Não te dirá jamais, indiferente e calma,
Da natureza a muda e implacável esfinge
A razão por que acende o desejo em tua alma/De um bem que atrai, que foge e que nunca se atinge.
Maria Júlia Cortines Laxe, escritora, nascida em Rio Bonito, RJ, em 12 de dezembro de 1863(1) e faleceu no Rio de Janeiro (então Capital Federal), no dia 19 de março de 1948. Filha do jornalista e deputado federal João Batista Cortines Laxe e de Júlia Mesquita Cortines Laxe, gozou de educação refinada, estudando em sua terra natal, em Niterói e posteriormente no Rio de Janeiro. Autodidata, aventurou-se cedo nas letras, lendo o que lhe chegava às mãos.
Da natureza a muda e implacável esfinge
A razão por que acende o desejo em tua alma/De um bem que atrai, que foge e que nunca se atinge.
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Maria Júlia Cortines Laxe, escritora, nascida em Rio Bonito, RJ, em 12 de dezembro de 1863(1) e faleceu no Rio de Janeiro (então Capital Federal), no dia 19 de março de 1948. Filha do jornalista e deputado federal João Batista Cortines Laxe e de Júlia Mesquita Cortines Laxe, gozou de educação refinada, estudando em sua terra natal, em Niterói e posteriormente no Rio de Janeiro. Autodidata, aventurou-se cedo nas letras, lendo o que lhe chegava às mãos.
Aos 13 anos, escreveu os primeiros versos aos 21, já
colaborava em periódicos da Corte. Aperfeiçoou-se em literatura e desenvolveu
longa carreira no magistério, abrigando em classe alunos importantes como Lúcio
Costa e Haroldo Valadão.
Apesar da morte em idade avançada (85 anos), Júlia deixou
um exíguo montante de dois livros, Versos (1894) e Vibrações (1905), o primeiro
publicado aos 31 anos e o outro aos 42 anos, restando, para antes e depois
desse intervalo, quase três décadas de silêncio, eventualmente quebrado por
textos esparsos em periódicos ou adormecidos na gavetas(2). Abandonado por críticos de
peso, o título inaugural veio a lume pela Leuzinger, uma das mais atuantes
tipografias da nossa belle époque. O
êxito crítico e editorial repetiu-se quando apareceram Vibrações. José
Veríssimo, por exemplo, afirma que este livro "vale mais, muito mais, do
que em geral a obra das nossas poetisas e até do que a da maioria dos nossos
inúmeros poetas" (1907: 171), distanciando-se "magnificamente da
poesia de água de cheiro e pó de arroz da feminina brasileira" (1907:175).
Com propriedade, Sânzio de Azevedo destaca que Veríssimo a louvou tão
veementemente quando ainda viviam os maiores nomes do parnasianismo no Brasil
(2004: 122), o que tonifica o encômio. [...]
Entretanto, à hospitalidade pretérita sucedeu o gradual
esquecimento de Júlia Cortines, sequestro circunscrito ao descaso geral com o
parnasianismo: na batalha modernista, o Parnaso serviu de pode expiratório,
sendo sacrificado no século XIX por pecados inventados no XX. [...]
_____
(1) Péricles Eugênio da Silva Ramos (1959), Afrânio
Coutinho (2001) e Sânzio de Azevedo (2004) registraram o nascimento de Júlia
Cortines em 1868. No entanto, da folha de rosto da biografia de Renato de
Lacerda (cf. referências) consta que o livro corresponde a uma conferência por
ele ministrada "na noite de 13 de dezembro de 1963, ao ensejo do 1º
centenário de nascimento da grande poetisa fluminense" (1967: I), o que
indicaria ter a autora nascido cinco anos antes do comumente apontado. Apesar
de não termos consultado a certidão de nascimento de Júlia Cortines, há outro
indicio de que o ano correto seja 1863: o biógrafo, conterrâneo da poetisa,
baseou-se na Monografia de Rio Bonito (1946), de Roberto Pereira dos Santos,
pesquisador que contatou a autora (cf. 1967:80).
(2) Em linguagem rebarbativa, Renato de Lacerda alude
à produção contínua de Júlia Cortines: "Ao escalar as culminâncias da
idade provecta, na ânsia de apreciar de mais perto as pirilâmpicas iluminuras
das constelações, o estilete de sua pena octogenária ainda cinzelava marmóreas
peças do mais fino lavor estilístico" (Lacerda: 1967: 37. O biógrafo
transcreve três poemas inéditos da autora...
___
Fonte: ARAÚJO,
Gilberto. Descortinando Júlia. em
"Versos - Vibrações - Júlia Cortines". [apresentação Gilberto
Araújo].. (Coleção Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 2010. Disponível no link. (acessado em
11.5.2014).
OBRA DE JÚLIA CORTINES
Poesia
:: Versos. Rio de Janeiro: Typ.
Leuzinger, 1894.
:: Vibrações. Rio de Janeiro:
Laemmert & C. – Editores, 1905.
Poesia reunida
:: Versos - Vibrações de Júlia Cortines.[apresentação
Gilberto Araújo].. (Coleção Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio
de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010, 194p. Disponível no link. (acessado em 11.5.2014).
Antologia (participação)
:: Roteiro da Poesia Brasileira – Parnasianismo. [seleção e prefácio de Sânzio de Azevedo].
São Paulo: Global Editora, 2007.
:: A poesia fluminense no século XX: antologia.
[Seleção e organização Assis Brasil].. (Coleção poesia brasileira). Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Imago; UMC, 1998, 322p.
Colaboração em jornais e revistas
Escreveu para o jornal O País, tendo sua própria coluna, "através da vida". Colaborou com as revistas: A semana; e A Mensageira- revista literária dedicado à mulher brasileira, editada por Presciliana Duarte de Almeida.
“Júlia Cortines ... Praticamente
esquecida em nossos dias, sua poesia forte e original mereceu elogios de alguns
dos maiores nomes da literatura brasileira nos primeiros anos do século XX,
chegando a ser considerada uma das "três Júlias" mais famosas da
época, isto é, ela, Francisca Júlia da Silva (ambas poetisas) e Júlia Lopes de Almeida, romancista. Obra poética: Versos (1894) e Vibrações (1905)."
![]() |
Júlia Cortines jovem |
POEMAS
ESCOLHIDOS
Alma Solitária
O que sentias
era o que ninguém sentia:
– O ódio, o
amor, a saudade, a revolta tremenda.
Não há ninguém
que te ame e te console e entenda.
Ninguém
compartilhou tua funda agonia.
A alma que
possuir acreditaste, um dia,
Indiferente,
vai a trilhar outra senda.
Do infinito
deserto ergueste a tua tenda
Em meio à
solidão da paisagem vazia...
E ora num voo
audaz, ora num voo incerto,
Entre o fogo do
céu e a areia do deserto,
A asa da
aspiração finalmente cansou...
Mas a tua
ansiedade e a tua angústia acalma.
– Sobre o
abismo cavado entre as almas, ó alma,
Ninguém, para
transpô-lo, uma ponte lançou.
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Eternidade
Eternidade
d’alma! ilusória miragem,
Que a alma
busca através da crença e do terror,
A idear uma
calma ou sombria paragem
De infinito
prazer ou de infinita dor!
Por que há de
haver além, noutro mundo distante,
Um prêmio
eterno para a virtude mortal?
E para o ser
que vive apenas um instante
Por que há de
ser eterno o castigo do mal?
Que outros
pensem que um dia a efêmera ventura
Eterna possa
ser, e o efêmero pesar.
Que outros
pensem que irão na constelada altura,
Co’outra forma
e outra essência, a vida renovar...
À minha alma
debalde essa ilusão convida.
Sem crença e
sem terror, é-lhe grato saber
Que por destino
tem, sobre as ondas da vida,
Um instante
boiar, e desaparecer...
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Anfitrite
(Sobre uma página de Fénelon)
Tinta a escama de azul e de oiro, solevando
Em seus brincos a vaga espúmea, pelo bando
Dos alegres tritões, que os búzios retorcidos
Sopram, enchendo o ar de músicos ruídos,
Acompanhados, vão os ligeiros golfinhos
Seguindo de Anfitrite o carro, que marinhos
Corcéis, – que têm na cor cetinosa do pelo
A brancura da neve e o polido do gelo,
O olhar esbraseado, a boca fumegante, –
Levam, abrindo a onda, em rota triunfante,
Deixando após, no mar tranquilo e bonançoso,
Como um rastro de luz, um sulco luminoso...
A concha de marfim, de admirável feitura,
Em que se assenta a deusa, esplêndida fulgura,
E parece voar, com as rodas doiradas,
À superfície azul das ondas acalmadas,
Seguida de um tropel de ninfas, a que o vento
Desenrola na espalda o cabelo opulento.
Ela tem a serena e fria majestade
Que afrouxa o vendaval e afrouxa a tempestade.
E, enquanto, com uma mão, empunha o cetro de oiro,
Co’a outra, sobre o joelho ampara o filho, o loiro
E tenro Palemon, de seu seio pendente.
Como um pálio, no azul se destaca, fremente,
A púrpura de um véu, que sobre o carro esplende,
E que o brando soprar dos zéfiros suspende.
Vê-se Éolo no ar, com o aspecto severo,
O semblante enrugado, o olhar sombrio e austero,
Retendo os aquilões, e rápido afastando
Para longe de si as nuvens... Transformando
A lisura do mar em prainos ondeantes
Ao crebro palpitar das narinas aflantes,
Emergem prontamente os monstros da voragem,
Para verem da deusa a brilhante passagem.
- Júlia Cortines (1887), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Em vão
É a ilusão, bem
vejo: em tua fronte
Inda fulge um
resplendor de aurora.
Tens o mesmo
sorriso com que outrora
Deliciavas a
minha alma insonte.
Debalde apontas
para além do monte
Prainos que a
ardência do verão enflora;
Asas vibrando
pelos céus em fora,
Céus sem
nuvens, sem raias o horizonte...
Esta grandiosa
e esplêndida paisagem
Desenrolada a
meu olhar – miragem
De intensidade
e luz – que importa a uma alma
Que só deseja,
antes da noite escura,
Haurir da tarde
um pouco de frescura,
Gozar um pouco
do silêncio e calma?!
- Julia Cortines (In: Lacerda, 1967: 80), poemas
inéditos. Publicado em "Versos - Vibrações - Júlia Cortines". [apresentação
Gilberto Araújo].. (Coleção Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras, 2010, p. 165.
Ancião africano
A testa negra sob a carapinha branca.
Da longa escravidão a tremenda tortura
Não lhe alterou da face a expressão de doçura.
Um riso bom entreabre a sua boca franca.
A vingança do peito um brado não lhe arranca;
Em seu tranquilo olhar o rancor não fulgura,
Quando, na resignada e humílima postura,
Vê se erguer uma mão que ameaça e que espanca.
Verga-lhe agora o corpo um secular cansaço;
E através desse olhar que não pensa, mas sonha,
Desse olhar a que basta um pequenino espaço,
Vê-se uma alma de paz, uma alma de bonança,
Doce, meiga, infantil, amorosa e risonha,
Como uma alma feliz e ingênua de criança.
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Entre abismos
Mistérios só, de um lado, e sombras...
Em seguida,
A estrada tortuosa e aspérrima da vida,
Onde impreca a Revolta, onde brada o Terror,
Onde geme a Saudade e se lastima a Dor,
E, co’o gesto convulso e os traços descompostos,
Batidos pelo vento, à tempestade expostos,
Atropelam-se, em doida e febril confusão,
O Desespero, a Raiva, a Cólera, a Paixão,
Cujo concerto de ais e de pragas abala
O espaço, emudecendo o temporal que estala...
Do outro lado, somente o tenebroso mar
Da morte, em que por fim tudo irá se atufar...
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Indiferente
![]() |
livro Versos, Julia Cortines. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894 |
Um após outro
os dias voadores,
Ao túmulo do
olvido conduzindo
As alegrias
como os dissabores,
O sonho agita
as asas multicores,
E vai-se e
vai-se rápido sumindo,
Enquanto a vaga
quérula das dores
Soluça, e rola
pelo espaço infindo...
A mim, porém a
mim, a mim que importa,
A mim, cuja
esperança há muito é morta,
Que o tempo,
como um rio que se escoa,
Nos arrebate as
ilusões que temos?!
– Deixo em
descanso os fatigados remos,
E que o barco
da vida boie à toa.
- Júlia Cortines (1887), em "Versos". Rio
de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Soledade
Poeta, dentro
de ti, desmesurado e arcano,
Ou se cava, ou
se empola, ou se espedaça o oceano
De tua alma,
que exala um contínuo clamor,
– Brados de imprecações
e soluços de dor!
Nele canta e
suspira a lânguida sereia
Do Amor; a
Mágoa geme; a Cólera estrondeia;
E a essas vozes
se prende a dolorida voz
Da Saudade,
chorando o que ficou após...
E em torno
desse mar, que ulula, e chora, e guaia,
E que o vento
revolve e a aresta dos escolhos
Rasga, do mundo
vês a indiferente praia...
E acima dele
vês a abóbada infinita
Do céu plácido
e azul, onde o esplendor dos olhos
Das estrelas,
sereno e distante, palpita...
- Júlia Cortines, em "Versos". Rio de
Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
O infinito
(G. Leopardi)
Ao Dr.
Esperidião Eloy Filho
Sempre caro me
foi este ermo cole,
Mais esta sebe,
que de tanta parte
O longínquo
horizonte à vista oculta.
Mas, se me
assento, contemplando-a, espaços
Intérminos
além, e sobre-humano
Silêncio, e
profundíssima quietude
Meu pensamento
fantasia; e quase
Se me apavora o
coração. Se o vento
Ouço fremir nas
árvores, aquele
Infinito
silêncio a este murmúrio
Vou comparando:
e lembro-me do eterno,
Das extintas
idades, da presente
E viva e
rumorosa. E em meio dessa
Imensidão afogo
o pensamento,
E em suas ondas
naufragar me é doce.
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Sinal na fronte
(Ada Negri)
Uma
estrangeira, em púrpuras e gala,
Tocou-me a
fronte com um dedo, e riu-se.
Um frêmito me abala.
E disse-me: “Um
sinal tu tens na fronte,
Talhado em
forma de uma cruz bizarra.
Tens um sinal na fronte.
Dos anos teus
no afortunado giro
Sempre o trarás
contigo – pois abriu-o
A boca d’um vampiro,
Que da tua
existência a melhor parte
Ávido suga, e o
fogo às tuas veias,
E tem o nome de Arte.
Quantas vezes o
viste, ó quantas, quando
Velavas
solitária, à cabeceira,
Famélico, te olhando!...
Foi o reino de
Apolo a ti prescrito;
Mas neste séc’lo
vendilhão e bárbaro
O talento é delito.
Sus, desnuda no
verso prepotente
As vivas chagas
de teu peito; em face
Há de te rir a gente.
Rica de
juventude sã, doirada,
Vibra um hino
de amor; e hão de chamar-te
De doida e deslocada.
Reis e
censores, com insultos crassos,
Seguir-te-ão,
como o lobo segue a prea
P’ra comê-la a pedaços.
E extinguir o
sinal embalde vais;
Embalde: a luz
da ideia não se extingue
Jamais, jamais, jamais!...”
__________
Disse. E,
proterva, em trajo purpurino,
Ergue-se em frente
a mim, tal como o fado.
E eu a cabeça inclino
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
A um cadáver
Eis-te, enfim,
a dormir o teu sono de morte:
Semicerrado o
olhar, as pupilas serenas,
Na atitude de
quem nada teme da sorte,
Deslembrado do
amor e esquecido das penas.
Nada pode
turbar-te em teu repouso: estala
O raio, a
lacerar das nuvens os vestidos;
No espaço a luz
se extingue, o estampido se cala,
Sem vir
ferir-te o olhar ou ferir-te os ouvidos.
Livre, afinal,
da vida a que estava sujeito,
Teu calmo
coração nenhum afeto encerra,
E, em pouco,
como tu, ele estará desfeito
Sob o espesso
lençol da camada de terra...
A afeição, que,
fiel, te acompanhava, deve
Ficar, a pouco
e pouco, à tua ausência alheia.
Passaste; e o
esquecimento há de apagar, em breve,
O sinal que o
teu passo imprimiu sobre a areia...
Que importa?
Estás dormindo o teu sono de morte:
Semicerrado o
olhar, as pupilas serenas,
Na atitude de
quem nada teme da sorte,
Deslembrado do
amor e esquecido das penas.
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
À beira do abismo
Morta, enfim, a
esperança e desfeita a quimera,
Tu chegaste da
vida ao cimo da montanha,
Onde, no calmo
horror da solidão que impera,
Nada
mais te acompanha.
Nada mais, a
não ser o encarniçado apego
À existência
ante a lei implacável da sorte,
Que a teus pés
abre agora o inevitável pego
Misterioso
da morte.
Que há, porém,
nessa crua e falaz existência,
Que tu possas
querer, infeliz criatura,
Tu que dela
provaste a bárbara inclemência
E
a infinita amargura?
Tu que viste
rolar pelo solo os escombros
De tudo o que
nasceu para morrer num dia,
E a
Natureza-Mãe surda à voz dos assombros,
Surda
à voz da agonia;
E o Deus bom, o
Deus justo, o Deus onipotente,
Que a
distância, no espaço, a sua face oculta,
Insensível à
fé, que exora, e indiferente
À
blasfêmia, que insulta;
E o lugar de um
poder a outro poder ser dado:
A lei
substituir o capricho divino,
E o Homem
sempre através das idades levado
Pela
mão do Destino?!
Abandona-te,
pois. Transpõe o curto espaço
Que te separa
então do final paroxismo,
P’ra da morte
cair, dado o intrépido passo,
No
silencioso abismo,
Onde vai se
extinguir o que a carne padece
Desde o
primeiro choro ao último gemido,
E onde a ideia
e a paixão, tudo desaparece
Sob
as ondas do olvido...
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Sonhadores
Almas – da
natureza a execrada exceção –
Em que o Sonho
ateou seu nefasto clarão,
Vós que, presas
à terra, a asa do pensamento
Sentis sempre a
voar, em livre movimento,
Para o distante
azul dos mundos ideais,
Onde o bem que
buscais não existiu jamais;
Vós que abris,
procurando o mistério das coisas,
Ou do futuro os
véus, ou do passado as lousas,
Vendo bem
quanto é vão o que hoje se ergue, e só
Se ergueu para
amanhã se desfazer em pó;
Vós, a quem
acenou a dolosa esperança
Co’a ventura
que atrai e que nunca se alcança,
E que, em sede,
ao roçar pela fonte do amor
O lábio, a água
sorveis do pântano da dor;
Vós todas pela
terra arrastastes os dias,
Deixando após,
no chão, um rastro de agonias,
E fazendo
vibrar, no espaço, em torno a nós,
A vossa
revoltada ou suplicante voz,
Que ora em
murmúrios geme, ora em blasfêmias grita
Da vida que
heis vivido a miséria infinita!
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Nostalgia selvagem
Longe, longe, a uma grande, infinita distância,
Que não me será dado afrontar nunca mais,
Fica a terra onde vi deslizar minha infância:
Tal, sob um bosque em flor e um ar todo fragrância,
Um arroio a correr através dos juncais.
Vejo ainda essa pátria adorada e formosa:
– Densa e verde, a floresta infinda se estender
Por sob um céu azul, broslado de oiro e rosa,
E a cachoeira, como uma serpe raivosa,
Pelos flancos da serra, em convulsões, descer...
Pátria onde vive e luta uma raça valente,
Que a morte encara sem os olhos abaixar,
Que sabe opor o peito à força da corrente,
Vencer o tigre, a flecha atirar destramente,
E na mão do inimigo o tacape quebrar.
Vejo agora, – ó visão de sonhos tentadores! –
Da fronte a cabeleira a escorregar-lhe aos pés,
Tendo na brônzea pele o perfume das flores,
Ágil, esvelta e linda, a virgem dos amores,
Seminua, passar das ramas através...
Asas! Ave que vais para longe, eu quisera
Asas para transpor, como tu, a amplidão!
De um país onde fulge, eterna, a primavera,
Longe o amor me sorri e a luta chama e espera.
Asas! para fazer voar meu coração!
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Dies iræ
A esse som de
trombeta e de alarma, quem há de
Dormir? Mortos,
deixai a paz da sepultura
E acorrei: o
que ouvis é o clarim da Saudade!
De pé! de pé!
de pé! Despedaçai a dura
Lousa que sobre
vós lançou o esquecimento,
Espectros do
sofrer, fantasmas da ventura!
Ó divina
ilusão, que um único momento
O fulgor da tua
asa ante os meus olhos passe,
Deixando-os num
enlevo e num deslumbramento!
Meu amor, meu
amor, anima-te! renasce
Da cova em que
a traição te sepultou um dia,
E une ainda uma
vez a face à minha face!
Como o meu
coração, em ânsias, se estorcia
Às tuas rudes
mãos, fá-lo estorcer-se agora,
Minha lenta e
penosa e tremenda agonia!
Todas vós que a
minha alma agitastes outrora,
Ó esperança, ó
alegria, ó tristeza, ó ansiedade,
Acudi a essa
voz que, vibrante e sonora,
Faz rolar pelo
espaço o clarim da Saudade!
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Terra ideal
Como um pássaro, abrir na amplidão do horizonte
As asas eu quisera, e a uma terra voar
Que existe para além do píncaro do monte
E para além da toalha infinita do mar.
Terra onde o pálio azul das auroras se estende,
Sem nuvens, tinto de oiro o límpido fulgor,
Por sobre um solo verde e viçoso em que esplende
A água viva, a cantar entre margens em flor;
Onde os nimbos jamais, fustigados do açoite
Dos ventos, pelos céus rolam em turbilhões,
E onde o amplo manto arrasta a tenebrosa noite
De planetas broslado e de constelações;
E que do liminar de minha adolescência,
Entre sombras, a furto e a distância, entrevi,
E que em pleno verão e em plena florescência
Da raia do horizonte ainda me sorri...
E para onde eu estendo avidamente os braços,
E para onde se lança, atraído, o meu ser,
Vendo-a sempre, através de infinitos espaços,
De meus braços fugir, de minha alma correr...
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
Tarde de inverno
(A Cartola Cortines)
Sob o curvo cristal da imensidade
De um céu de transparência etérea e fria,
Em que do posto sol a claridade,
Azul e melancólica, radia,
Vemos o bosque, o rio, a amenidade
Das sombras, a ondulada pradaria,
Como um painel de estranha suavidade
E encantadora e rústica poesia.
Olha como o formoso fruto loiro
Salpica de pequenos pontos de oiro
Aquela verdejante laranjeira!
E além, alem, do céu no alaranjado
Fundo se esbate e avulta o recortado
E sombrio perfil da cordilheira...
- Júlia Cortines (1886), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Finis
Ouço um surdo, abafado e discorde ruído,
Logo após um fragor que pelos ares trona.
Qual se dum terremoto o solo sacudido
Fosse, em torno de mim tudo se desmorona.
O que é feito de vós, altivos monumentos,
Que afrontáveis do tempo os inúteis furores,
Mergulhando no azul dos largos firmamentos,
Mergulhando dos céus nos vivos resplendores?!
A asa aberta do sonho, em convulsa ansiedade,
O abrigo busca em vão, que se lhe oferecia
Outrora, se a lufada aguda da verdade
Bruscamente a seu lado as asas distendia.
O mundo está deserto e a natureza morta!
E é debalde que estendo avidamente os braços:
Tudo aquilo que nos alimenta e conforta
Abateu, e rolou pelo solo em pedaços...
E nunca brotará dessa informe ruína,
Clara, a fonte de fé, que se desliza mansa,
Nem a flor brotará da quimera divina,
Nem a palma sonora e verde da esperança!
De súbito calou-se a voz imperiosa
Que me incitava à luta e me dizia: – “Avante!
Após a negridão da noite procelosa
É que o dia é mais claro e o sol é mais brilhante!”
O alvo, que resumiu para mim o universo,
O alvo, a que convergia a minha vida inteira,
Se desfez, e voou pelos ares, disperso
Em átomos de areia, e de cinza, e poeira.
E, em derredor, a muda amplitude dum ermo
Exâmine se abriu sob um céu de granito...
E nada em baixo, à flor da planície sem termo,
E nada em cima, à flor do horizonte infinito...
- Júlia Cortines, em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Dor eterna
O tempo – dizem – apaga
O prazer e o sofrimento
Sobre eles rolando a vaga
Sombria do esquecimento.
E transforma encantadores
Sítios, que tu, Abril, vestes
De uma gaze de esplendores,
Em sítios feios e agrestes.
E faz germinar nas águas,
Que bebe a gandra bravia,
O lírio, como das mágoas
Brota a flor da alegria.
E, no entretanto, contemplo,
Extática e dolorosa,
Entre os escombros de um templo
Desmoronado, caída
A ara ebúrnea, de que há tanto
Despenhou-se a idolatrada
Imagem, que vejo, em pranto,
De lodo vil salpicada...
Por isso, pungida à aguda
Pena, que o olvido não calma,
Diz à revolta, sanhuda
Onda do tempo a minha alma:
“– Rola túmida ou desfeita.
Que importa? – Como os granitos,
Conservo, pedaços feita,
Os caracteres inscritos.”
IV
Com triste olhar seguindo
Os pássaros, que em bando
Lá voam para o azul da montanha fronteira
Envolta na doirada e lúcida poeira,
Que foge, à proporção que o sol vai recuando
E a sombra vai subindo;
Penso no amor infindo
Que me prendeu ao brando
Raio do teu olhar; e minha alma de poeta
Deixa a sombra que a cerca, e voa, ansiosa e inquieta,
A buscar essa luz... E a luz vai recuando...
E a sombra vai subindo...
V
Do mês de Maio a luz do sol mais brando
Desce do espaço em leves frocos de ouro,
E, pelos frios ares ondulando,
Envolve a mata e espelha o sorvedouro.
Se enrola o raio aveludado e louro
Pelos ramos, aos quais, se aproximando
As horas do crepúsculo, cantando
Voltam as aves em alegre coro.
Mas nem sequer eu na janela assomo.
Só vejo a natureza morta, como
Uma sombria e desolada estepe.
É que longe de mim está: sem vê-lo,
Trago a minha alma sepultada em gelo,
Trago o meu coração envolto em crepe.
- Júlia Cortines (maio), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
VIII
Como é doce seguir o teu rastro, ó saudade,
Se equilibras no azul, à branda claridade
De um sonhado luar, as tuas asas mansas
Doiradas pela luz das nossas esperanças,
E levas para longe o teu voo, a um passado
De sorrisos e amor e sonhos estrelado,
Onde vemos alguém, que sobre nós derrama
Do seu profundo olhar a cariciosa chama,
Fazendo rebentar das nossas fundas dores
Da crença e da alegria as perfumosas flores;
Olhar que tem do sol o claro brilho intenso,
E faz cismar no azul, no grandioso e imenso...
Olhar que dentro em nós as emoções acorda,
E faz vibrar do amor a sonorosa corda.
...............................................
- Júlia Cortines (agosto), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
(A Cartola Cortines)
Sob o curvo cristal da imensidade
De um céu de transparência etérea e fria,
Em que do posto sol a claridade,
Azul e melancólica, radia,
Vemos o bosque, o rio, a amenidade
Das sombras, a ondulada pradaria,
Como um painel de estranha suavidade
E encantadora e rústica poesia.
Olha como o formoso fruto loiro
Salpica de pequenos pontos de oiro
Aquela verdejante laranjeira!
E além, alem, do céu no alaranjado
Fundo se esbate e avulta o recortado
E sombrio perfil da cordilheira...
- Júlia Cortines (1886), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Finis
Ouço um surdo, abafado e discorde ruído,
Logo após um fragor que pelos ares trona.
Qual se dum terremoto o solo sacudido
Fosse, em torno de mim tudo se desmorona.
O que é feito de vós, altivos monumentos,
Que afrontáveis do tempo os inúteis furores,
Mergulhando no azul dos largos firmamentos,
Mergulhando dos céus nos vivos resplendores?!
A asa aberta do sonho, em convulsa ansiedade,
O abrigo busca em vão, que se lhe oferecia
Outrora, se a lufada aguda da verdade
Bruscamente a seu lado as asas distendia.
O mundo está deserto e a natureza morta!
E é debalde que estendo avidamente os braços:
Tudo aquilo que nos alimenta e conforta
Abateu, e rolou pelo solo em pedaços...
E nunca brotará dessa informe ruína,
Clara, a fonte de fé, que se desliza mansa,
Nem a flor brotará da quimera divina,
Nem a palma sonora e verde da esperança!
De súbito calou-se a voz imperiosa
Que me incitava à luta e me dizia: – “Avante!
Após a negridão da noite procelosa
É que o dia é mais claro e o sol é mais brilhante!”
O alvo, que resumiu para mim o universo,
O alvo, a que convergia a minha vida inteira,
Se desfez, e voou pelos ares, disperso
Em átomos de areia, e de cinza, e poeira.
E, em derredor, a muda amplitude dum ermo
Exâmine se abriu sob um céu de granito...
E nada em baixo, à flor da planície sem termo,
E nada em cima, à flor do horizonte infinito...
- Júlia Cortines, em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Dor eterna
O tempo – dizem – apaga
O prazer e o sofrimento
Sobre eles rolando a vaga
Sombria do esquecimento.
E transforma encantadores
Sítios, que tu, Abril, vestes
De uma gaze de esplendores,
Em sítios feios e agrestes.
E faz germinar nas águas,
Que bebe a gandra bravia,
O lírio, como das mágoas
Brota a flor da alegria.
E, no entretanto, contemplo,
Extática e dolorosa,
Entre os escombros de um templo
Desmoronado, caída
A ara ebúrnea, de que há tanto
Despenhou-se a idolatrada
Imagem, que vejo, em pranto,
De lodo vil salpicada...
Por isso, pungida à aguda
Pena, que o olvido não calma,
Diz à revolta, sanhuda
Onda do tempo a minha alma:
“– Rola túmida ou desfeita.
Que importa? – Como os granitos,
Conservo, pedaços feita,
Os caracteres inscritos.”
- Júlia Cortines (1888), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
IV
Com triste olhar seguindo
Os pássaros, que em bando
Lá voam para o azul da montanha fronteira
Envolta na doirada e lúcida poeira,
Que foge, à proporção que o sol vai recuando
E a sombra vai subindo;
Penso no amor infindo
Que me prendeu ao brando
Raio do teu olhar; e minha alma de poeta
Deixa a sombra que a cerca, e voa, ansiosa e inquieta,
A buscar essa luz... E a luz vai recuando...
E a sombra vai subindo...
- Júlia Cortines (abril), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
V
Do mês de Maio a luz do sol mais brando
Desce do espaço em leves frocos de ouro,
E, pelos frios ares ondulando,
Envolve a mata e espelha o sorvedouro.
Se enrola o raio aveludado e louro
Pelos ramos, aos quais, se aproximando
As horas do crepúsculo, cantando
Voltam as aves em alegre coro.
Mas nem sequer eu na janela assomo.
Só vejo a natureza morta, como
Uma sombria e desolada estepe.
É que longe de mim está: sem vê-lo,
Trago a minha alma sepultada em gelo,
Trago o meu coração envolto em crepe.
- Júlia Cortines (maio), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
VIII
Como é doce seguir o teu rastro, ó saudade,
Se equilibras no azul, à branda claridade
De um sonhado luar, as tuas asas mansas
Doiradas pela luz das nossas esperanças,
E levas para longe o teu voo, a um passado
De sorrisos e amor e sonhos estrelado,
Onde vemos alguém, que sobre nós derrama
Do seu profundo olhar a cariciosa chama,
Fazendo rebentar das nossas fundas dores
Da crença e da alegria as perfumosas flores;
Olhar que tem do sol o claro brilho intenso,
E faz cismar no azul, no grandioso e imenso...
Olhar que dentro em nós as emoções acorda,
E faz vibrar do amor a sonorosa corda.
...............................................
- Júlia Cortines (agosto), em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Via dolorosa
Alma, galgando vais o teu Calvário abrupto,
Em farrapos, em sangue, em lágrimas, em luto,
Por fragas arrastando, em convulsões de dor,
O lenho, que te verga ao peso esmagador.
Ruge em torno de ti a tempestade; o açoite
Do vento dilacera a cortina da noite.
Como um túrbido mar, roto pelo escarcéu,
Vês na altura rolar o proceloso céu,
E em baixo, à proporção que no espaço te elevas
Subir, rente a teus pés, um dilúvio de trevas,
Que a esperança afogou, e afogará até
A dor no turbilhão da crescente maré...
Mais um passo, e verás desse abrupto Calvário
No tope, em que branqueja um anônimo ossário,
Entre o olvido e o silêncio, o madeiro se erguer,
Onde vais, para sempre, exânime, pender...
- Júlia Cortines, em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Alma, galgando vais o teu Calvário abrupto,
Em farrapos, em sangue, em lágrimas, em luto,
Por fragas arrastando, em convulsões de dor,
O lenho, que te verga ao peso esmagador.
Ruge em torno de ti a tempestade; o açoite
Do vento dilacera a cortina da noite.
Como um túrbido mar, roto pelo escarcéu,
Vês na altura rolar o proceloso céu,
E em baixo, à proporção que no espaço te elevas
Subir, rente a teus pés, um dilúvio de trevas,
Que a esperança afogou, e afogará até
A dor no turbilhão da crescente maré...
Mais um passo, e verás desse abrupto Calvário
No tope, em que branqueja um anônimo ossário,
Entre o olvido e o silêncio, o madeiro se erguer,
Onde vais, para sempre, exânime, pender...
- Júlia Cortines, em "Versos". Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
Vozes da noite
Pesa a calma da noite em derredor. Um choro
Brando às súbitas soa
No silêncio, que após um tumultuoso coro
De soluços e de ais e de gritos povoa:
– Vão e eterno clamor da humana criatura,
Presa da desventura.
Quanta dor a gemer nessa orquestra assombrosa!
Revoltado e dorido,
Vibra o grito de alguém, numa selva cheirosa
Pelo ascoso réptil da perfídia mordido;
De alguém, franco e viril, que a luta não abate,
Vencido sem combate.
Ouço o rouco estertor do soldado, que, exangue,
Após a árdua refrega,
Agoniza num solo embebido de sangue,
Enquanto ao seu olhar, que às ilusões se apega,
Se transmuda o fulgor da sagrada bandeira
Numa sombra embusteira...
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
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Manuscrito do poema 'Por toda a parte', de Júlia Cortines |
Por toda a parte
Interrogaste a
vida: interrogaste o arcano,
Misterioso sentir
do coração humano;
A mesta palidez
serena do luar;
O murmúrio
plangente e soturno do mar;
O réptil, que
rasteja; o pássaro, que voa;
A fera, cujo
berro as solidões atroa;
A desenfreada
fúria insana do tufão;
A planta a se
estorcer numa atroz convulsão.
Interrogaste,
enfim, tudo o que existe, tudo:
O que chora, o
que vibra, o que é imoto, o que é mudo.
Do astro eterno
baixaste à transitória flor.
Que
encontraste, afinal?
–
A dor! a dor! a dor!
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de
Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
____
** Todos os "Poemas" aqui publicados foram extraídos de: "Versos - Vibrações - Júlia Cortines". [apresentação Gilberto Araújo].. (Coleção Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010. Disponível no link. (acessado em 11.5.2014).
FORTUNA CRÍTICA DE JÚLIA CORTINES
[bibliografia sobre Júlia Cortines]
[bibliografia sobre Júlia Cortines]
![]() |
Julia Cortines, por Laeti imagens |
ARAÚJO,
Gilberto. Descortinando Júlia, in:
"Versos - Vibrações - Júlia Cortines". [apresentação Gilberto
Araújo].. (Coleção Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 2010. Disponível no link. (acessado em 11.5.2014).
AZEVEDO, Sânzio de. (pref. e seleção). Roteiro da Poesia Brasileira – Parnasianismo.
São Paulo: Global Editora, 2007.
AZEVEDO,
Sânzio de. O Parnasianismo na Poesia
Brasileira. Fortaleza: Editora UFC; Sobral: Edições UVA, 2004.
BLAKE, Augusto
Victorino Alves Sacramento. Diccionario
Bibliographico Brazileiro. Quinto Volume. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1899.
COUTINHO,
Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira.
(2 volumes). 2ª edição revisada e ampliada.
São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional;
Academia Brasileira de Letras, 2001.
CUNHA, Fausto.
A poesia esquecida de Júlia Cortines.
Letras e Artes - suplemento literário de A Manhã, Ano 8.º, n.º 294, 13 de abril
de 1954. Publicado em "Versos -
Vibrações - Júlia Cortines". [apresentação Gilberto Araújo].. (Coleção
Austregésilo de Athayde, nº 32). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras,
2010, p. 3-10. Disponível no link.(acessado em 11.5.2014).
LACERDA,
Renato de. Júlia Cortines - A musa
Fidalga de Rio Bonito: traços biográficos. Niterói, 1967.
MAGALHÃES,
Valentim. A Literatura Brasileira
(1870-1895). Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1896.
MARTINS,
Wilson. História da Inteligência
Brasileira. Volume IV. 2.ª edição. São Paulo: T. A. Queiroz, 1996.
MUZART, Zahidé
Lupinacci (Org.). Escritoras brasileiras
do século XIX: antologia. Vol. II. Florianópolis: Editora Mulheres, 2004,
1178p.
PAIXÃO, Sylvia
Perlingeiro. A liberdade na morte: Júlia
Cortines (1868-1948). Disponível no link. (acessado em 21.05.2014).
RAMOS,
Péricles Eugênio da Silva. Panorama da
Poesia Brasileira (Volume III: Parnasianismo). Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1959.
RIBEIRO, João
[N.N.]. “Crônica dos Livros”. In: A
Semana, 3/11/1894.
RIBEIRO, João.
Crítica. Volume II (Poetas;
Parnasianismo e Simbolismo). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras,
1957.
SCHUMAHER,
Maria Aparecida; BRAZIL, Érico
Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: De
1500 até a atualidade (biográfico e ilustrado). São Paulo: Jorge Zahar
Editor, 2000.
VERÍSSIMO,
José. Uma poetisa e dous poetas. in:
Estudos da literatura brasileira (sexta série). Paris; Rio de Janeiro: H.
Garnier, Livreiro Editor, 1907, p. 165-185.
Última página
Antes de mergulhar no silêncio da morte,
Ou da idade sentir a fraqueza e o torpor,
Eu quisera lançar, num supremo transporte,
Meu grito de revolta e meu grito de horror.
Mas sei que por mais forte e por mais estridente
Que ela corra através do infinito, até vós,
Ó céus, que além brilhais numa paz inclemente,
Nem qual brando rumor chegará minha voz!
Mas sei que não há dor que a natureza vença,
E que nunca a fará de leve estremecer
Na sua eternidade e sua indiferença
O lamento que vem dum transitório ser
Mas sei que sobre a face execrável da terra,
Onde cada alma sente, em torno, a solidão,
Esse grito, que a dor duma existência encerra,
Não irá ressoar em nenhum coração.
Contudo, num clamor de suprema energia,
Eu quisera lançar minha voz! Mas a quem
Enviar esse brado imenso de agonia,
Se para o compreender não existe ninguém?!
- Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.
![]() |
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REFERÊNCIAS E OUTRAS FONTES DE PESQUISA
:: Portal Mulher500
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Julia Cortines - a musa fidalga de Rio Bonito. Templo Cultural Delfos, janeiro/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Julia Cortines - a musa fidalga de Rio Bonito. Templo Cultural Delfos, janeiro/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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