabia: 
que fechadura encerra 
os dois lados do infinito? 
- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Autobiografia
Onde eu nasci
há mais terra que céu.

Tanto leito é uma bênção
para mortos e sonhadores.

E de tão pouco ser o céu
nasce o sol
em gretas nos nossos pés
e os corações se apertam
quando remoinhos de poeira
se elevam nos telhados.

As mães
espanam o teto
e poeiras de astros
cobrem o soalho.

De tão raso o firmamento,
a chuva tropeça nas copas
enquanto nuvens
se engravidam de rios.

Com tanta escassez de céu
não há encosto
nem para a mais minguante lua
e os meninos,
na ponta dos dedos,
ascendem estrelas.

Pois,
nessa terra
que é tanta para tão pouco céu,
calhou-me a mim ser ave.

Pequenas que são,
as minhas asas parecem-me enormes.

Envergando,
escondo-as dos olhares vizinhos.

Nas minhas costas
pesam 
versos e plumas.

Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou de céu
a pegada do voo que sonhei.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Beber toda a ternura
Não ter morada 
habitar 
como um beijo 
entre os lábios 
fingir-se ausente 
e suspirar 
(o meu corpo 
não se reconhece na espera) 
percorrer com um só gesto 
o teu corpo 
e beber toda a ternura 
para refazer 
o rosto em que desapareces 
o abraço em que desobedeces 
- Mia Couto, em "Raiz de orvalho e outros poemas"Lisboa: Editorial Caminho, 1999.



Beijo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.

Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.

O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.

Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Confidência
Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem retorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome
- Mia Couto, em "Raiz de orvalho e outros poemas"Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Despedida
Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos
quando anunciaste a despedida
e eu que habitara lugares secretos
e me embriagara com os teus gestos
recolhi as palavras vagabundas
como a tempestade que engole os barcos
porque ama os pescadores

Impossível separarmo-nos
agora que gravaste o teu sabor
sobre o súbito
e infinito parto do tempo

Por isso te toco
no grão e na erva
e na poeira da luz clara
a minha mão
reconhece a tua face de sal

E quando o mundo suspira
exausto
e desfila entre mercados e ruas
eu escuto sempre a voz que é tua
e que dos lábios
se desprende e se recolhe

Ali onde se embriagam
os corpos dos amantes
o te ventre aceitou a gota inicial
e um novo habitante
enroscou-se no segredo da tua carne

Nesse lugar
encostámos os nossos lábios
à funda circulação do sangue
porque me amavas
eu acreditava ser todos os homens
comandar o sentido das coisas
afogar poentes
despertar séculos à frente
e desenterrar o céu
para com ele cobrir
os teus seios de neve
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Destino
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos

vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso

conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso

agora
que mais
me poderei vencer?
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.



Erro poético
Sou o açúcar 
procurando a formiga. 
Meu carreiro 
não tem linha. 
É um ponto, um planetário grão. 
A minha natureza 
é uma inacabada caligrafia: 
apenas os erros me defendem. 
O amor apenas 
me rasura a alma. 
Com a formiga 
partilho alucinogénicos: 
migas de paixão, migalhas de doçura.
- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


(Escre)ver-me
nunca escrevi

sou
apenas um tradutor de silêncios

a vida
tatuou-me os olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar 
- Mia Couto (fevereiro 1985). em "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999, p. 60.


Errata
Quem é mortal, mente.

Mentirosos, 
ainda mais,
os tais
imortais.

Sem culpa uns e outros.

O verbo morrer
é que é sujeito falso
e de duvidosa acção.

Mais verdadeiro seria
se não fosse verbo.

Ou se conjugasse apenas
em forma passiva: ser morrido.

Como eu,
mais que as vezes que nasci,
fui morrido por ti.

E, assim, findo
num engano de rio:
simulando que morre 
mas sendo água eterna.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Espiral
No oculto do ventre,
o feto se explica como o Homem:
em si mesmo enrolado
para caber no que ainda vai ser.

Corpo ansiando ser barco,
água sonhando dormir,
colo em si mesmo encontrado.

Na espiral do feto,
o novelo do afecto
ensaia o seu primeiro infinito.
- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Frutos
Mia Couto - foto: Fernando Gomes/Agencia RBS
A bondade da mangueira
não é o fruto.

É a sombra.

A térrea,
quotidiana,
abnegada sombra:
no inverso do suor colhida,
no avesso da mão guardada.

Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

Assim, o amor e a paixão:
um, fruto; outro, sombra.

A suave e cruel mordedura
do fruto em tua boca:
mais do que entrar em ti
eu quero ser tu.

O que em mim espanta:
não a obra do tempo
mas a viagem do Sol na seiva da árvore

A arte da mangueira
é a veste de sombra
embrulhando o seu ventre solar.

Para o homem
vale a polpa.

Para a terra
só a semente conta.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Fui sabendo de mim
Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Horário do fim
morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Idade 
Mente o tempo:
a idade que tenho
só se mede por infinitos.
Pois eu não vivo por extenso.
Apenas fui a vida
em relampejo do incenso.
Quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso.
- Mia Couto, em “Vagas e lumes”. Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Identidade
Preciso ser um outro
Para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que desgasta

Sou pólen sem inseto

Sou areia sustentando
O sexo das árvores

Existo onde me desconheço
Aguardando pelo meu passado
Ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
No mundo por que luto nasço.
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Lembrança alada
Em alguma vida fui ave.

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


Lições
Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trêmula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


Manhã
Mia Couto - foto: (...)
Estou
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo

Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar

Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão

Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira

A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos

Educadamente mortos
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas"Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Mudança de idade
Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis

antes de adormecer.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Noturnamente
Noturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio

Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces

- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego

- Mia Couto, em 
 "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Números
Desiguais as contas:
para cada anjo, dois demónios.
Para um só Sol, quatro Luas.
Para a tua boca, todas as vidas.
Dar vida aos mortos
é obra para infinitos deuses.
Ressuscitar um vivo:
um só amor cumpre o milagre.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Mia Couto - foto: Fronteiras do Pensamento
O amor, meu amor
Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, vôo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.
- Mia Couto, em "idades cidades divindades". Lisboa: Editora Caminho, 2007.


O espelho
Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

- Mia Couto, em "Idades, cidades e divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


O habitante
(ao meu pai)

Se partiste, não sei.
Porque estás,
tanto quanto sempre estiveste.

Essa tua,
tão nossa, presença
enche de sombra a casa
como se criasse,
dentro de nós,
uma outra casa.

No silêncio distraído
de uma varanda
que foi o teu único castelo,
ecoam ainda os teus passos
feitos não para caminhar
mas para acariciar o chão.

Nessa varanda te sentas
nesse tão delicado modo de morrer
como se nos estivesse ensinando
um outro modo de viver.

Se o passo é tão celeste
a viagem não conta
senão pelo poema que nos veste.

Os lugares que buscaste
não têm geografia.

São vozes, são fontes,
rios sem vontade de mar,
tempo que escapa da eternidade.

Moras dentro,
sem deus nem adeus.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


O poeta
Mia Couto - foto: Fernando Gomes/Agencia RBS 
O poeta não gosta de palavras
escreve para se ver livre delas.

A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.

Quando
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.

Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.

Com raiva
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


O pouco pó que somos
Não calcas
apenas um pedaço de caminho.

A Terra inteira
está sempre debaixo dos teus pés.

O mesmo torrão que pisas
te irá pesar depois.

Se quiseres leve a eternidade
trata com leveza o chão.

Imaginas-te autor da viagem?

É o oposto:
a terra é que andou em ti.

E, sem queixa nem cansaço,
de mundo e gente
a Terra te acrescentou.

A estrada,
que acreditaste alheia e morta,
é o teu corpo
feito de pedra e sonho.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.



O que direi
Direi que nasci
se fores água
em minha boca desaguada.

Direi que cheguei
se o teu peito
em mim abrir o seu leito.

O rio se espraia
para se perder do chão,
e eu de mim saberei
quando me afogar na tua mão.

Direi, então, que vivi
sem precisar de ter nascido.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


O rei
Dentro de nós há um rei
cujo único saber é não reinar.

O seu trono é tão nada
que nunca será destronado.

Um monarca sem castelo nem garupa
que apenas do ingovernável se ocupa:
neste mundo só entende quem ama.

E quem ama não sabe quem é.
Como este soberano
cuja coroa é tão leve
que apenas lhe dá licença
para um sonho breve.

Soberano tão esquecido de toda a lei
que, no fim, confessa:
- fui rei, apenas quando errei.

- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Palavra que desnudo
Entre a asa e o vôo
nos trocamos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo

- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Para ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.



Pergunta-me 
Pergunta-me 
se ainda és o meu fogo 
se acendes ainda 
o minuto de cinza 
se despertas 
a ave magoada 
que se queda 
na árvore do meu sangue 

Pergunta-me 
se o vento não traz nada 
se o vento tudo arrasta 
se na quietude do lago 
repousaram a fúria 
e o tropel de mil cavalos 

Pergunta-me 
se te voltei a encontrar 
de todas as vezes que me detive 
junto das pontes enevoadas 
e se eras tu 
quem eu via 
na infinita dispersão do meu ser 
se eras tu 
que reunias pedaços do meu poema 
reconstruindo 
a folha rasgada 
na minha mão descrente 

Qualquer coisa 
pergunta-me qualquer coisa 
uma tolice 
um mistério indecifrável 
simplesmente 
para que eu saiba 
que queres ainda saber 
para que mesmo sem te responder 

saibas o que te quero dizer 
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Mia Couto - foto: Conexão Lusófona
Poema da despedida
Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Prematuros olhos
Muito antes de mim,
os meus olhos
andaram a despir o mundo.

O que era roupa
tombou num escuro abismo,
desolada ave sob chuva.

E não era roupa,
era alma de gente,
sonhos à procura do tempo.

Debruçado na margem,
a lavadeira sabe:
não é de roupa que cuida.
É o próprio rio que ela lava.

E no seu ventre,
onde a luz se ajoelha,
certa vez se desenroscou
a trança cega do Tempo.

Por isso, mãe,
os meus olhos são teus.

E eles não servem para ver.

Apenas para recordar.
O que antes de ser luz
foi palavra e corpo.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Primeira palavra
Aproxima o teu coração 
e inclina o teu sangue 
para que eu recolha 
os teus inacessíveis frutos 
para que prove da tua água 
e repouse na tua fronte 
Debruça o teu rosto 
sobre a terra sem vestígio 
prepara o teu ventre 
para a anunciada visita 
até que nos lábios umedeça 
a primeira palavra do teu corpo.
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Promessa de uma noite
cruzo as mãos
sobre as montanhas
um rio esvai-se
ao fogo do gesto
que inflamo

a lua eleva-se
na tua fronte
enquanto tacteias a pedra
até ser flor
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas"Lisboa: Editorial Caminho, 1999.



Raiz de orvalho 
Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram

Quem me dera acontecer
essa morte
de que não se morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei  ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada

De quando em quando
me perco
na procura a raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco as mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens

Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância

Amam-me demasiado
as cosias de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999. 


Mia Couto - foto: (...)
Régio
Saio de mim
para quem sou
e jamais chego ao destino.

No caminho do ser
meu gozo é me perder.

Meu coração só tem morada
onde se acende um outro peito.

Meu anjo está cego,
meu poeta está mudo,
meu guru ficou amnésico.

O poeta
sabia que não ia por ali.
Eu vou por onde não sei.
Meu aqui
é sempre além.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


Sabedoria
Não me basta ser:
eu quero o transbordar de tudo,
o desassombro
que toda margem desconhece.

Não me basta morar:
quero ser habitado
por quem ao destino desobedece.

Não me basta viver:
quero a vida como febre,
o amor como lume e água.

No final, saberás:
o que se ama não regressa.

O que se vive
não começa.

E o sonho
nunca tem pressa.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Saudades
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trêmula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho,  1999.


Seios e anseios
As vezes que morri
boca derramada entre os teus seios,
todas essas vezes
não me deram luto
porque, de mim, eu em ti nascia.

Todos esses abismos,
meu amor,
não me deram regresso.

Depois de ti,
não há caminhos.

Porque eu nasci
antes de haver vida,
depois de tu chegares.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Sementeira
O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.

Com lâmina de enxada
a palavra fere o tempo:
decepa o cordão umbilical
do que pode ser um chão nascente.

No final da lavoura
o poeta não tem conta para fechar:
ele só possui
o que não se pode colher.

Afinal,
não era a palavra que lhe faltava.

Era a vida que ele, nele, desconhecia.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011, p. 71.


Ser, parecer
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Silvestre e o idioma
Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.

Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.

Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.

É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.

Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebaptizara, vezes sem fim.

Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editora Caminho, 2007.


Mia Couto - foto: (...)
Solidão
Aproximo-me da noite 
o silêncio abre os seus panos escuros 
e as coisas escorrem 
por óleo frio e espesso 

Esta deveria ser a hora 
em que me recolheria 
como um poente 
no bater do teu peito 
mas a solidão 
entra pelos meus vidros 
e nas suas enlutadas mãos 
solto o meu delírio 

É então que surges 
com teus passos de menina 
os teus sonhos arrumados 
como duas tranças nas tuas costas 
guiando-me por corredores infinitos 
e regressando aos espelhos 
onde a vida te encarou 

Mas os ruídos da noite 
trazem a sua esponja silenciosa 
e sem luz e sem tinta 
o meu sonho resigna 

Longe 
os homens afundam-se 
com o caju que fermenta 
e a onda da madrugada 
demora-se de encontro 
às rochas do tempo 
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Sono coloquial
Da velhice
Sempre invejei
o adormecer
no meio da conversa.

Esse descer de pálpebra
não é nemidade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
 senso da poesia.
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.


Sotaque da terra
Estas pedras
sonham ser casa
sei
porque falo
a língua do chão
nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegada nas areias do Índico
agora,
ouço em mim
o sotaque da terra
e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol 

- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Trajecto
Na vertigem do oceano 
vagueio 
sou ave que com o seu voo 
se embriaga 
Atravesso o reverso do céu 
e num instante 
eleva-se o meu coração sem peso 
Como a desamparada pluma 
subo ao reino da inconstância 
para alojar a palavra inquieta 
Na distância que percorro 
eu mudo de ser 
permuto de existência 
surpreendo os homens 
na sua secreta obscuridade 
transito por quartos 
de cortinados desbotados 
e nas calcinadas mãos 
que esculpiram o mundo 
estremeço como quem desabotoa 
a primeira nudez de uma mulher 
- Mia Couto, em  "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.


Tristeza
A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.
A minha tristeza
é a do astrónomo cego.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.



Vagas e lumes
Há quem se deite
em fogo
para morrer.

Pois eu sou
como o vagalume:
- só existo
quando me incendeio.
- Mia Couto, em "Vagas e lumes". Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


Viagem
O beijo da quilha
na boca da água
me vai trocando entre o céu e mar,
o azul de outro azul,
enquanto
na funda transparência 
sinto a vertigem
de minha própria origem
e nem sequer já sei
que olhos são os meus
e em que água
se naufraga minha alma

Se chorasse, agora,
o mar inteiro
me entraria pelos olhos 
- Mia Couto, em "Raiz de orvalho e outros poemas". Lisboa: Editorial Caminho, 1999.




Mia Couto - foto: Miguel Barreira

CONTO

Miudádivas, pensatempos 
(Para Manoel de Barros, meu ensinador de ignorâncias)

Estou sem texto, enriquecido de nada. Aqui na margem de uma floresta em Niassa, me desbicho sem vontades para humanidades. Entendo só de raízes, vésperas de flor. Me comungo de térmites, socorrido pela construção do chão. No último suspiro do poente é que podem existir todos sóis. Essa é a minha hora: me ilimito a morcego. Já não me pesam cidades, o telhado deixa de estar suspenso ao inverso em minhas asas. Me lanço nessa enseada de luz, vermelhos desocupados pelo dia. 

Nesse entardecer de tudo vou empobrecendo de palavras. Não tenho afilhamento com o papel, estou pronto para ascender a humidade, simples desenho de ausência. Na tenda onde me resguardo me chegam, soltas e dispares, desvisões, pensatempos, proesias. Assim, em miudádivas ao poeta:

A primavera cabe dentro do grilo.
Cigarras se alfabetizam de silêncios.
No liso da parede,
a osga se prepara para transparências,
Adquire a forma do nada.
Enquanto o ramo vai transitando para camaleão.

Na mafurreira,
sobem ninhos de arribação, ovos do arco-íris.
A aranha confunde madrugada com sótão,
artefactando materiais de orvalho.
Ela se mantimenta de esperas.
Minha tenda se engrandece a teia.

Uma mosca se inadverte na armadilha.
Igual o amor
que rouba mecanismos de viver.

Formigas transportam infinitamente a terra.
Estarão mudando eternamente de planeta?
Estarão engolindo o mundo?

Insectos sonham ser olhados pelo sol.
Mas só a chama da vela os vela.
Já o ovo é iluminado por dentro,
tocado pela luz do infinito.
O ovo repete o total inicio,
redundante gravidez do mundo.

Por isso, este surpreendido ovo
não tem competência para meu jantar.
Pena o estômago não entender poesias.

Nada se parece tanto: poente e amanhecer.
Defeitos na tela do firmamento?
Instantâneas aves,
pedras que se despoentam.
A noite acende o escuro.
Tudo semelha tudo
Só a coruja atrapalha a eternidade.

Está chovendo horas,
a água está a ganhar-me semelhanças.
Escuto ventos, derrames de céu.
Parecem-me luas e são lábios.
Lembranças da minha amada.
A tua boca me ilude, sou culpado de teu corpo.
Saudade: sou mais tu que tu.

Escuto, depois a enchente.
Longe, a água desobedece a paisagens.
O rio toma banho de troncos, 
raízes da água se soltam.
Sigo de catarata, luz encharcada.
E peço desculpa á margem:
desconhecia as unhas de minha transbordância.
Meu sonho está cega para razões.
Sei só escrever palavras que não há.

Depois, o sono me encaracola:
estou a ser pensado por pedras,me habilito a chão, o desfuturo.
- Mia Couto, em "Contos do nascer da terra". Lisboa:  Editorial Caminho, 2009.


Mia Couto - foto: Expresso/pt
O bairro da minha infância
Não são as criaturas que morrem. 
É o inverso: 
só morrem as coisas. 

As criaturas não morrem 
porque a si mesmas se fazem. 

E quem de si nasce 
à eternidade se condena. 

Uma poeira de túmulo 
me sufoca o passado 
sempre que visito o meu velho bairro. 

A casa morreu 
no lugar onde nasci: 
a minha infância 
não tem mais onde dormir. 

Mas eis que, 
de um qualquer pátio, 
me chegam silvestres risos 
de meninos brincando. 

Riem e soletram 
as mesmas folias 
com que já fui soberano 
de castelos e quimeras. 

Volto a tocar a parede fria 
e sinto em mim o pulso 
de quem para sempre vive. 

A morte 
é o impossível abraço da água.
- Mia Couto, em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Mia Couto - foto: Daniel Castellano

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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Mia Couto - poemas. Templo Cultural Delfos, maio/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).

____
** Página atualizada em 25.5.2015.




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Deborah Brennand - a poeta

Deborah na Oficina Brennand - foto: Teresa Maia/DP/D.A Press

"Eu não sei porque comecei a escrever poesia. É uma questão de sobrevivência. O pássaro sabe porque voa? Não. Então também não sei [porque escrevo]."
- Deborah Brennand, em "Letras verdes", 2002.


Deborah Brennand nasceu em 12 de fevereiro de 1927, no Engenho da Lagoa do Ramo, município de Nazaré da Mata PE - faleceu 26 de abril de 2015, em Piedade - bairro de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife PE. Estudou em Recife, capital do estado de Pernambuco mas não terminou o curso de direito. Casou-se com Francisco Brennand um dos artistas plásticos brasileiros de maior fama internacional. Dedicou-se à poesia e ao convívio cultural nos anos de 1960 e 1970, durante o movimento armorial (presente no cordel), liderado por Ariano Suassuna. Desse movimento participaram poetas, romancistas, pintores, compositores e outros artistas. Foi um movimento de renovação da literatura e da arte em geral, que coincidiu e confundiu-se com o surgimento da geração pernambucana de artistas de 1965. Dentro desse contexto a poesia de Deborah ganhou seu lugar seguindo a linha órfico-mítica, onde o poeta se assume como um novo orfeu cujo tema não é só revelar as belezas da Terra mas também tentar ligar o homem aos deuses, como que desejando fazer o reencontro do homem consigo mesmo, em sua solidão, longe das cidades em comunhão com a natureza.
Deborah Brennand, obra de Roberto Ploeg (2008).
O claro-escuro que se vê na poesia de Deborah nos é mostrado de um lado como a beleza e a grandeza do espaço vital e do outro as sombras, a sensação de abandono e morte, que está presente em tudo.
Em seu primeiro livro, O punhal tingido ou O livro de horas de D. Rosa de Aragão, 1965, Deborah traz a presença da morte e uma possível salvação através do sagrado. Segue-se a publicação Noites de sol ou as viagens do sonho, 1966. Na obra Claridade, o claro-escuro da autora fica mais nítido onde a autora tem a certeza que após a noite destruidora surge um dia restaurador.
Em 2006, foram lançados dois filmes inspirados na obra de Deborah, ambos dirigidos pela cineasta Deby Brennand Mendes, neta da escritora: Letras verdes, um documentário sobre a vida e a obra, e Tantas e tantas cartas, uma ficção baseada no livro homônimo.
ocupou a cadeira de número 37 da Academia Pernambucana de Letras (APL).
A poesia de Deborah mostra um mundo cheio de contradições.
:: Fonte: AllAboutArts (informações incluídas e atualizadas pelos editores desse site).



OBRA PUBLICADA
Poesia
:: O punhal tingido ou O livro das horas de D. Rosa de Aragão. Recife: Departamento Gráfico do Jornal do Commercio, 1965, 115p. 
:: Noites de sol ou As viagens do sonho. Recife: Departamento Gráfico do Jornal do Commercio, 1966, 152p. 
:: O cadeado negroRecife: Editora Universitária/UFPE, 1971.
:: Pomar de sombra. Recife: Editora Universitária/UFPE, 1995.
:: ClaridadeRecife: Edições Bagaço, 1996.
:: Maçãs negras. Recife: Edições Bagaço, 2001, 78p.
:: Letras verdesRecife: Editora Universitária/UFPE, 2002, 81p.
:: Folhagens. Recife: Travessa dos editores, 2002, 42p. 
:: Tantas e tantas cartasRecife: Universitária/UFPE, 2003, 211p.
:: Poesia reunida de Deborah Brennand. [Organização e prefácio Lucila Nogueira Rodrigues; posfácio Márcio de Oliveira]. 1ª ed., Recife: Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, 2007, 707p.

Antologia [participação]
:: Estação Recife: coletânea poética - II (poetas da edição: Deborah Brennand, Domingos Alexandre, José Rodrigues de Paiva, Lenilde Freitas, Majela Colares, Marco Polo Guimarães, Maria de Lourdes Hortas, Sebastião Vila Nova e Wilson Araújo de Sousa).. [organização Everardo Norões, José Carlos Targino e Pedro Américo de Farias]. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2004, 115p.




Deborah Brennand - foto: Alexandre Belém - Acervo JC Imagem

POESIA ESCOLHIDA DE DEBORAH BRENNAND

A visita
Longos e longos anos esperei uma visita,
mas só os ramos agitaram a ventania.
Disseram-me - o longe é sem fim.
Todavia, voltei àquele bosque
e lá só estava uma lua de cinzas.

Redisse então tudo o que foi dito:
o nome de flores clandestinas
À mais funda das raízes eu disse
- ermos são de almas vivas
e toda volta é um descaminho.

Felizmente, só estava no bosque uma lua de cinzas.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



Anjo da noite
Dá-me a ilha de Samos como brinde de noivado
- Bengierd 

E sendo o ser todo ser
eu, vetusta ou jovem lusa,
dei o meu olhar de claridade
à vastidão única das brumas
e só no coração uma saudade
era de havidos campos,
campos quase não vistos,
ó enamorado de minha formosura.

Sombria ou ruiva foi a cabeleira
o pouso da coroa em garras.
Abutre no alvor da minha fronte
cravando unhas de diamantes
assim em disse que as mulheres
não deviam usar trajes escarlates.
Talvez dez dias e oito noites passassem
nas distantes florestas de Lorvão.

E o meu reino era cinzento em culpas,
o meu legado agouro e mal.
Ó enamorado da minha póstuma formosura,
por que de mim tão pouco sabes?
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



Deborah Brennand
Claridade
Afortunados são os bosques
onde sem bridas
a luz campeia
entre as folhagens

suas crinas douradas

Tão leve se lustra a água
na medida exata
que os rebanhos bebem
junto às raposas

sem temor selvagem.

Por que só a mim discrimina a claridade?
- Deborah Brennand, em "Claridade". Recife: Edições Bagaço, 1996.


Cruel mensagem
Morto foi o sonho de um jardim
Por um verão servil, de cruel mensagem
E eu vi raízes, a vida agonizando,
Na lâmina acesa de um punhal.

Os musgos, as heras, as papoulas,
Manchavam a grama seca.
E lírios, junto ao sangue das rosas,
Magoados eram o pasto

De cavalos alheios e famintos.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



De amarelo
Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.

Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?
Não digo. Hoje me visto de amarelo
e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.

Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera


Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Declaração de amor
Ontem disseste
sisudo, como todo saber
— Esta flor é da família das violáceas
o nome correto é — violeta tricolor.

Eu disse — é amor perfeito...

Amarelo e roxo
salpicado de negror
severamente reclamando
gotas de terra nas folhas.

Pensei — será isto perfeito?
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Meu bem
A noite não é uma vela
negra e sem lume,
não é um cacho de uvas
sombrio no parreiral.

Não é aquela borboleta
com asas escuras na mata,
menos ainda é um túmulo
com estrelas douradas.

A noite é, meu bem,

só a origem da claridade.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Não é crime
O degredo das flores
da umidade da mata
para uma varanda acesa
em arcos verdes

É permitido.

Atar os ramos em sombras?
e desatá-los na colina
ou varrer as cinzas de fogueiras
Na clara tarde de março

Ainda, ainda

Mas aquele pássaro voltando
querendo entrar na gaiola
já do lado de fora, do lado das rosas
é uma afronta às nuvens e à brisa.

Assim, matá-lo não é
Crime.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


O punhal tingido
Não estremeças a mão
Desmancha ferozmente, igual ao vento,
Estas pétalas de sangue, ainda vivas,
Armadas na desordem de uma flor.

Quem fui? Que sou?

Agora, um senhora antiga
Que na tarde silenciosa de abril,
Borda sonhos na forma
De perfeita e sangrenta rosa.

E tu quem és agora?
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Prisão
Vencendo muros de pedras
Flameja do sol o brasão
Ó real castelo em dia aceso,
Ó ruivas folhas do soberano verão
Ó tempo não apertes a corrente
Do meu sonho já agonizante
Crestada é a terra e perto
Deságua um rio de sangue
Na pastagem morta

Do meu coração
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



Sempre
Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado, em gemidos,
caindo e já sem sentidos

Jogue aos meus pés as folhas secas.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Sempre algumas léguas restam
Em todos os sítios
o vento arranca as folhas secas.

Assim, também é certo
a cerca, mesmo caindo, seguir a terra.

Só o rio desata nós de água
em ramalhetes de pedra.

E sempre algumas léguas restam
para chegar ou partir

na claridade dispersa.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



Sem preconceito
Senta no primeiro degrau
o mais baixo, todo esmagado,
onde a pedra se une à terra
sem preconceitos.

Ambas têm veios negros.

E sê atenta aos sinais
a alma é muda. Mas,
o coração entende
e traduz bem

o que ela diz calada.

Escuta e sê atenta
lodo e escorpiões
juntos nas frestas
fingem amorosa inocência.

Sem preconceito, são inocentes?
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.


Só alguns cravos
Nada sei de tílias e carvalhos
agapantos, tulipas, jasmins do Cairo.
Conheço bem urtiga, as locas, o mato
algemas de cipós, liana em laços.

Por sorte, só por sorte ainda guardo,
naquele pote a colônia macerada
— dói a alma, dói e não passa —
lembrando a timidez dos bredos selvagens.

E, agora para enfeitar uma casa
alva casa entre gramas sem trato
vôo pousado, varanda em asas
eu escolhi, só alguns cravos.

Cravos sem sangue, mas... encarnados.
- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.



Você só diz
O que eu não quero ouvir.
Não fala de uma ilha
onde nasce um rio
que deságua céus.

Não lembra caminhos
indo, indo se esconderem
em matos e pedras.

Não ergue o facâo do sol
e faz zunir centelhas
nas alamedas do estio.

Nem traz assombros
de ramagens na noite
pisando o carmim das flores.

Você só diz – Eu te amo.

Assim não dá, é pouco
muito pouco para se levar a vida.
- Deborah Brennand, em "Folhagens". Recife: Travessa dos Editores, 2002.



DOCUMENTÁRIOS
Documentário: Letras verdes
Capa Letras Verdes, o filme
Sinopse: Letras Verdes é um convite ao universo da poetisa pernambucana Deborah Brennand. O documentário resgata momentos de sua vida e obra e provoca o reencontro da escritora com o Engenho de São Francisco, local onde viveu por quase 40 anos, cercada pela natureza, sua principal fonte de inspiração. A poesia de Deborah nasce de um pássaro, uma folha, o ar....através de seus versos um mundo sublime é revelado.
“A poesia existe em tudo, ela é viva em todo lugar” 
- Deborah Brennand e Julliane Carmo.
Ficha técnica
Ano: 2006
Duração: 26 min.
Formato: 35 mm e DVD
Direção: Deborah Brennand Mendes e Julliane Carmo
Produção executiva: Malu Viana Batista
Direção de produção: Mariana Brennand Fortes
Roteiro: Deborah Mendes
Direção de fotografia: Jane Malaquias
Direção de arte: Renata Pinheiro
Som direto: Roberto Carlos
Montagem: Lessandro Sócrates
Edição de som: Fábrica Estúdios
Mixagem de som: Vox Mundi
Trilha sonora: Rodrigo Coelho e Fernando Almeida
Still: Celso Pereira Jr
Coordenação de Produção: Chrystiane Cruz
Personagens: Deborah Brennand, Francisco Brennand, Ariano Suassuna, César Leal e Nelly Novaes Coelho
Produção: Mariola Filmes/Recife.
Coprodução: Pacto Audiovisual/São Paulo.


Documentário: Tantas e tantas cartas
Sinopse: O filme Tantas e Tantas Cartas é baseado na obra homônima da poetisa pernambucana Deborah Brennand. Aborda um universo lírico e feminino. São cartas familiares enlaçadas de poemas, recusando limites do tempo, onde a prosa e a poesia estão contidas numa literatura simples e bucólica. Não fala de crimes, conta alegres mentiras, deixa a verdade entre o não e o sim, aceita a morte na vida, diz que o paraíso é lindo, acha que o amor existe… Resgatando a simplicidade na natureza. Enfim, quando sonhar já é difícil, dá para distrair.
Ficha técnica
Ano: 2006
Duração: 18 min.
Formato: 35 mm e DVD
Direção e roteiro: Deborah Brennand Mendes
Produção executiva: Malu Viana Batista
Direção de produção: Mariana Brennand Fortes
Coordenação de produção: Chrystiane Cruz
Direção de fotografia: Jane Malaquias
Direção de arte: Renata Pinheiro
Som direto: Roberto Carlos
Montagem: João Maria
Edição de som: Fábrica Estúdios
Mixagem de som: Vox Mundi
Trilha sonora: Rodrigo Coelho e Fernando Almeida
Projeções e arte gráfica: Gilberto Bezerra / Estúdio Zero
Still: Celso Pereira Jr.
Produção: Mariola Filmes/Recife.
Coprodução: Pacto Audiovisual/São Paulo.


Francisco Brennand e Deborah Brennand, anos 1950


FORTUNA CRÍTICA DE DEBORAH BRENNAND
Deborah Brennand - foto: APL/Divulgação
ACCIOLY, Marcus. A poeta Deborah Brennand. em 'Domingo com poesia'. Disponível no link. (acessado em 1.5.2015).
COELHO, Nelly Novaes. Deborah Brennand. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001.São Paulo: Escrituras, 2002. Disponível no link. (acessado em 1.5.2015).
D'OLIVEIRAMárcio. Deborah Brennand. In: interpoetica. Disponível no link. (acessado em 1.5.2015).
OLIVEIRA BEZERRAMárcio de.; RODRIGUES, Lucila Nogueira. O papel da imagem lírica de Deborah Brennand. XV CONIC - Congresso de Iniciação Científica da UFPE, 29 a 31 de outubro de 2007. Disponível no link. (acessado em 1.5.2015).
SIMOES, Ricardo Japiassu. A mãe da poesia - Deborah Brennand. Jornal do Commercio, 2001.
SIMOES, Ricardo Japiassu. O Canto Selvagem de Deborah Brennand. Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Recife, 1 jun. 2006.



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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Deborah Brennand - a poeta. Templo Cultural Delfos, maio/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 1.5.2015.




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