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Paulo Colina - poeta e prosador



Paulo Colina - poeta, prosador e ensaísta, nascido Paulo Eduardo de Oliveira em Colina, estado de São Paulo, a 9 de março de 1950. Membro da geração fundadora dos Cadernos Negros e do coletivo Quilombhoje, estreou com o volume de contos Fogo cruzado (1980), ao qual se seguiram as coletâneas de poemas Plano de voo (1984), A noite não pede licença (1987) e Todo o fogo da luta (1989). 

Traduziu vários poetas japoneses para o português, entre eles Takuboku Ishikawa (1885-1912), Bokusui Wakayama (1885–1928) e Akiko Yosano (1878-1942). Seu conhecimento e traduções da poesia japonesa refletem-se em seu trabalho, que prima muitas vezes pela concisão. Morreu prematuramente em 1999, deixando vários inéditos, entre eles o volume Águas-fortes em beco escuro, que reúne sua produção ensaística.
:: Fonte: DOMENECK, Ricardo. Paulo Colina. in: Revistamododeusar. (acessado em 30.6.2015). 


"Não sou um negro escritor e muito menos um escritor negro. Na verdade, sou um contador de es/histórias tal como meu avô ou meu tio-avô, quando nos reuníamos no
quintal, no verão, ou na cozinha, nas noites frias, sentados em banquinhos de madeira.
Sou um repórter do dia-a-dia, da nossa realidade. Sou um olho-vivo nas vilas, favelas, cortiços, nos sambas, na cidade-vida nossa. O que me difere do meu avô contador de histórias é que eu escrevo ao invés de falar, pois as nossas realidades mudaram muito pouco, e que, contar, para ele, era um ato lúdico, enquanto que para mim é algo compulsório, do qual não posso fugir."
- Paulo Colina, no conto "Fogo Cruzado". em: 'Cadernos Negros 2'. São Paulo: Edição dos Autores, 1979, p. 103.


OBRAS DE PAULO COLINA

Conto
capa do livro Fogo Cruzado, de Paulo Colina
:: Fogo cruzado. [prefácio Fábio Lucas]. São Paulo: Edições Populares, 1980.

Poesia
:: Plano de voo. São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984. 
:: A noite não pede licença. [prefácio Cláudio Willer]. São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.
:: Todo o fogo da luta. São Paulo: Scortecci Editora, 1989.
:: Poesia reunida. Paulo Colina. [edição Eunice Souza e Marciano Ventura; apresentação Oswaldo Camargo; Posfácio Ricardo Riso]. Rio de Janeiro: Ciclo Contínuo Editorial, 2020.

Teatro 
:: Entredentes (Drama para negros em um ato). Inédito.

Ensaio
:: Águas-fortes em beco escuro. Inédito. 199-.

Artigos, ensaios e prefácio
:: Prefácio, ao livro 'O negro escrito – apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira', organizado por Oswaldo de Camargo. São Paulo: Imesp, 1987.
:: Reflexões pela noite viva. comunicação apresentada no 40º congresso anual da SBPC, em 1988.
:: O escritor negro no Brasil, quem é ele? [Manifesto do Triunvirato: Paulo Colina, Oswaldo de Camargo e Abelardo Rodrigues]. In: XAVIER, Arnaldo; CUTI; ALVES, Miriam (org.). Criação Crioula, Nu Elefante Branco. São Paulo: IMESP, 1985. p. 99-100.
:: África para os paulistanos – Um poeta percorre a noite de São Paulo para encontrar e mostrar onde se diverte a beleza negra. In: ANGELO, Ivan, RIBEIRO, Teresa (Coord.); SERVA, Leão (Concepção). O romance de um dia – Fac-símile completo da edição especial do Jornal da Tarde comemorativa da 14ª Bienal do Livro, inteiramente produzida por escritores. São Paulo: Jornal da Tarde, 1996.
:: Um breve tambor nos olhos. In: Simpósio Internacional de Estudos sobre Jorge Amado, 1, 1992, Salvador. Um grapiúna no país do carnaval. Salvador: Edufba, Casa de Palavras, 2000. p. 231-250.

Organização e participação 
Antologia Contemporânea de Poesia
Negra Brasileira, org. Paulo Colina
:: Axé — Antologia contemporânea da poesia negra brasileira. [prefácio Joel Rufino]. São Paulo:  Global Editora, 1982. Prêmio APCA — Associação Paulista de Críticos de Artes — de literatura: Melhor livro de poesia do ano.

Antologias (participação)
:: Cadernos Negros 2 (Contos).. [Organização Luiz Silva Cuti; apresentação José Correia Leite]. São Paulo: Edição dos Autores, 1979.
:: Cadernos Negros 3 (Poesia)São Paulo: Edição dos Autores,1980. 
:: A razão da chama - antologia de poetas negros brasileiros[organização Oswaldo de Camargo]. São Paulo: Edições GRD, 1986.
:: O voo da paz: conceitos de escritores, poetas e artistas plásticos[coordenação Durval Rosa Borges]. São Paulo: IBRASA, 1987.
:: O negro escrito[organização Oswaldo de Camargo]. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987.
:: Poesia negra brasileira – antologia.  [organização Zilá Bernd]. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro,
1992.
:: Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. [organização  Eduardo de Assis]. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011. 4v

Traduções realizadas por Paulo Colina
ISHIKAVA, Takuboku.Tankas. [tradução Paulo Colina e Masuo Yamaki]. São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1ª ed., 1985; 2ª ed., 1986. 
BRUTUS, Denis. Canção da cidade noturna (Night song city).. [tradução Paulo Colina]. In:
Cultura Afro-Brasileira - número especial do Suplemento Literário de Minas Gerais. Org. de Adão Ventura, nº 1033, Belo Horizonte (MG), 26 de julho de 1986.
WAKAYAMA, Bokussi. Tankas de Bokussui Wakayama[tradução Paulo Colina]In: Yashiu, nº 207, São Paulo.Dezembro de 1987.
YOSSANO, Akiko. Tankas[tradução Paulo Colina]In: Yashiu, nº 215, São Paulo. Abril de 1988.
NISHIDA, Sueko. Rolinha[tradução Paulo Colina e Masuo Yamaki]. São Paulo: Edição da autora, 1987.
SOYINKA, Wole. Ulysses – Anotações para minha aula sobre Joyce (“Ulysses – Notes from here to my Joyce Class”); Aos loucos sobre o muro (“To the madmen over the Wall”); Um toque de teia no escuro: (“A Cobweb’s touch in the dark”) e Eu consagro minha carne (décimo dia de jejum): (“I anoint my flesh (tenth day of fast)”): poemas de Wole Soyinka. [tradução Paulo Colina]. In: Escrita, nº 37, São Paulo(SP), 1987.
A poesia ante a porta da liberdade: seis poetas sul-africanos[tradução Paulo Colina]. Jornal da Tarde, Caderno de Sábado. São Paulo: 3/8/1991.
OUTRA gente nada estranha: poesia negra sul-africana contemporânea[tradução Paulo Colina]. In: Exu, nº 29, setembro/outubro 1992, ano V, revista bimensal da Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, Bahia.
TAWARA, Machi. Comemoração da salada[tradução Paulo Colina e Masuo Yamaki] São Paulo: Estação Liberdade, 1992.


"Escrevo porque há que se despertar a consciência adormecida e preguiçosa de nosso povo, porque há que se cutucar com punhais/palavras os marginalizados que são meus personagens (e que provavelmente – não por falta de empenho de minha parte – nem venham a ler meus textos), porque há que se tentar sacudir a classe média, que só tem monstros sagrados e empoeirados e best-sellers, que em nada condizem com a nossa realidade, em suas estantes, uma realidade que fingimos não ver, e porque entendo que a literatura não deveria pertencer a uma determinada classe social e/ou raça."
- Paulo Colina, no conto "Fogo Cruzado". em: 'Cadernos Negros 2'. São Paulo: Edição dos Autores, 1979, p. 103.


*****

POEMAS ESCOLHIDOS DE PAULO COLINA


Paulo Colina - foto: Norma Santos (Revista Afinal, 13.01.1987)
Esboço
O meu braço
laço e corte
é machado-foice-
pau
o meu braço
é cimento
é concreto-britadeira
é parada infernal
sou a fome em sua porta
sou tocaia nas esquinas
olha o cano
olha o punhal
sou o asco
sou só casca
sou o nó que não desata
sou notícia de jornal
não aceito mais açoite
sou orgulho sou bravata
sou açúcar sou o sal
sou o suor pelota e grama
sou cansaço coração
sou a válvula de escape
pro seu ódio emoção
eu sou ginga melodia
berro couro alegria
todo ano carnaval
sou madeira que não verga
sou o dia sou a noite

não faz mal
- Paulo Colina, em "Cadernos Negros 3". São Paulo: Edição dos Autores,1980.

§§

Fênix
Basta!
Chega de tentar nos induzir,
de tentar nos enganar,
de querer nos conduzir,
nos separar;
já não há por que mentir
nem mais razão para esconder
esse sorriso atravessado
de escárnio
em nossas costas esses dentes,
essas presas sempre prontas,
prontas para esfolar.

Nada há de novo sob o sol;
nada além de umas carcaças,
secos Fênix de uma raça
que suposta oprimida,
feito um sonho e pesadelo,
bem um sonho e pesadelo,
renasce para gritar.

Desde que os servos
vindos da noite
não ameacem o reinado,
senhor,
há uma grande união;
desde que os servos
vindos da noite
não disputem seu pão,
meu senhor,
há uma grande união.

Cuide
que de fora desse circo,
lá de fora, sob o sol,
ou entre o arco do poente,
há cabeças, há carcaças,
cinzas Fênix de uma raça
que suposta oprimida,
feito um sonho e pesadelo,
bem um sonho e pesadelo,
renasce para lutar.
- Paulo Colina, em "Cadernos Negros 3". São Paulo: Edição dos Autores,1980.

§§

o medo que me acovarda
a tesoura que me retalha
............ e poda
o pilão que me soca e
............ mói e soca
sentirão
amanhã
minha força
.... reforçada
pelo punho
.... do meu filho 
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Exílio
cansado de todos os fúteis
              motivos
que me obrigam ao combate
a outras sombras vivas
                   de mim
recolho-me (e ao sonho centenário
de um outro quilombo)
irremediável inquilino
à senhoria tristeza
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Agosto
exatamente a esta hora
os garotos escondidos
ao pé da porta cerrada
 do Banco Nacional
entre camas de caixas
......... rompidas
...... de papelão
e trapos de sono e sonho
em quem tropeçamos todos os dias
de manhã
quando passamos pela Rio Branco
em cadência comercial acelerada
ao comando dos relógios de ponto
já estão de velhos pelas ruas
com seus estômagos de vácuo
lustrando sapatos de couro cromo
para-brisas de carros rancorosos
vendendo flores feridas de abandono
cascas de amendoim
com as bocas gritando por substância
ou a exigir com trancos
(mãos de relâmpago nos bolsos
..........,,..  pastas ou bolsas)
e uma corrida desabalada
......... ao imprevisível
......... (ou nem tanto)
o que lhes seria de direito
(de há muito que cobramos
esta dívida eterna)
exatamente a esta hora
soçobramos em um mar de pernas
rostos coxas roliças bustos
......... traseiros ondulantes
pela Paulista São Bento Barão…
(os olhos respingados de números
cartas compromissos a saldar
fichas de computação

......... e desejos estéreis
que iremos tentar adormecer
sobre balcões e mesas
tão logo nos cubra a agonia)
a esta hora exatamente
a esta hora
..... no Rio
bombas explodiram
madeira ossos estuque e artérias
e aqui
os edifícios não moveram
sequer um músculo
......... como sempre
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Pulsações
Assim como a toque de sopro
............... e fome
desgoverno a mão
para buscar minha sombra
entre as pétalas em brasa
a um palmo
............ abaixo
do cordão umbilical
que te fazem de mim senhora,
ardo em febre de vida
a cada palavra
em que transpiro
............ um novo poema
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Sentinelas
Eram três
.......e era noite.

Eram três
e me cercaram.

Era noite
e seca a lâmina fina.

Três pivetes,
meninos sem nome.

Três afluentes do meu sangue.
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Voo
Sob o olhar semi-cerrado
do sol de fins de julho,
os rios musgosos como a coberta
das montanhas entrecortadas
        de veias marrons
são, às vezes, pura prata cintilante.

Daqui, não há limites.
Nem para a noite!

Minhas asas
só precisam de fibras

um pouco mais fortes.
- Paulo Colina, em "Plano de voo". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1984.

§§

Balanço
tudo poderia ter sido melhor
não fosse essa herança amarga
                  de descaminhos

coubesse a mim escolher
novamente abraçaria a noite
entranhada em minha pele

jamais aceitei passivo as contradições
   do que chamam destino

sigo porém criança velejando
contra ventos e marés do mundo


a angústia é uma roleta russa
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Corpo a corpo
a vida é uma horda bárbara
de sentimentos

as noites tentam desde o princípio
          de tudo
a derrubada de estigmas primários

o cotidiano tem sempre à mão
um repertório de sambas e blues

o papel branco vive me jogando
desafios na cara

ser marginal todavia
só interessa à paixão

bastaria ao poema apenas

a cor da minha pele?
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987. 

§§

Forja
entre uma calmaria
          e outra
do mar de nossas peles
me bastaria amor cantar o fogo
que somos na nascente
          de suas coxas

mas há essa dor de outros tempos
e corpos
essa rosa dos ventos sem norte
na memória sitiada da noite

embora o gesto possa ser
no mais todo ternura
o poema continua um quilombo
          no coração
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Fronteiras
sei das fronteiras
          que a mim traçaram
desconheço contudo qualquer porta
que a noite não pede licença
que a pele é surda
          e grita

sei da solidão que pudessem
          os fracos
sempre a mim legariam
e paciente tocaio afetos
          no momento desatento

ignorar porém quisera
que um beijo igualmente dilacera

que um beijo igualmente dói
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Oferenda
É certo:
ascendentes presenças não se distanciarão
........................................ nunca
um dedo além do meu ego.
E todo o ruído das ruas
nada mais é que um emergente sussurro
...................................... quilombola.
Igual que as pancadas pluviais de verão,
é impossível prever, com segurança, quando
o banzo desabará sobre mim.
Mas sigo me desanuviando.
Em mim, sempre é verão
(âmago abrasivo transpirando, irriquieto,
toda sorte de desejos e lutas).
Os tambores que persistem nas noites
........................................ dos tempos
não embalam simples recordações: –
há que se recriar paciente
nosso universo turvo.
Meus músculos estão todos prontos.
Se quiser, mulher, começamos já.
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Pressentimento
Maio,
treze,
mil oitocentos e oitenta e oito,
me soam como um sussurro cósmico.

A noite sobressaltada
por sirenes me sacode.

Reviro os bolsos à procura do passe
que me permite, São Paulo, cruzar ruas
em latente paz.

A Princesa esqueceu-se de assinar
nossas carteiras de trabalho.

Desconfio, sim, que Palmares vivo
é necessário.
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Solitude
Dentro desta noite cúmplice
tudo se funde
                     em meus ouvidos:
o assobio plano do vento
e as ondas pontuais das vozes
                     e gargalhadas
no interior dos bares.

Já estive em três deles. E até agora,
nenhuma cadeira me aqueceu direito;
nada do que bebi me caiu bem.

As horas se arrastam ao rés dos edifícios
do centro capital,
alheios à soturna clausura das palavras
dentro de mim.

Pelas ruas,
cada ponto de ônibus
é um cão vadio roendo silêncios.
Meu peito é um vão

por onde toda a cidade transita.
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Forma e conteúdo
Quero a rima no tremor
de nossas carnes em delírio,
paixão,
no marulhar sudorento
dos nossos corpos saciados.
E só.

o poema quero branco
puro espanto face porta
............ arrebentada
noite plena.
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Rosa dos ventos
Inútil buscar os rastros da Noite
nos livros de história.
Nossos rumos dormem antigos
sob a poeira da discórdia.
- Paulo Colina, em "A noite não pede licença". São Paulo: Roswitha kempf Editores, 1987.

§§

Nação
Há este arfar gordo:
batidas pontuadas de pés no chão.
Não nos cabe agora o cão das salivas,
o fel que navega de tempos em tempos
por nosso território.
Não nos cabe agora o bisturi
                          das dúvidas 
Este o momento de desatar nós internos
                         com nossas canções.
Onda negra de rostos contra o sol.
E essa cerca colorida de arcos
                            de berimbau
em movimento.

Resistir jamais será um equívoco.
- Paulo Colina, em "Todo o fogo da luta". São Paulo: Scortecci Editora, 1989.

§§

Campestre
passado que nunca vivi
amplitude acalentada nos socavacos da mente

na brisa que andarilha
nenhuma lembrança de voz
prenúncios talvez de carícias

sem qualquer vestígio das cidades
a mulher recostada no mourão
...... trama não sei que passo
perdida em distâncias

ah destino contestado
o cenho franzido da lagoa
...... ......  indecifrável
não pode me falar de paciência

recostado no mourão
o vulto da mulher arde
contra a chama pálida do sol
que resiste ao longe
borrando o lençol d’água

é chegada a hora de todas as verdades
uivo minha escuridão
- Paulo Colina, em "Todo o fogo da luta". São Paulo: Scortecci Editora, 1989.

§§

Consciência
soberania
amor estranho às carícias
................ do meu povo
em nossos olhos
a calma embaçada dos tanques
ante esses tempos fáceis
................ de poder
a dor antiga tem uma só voz

crepita incontrolável
meu remordimento
- Paulo Colina, em "Todo o fogo da luta". São Paulo: Scortecci Editora, 1989.

§§

Radial
Não é grande conhecimento
saber o número preciso de átomos
......... que compõem uma molécula.
Nem de grande serventia
todas as armas que engraxo
cauteloso do momento indefinido.
Pobres de nós, minha preta!
– O vício da mordaça;
o hiato dos nossos nomes
- Paulo Colina, em "Todo o fogo da luta". São Paulo: Scortecci Editora, 1989.

§§

Melancolia
............................................... A Anahi de Olarte

Cada dia
me entristeço um pouco mais.
Os dias gotejam gotas
                                  de vida,
vaza que vaza torneira lenta;
as noites cospem grãos
                                de areia
na ampulheta
de um tempo frustrado.
Onde o calor
do seu corpo molhado?
Onde a pressão das coxas,
a voragem do negro
                            baixo-ventre?
Os dias gotejam gotas
                          de vida,
vaza que vaza torneira lenta,
vaza que vaza!
Cada dia
me entristeço um pouco mais.
- Paulo Colina (22/11/99)

§§

Espreita noturna
............................................. para o poeta Abelardo Rodrigues

Tem sempre algo
de porre
na caída de sono
das pálpebras cansadas
da tarde,
e um dedo de raiva
na fuga do cimento
das colmeias
(raiva e medo),
e o princípio cego
das peregrinações
ao tudo e ao nada.
Há pontas de desespero
nas brasas insensíveis
dos cigarros
e um fio minguado
de esperança
para atiçar
o impossível calor
dos quartos vazios.
Tem sempre um rosto,
um corpo de mulher,
no fundo dos copos.
Há sempre uma tocaia
da morte
no seio insone da noite
e um sorriso de criança
rasgando o ventre virgem
das manhãs.
- Paulo Colina

§§

Profissão
Sou noite. E não me cabe máscara 
............. alguma nas palavras que pinto.
Enquanto quase tudo expande 
............. no silêncio da mordaça
colmeias de zumbidos, 
semeio palavras que verto.
Quando tenta incívica força 
................. despir minha pele,
mais agasalho o sol necessário,
cuspo em leito seco.
Sou noite. E não me cabe máscara 
alguma nas palavras que pinto.
- Paulo Colina, em "Poesia reunida". [edição Eunice Souza e Marciano Ventura]. Rio de Janeiro: Ciclo Contínuo Editorial, 2020.

§§

A barra da noite
Al amanecer 
en el bar a la deriva 
el deshielo del enorme espejo donde los bebedores solitarios 
contemplan la disolución de sus facciones - Octavio Paz

*

escarcéu de vozes 
bruma de corpos 
no bar à deriva 
.............  madrugada adentro 
soltos
todos os nossos sonhos 
deslizam sombras lentas 
paredes abaixo 
e somem ao rés do chão 
por todo canto
grafites a unha
tentam reter um desejo 
acalentado entre dentes
no que jaz dentro do maço de cigarros 
amassado sobre a mesa
no gosto de fim de copo
a nossa obstinação na convivência 
quem sabe por vir 
e a rotina letal da volta
................................. ao trabalho 
com os olhos borrados
................................. de sol da manhã 
- Paulo Colina, em "Poesia reunida". [edição Eunice Souza e Marciano Ventura]. Rio de Janeiro: Ciclo Contínuo Editorial, 2020.



*****

Paulo Colina, Miriam Alves e Osvaldo de Camargo (autografando) São Paulo, 1986


FORTUNA CRÍTICA DE PAULO COLINA

[Estudos acadêmicos - dissertações, monografia, ensaios, artigos e livros]

ALMEIDA, Edimilson de.. A duração do discurso Poético. In: Livraria Mega Fauna, 14 de agosto 2022. Disponível no link. (acessado em 7.4.2024).
BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense, 1988. 
BERND, Zilá (org.). Poesia negra brasileira: antologia. Porto Alegre: AGE; IEL; IGEL, 1992. 
BERND, Zilá. O plano de vôo de Paulo Colina. João Cândido, São Paulo, n. 3, mar. 2003.
BERND, Zilá. O plano de vôo de Paulo Colina. Jornal Causa Operária (Caderno Cultural), São Paulo, p. 3 - 3, 13 mar. 2000.
BICALHO, Gustavo de Oliveira. “Bastaria ao poema apenas a cor da minha pele?”: Imagens do arquivo literário afro-brasileiro de Paulo Colina. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, 2014. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015).  
BICALHO, Gustavo de Oliveira. Do emparedamento solitário aos planos de voo: caminhos em Paulo Colina. in: literafro. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015).
BICALHO, Gustavo de Oliveira. Do emparedamento solitário aos planos de voo: caminhos em Paulo Colina. In: Constância Lima Duarte, Eduardo de Assis Duarte, Marcos Antônio Alexandre. (Org.). Falas do Outro - literatura, gênero, etnicidade. Belo Horizonte: Nandyala, 2010, v. , p. 201-211.
BICALHO, Gustavo de Oliveira. Paulo Colina: autor afro-brasileiro. (Monografia Graduação em Letras). Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, 2011. 
BICALHO, Gustavo de Oliveira. Arquivo afro-brasileiro: questões para uma biografia intelectual de Paulo Colina. Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015). 
Paulo Colina - foto: (...)
BORGES, Durval Rosa (Coord.). O voo da paz: conceitos de escritores, poetas e artistas plásticos. São Paulo: IBRASA, 1987.
CUTI, Luiz SilvaFundo de quintal nas umbigadas. In: XAVIER, Arnaldo; CUTI; ALVES, Miriam (org.). Criação Crioula, Nu Elefante Branco. São Paulo: IMESP, 1985. p. 151-159.
CAMARGO, Oswaldo de.. Meu companheiro Paulo Colina, Poeta no claro e no escuro. João Cândido, São Paulo, n. 3, mar. 2003.
CAMARGO, Oswaldo de (org.). O negro escrito – apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira. São Paulo: Imesp, 1987.
CAMARGO, Oswaldo de.. 11 anos sem Paulo Colina (1950 - 1999). in: blog Oswaldo Camargo, janeiro 2010. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015).
COSTA, Eduarda Rodrigues. O preconceito não pede licença. in: literafro. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015).
DUARTE, Eduardo de Assis. Paulo Colina. In: ______. Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica – v. 2: Consolidação. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011. p.409-426.
FERREIRA, Lígia Fonseca. Entrevista com Oswaldo de Camargo. Via Atlântica, São Paulo nº 18, dez. 2010.
FESTER, Antonio Carlos Ribeiro. Um bilhete para Paulo Colina. in: DHNet. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015). 
FLORES, Guilherme Gontijo; CAPILÉ, André. Paulo Colina (1950—1999). In: Escamandro, 20.10.2020. Disponível no link. (acessado em 7.4.2024).
IANNI, Octavio. Literatura e consciência. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. Ed. comemorativa do Centenário da Abolição da Escravatura. São Paulo: USP, n° 28, 1988. 
KOTHE, Flavio René. Usando a linguagem para poder contestá-la, resenha de Fogo cruzado de Paulo Colina.. Jornal da Tarde, São Paulo, , v. 1, p. 1 - 1, 5 jul. 1980.
LITERAFRO. Paulo Colina. in: literafro. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015).
LUCAS, Fábio. Prefácio. In: COLINA, Paulo. Fogo cruzado. São Paulo: Edições Populares, 1980.
NABOR JR.; ALMEIDA, Neide. Trouxestes a chave. In: revista O Menelick 2º Ato, outubro 2019. Disponível no link. (acessado em 7.4.2024).
NEVES, Denilson de Souza. Pantheon: Notas sobre a produção poética de Paulo Colina (Conclusão do Curso de Graduação em Letras). Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, 2024. Disponível no link. (acessado em 7.4.2024).
PEREIRA, Edimilson de Almeida (org.). Um tigre na floresta de signos: estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições; Juiz de Fora: PPG-Letras/ Estudos Literários/ Faculdade de Letras - UFJF, 2010.
RISO, Ricardo. Paulo Colina: pequenas considerações descompromissadas sobre este negro poeta-ensaísta instigante. in: Blog Ricardo Riso, 17 de maio de 2014. Disponível no link. (acessado em 30.6.2015). 
RISO, Ricardo. Paulo Colina – Poesia reunida. In: LiterAfro, UFMG, dezembro de 2020. Disponível no link. (acessado em 7.4.2024). 
WILLER, Cláudio. Prefácio. In: COLINA, Paulo. A noite não pede licença. São Paulo: Roswitha Kempf, 1984.
XAVIER, Arnaldo. Dha lamba à qvizila. In: XAVIER, Arnaldo, CUTI, ALVES, Miriam (org.). Criação Crioula, Nu Elefante Branco. São Paulo: IMESP, 1985. p. 89-100.


Arnaldo Xavier, Abelardo Rodrigues, Oswaldo de Camargo e Paulo Colina
- foto: Norma Santos (Revista Afinal, 13.1.1987)

FILMOGRAFIA PAULO COLINA (ATOR)


Filme: Os insaciados
Ano: 1981
Duração: 92 min.
Gênero: Drama
Direção e roteiro: Libero Miguel

capa do livro "Todo o fogo da luta
de Paulo Colina


REFERÊNCIAS E OUTRAS FONTES DE PESQUISA
:: Antonio Miranda
:: Colinas Paulo
:: QuilombHoje (site)
:: QuilombHoje (Blog)


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COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Paulo Colina - poeta e prosador. Templo Cultural Delfos, abril/2024. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 7.4.2024
* Página original JUNHO/2015.




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Amélia Dalomba - uma poeta angolana

Amélia da Lomba - foto (...)


Amélia Dalomba, nome literário de Maria Amélia Gomes Barros da Lomba do Amaral. A poeta e prosadora nasceu a 23 de Novembro de 1961, na província de Cabinda, em Angola. Tem artigos e poemas publicados em revistas e jornais e participações em CDs musicais angolanos, com letras e músicas. Ministra palestras sobre literatura e culturas de Angola, bem como sobre as relações de gênero em seu país.

Estudou Psicologia Geral e simultaneamente desenvolveu a sua atividade profissional na área do Jornalismo, nomeadamente o jornalismo radiofônico e de imprensa. É colaboradora do Jornal de Angola, tendo publicado alguns dos seus textos poéticos na sua página cultural. Frequentou diversos seminários de Jornalismo, Administração e Gestão de Empresas e Formação Política.

Integrando a geração de 80, denominada pelo crítico e poeta Luís Kandjimbo como a "Geração das incertezas", ao lado de nomes como Ana Paula Tavares, Ana de Santana, Lisa Castel, entre outros, Amélia Dalomba é uma das novas vozes femininas do universo literário, cujo contributo se reveste da maior importância para o desenvolvimento da poesia angolana. Como a obra dos restantes poetas dessa geração, filha da geração da guerra colonial, a sua poiesis, assentando num projeto metalinguístico e literário de recuperação da língua, constituiu-se como um espaço de denúncia da realidade angustiante vivida na sua Angola pós-independência, sem cair no "panfletarismo ideológico" que, muitas vezes, compromete a qualidade estética.

Fruto da grande desilusão provocada pela situação de corrupção, de fome, de miséria e de total desrespeito pelos direitos humanos, que caracteriza Angola, a poesia desta autora projeta, então, um "sujeito poético" desconcertado e desiludido, que vai usar a melancolia, associada à resistência, como forma de se libertar da catástrofe social que o envolve.

É galardoada com a Ordem do Vulcão – Medalha de Mérito de 1º Grau da República de Cabo Verde.
Amélia Dalomba é membro da União dos Escritores Angolanos em cujos corpos gerentes tem ocupado diversos cargos.
:: Fonte: ricardorisoEmbaixada de Angola (acessado em 29.6.2015).


CONDECORAÇÃO
::  Medalha da Ordem do Vulcão pelo Presidente de Cabo Verde, 2005.


Amélia da Lomba - foto (...)

OBRA DE AMÉLIA DALOMBA

Poesia
:: Ânsia. Luanda: Editora UEA, 1995, 35p.
:: Sacrossanto refúgioLuanda: Editora Edipress, 1996, 62p.
:: Espiga do Sahel. Coleção os nossos poetas, 8. Luanda: Editora Kilomlombe, 2004, 111p.
:: Noites ditas à chuvaLuanda: Editora UEA, 2005, 78p.
:: Sinal de mãe nas estrelasSão Paulo: Zian Editora, 2007.
:: Aos teus pés quanto baloiça o vento. São Paulo: Zian Editora, 2008.
:: Cacimbo 2000. Luanda: Editora Patrick Houdin-Alliance Française de Luanda, 2000.

Prosa
:: Uma mulher ao relento. Belo Horizonte MG: Nandyala Editora, 2011.

Infanto-juvenil
:: Nsinga - o mar no signo do laço. Luanda: Mayamba, 2012.

CD - Áudio poesia
:: Verso prece e canto. Luanda: Editora N’Gola Música, 2008.

Antologias (participação)
:: Antologia da poesia femenina dos PALOP (Paises Africanos de Lingua Oficial Portuguesa).. [organização Xosé Lois García]. Coleção Vento do sul, 10. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 1998. {poetas presentes: Alda Lara, Emelinda Pereira Xavier, Eugenia Neto, Maria Eugénia Lima, Manuela Abreu, Deolinda Rodrigues, Maria Celestina Fernandes, Paula Tavares, Lisa Castel, Maria Alexandre Dáskalos, Dorina, Isabel Ferreira, Ana de Sant'Ana, Maria Amélia Dalomba, Ana Branco, Dina Salústio, Arcília Barreto, Ana Júlia, Vera Duarte, Alzira Cabral, Lara Araujo, Paula Martins, Eunice Borges, Domingas Samy, Mariana Ribeiro, Maria Odete da Costa Semedo, Glória de Sant'Ana, Clotilde Silva, Noémia de Sousa, Maria Manuela de Sousa Lobo, Josina Machel, Joana Nachaque, Maria Emília Roby, Rosalia Tembe, Maria Manuela Margarido, Alda do Espírito Santo, Ana Maria Deus Lima, Conceição Lima, Amélia Veiga}.
:: Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX: Angola. [organização Cármen Lúcia Tindó]. Luanda: Kilombelombe, 2000.
:: Todos os sonhos: Antologia da poesia moderna angolana.. [Organização Adriano Botelho de Vasconcelos]. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006. 
:: O amor tem asas de ouro.  Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006.
:: Meu céu, céu de todos, céu de cada um. [organização Renan Medeiros]. São Paulo: Editora Zian, 2006.
:: Mögen Pitangas wachsen (Oxalá cresçam pitangas). Antologia de literatura de Angola. colectânea dividida em duas partes, prosa e poesia. [organização Ineke Phaf-Rheinberg; tradução Bárbara Mesquita]. Edição bilíngue alemão/português. Instituto Goethe, 2014.

Obra traduzida
:: La canción del silencio: poemas de Amélia Dalomba. [selección, traducción y presentación Olga Sánchez Guevara]. Cuba, 2014.

Amélia da Lomba - foto (...)

POEMAS ESCOLHIDOS DE AMÉLIA DALOMBA


A canção do silêncio
A canção do silêncio é um poema ao suspiro
Mergulhado
Na profundeza do Índigo

O olhar de uma santa de barro

A linha do equador à deriva do pensamento
Gelo e sal e larva e mel

A canção do silêncio
- Amélia Dalomba, em "Todos os sonhos" (Antologia da poesia moderna angolana).. [Organização Adriano Botelho de Vasconcelos]. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006. 


Amor em carta aberta
relembrando Fernando Pessoa

Meu amor
venho em carta aberta, dizer o seguinte:
de ti vi nascer a paz!
Crescer árvores nos baldios das minhas solidões onde
pássaros chilreiam e anunciam o sol e a chuva ao deserto.
Tua chegada trouxe o projecto de uma casa com dois cómodos
apinhados de livros, um pomar de rica sombra e nossos netos
de todas as cores, a treparem pelas nossas bengalas e cadeiras
de verga balanceando com seus choros e fraldas molhadas;
De ti recebi o amor, verdadeiro de mais, para se esbanjar
pela cercania da mágoas. Hoje enquanto o céu caía sobre
mim, da chuva das tuas lágrimas compreendi a imperfeição
da minha alma! E o que me levou a desentender o percurso 
de nós. Vejo que o abismo pode estar onde menos se espera,
até, imagina, na esquina desta entrega que nos parecia ser
capaz de superar todas as crateras e enfrentar as trevas ... 
quanta crueldade!
Enfim, este adiamento ao nosso reencontro e aos nossos
corações, talvez traga maior maturidade e aceitação da vida
com a serenidade das coisas simples:

Somente!
- Amélia Dalomba, em "Aos teus pés, quanto baloiça o vento". São Paulo: Zian Editora, 2006, p. 45.


Espigas do Sahel
Espigas
espigas brotam do Sahel
pioneiras da liberdade
a caminhar sem cautela
pela floresta carregada de espinhos

Pessoas
pessoas
cruzam o meu caminho
penetram lentas e vagarosas
como
térmitas
na sala de interrogatórios
descubro o travo da
traição

Prefiro as hienas
e os lobos
que uivam constantes
todos sabem
donde e onde estão

Do ventre do bosque
ainda que faça silêncio
imaginam meu pensamento
ainda que cerre os dentes
e digo não penso
há gente que diz: mente

Não falo
não penso
oh gente da terra quantas vezes
ofereceis
malavu sem provar 
Amélia Dalomba, em "Espigas do Sahel". Luanda: Kilombelombe, 2003, p. 55-56.


Herança de morte
Lírios em mãos de carrascos
Pombal à porta de ladrões
Filho de mulher à boca do lixo
Feridas gangrenadas sobre pontes quebradas
Assim construímos África nos cursos de herança e morte
Quando a crosta romper os beiços da terra
O vento ditará a sentença aos deserdados
Um feixe de luz constante na paginação da história
Cada ser um dever e um direito

Na voz ferida todos os abismos deglutidos pela esperança
- Amélia Dalomba, em "Todos os sonhos" (Antologia da poesia moderna angolana).. [Organização Adriano Botelho de Vasconcelos]. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006. 


Mãos
Mãos desenham raízes dos cânticos da terra
Geram vida na identidade da flor entre o espírito da letra
Engendram salmos na inserção da cruz às preces das dores
Mãos são séculos de páginas aos joelhos de Fátima

São lágrimas ao altar do desespero
- Amélia Dalomba, em "Todos os sonhos" (Antologia da poesia moderna angolana).. [Organização Adriano Botelho de Vasconcelos]. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006. 


Na milésima de tempo
A inversão do mundo nos cabelos do infinito
Uma lua apagada de prazer
A razão é um jardim florido pela ilusão

Na milésima de tempo de uma entrega
- Amélia Dalomba, em "Todos os sonhos" (Antologia da poesia moderna angolana).. [Organização Adriano Botelho de Vasconcelos]. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2006. 


Amélia da Lomba - foto (...)

FORTUNA CRÍTICA DE AMÉLIA DALOMBA

[Estudos acadêmicos - teses, ensaios e artigos]
ARRIMAR, Jorge. A nova poesia angolana - a geração de 80 do século XX. Zunai - Revista de poesia & debates. Disponível no link. (acessado em 29.6.2015).
COELHO, Tomás Lima. Autores e escritores de Angola - naturalidade e bibliografia. 2013. Disponível no link. (acessado em 29.6.2015).
FERREIRA, Vera Lúcia da Silva Sales. Lembrar e carpir: estratégias de construção de poemas escritos por mulheres nas literaturas africanas de língua portuguesa. (Tese Doutorado em Letras). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas, 2011. Disponível no link. (acessado em 29.6.2015). 
SECCO, Carmen Lucia Tindó. A literatura e a arte em angola na pós-independência. Conexão Letras, Vol. 8, nº 9, 2013. Disponível no link. (acessado em 29.6.2015). 


ESTÓRIAS
Nsinga – o mar, no signo do laço
I
Chegava a cada dois anos vestido de branco, como um príncipe dos muitos livros e cadernos que trazia, estes últimos que tanto jeito faziam à mamã para embrulhar ginguba e micates nas suas folhas arrancadas sempre do meio, para segundo ela, “o caderno não chorar".
Eu gostava de ver o tio chegar!
A miudagem toda em volta dele, os adultos ajudando a transportar as bicuatas . Era uma festa.
A casa ficava cheia de embarcadiços que andavam de porto em porto e contavam estórias, dando presentes.
O que eu mais gostava era quando o tio, com o olhar sério, perguntava ao meu pai: “Mano, como vão os meninos na escola"?, acariciando-nos com o olhar, como se fôssemos o único propósito das suas canseiras. Ele mandava sempre o dinheiro para os nossos estudos; éramos dos poucos meninos, no nosso bairro pobre, que estudávamos sem isenção de propinas e andávamos calçados. O tio cuidava para que nada nos faltasse. Éramos sete meninas e dois rapazes.
Não sei porque razão não tinha filhos, mas casara-se, diziam os mais velhos, no Brasil com uma linda senhora de cabelos tão negros e compridos que suas trancas pareciam duas longas lianas floridas em cada lado do rosto. Eu cheguei a sonhar com ela, mas aparecia sempre em sonhos com o rabo de peixe, como uma sereia pelo que não contava para ninguém. Como é que afinal, a mulher do tio habitava misteriosamente as águas salgadas, do outro lado do bairro onde morávamos?

II
Nós vivíamos entre o rio e o mar. A mãe proibianos de tomar banho nas águas salgadas da praia, porque, dizia perigosas demais para as crianças pequenas; mas Futi adorava tanto aquelas águas que, quando entrava o cheiro da maresia pelas persianas da nossa linda casa de madeira à beira da estrada grande, onde passavam os camiões carregados de toros de madeira, ela deixava soltar num suspiro: “Lando, um dia vou mesmo tomar banho no mar ..." Sabíamos, ela e eu, ser isso precisamente o que nunca deveria fazer, segundo nossos pais, até atingir a idade de entrar no tchikumbi , ao que eu advertia: “se voltas a dizer isso, vou queixar à mama". Ela, com um sorriso estranho nos lábios, sempre resmungava: “humm, queixinhas, estava só a brincar" ...
Passara-se, pelo menos, mais de um ano desde a última vinda do tio e a nossa vida voltara a monotonia de sempre, quando vozes estridentes se fizeram ouvir:
“Futi se afogou socorro, socorro; Futi se afogou ..."
Suas coleguinhas, ainda sujas de areia da praia e batas molhadas, traziam os pertences de minha irmã querida, de apenas 7 anos: a pasta da escola, a bata e um par de sandálias castanhas muito usadas, com a marca de seus dedos bem marcados".
- Amélia Dalomba, em "Nsinga – o mar, no signo do laço". Luanda: Mayamba Editora, 2011.
:: Fonte: poetenladen


ENTREVISTA
A escritora e jornalista Amelia da Lomba fala - nos das suas vivências no " Fair Play". A carismática apresentadora, Kenia Sandão, delicia - nos com uma brilhante entrevista deixando - te informado sobre esta ilustre figura Angolana.

FAIR PLAY com a escritora e jornalista Amelia da Lomba



Amélia da Lomba - foto (...)
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OUTRAS FONTES DE PESQUISA
:: Antonio Miranda
:: Embaixada de Angola (Brasil)

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© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske


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Trabalhos sobre o autor:
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Amélia Dalomba - uma poeta angolana. Templo Cultural Delfos, junho/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 29.6.2015.
* Página original JUNHO/2015.




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