COMPARTILHE NAS SUAS REDES

Pensamento social e político de José de Souza Marques

- análise e revelação dos múltiplos papéis de uma trajetória de vida como patrimônio imaterial, histórico e um bem ético-moral da nacionalidade brasileira **
por Paulo Baía* 

Jose de Souza Marques (jovem)
Estudar a dinâmica da vida social, política e cultural de uma personalidade quase anônima como José de Souza Marques teve por objetivo maior compreender a educação cidadã, o combate às intolerâncias, a cultura da paz, o republicanismo democrático e a ética do trabalho como uma virtude pessoal do empreendedor, estreitando o contato com comunidades múltiplas e diversificadas por meio de um discurso acadêmico que valoriza um fazer cotidiano que perde adeptos dia a dia; contribui para pensar outras questões pertinentes, como o papel das lideranças locais, educadores e militantes sociais nos processos de construção de identidades, memórias e representações coletivas de uma nacionalidade brasileira e o papel de instituições como escolas, igrejas não católicas, micro e pequenas empresas e a maçonaria como espelhos das múltiplas comunidades locais e loci de informação, instrução e construção de uma cidadania periférica aos padrões ibéricos brancos e excludentes, ao longo da história da sociedade e do Estado no Brasil dos séculos XIX a XXI.
Vereador no antigo Distrito Federal e depois Deputado Estadual no Estado da Guanabara, José de Souza Marques lutou desde seu primeiro mandato pela aprovação de um projeto de lei que assegurasse o financiamento a estudantes carentes em todos os níveis, em particular a alfabetização e o ensino básico e médio.
Como vereador do antigo Distrito Federal, Deputado Constituinte do Estado da Guanabara em 1960, principal aliado na campanha de Leonel Brizola para Deputado Federal em 1962 e um dos principais aliados do Deputado Federal Miro Teixeira a partir de 1969, José de Souza Marques foi um dos principais e mais eficientes construtores das institucionalidades cariocas e fluminenses dos anos 1940 até 1974, quando faleceu como Deputado Estadual do antigo Estado da Guanabara, já sob o signo da fusão com o Estado Federado do Rio de Janeiro.
Como político era um ativista convicto, que agia de maneira gentil, bondosa e conciliadora. Era considerado por seus pares um sábio e um magnífico conselheiro. Essa característica fez com que José de Souza Marques, sem ser contra a construção da estátua do Cristo Redentor na Floresta da Tijuca em área da União Federal, articulasse um pacto de tolerância e respeito ao estado laico e às demais religiões na cidade do Rio de Janeiro.
O Cristo Redentor foi inaugurado em 12 de outubro de 1931. Sua construção foi precedida de uma intensa controvérsia liderada por adeptos da Igreja Batista do Brasil, da Igreja Metodista do Brasil, de grupos de cidadãos sem religião definida e militares positivistas da ativa e da reserva que eram contrários à Igreja Católica Apostólica Romana, hegemônica e majoritária na época, e que até o início da República Federativa Brasileira em 1889 era a religião oficial do Brasil.
Apesar das controvérsias, o vereador do Distrito Federal José de Souza Marques, pastor da Igreja Batista Brasileira, liderou um acordo entre os diversos grupos de interesse e o Estado Nacional Brasileiro.
José de Souza Marques assegurou que o monumento ao Cristo Redentor fosse utilizado e administrado pela Igreja Católica Apostólica Romana, porém não fosse um santuário católico, mas um símbolo do humanismo cristão e universalista.
A engenharia política que teve José de Souza Marques como artífice perdurou até o Século XXI, quando por decreto papal e do Arcebispo do Rio de Janeiro de 12 de outubro de 2006 o monumento foi transformado em santuário.
Em 21 de novembro de 2007 o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio-ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – por intermédio de seu Superintendente Regional Rogério Rocco, ratifica o decreto papal e do Arcebispo do Rio de Janeiro de 12 de outubro de 2006, que é também referendado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.  O monumento humanista e universalista representado pela imensa estátua de Jesus Cristo – um monumento à paz, à tolerância e ao humanismo laico da República tornou-se um santuário da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, referendando o decreto papal e do Arcebispo do Rio de Janeiro.
As propostas de Souza Marques são semelhantes as que foram adotadas pelo Presidente Lula ao implantar o PROUNI e os novos mecanismos do FIES. Paralelamente a isso, José de Souza Marques mantinha intensa relação política com Martin Luther King e demais líderes negros das religiões cristãs não católicas nos Estados Unidos, alinhando seu discurso no Brasil à luta por direitos de cidadania, como a reforma agrária, a educação em caráter permanente e pública, as liberdades individuais, coletivas e difusas e uma reforma urbana que democratizasse as formas de transporte coletivo e moradia, em um país que nos anos 1940 e 1950 já indicava uma tendência à urbanização acelerada – lembrando que o Brasil tinha um quase monopólio religioso da Igreja Cristã Católica Apostólica Romana.
Para Souza Marques, a ideia e o conceito de público estavam vinculados à tradição social e política dos Estados Unidos da América, onde público é tudo aquilo que interfere ou tem relação com a sociedade e/ou grupos sociais. Assim, para os americanos existem vários níveis do que é público, não havendo uma distinção entre as atividades de estado, governos, entidades não governamentais e instituições/empresas privadas. Existem atividades privativas de estado, como o controle e o monopólio das Forças Armadas e dos diversos sistemas de informação e contrainformação, com o objetivo de assegurar a soberania e ordem social, política e territorial pelo Estado. Exemplos desse tipo de atividade de estado são as agências como a CIA, o FBI, as agências reguladoras do meio-ambiente e outras similares.
No Brasil, a instauração da República em 1889consagrou o conceito e a ideia de público como atividades de estado e governo muito amplas e quase universais, tanto que público no Brasil republicano é quase um sinônimo de governamental e/ou estatal. Contudo, com a Constituição de 5 de outubro de 1988 o conceito de público se diversificou, ampliando-se para quatro categorias: o público estatal, o governamental, o não governamental (ONGs) e o privado (as PPP, parcerias público-privadas). Esta reconceituação da ideia de público e sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro em outubro de 1988 é regulamentada pelas reformas do estado brasileiro realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso, sob a égide e comando do cientista social Luiz Carlos Bresser Pereira como Ministro do MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado.
Assim, o Brasil do tempo presente tem sua estrutura e atividades assentadas em uma concepção de que existem um público estatal, um público governamental, um público não governamental e um público privado, como José de Souza Marques já compreendia, e lutava para que essa ideia fosse introduzida em todas as práticas, ações e atividades no Brasil, principalmente na educação. Essa noção de público ampliada também é encontrada em Anísio Teixeira e Victor Nunes Leal, interlocutores permanentes – principalmente o primeiro – de José de Souza Marques.
José de Souza Marques acreditava no potencial da educação e do trabalho como transformadores da sociedade, e vinculou sua militância político-partidária às teses lideradas no PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – por Leonel Brizola e João Goulart.
Pode-se afirmar que, além do PROUNI e do FIES adotados pelo Presidente Lula, a ideia da Universidade da Integração Latino-Americana – UNILA, com sede em Foz do Iguaçu e com o objetivo de acolher estudantes de todas as Américas como forma de diminuir assimetrias e mediar conflitos e crises, encontra apoio nas ideias políticas e sociais de José de Souza Marques já formuladas a partir de 1940 até 1974, data de seu falecimento.
O programa de crédito educativo (PCE) foi criado em 23 de agosto de 1975 pelo então Presidente Ernesto Geisel, que não era católico, mas luterano. Este programa foi transformado, em 1999, pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso no Programa de Financiamento Estudantil – FIES – que, com adaptações, está em vigor até hoje como instrumento e mecanismo de governo complementar ao PROUNI.
Ernesto Geisel leu os projetos de José de Souza Marques, que lhe foram enviados pelo Senador Petrônio Portela e pelo Ministro da Justiça Armando Falcão.
O programa de crédito educativo do Presidente Geisel tem 40% de semelhança com o projeto de José de Souza Marques. Já o PROUNI e o FIES reestruturado do governo Lula são 100% semelhantes às propostas de José de Souza Marques, feitas desde os anos 1950 até 1974.
         O processo de construção social do perfil político, profissional e acadêmico de uma liderança local, como foi José de Souza Marques, passa necessariamente pela apropriação[1] e legitimação de uma idéia chave, como um patrimônio imaterial, histórico, político e ideológico. Passa igualmente pelo reconhecimento de que o ator social focado na análise exerceu, em um determinado tempo e espaço, uma autoridade propagadora de valores transcendentes a seu tempo histórico, e de que seus discursos, práticas, legado, memória social[2], se transformaram em instituições formais e/ou informais para um segmento da sociedade brasileira, assim como para o Estado Nacional no Brasil. A ênfase da presente reflexão é o pensamento social e político de uma liderança do atual Estado Federado do Rio de Janeiro no século XX, promovendo a identificação, descrição, análise e avaliação da trajetória de vida dessa liderança local e regional no antigo Distrito Federal, no antigo Estado da Guanabara e no atual Estado do Rio de Janeiro, procurando realçar o pensamento social e político de José de Souza Marques como uma liderança nacional e seu impacto na formação das subjetividades coletivas, das identidades sociais e o alcance político-estratégico de suas ações, atitudes e realizações no antigo Distrito Federal e no Estado Federado da Guanabara, assim como suas conexões com o Estado Nacional Brasileiro. De maneira focada, essa reflexão sobre as ações e o pensamento de José de Souza Marques tem como meta promover um olhar sociológico sobre José de Souza Marques, como afro-descendente pioneiro das ações afirmativas no Brasil do tempo presente, educador, humanista cristão não católico, jornalista, empresário, maçom, pastor batista e militante político parlamentar republicano trabalhista. José de Souza Marques era neto de escravos, filho de trabalhadores humildes - pai marceneiro e mãe lavadeira - nascido na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro em 1893, e criado, dos dois aos dezessete anos, no distrito de Pinheiral, hoje município, que na época pertencia ao Município de Volta Redonda. Retornou ao Distrito Federal aos dezessete anos de idade, sem escolaridade, semi-analfabeto, e prático nas artes da marcenaria e carpintaria, que aprendera com o pai. Faleceu em 1974, como deputado estadual da Guanabara pelo MDB, e um dos pioneiros das políticas públicas focadas no combate à desigualdade social, no combate ao racismo e na promoção de ações pontuais do que se chama no tempo presente de políticas de ação afirmativa, que objetivavam criar mecanismos de inclusão e mobilidade social para jovens nascidos nos subúrbios periféricos e nas favelas, assim como para jovens pobres de ambos os sexos, com ênfase nos afrodescendentes da cidade do Rio de Janeiro.
As questões acima mencionadas tomaram forma a partir de minhas reflexões no campo dos estudos multi e interdisciplinares da ciência política e da sociologia metropolitana, tendo como âncora teórica as idéias de Carlo Ginzburg[3] e Maurice Halbwachs[4], para quem as lembranças sociais e as trajetórias de vida são construções sociológicas e históricas elaboradas no tempo presente; a história é pensada e descrita com novos significados ao se olhar do hoje, do tempo presente para o passado, a partir da interação entre os indivíduos – enquanto atores sociais de cenários territoriais, geográficos e sociais específicos por sua datação histórica – que, entretanto, procuram manter coesão e consenso não apenas no tempo histórico vivido, mas em suas re-inserções políticas, simbólicas e afetivas na contemporaneidade da vida do agora, do hoje.
Todavia, minha experiência como pesquisador social em campo revelou que as constantes invenções de tradições e reconstruções do passado se faz a partir de processos seletivos que, na maior parte das vezes, indicam e revelam o estabelecimento de um campo de disputas pelo capital afetivo, político, ideológico e simbólico, contextualização das lembranças e memórias sociais reconstruídas, negociações dos silêncios, omissões e dominações de determinados segmentos sociais, micro e macro, sobre outros que, por sua vez, mantêm em estado latente suas histórias. As leituras de Pierre Bourdieu[5], Eric Hobsbawn[6], Michel Pollak[7], Gizlene Neder[8], Carlo Ginsburg[9] e Maria Luiza Penna[10], dentre outros, possibilitaram ampliar o meu entendimento sobre o contexto territorial, cultural, ideológico e político que se me apresenta no empirismo do trabalho de pesquisa social em campo; enfim, dar conta das particularidades do cenário e do ator social analisado, destacando que junto ao analista estão também o aluno, amigo e admirador de José de Souza Marques.
Uma vez que a subjetividade, o imaginário, as lembranças e memórias individuais e coletivas são elementos essenciais na constituição de identidades e representações coletivas, estudar a dinâmica desse processo de socialização e construção social cotidiana torna-se fundamental para a compreensão do objeto de pesquisa e reflexão sobre José de Souza Marques. Acredito ser relevante contextualizar tal processo, isto é, compreender o momento da sociedade carioca, fluminense e brasileira dos dias de hoje, momento este de caracterização espaço-temporal, onde é possível construir e reconstruir constantemente identidades coletivas e onde as questões da experiência, da vivência, do conhecimento passado são determinantes relativizados nessa dinâmica histórica do tempo passado. E, igualmente aos processos da história individual e coletiva, essa reconstrução se dá em um espaço de disputas, negociações, exclusões e dominações. Pensar tal questão a partir de Stuart Hall[11] possibilita a referida contextualização e permite compreender a lógica das ações, tensões e intenções da trajetória de vida de José de Souza Marques.
Um elemento que contribui para analisar os processos de constituição das dinâmicas sociais - micro e macro - coletivas e identidades é a reunião de relatos, fatos, documentação e objetos que configuram quase que um "romance", uma coleção. O processo de seleção dos documentos, fatos, relatos e objetos – e construção de um discurso político, social e ideológico a partir deles – se revela um elemento importante na consolidação de identidades – individuais e coletivas – e na construção e legitimação da história de vida de José de Souza Marques, especialmente no caso de grupos e indivíduos comprometidos com um projeto de reconhecimento, valorização, demanda por direitos e preservação da história de vida de José de Souza Marques como um patrimônio imaterial e um bem ético-moral da nacionalidade brasileira. A sociologia política histórica e identidade social e nacional, enquanto construções, serão, portanto, representadas, reconstruídas e preservadas como patrimônio imaterial, intelectual, político e ideológico dos legados institucionais, pessoais, políticos e afetivos do personagem focado nessa análise e reflexão.
Vale ressaltar que tanto a constituição de uma trajetória de vida particular quanto a apropriação de um contexto social, territorial e político são processos que revelam uma função mediadora entre o visível e o invisível, resultado do deslocamento espacial – do econômico e utilitário para o espaço dos desejos, interesses de natureza política e ideológica – e de ressignificações[12]. Além disso, são também o conjunto de práticas sociais e culturais por meio das quais se constituirão e se transformarão[13].
 Compreendo o discurso da cultura política da tradição e da ideologia como um vestígio, um sinal, um indício, enquanto reconfiguração da tradição inventada pelo Estado moderno no Brasil do tempo presente, levando em consideração sua tendência à formalização e a ritualização[14] – através de práticas e políticas públicas e seus instrumentos específicos, como as políticas de ações afirmativas e inclusão social, de 1983 até os dias atuais – e a maior probabilidade de negociação por parte de atores sociais e políticos envolvidos[15]. As demandas por direito e reconhecimento social[16], quaisquer que sejam as suas categorias – históricas, sociais, culturais, ideológicas e políticas – têm como função tentar integrar e também representar a nação brasileira, mesmo que de forma fragmentada e estigmatizada; seriam, portanto, uma alegoria[17] da nação, composta de fragmentos, de vestígios, de ruínas no sentido que lhe é atribuído por Walter Benjamin[18].
O discurso sobre a trajetória de uma vida e as discussões sobre seu valor e sobre a importância de sua preservação e projeção para o futuro surgem dentro de um contexto de destruição, de perda. Novos líderes, nova ordem democrática necessitam, então, de legitimação e de referência em um passado reinventado, ressemantizado e recontextualizado historicamente. As demandas por reconhecimento social e por direitos no Brasil do tempo presente, promovidas por pobres urbanos, estabelecem um momento privilegiado e uma dinâmica sociopolítica de reestruturação, de consolidação de nacionalismos pontuais e regionais, de disputas mais acirradas pelo capital simbólico, material, econômico, político, ideológico e afetivo de lutas, fatos, eventos, personagens e conflitos. Momento novo, que necessita de signos referenciais para assegurar um sentimento de pertencimento e que sejam, por sua vez, reapropriados e ressemantizados por diversos movimentos sociais, segmentos populares e militantes políticos em disputa por micro e macro hegemonias no território nacional brasileiro. 
Daí por diante, serão tempos de estabelecimento dos paradigmas sempre renovados das ciências humanas modernas, dos seus campos específicos, de interseção disciplinar e limites epistemológicos-cognitivos. Épocas de aceleração do tempo, encurtamento das distâncias, novos olhares, novas tecnologias. As crises, oportunidades, prazeres e desencantos sociais e individuais decorrentes da crescente e vertiginosa mundialização em tempo real dos conhecimentos produzem influência sobre a construção de um ou múltiplos novos olhares, ressemantizações de representações, muitas vezes com formatos e sentidos paradoxais. A experiência, a vida vivida, disputa lugar com a informação, a versão verossímil e os boatos, via imprensa[19]. Informa-se e não vive-se[20]. Comunidades procuram ressemantizar os discursos, as falas, resgatar e manter suas lembranças reconfiguradas, para não perdê-las. As pedras são restauradas nos sentimentos, nas paixões, nos afetos para reconstruírem cenários, enredos e dramas de memórias, em perigo pelo processo de homogeneização cultural manufaturada midiaticamente pela sociedade do espetáculo[21] – que já se vislumbrava no século XVIII com as celebrações – e pela reestruturação contínua do espaço físico da cidade do Rio de Janeiro em espaços europeus, espaços quilombolas[22], segundas cidades e não cidades.
A cidade do Rio de Janeiro é um território múltiplo, fragmentado, um território que é a um só tempo uma totalidade e múltiplas cidades em disputa ou em complementaridade. Ou seja, existem muitos Rios de Janeiro no mesmo espaço e tempo. Assim, utilizo os conceitos de Gizlene Neder de cidade europeia que vai se americanizando e cidade quilombada para dar visibilidade aos invisíveis da história, como muitas favelas e bairros populares periféricos.
A cidade quilombada, segundo Gizlene Neder, não é um território que foi no passado um quilombo, mas espaços sociais e territoriais onde os arranjos sociais, políticos e afetivos são bastante diferentes dos padrões da cidade europeia que vai se americanizando, e é a referência dominante na definição do que é o Rio de Janeiro. Para Gizlene Neder a cidade quilombada tem suas regras, seus arranjos sociopolíticos e territoriais em contraponto aos padrões dominantes da cidade europeia que se americaniza.
Estes contrapontos são múltiplos e podem representar conflitos ou complementaridades subalternas. Os habitantes de uma favela e/ou de um bairro popular periférico possuem uma dupla hermenêutica, pois tem que circular em seu território de moradia e ao mesmo tempo, como trabalhador e/ou desocupado, circulam na cidade europeia que se americaniza. Para tal constroem para si mesmos ‘personas’ diferentes, uma para sua performance na cidade europeia/americana e outra para os territórios quilombados.
Os habitantes da cidade europeia/americana formatam suas ‘personas’ para os cenários europeus/americanos dominantes. Esses habitantes não necessitam criar papéis sociais para circular nos bairros populares periféricos e/ou favelas, pois estes espaços estão fora de suas existências. Já os favelados e os habitantes dos bairros populares periféricos pertencem aos dois territórios, o que exige deles a construção de personagens diferenciados em função do território em que estão circulando.
Como pesquisador, incorporo a análise de Gizlene Neder nesse estudo, porém também denomino as favelas e bairros periféricos de segunda cidade e a cidade europeia/americana como primeira cidade, pois essa é a cidade definida como Rio de Janeiro, enquanto que os demais territórios são estigmatizados pelas invisibilidades ou pela retórica de que são locais de vândalos e bandidos.
Assim, defino o território da cidade do Rio de Janeiro como múltiplo, hierarquizado e fragmentado, já que para os moradores desses espaços existem de fato duas cidades, em particular para os favelados e moradores das periferias. Existem atitudes e comportamentos distintos para cada totalidade da cidade do Rio de Janeiro, o que cria tensões e gera habilidades  performáticas de favelados e periféricos extremamente complexas e criativas, pois estes atores sociais devem ser europeus/americanos ao mesmo tempo que são favelados e periféricos, com arranjos sociais, políticos e afetivos em contraponto perene em suas vidas cotidianas. Incluo ainda os não locais, que chamo de não cidades; são territórios dos totalmente desvalidos e miseráveis como os lixões, várzeas de rios  e as periferias das periferias. Os moradores dos lixões são um exemplo emblemático da não cidade.
José de Souza Marques foi um artífice de pontes, incentivando e formando cidadãos com livre trânsito em todas as cidades do território da cidade do Rio de Janeiro.
Os guardiões da memória ou estão mortos ou não têm quem lhes ouça; são todos andarilhos nas cidades europeia, quilombola e segundas cidades da Região Metropolitana Fluminense. A memória não seria mais vivida; não há ninguém para ouvir as últimas palavras e a experiência de um moribundo nas frias e impessoais avenidas e rotas cibernéticas, televisivas, cinematográficas e visuais do aqui e agora.
É nesse contexto que Gizlene Neder[23] e Pierre Nora[24] identificam o surgimento dos lugares de memória – espaços físicos e simbólicos, como locais, arquivos, bibliotecas, livros, fotos, objetos, instituições e celebrações – que garantem ativamente a sobrevida de fragmentos, vestígios, ruínas do tecido social que são a lembrança restaurada como reconstruída, uma tentativa de assegurar não só o sentimento de reconhecimento e pertencimento, mas de continuidade de um passado afetivo, político, ideológico e cultural de tradições reconfiguradas também. A criação e preservação desses lugares da memória irão refletir na formatação de uma lógica de lutas políticas por reconhecimento social, demanda por direitos, ressignificação e ressemantização dos falares e discursos. Assim é com José de Souza Marques na Igreja Batista, na maçonaria, nas associações comerciais e industriais da Zona Norte e da Zona Oeste pobre da cidade do Rio de Janeiro no tempo presente.
Vale abrir um parêntese e ressaltar que a construção de um discurso sobre uma trajetória de vida, que caracterize o pensamento social e político de José de Souza Marques, representa a mensagem de um patrimônio imaterial, histórico e ideológico, que pode ser apropriado por múltiplos e diversos movimentos sociais, resultando no surgimento de diversos lugares sociais de memória – onde será possível observar um processo de negociação para a construção de novos discursos[25] silenciados pelas hegemonias políticas do tempo passado, muito embora diversos elementos dessas narrativas sejam coercitivos – que vão procurar atender às demandas sociais de cada época. Tal discurso constitui-se a partir de algumas noções, como autenticidade, heroísmo, excepcionalidade e tradição na formação de subjetividades, imaginários e ideais de nacionalidade brasileira.
Finalmente, vale ressaltar que a construção de um discurso acadêmico-sociológico da trajetória de vida de José de Souza Marques, assim como de outros líderes locais e regionais, desvelando seus pensamentos sociais e políticos, representa uma estratégia da qual fazem parte intelectuais e militantes políticos sociais comprometidos com um projeto coletivo[26] de uma República democrática que visa construir uma nova representação social e política da nacionalidade brasileira. As considerações de Halbwachs, Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira, Eli Napoleão, Carlo Ginzburg e Lívia Buxbaum acerca das representações sociais e memórias políticas construídas em um quadro social determinado pelo silêncio e pela invisibilidade promovidos pelo Estado ibérico e branco no Brasil podem lançar luzes à análise das especificidades desse processo de construção de uma nova nacionalidade brasileira[27], que efetivamente seja multiétnica e pluricultural, ao trazer como protagonistas os silenciados e invisíveis da memória nacional, bem como das categorias constituidoras do discurso acadêmico e político hegemônico que construiu e deu visibilidade à idéia, ao imaginário, à memória e às lembranças fabricadas de uma nação mansa, ordeira, pacífica, não violenta, legalista, onde o racismo, a discriminação e o preconceito não existem, com coesão e o consenso de uma população de milhões de brasileiros "iguais".
A escolha do objeto para desenvolver a temática proposta partiu de algumas de suas características: a percepção da influência de José de Souza Marques em minhas escolhas profissionais, políticas e ideológicas; sua identificação como um guardião da memória de afro-descendentes que ascenderam socialmente no Brasil e, por um período determinado, obteve a colaboração da comunidade local; as Zonas Norte e Oeste da cidade do Rio de Janeiro, o Colégio Souza Marques, a Faculdade Souza Marques, a maçonaria, templos da Igreja Batista, associações comerciais e industriais da Zona Norte e Zona Oeste, o Parlamento como lugares de memória, assim como centenas de micro e pequenas empresas que existem e se nutrem das ideias de empreendedorismo, prosperidade e sucesso da ética de trabalho protagonizada por José de Souza Marques como empresário, pastor batista, educador e líder político local, ao mesmo tempo universal.
Sendo assim, é objetivo geral deste estudo analisar a trajetória de vida de José de Souza Marques, suas propostas políticas e práticas de construção de uma cidadania dirigida para pobres, suburbanos e afro-descendentes, a dinâmica de apropriação do republicanismo trabalhista via Igreja Batista, maçonaria e ideia religiosa norte-americana. Como objetivos específicos, a reflexão procurou analisar as relações entre indivíduo, sociedade e instituições de cultura política e ensino nos caminhos da trajetória de José de Souza Marques; identificar os valores, ideologias, desejos, interesses e projetos, assim como os significados atribuídos a José de Souza Marques ao longo de sua vida; investigar sobre as ações de memória produzidas por José de Souza Marques – uma auto-biografia e um livro intitulado 'Pensamentos para você pensar'; e ao estudar depoimentos, fatos, versões e eventos, analisar a relação da comunidade local com os espaços, procurando identificar se o Colégio e a Faculdade Souza Marques são loci de práticas de construção e consolidação de um sentimento de reconhecimento político e social de José de Souza Marques e para pobres e afro-descendentes; analisar o conjunto de representações que compõe o discurso múltiplo de José de Souza Marques; compreender o processo de institucionalização de um acervo particular consorciado com arquivos privados como a Maçonaria e públicos de estado e governo, como os da ALERJ, da Biblioteca Nacional, Arquivos Públicos Nacional, Estadual e Municipal, ao compor um panorama da preservação de sua trajetória de vida como um patrimônio imaterial e histórico do Rio de Janeiro e do Brasil.
Procuro compreender a trajetória de vida de José de Souza Marques a partir de alguns pressupostos, a saber:
1 – a construção e os sentidos do discurso humanista, cristão não católico, político, ideológico e social configura um processo de invenção de uma nova tradição, pautada na busca pelo consenso sobre algumas questões, como a importância da mobilidade social, a luta contra o racismo, a educação como valor republicano, a proteção social de pobres e  afro-descendentes como valores patrimoniais afetivos e simbólicos relacionados às elites – e a sua capacidade de representar, de simbolizar a nação como uma totalidade;
2 – os usos, apropriações e valorizações da trajetória de vida de José de Souza Marques revelam relações de poder, e conflitos aparentes envolvendo distintos segmentos sociais na cidade do Rio de Janeiro como capital da República e no Estado da Guanabara;
3 – os distintos segmentos sociais envolvidos no processo revelam um conflito entre interesses, de ordem ideológica, política, cultural, econômica, simbólica e afetiva;
4 – como militante político, religioso, educador e líder local envolvido com um processo civilizador e pedagógico, tem um controle maior sobre os sentimentos e, por isso, pode determinar estrategicamente os usos políticos e ideológicos na sociedade carioca e fluminense a que tem acesso e influência;
5 – as transformações ocorridas no discurso político e social na atualidade seriam decorrentes de ações do tempo passado de lógica política e ideológica intencional e prospectiva, isto é, para legitimar a aquisição de poder e prestígio de determinada parcela da população carioca, fluminense e brasileira composta por pobres, suburbanos e afro-descendentes;
6 – o passado é resultado do acúmulo de experiências, onde há espaço para ação, coerção e negociação, partindo da noção de estruturas estruturadas e estruturantes[28];
7 – para compreender as possibilidades e práticas de apropriação e ressignificação das trajetórias de vida por parte da sociedade e do Estado no Brasil do tempo presente, procuro orientação a partir dos trabalhos de Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira, Lívia Buxbaum, Maria Luiza Penna, Eli Napoleão, José Reginaldo Gonçalves, Márcia Contins, Carlos Alberto Medeiros, Miro Teixeira, Abdias do Nascimento, Jorge da Silva, Joel Rufino, entre outros.
O estudo pretende contribuir com dados e reflexões para o enriquecimento das discussões acerca da temática da intolerância, desigualdade social, pobreza, mobilidade social, republicanismo, educação, empreendedorismo, relações interétnicas, racismo e políticas de ações afirmativas no Brasil do tempo presente. Analisei cuidadosamente o modo e as condições como uma estratégia de vida contribuiu para que diferentes setores da sociedade carioca, fluminense e nacional interagissem como agentes de mudanças pontuais nos governos federal, estadual e municipal, na educação, no mundo do trabalho, nas políticas públicas, nas comunidades locais, dentre outros. Esse estudo, mesmo limitado nos paradigmas da linha de pesquisa, estabeleceu conexões interpretativas que buscaram revelar os múltiplos papéis de uma trajetória de vida como patrimônio imaterial, político e histórico, gerador de apropriações e ressemantizações por parte de múltiplos grupos envolvidos, uma vez que partiu de uma perspectiva compreensiva em que se priorizou a análise dos conflitos, disputas, hierarquizações e exclusões que fazem parte dos processos de constituição e legitimação de pobres, suburbanos e afro-descendentes, em uma sociedade e Estado altamente hierarquizados e excludentes. Compreendo o desenvolvimento do tema a partir de uma perspectiva sociológica e política preocupada em caracterizar e analisar as relações entre os distintos segmentos sociais envolvidos no contexto estudado, a trajetória de vida de José de Souza Marques.
Parto da perspectiva de Clifford Geertz, antropólogo de orientação culturalista, para quem a compreensão das construções coletivas, transmitidas historicamente, só pode ser feita a partir da malha de significados que a sociedade produziu[29]. Procurei em tempo contínuo interpretar o processo de construção e apropriação de um determinado sistema de concepções.
A partir da análise que efetuei, indico que estudar a dinâmica da vida social, política e cultural de uma personalidade como José de Souza Marques, teve por objetivo maior desenvolver tanto a educação cidadã quanto o republicanismo democrático, além de estreitar o contato com comunidades múltiplas e diversificadas por meio de um discurso acadêmico que valoriza um fazer cotidiano que perde adeptos dia a dia, mas que contribui para pensar outras questões pertinentes, como o papel das lideranças locais, educadores e militantes sociais nos processos de construção de identidades, memórias e representações coletivas de uma nacionalidade brasileira e o papel de instituições como escolas, igrejas não católicas, a maçonaria, associações comerciais e industriais da Zona Norte e da Zona Oeste pobre da cidade do Rio de Janeiro, assim como uma rede de micro e pequenas empresas tocadas pela coragem de empreendedores individuais e/ou familiares tendo a ética do trabalho como eixo motivador para o sucesso, a prosperidade e o reconhecimento social como espelhos das múltiplas comunidades locais e loci de informação, instrução e construção de uma cidadania periférica aos padrões ibéricos brancos e excludentes, ao longo da história da sociedade e do Estado no Brasil dos séculos XIX a XXI[30].
No governo Luiz Inácio Lula da Silva um conjunto de incentivos foram dados às empresas individuais, às micro e pequenas empresas, via financiamentos do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, bem como implementaram-se modelos de simplificação no pagamento de impostos e regularização de empresas. No governo Lula as ideias de José de Souza Marques sobre empreendedorismo e ética do trabalho também ganham formato e inúmeras atividades por intermédio do SEBRAE.   
A perspectiva do trabalho foi compreender o sentido atribuído a algumas categorias, a saber: trajetória de vida como patrimônio imaterial e histórico, memória nacional brasileira, memória local, memória histórica de invisíveis[31], anônimos e silenciosos, espaço urbano, território, Estado, sociedade e comunidades, dentre outras, para dar conta da caracterização e análise das reapropriações e ressemantizações das referidas categorias por parte dos diversos segmentos sociais que participam da trajetória de vida, reconhecimento e preservação da memória de José de Souza Marques como um bem de valor histórico para a nação brasileira no tempo presente.
Parto do pressuposto de que a trajetória de vida como patrimônio imaterial, político, ideológico e histórico é preservada não somente por algumas políticas públicas. O patrimônio e o legado de uma vida vivida é construído e preservado através de relações entre os distintos segmentos sociais que, dependendo do valor que atribuem a ele, dos seus interesses em relação a ele e dos sentimentos de afeto e pertencimento que ele lhes desperta, vão facilitar ou dificultar sua preservação. Como anteriormente mencionado, nessas relações é possível observar a construção de um campo de disputas, negociações, omissões, distorções, silêncio, boatos e exclusões, considerando os diversos interesses em jogo.
Sendo assim, quando observei e analisei as relações de sociabilidade, conflitos e negociações entre guardiões das memórias, militantes sociais, comunidades locais e de interesses e os lugares da memória foi uma tarefa, uma missão político-ideológica, que ultrapassou o campo do concreto, do dado material, escrito e documentado. Foi necessário buscar e identificar dados e informações que se encontram no campo da subjetividade, do imaginário, dos desejos e das escolhas, revelados pelos aspectos simbólicos das relações de sociabilidades entre os atores envolvidos nas disputas políticas, ideológicas, culturais, econômicas, simbólicas e afetivas. Nesse sentido, procurei, orientado pelas idéias de Clifford Geertz, Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho, Guerreiro Ramos e outros, interpretar os conjuntos de símbolos inseridos no contexto social e psicológico.
As entrevistas abertas foram realizadas por estudantes de ciências sociais e psicologia da UFRJ, supervisionadas pela jornalista e socióloga Lívia Buxbaum, com contemporâneos políticos, religiosos, com a maçonaria e com maçons que conheceram e trabalharam com José de Souza Marques, parentes e ex-alunos.
Tive longas conversas com o Deputado Federal Miro Teixeira, que foi amigo de José de Souza Marques, com suas filhas e neta. Também conversei com lideranças maçons e com Leonel de Moura Brizola.
O historiador Peter Burke[32], sobre a obra de Norbert Elias, destaca que a noção do cotidiano é menos precisa e mais complicada do que parece. É quando a inerente subjetividade das fontes – sejam de natureza oral ou escrita – se nos apresenta. Todavia, como toda construção é uma interpretação variável, considerando seus pontos de partida, enfoques e questões mais ou menos relevantes, uma das metas a alcançar através da metodologia escolhida é colher as informações ditas, bem como as não ditas. Na pesquisa empírica com as fontes orais, procurarei observar aquilo que o narrador diz com palavras, com silêncios, com hesitações, com gestos mais ou menos marcantes, com o olhar – que a sabedoria popular nos indica ser o reflexo da alma – com o corpo, para captar algo que suas palavras não exprimiram.
Com efeito, para que a utilização das entrevistas abertas feitas pelos estudantes de ciências sociais e psicologia da UFRJ como método de pesquisa empírica neste trabalho obtivessem os resultados desejados nos objetivos da pesquisa, o método de observação participante foi fundamental. Isso foi feito por mim e acarretou em visitas constantes e permanências ao bairro de Cascadura, onde se localizam o Colégio Souza Marques, a Fundação Técnica Educacional Souza Marques e todo o acervo pessoal de José de Souza Marques, além de suas filhas, netas, netos e muitos amigos antigos. Miro Teixeira e Estela Souza Marques foram as principais âncoras de minhas entrevistas em profundidade e das conversas mais abrangentes e pormenorizadas.
 Além das referidas visitas ao bairro de Cascadura, ao longo da pesquisa tive conversas profissionais com religiosos da Igreja Batista do Engenho Novo, igreja que foi construída por José de Souza Marques e frequentada, até o tempo presente, por toda sua família. Também foram necessárias visitas frequentes ao Palácio Maçom da Rua do Lavradio, onde existe um "espaço de memória", um auditório denominado Salão Nobre Pastor José de Souza Marques e um retrato pintado a óleo de José de Souza Marques, que foi presidente do Superior Tribunal Maçom por décadas.
Realizei visitas, conversas, entrevistas e consultas no Colégio Batista da Tijuca, onde José de Souza Marques se alfabetizou, trabalhou como faxineiro, inspetor de alunos, professor e vice-diretor. Consultei os arquivos da antiga Assembléia Legislativa do Estado Federado da Guanabara, hoje localizados na ALERJ; aos arquivos públicos do Município do Rio de Janeiro e ao Arquivo Nacional, sobre o período do Rio de Janeiro como Distrito Federal, e aos arquivos do Conselho Estadual de Educação e do Ministério da Educação; aos arquivos do Tribunal Superior Eleitoral e da Igreja Batista do Engenho Novo; a coleção de objetos, documentos, jornais e revistas, fotos em poder da família Souza Marques; aos arquivos do Colégio Batista da Tijuca.
A pesquisa foi realizada de março de 2009 até novembro de 2011.
Acredito que a técnica da observação participante e das conversas em profundidade foram fundamentais para a reunião de um conjunto de dados que me permitiu uma compreensão – com profundidade – acerca do universo da pesquisa e reflexão sobre a trajetória de vida de José de Souza Marques. Somente através do trabalho de campo foi possível identificar as transformações dos espaços geográficos físico e simbólico da cidade do Rio de Janeiro devido à reestruturação do espaço urbano onde José de Souza Marques viveu e agiu, e como tal processo afetou as relações entre os múltiplos segmentos sociais em que José de Souza Marques circulou e interveio.
Para responder às questões norteadoras do estudo, foi necessário coletar – nas entrevistas temáticas e de vida, bem como durante a observação participante e as conversas profissionais em profundidade – dados acerca da vida, das ações, dos projetos e das práticas sociais, políticas, culturais, de lazer e outras de José de Souza Marques.
            Para que a pesquisa obtivesse um corpo teórico que sustente as argumentações aqui discutidas, foi necessário um consistente estudo bibliográfico acerca da relação entre história de vida, história oral, observação e pesquisa documental nos processos de constituição de representações e identidades sociais; construção de discursos políticos, de educação, de nacionalidade, de políticas sociais e demandas por direitos, ideologias e relações sociais enquanto atores sociais em disputas e tensões. Para realizar esta etapa da pesquisa, fiz um levantamento bibliográfico e documental sobre a temática em questão que revelou as relações estabelecidas entre os guardiões da memória e a trajetória de vida de José de Souza Marques.
Vale ressaltar que, para eleger as bases de um quadro referencial teórico capaz de desenvolver e responder às questões norteadores da pesquisa, foi necessário lançar-se a campo e recolher alguns dados acerca do objeto que me permitiram constituir um perfil preliminar. Sendo assim, para o estudo dos processos e práticas de constituição de uma trajetória de vida como um patrimônio imaterial, político, ideológico, cultural e histórico tive a perspectiva de dialogar com a tradição sociológica, antropológica e histórica dos estudos de memória, dinâmicas políticas, ideologia e análise de discursos, lançando mão dos discursos de Maurice Halbwachs, Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho, Carlo Ginsburg e Pierre Nora, uma vez que os autores nos apresentam a discussão da operação da memória enquanto reconstrução do tempo presente e fruto das relações sociais, sendo a memória, ao mesmo tempo, um processo constituído e constituidor. Esse processo lançou luzes para compreender e analisar os enquadramentos de memória e as memórias subterrâneas daqueles que perderam a disputa pelo espaço ou pelo capital simbólico; para compreender o contexto atual de valorização da memória e as práticas de patrimonialização imaterial cada vez mais presentes no país; para analisar a construção dos discursos sociológicos sobre memória – Malinowski; para compreender o discurso do patrimônio imaterial, intelectual e histórico enquanto construção sem, a princípio, conflitos e questionamentos aparentes – Joel Candau, Ecléa Bosi, Stuart Hall, Gilberto Velho, Luis César Baía, Olívia Galvão, Carlos Alberto Medeiros, Lívia Buxbaum –, no sentido de articular especialmente as noções de memória, identidade, nação e trajetória de vida.
Para tratar da categoria lugar da memória – e compreender suas transformações e ressignificações – lancei mão das reflexões de Mary Douglas, Tereza Scheiner, Mathilde Bellaigue, Neil Postman, Gizlene Neder, Edgar Morin, Zygmunt Baumann, Pierre Bourdieu, Norbert Elias e Roberto Cardoso de Oliveira.
As categorias coleções e objetos foram pensadas com base em Marcel Mauss, Krysztof Pomian, Eli Napoleão, James Clifford, George Simmel, Walter Benjamin e Luiz Roberto Cardoso de Oliveira.
Sociedade e comunidade foram categorias desenvolvidas a partir das considerações de Florestan Fernandes, Oraci Nogueira, Gisálio Cerqueira Filho, Guerreiro Ramos, Zygmunt Baumann, Pierre Bourdieu, Norbert Elias, Contardo Caligaris, Lavoisier Zizek, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, José Murilo de Carvalho e Antônio Cândido, para os quais o indivíduo, constituído pelo campus, irá disputar pelo capital simbólico e afetivo.
Finalmente, espaços e territórios, enquanto loci geográficos de hierarquizações, disputas e negociações, foram categorias desenvolvidas e amparadas nas considerações de Milton Santos, Bernard Bachelet, Michel de Certeau, Henri Lefebvre, Luiz César Queiroz, Paul Singer, Manuel Castells e Benício Vieira Schmidt.

NOTAS 


[1] Compreendo a ação “apropriação” enquanto atitude de poder e controle sobre o objeto apropriado, que implica em um processo de identificação. GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. A retórica da perda. Rio de Janeiro: Rio de janeiro: Editora UFRJ/IPHAN, 2002.
[2] GONÇALVES, ib, ibidem.
[3] GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
[4] HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora, 1990.
[5] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
[6] HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições Rio de Janeiro: Paz e terra, 1984.
[7] POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos, v.2, nº3, Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e Documentação Histórica, 1989, p.3-15.
[8] NEDER, Gizlene. “Cidade, Identidade e exclusão social”. In: Tempo. Vol 2, nº 3. pp. 106‑134. Rio de Janeiro, 1997.
[9] GINZBURG, Carlo.  Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
[10] PENNA, Maria Luiza. Luiz Camillo: perfil intelectual. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
[11] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
[12] POMIAN, Krzyzstof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 1, Memória e História. Edição Portuguesa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997, p. 51-86.
[13] GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. Coleções, museus e teorias antropológicas reflexões sobre o conhecimento etnográfico e visualidade. In: Cadernos de antropologia e Imagem, nº8, Rio de Janeiro, 1999, p.21-34.
[14] HOBSBAWM, Eric, op. cit.
[16] HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
[17] GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. A retórica da perda. Rio de Janeiro: Rio de janeiro: Editora UFRJ/IPHAN, 2002.
[18] BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
[19] BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
[20] WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Brasília: UNB, 2004.
[21] DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
[22] NEDER, Gizlene. “Cidade, Identidade e exclusão social”. In: Tempo. Vol 2, nº 3. pp. 106‑134. Rio de Janeiro, 1997.
[23] NEDER, Gizlene, ib., ibidem.
[24] NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Revista História, nº 10,  São Paulo: PUC, 1993, p.7-28.
[25] Compreendidos aqui a partir de sua relação estreita com os grupos dominantes, de valores como civilização e cultura e da intenção de representação de uma totalidade. GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. “Monumentalidade e cotidiano: os patrimônios culturais como gênero de discurso”. In: Cidade: História e Desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
[26] GUERREIRO RAMOS. Introdução crítica à sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
[27] DOMINGUES, José Maurício. Criatividade social, subjetividade coletiva e a modernidade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.
[28] BOURDIEU, Pierre, op. Cit.
[29] GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978.
[31] PERROT, M. Os excluídos da história – operários, mulheres e prisioneiros. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
[32] BURKE, Peter. Variedades da história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELET, Bernard. L’EspaceParis: PUF, 1998.
BAÍA, Luiz Cesar dos Santos. Sala do artista popular: tradição, identidade e mercado(Dissertação). UNIRIO, 2008. Disponível no link. (acessado em 8.11.2013).
BAÍA, Paulo. A tradição reconfigurada: mandonismo local, municipalismo, lumpen-elite e cultura política (tese). Seropédica: UFRRJ, 2005. Disponível no link. (acessado em 8.11.2013).
BAUMANN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Jorge Zahar Editor, 2003.
BELLAIGUE, Mathilde. O desafio Museológico. In: SCHEINER, Tereza. Textos reunidos. Rio de Janeiro: Universidade federal do Estado do Rio de Janeiro/Escola de Museologia, 2005.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco. São Paulo: Brasiliense, 1984.
_______________. Sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.
_______________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BURKE, Peter. Variedades da história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
BUXBAUM, Lívia. Estratégias de Comunicação de Favelados no Processo de Integração Social e Construção de uma Cidadania Plena na Cidade de Rio de Janeiro (Monografia). LEG/UFRJ, 2010.
CANCLINI, Nestor Garcia. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, nº 23, 1994.
CASTRO, Sônia de. O Estado na preservação de bens culturais. Rio de Janeiro: Renovar,
1991.
DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. 1ª ed., Artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
DOMINGUES, José Maurício. Criatividade social, subjetividade coletiva e a modernidade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.
DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
GALVÃO, Olívia Maria R.  A Sociedade de Resistência ou Companhia dos Pretos: um
 estudo de caso entre os arrumadores do Porto do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,         PPGS/IFCS/UFRJ, Mestrado em Sociologia, agosto/95.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/IPHAN, 2002.
______________. Coleções, museus e teorias antropológicas: reflexões sobre o conhecimento etnográfico e visualidade. In: Cadernos de antropologia e Imagem, nº8, Rio de Janeiro, 1999, p.21-34.
______________. Monumentalidade e cotidiano: os patrimônios culturais como gênero de discurso. In: OLIVEIRA, L. (org.) Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: CNPq/FGV, 2002, p.108-123.
GUERREIRO RAMOSIntrodução crítica à sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora, 1990.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
LEFEBVRE, Henri. La production de l’espaceParis: Éditions Anthropos, 1974.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Sociologia e Antropologia. São Paulo : Pedagógoca Univ., 1973.
NEDER, Gizlene. “Cidade, Identidade e exclusão social”. In: Tempo. Vol 2, nº 3. pp. 106‑134. Rio de Janeiro, 1997.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, nº 10, São Paulo: PUC, dez/1993, p. 7-28.
PENNA, Maria Luiza. Luiz Camillo: perfil intelectual. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
PERROT, M. Os excluídos da história – operários, mulheres e prisioneiros. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, v.5, nº10, Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e Documentação Histórica, 1992, p.200-215.
_____________. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos, v.2, nº3, Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e Documentação Histórica, 1989, p.3-15.
POMIAN, Krzyzstof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 1, Memória e História. Edição Portuguesa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997, p. 51-86.
POSTMAN, Neil. A Ampliação do conceito de Museus. 1989. In: SCHEINER, Tereza. Textos reunidos. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Escola de Museologia, 2005.
SCHEINER, Tereza Cristina M. Apolo e Dioniso no templo das Musas. Museu gênese, idéia e representações na cultura ocidental. (Dissertação de Mestrado em Comunicação). Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 1998.
VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura. Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999a.
_____________.  Projeto e metamorfose. Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999b.
WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Brasília: UNB, 2004. 

____
Nota biográfica
Paulo Baía, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2001) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Núcleo de Sociologia do Poder e Assuntos Estratégicos, pesquisador associado sênior do Laboratório Cidade e Poder da UFF, do Laboratório de Estudos de Gênero do IFCS/UFRJ e do Núcleo de Inclusão Social (NIS) - UFRJ. Tem experiência nas áreas de Sociologia e Ciência Política, com ênfase em sociologia política, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento social brasileiro, estudos estratégicos, teoria política, cultura política, pensamento social, defesa nacional, segurança pública, desigualdades sociais, cidadania, violência, direitos humanos, eleições, estudos urbanos, sistemas de informação/contra-informação/inteligência e boato. (CV Lattes). E-mail: paulorsbaia - e - paulorsbaia-ifcs.


** Artigo originalmente publicado 
BAIA, Paulo Rogério dos Santos. Pensamento Social e Político de José de Souza Marques: análise da trajetória de vida de um afro-descendente pioneiro das ações afirmativas no Brasil. Passagens: Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, v. 5, p. 102-125, 2013. Disponível no link. (acessado em 8.11.2013).
- Núcleo de Inclusão Social – IFCS/UFRJ
- Laboratório Cidade e Poder - UFF 

*** Autorizada a reprodução deste artigo integral ou parcial, desde que citados os devidos créditos e a fonte.

ACOMPANHE E CURTA À FANPAGE DO AUTOR

____
** Página atualizada em 18.1.2016.



Licença de uso: O conteúdo deste site, vedado ao seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuando os casos especificados em contrário. Direitos Reservados © 2016 Templo Cultural Delfos

Sociabilidades violentas: intolerâncias, individualismo fóbico, machismo, hedonismo e refugos humanos

Paulo Baía*

Resumo: Este artigo discute as questões da violência, do individualismo, da solidão, da perversidade, e como estas ideias, no mundo contemporâneo, produzem práticas políticas e sociais conflituosas e desestruturadoras das sociabilidades tradicionais fundadas na ética do trabalho e do Estado clássico liberal ou social-democrata.

Palavras-chave: Violência, individualismo, perversidade, sociabilidade.


Abstract:  This article discusses issues of violence, individualism, solitude, perversity, and how these ideas act on the contemporary world, producing conflicting political and social practices, breaking the traditional sociabilities based on the ethics of work and liberal or social-democratic Classic State.


Key-words: Violence, individualism, perversity, sociability.  



Guernica, de Pablo Picasso (1937)

Formular uma teoria geral para a humanidade é um projeto intelectual constituinte da própria sociologia. Entre nossos exercícios mais consistentes podemos incluir a ousadia de se pronunciar sobre o porvir, pensando com a história (Schorske, 2000), ouvindo a voz do passado a partir do presente.

Como sociólogo, tenho na história uma fonte inesgotável de riquezas, um tesouro político, cultural e educacional. E é da experiência concreta da história, que se podem extrair lições para enfrentar o futuro envelhecido precocemente do século XXI.

De fato, valemo-nos de premissas culturais e ideológicas para elaborar quase que uma metateoria sobre o que virá, e normalmente traçamos roteiros de possibilidades presumidas. E é nas perspectivas teóricas e políticas dos erros cometidos no passado recente que observo apreensivo a euforia das análises prospectivas que apontam, com garantia e certa petulância, a formulação de que o século XXI alcançará uma plataforma política de compreensão, de civilidade e uma multidiversidade salutar e includente. Estas análises tendem a nos fazer acreditar que os avanços científicos e tecnológicos mundializados serão o fundamento de uma sociabilidade na qual o respeito às diferenças será a principal evidência, produzindo assim um cenário social onde as diferenças serão simétricas, ou seja, haverá igualdade na diversidade. Este é um sonho acalentado pelo humanismo desde o século XVII.

O futuro, o século XXI, consolida-se com muita rapidez, em um campo minado de múltiplas possibilidades tecnológicas, científicas, políticas e culturais, todas fundamentadas na intolerância ao “outro”. Na crença unicista de que é o indivíduo o agente central e único de sua própria transformação. E não falo aqui de um indivíduo Weberiano, que é coletivo e solidário. 

A tradição das práticas políticas brasileiras, baseadas na clientela (Faoro, 1979), é geradora de dispersões e alicerça a edificação de um imaginário social mistificado, um espetáculo bufo, nebuloso e de enredo indefinido para os atores sociais (Goffman, 1985) que o vivem nas duas pontas da relação.

Diante de um cotidiano dominado pelo ócio, uma nova hierarquia de valores societais começa a ser produzida; e a violência é a principal delas. Chegando a tal nível, que parece estabelecer-se como um novo centro ético de comportamento; assim já o é em vários territórios das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Falar sobre o futuro tornou-se um hábito anacrônico, cuja racionalidade a médio prazo é o medo, diante do poder crescente da lúmpen-elite sobre o Estado e sobre a sociedade e do monopólio dos especialistas do MERCADO financeiro mundializado, que com seus Phds em Harvard e Yale e suas agências de análises de riscos, pitonisam os indicadores de riscos para cada sociedade e nação, com critérios duvidosos e especulativos (Silveira, 1998).
Há um esgotamento no estoque de ideias criativas e construtivas, tanto do Estado como da sociedade (Cerqueira Filho, 1982). No momento, vence e se impõe um individualismo narcísico e solitário, que acarreta a dissolução das redes tradicionais de sociabilidade, abrindo possibilidades políticas e históricas para um rearranjo das redes sociais e civilidade, hoje coagidas e/ou seduzidas pelas violências e corrupções como valores éticos de convivência cotidiana (Hirschman, 1992).

A crise da segurança pública reflete a crise da cultura política brasileira, revelando o desespero que se generalizou e se difundiu na população, pela falta de esperança, que era produzida pela ética do trabalho. As pessoas foram dominadas pelo ceticismo das largas diferenças, consolidadas pelas exclusões históricas, e pela ausência de perspectivas de melhora para o futuro.

A ideia de trabalho, ao deixar de ser o fundamento da sociedade, e, portanto, valor ético e eixo de organização dos desejos, vontades e esperanças, desaparecem (Habermas, 1987), favorecendo que a violência, os ilícitos e as corrupções se transformem em uma via política de ascensão social.

O trabalho, ao deixar de ser o fator ético catalisador da organização social, promove um desarranjo nas subjetividades coletivas. Promove a emergência em escala crescente da violência e da religiosidade fundamentalista como formas de reagrupamento simbólico e concreto de indivíduos desesperançados (Alvito, 2001).

O individualismo que configurou a política de formação do Estado moderno tinha nas ideias da posse, da propriedade e do trabalho seus centros de tensão e organização. O individualismo clássico produziu os sentidos, os significados, de duas concepções tradicionais de Estado: o Estado liberal, que regula a ação entre o privado e o público; e um Estado que, sem romper com a tradição liberal, aponta para uma socialização simbólica da propriedade, através de mecanismos mitigadores para os despossuídos e não proprietários.

De qualquer forma, seja qual for à vereda que se percorra, tem-se que os princípios da sociabilidade, do contrato de cidadania, estavam intimamente vinculados à própria formação da ideia do Estado-nação (Bendix, 1996), e reforçaram-se nos pressupostos da revolução americana e da revolução francesa, conferindo legitimidade à propriedade a todo aquele que, de alguma forma, estabelecesse um laço de “pertencimento” a um estatuto jurídico e simbólico com uma comunidade política, com um Estado.

Portanto, aquilo que a princípio parecia separado e distinto configura-se como uma equação de variáveis interdependentes. O Estado, ao estabelecer-se centrado no indivíduo, no individualismo, na posse particularizada, engendrou formas políticas de administrar uma coletividade despossuída, consolidou uma maneira de regular e controlar conflitos daí decorrentes, produzindo uma concepção de Estado mediador e provedor (Bobbio, 2000). O Estado-nação moderno assegurou a propriedade material e simbólica, manipulando e gerindo os conflitos através de mecanismos públicos de distribuição de bens de natureza simbólica e material.

A questão do individualismo do Estado-nação está diretamente ligada a questão da organização política e, portanto, da organização das sociedades, formadas historicamente cada uma de maneira diferente das outras, com suas peculiaridades e características próprias.

O contrato de cidadania estava centrado nessa lógica, o individualismo gerando um Estado que organiza o conflito via distribuição de bens simbólicos e o estímulo à mobilidade social e à esperança de um futuro melhor via trabalho e poupança.

Essa estratégia, bem sucedida do século XIX ao século XX, fortaleceu uma matriz do indivíduo como ator social, portador de um direito natural a toda forma de posse, tradição política liberal herdada de Locke.

Entretanto, a expressão ‘posse’ introduz a questão da propriedade e do conflito daí decorrente, das formas de legitimar socialmente, em cada Estado-nação, a obtenção e manutenção da propriedade (Bendix, 1996). O Estado e as sociedades engendraram as formas políticas de controle social e legitimação política e ideológica para as exclusões e os despossuídos, mantendo a ordem pública e o espírito de pertencimento a uma nacionalidade.

O individualismo coletivizou-se através do Estado de direito, mantenedor das formas particularizadas de propriedade material, simbólica e afetiva, sendo ele, o Estado, tanto liberal como social-democrata, uma materialização de um “EU COLETIVO”, onde havia uma subordinação do privado ao público. Experiência sociopolítica rara na trajetória do Estado-nação brasileira, onde o público e o privado são indistintos historicamente e no tempo presente.

Associo ainda a ideia de que o Estado administra o individualismo coletivizado pela comunidade política, fazendo com que os despossuídos sintam-se confortáveis dentro de suas esferas de atuação no trabalho. E, ainda, a ideia de que o despossuído legitima o exercício da posse através dos mecanismos públicos eficientes de um Estado distributivista, que opera a ética do trabalho como fundamento das esperanças de se ter posse e ser proprietário. 

Para os individualismos clássicos, o Estado é o ente fundamental para solucionar e administrar crises sociais, conflitos, gerir os ambientes de mudança, de antagonismos. E ainda, enxergar nos antagonismos a oportunidade criativa de se implantar políticas afirmativas, um Estado mitigador (Boudon, 1979). Um “Estado do equilíbrio instável”, um Estado centrado no desenvolvimento dos bens materiais e coletivos, capaz de identificar e controlar os efeitos perversos de uma ordem social capitalista e excludente, ao menos em tese e na doutrina jurídica.

Como exemplo, o desenvolvimento da indústria do petróleo no Rio de Janeiro gera poluição e má qualidade de vida nos territórios da Baía de Guanabara, encarados com naturalidade como um efeito perverso de um desenvolvimento bom para a humanidade, para o ser humano, e, particularmente, para o Rio de Janeiro, lógica explicitada nas análises de custo-benefício que os governos e a indústria do petróleo produzem.
Portanto, o Estado, como lógica política de intervenção, justifica estas mazelas ao promover ações para mitigar esses efeitos perversos através de uma política pública de controle ambiental e industrial. O Estado é um contraponto administrativo e político para aqueles que têm posse e as utilizam em um contexto de legitimidade social e jurídica.
O Estado que se consolidou ao longo dos séculos XVIII até o século XX materializou um sentimento de responsabilidade coletiva dos que têm posse, procurando mitigar os efeitos perversos de uma ordem social contraditória. Estes eram e são os pressupostos políticos e doutrinários que orientaram a formação dos diversos Estados-nações na modernidade (Bobbio, 2000).

A história do Estado-nação no Brasil parece caminhar na contramão destes pressupostos. Entender o confronto do Estado de direito no Brasil com o individualismo narcísico e solitário passa necessariamente por conhecer como, nos séculos passados, as elites brasileiras apostaram na ideia de que seria melhor construir um Estado gerador de privilégios do que um Estado promotor e defensor da cidadania clássica (Carvalho, 2001), passa necessariamente por desvendar a trama de hostilidades e perversidades que foram cometidas contra a população pobre, particularmente com os escravos africanos e seus descendentes, e por entender como o arcaísmo foi o projeto de futuro para as elites em formação no século XVIII no Brasil (Fragoso & Florentino, 1993).

No Brasil, o individualismo patrimonialista consolidou o desejo e o sentido da posse, arraigado na ideia de controle estatal, marca da tradição histórica do Estado-nação brasileiro, cuja racionalidade e normatização garantem a posse ao indivíduo através de mecanismos institucionais de um Estado excludente (Faoro, 1994). A posse está, hipoteticamente, pela doutrina jurídica, à disposição de qualquer ator social, disponibilidade que se consolida através das esperanças produzidas pela ética do trabalho.
A ordem social contemporânea, do século XXI, configura um mundo que nos parece não ter espessura, em movimento quase que incessante, como que se vivêssemos dentro do rodopiar de um tornado, em que uma força centrífuga nos fragmenta e nos joga de um lado para o outro, e que provoca nos indivíduos, nas sociedades e nos Estados a sensação de possibilidades inúmeras, de estarem dentro de um CONJUNTO EM DISPERSÃO, que, entretanto, tem uma lógica centralizada, apesar das rupturas das representações sociais, da dissolução dos absolutos, da transmutação das redes de pertencimento e suas reconstruções fragmentadas.

O sutil mecanismo centralizador da dispersão configura a principal estratégia política do tempo presente, um experimento em que a fragmentação e a descontinuidade não representam descontinuidades e fragmentações, mas indícios de um projeto unitário e de uma lógica única, comandado por um oligopólio transnacional e privado que tem no G-8 e G20 suas melhores expressões.

Recorro ao modelo estatístico de Paul Lazarfeld de intercambialidade de índices, na lógica algébrica da análise fatorial, para pontuar que as descontinuidades funcionam como VARIÁVEIS DE DISTORÇÃO e as fragmentações como VARIÁVEIS SUPRESSORAS (Babbie, 1999).

Portanto, identificar a tensão dessa lógica, como ela é constituída, é o desafio para que não nos percamos na ideia de um mundo fragmentado, multicultural e atomizado, como alguns teóricos da sociologia, da antropologia, da ciência política, da história e da psicologia contemporânea vêm afirmando. O cenário social contemporâneo se inspira nas pinturas abstratas, surrealistas, são como cenas de um filme, que, embora partidas, têm uma lógica. Esta lógica tem como estratégia de legitimação política o NOVO como imperativo, é a era da permanente atualização, é a configuração de espaços e tempos que volatilizam-se, tempos esses que provocam uma dispersão das redes de sociabilidade e afeto. Uma sucessão coercitiva, quase que “natural” de fragmentos e extinções, a vida como um jogo de pôquer, a vida como uma entropia, a vida como um bungee jumping, em que se joga para um abismo o cotidiano de milhões de pessoas, para tentar construí-lo durante a queda.

A vida social e as identidades opacas foram substituídas em suas tragédias pelo individualismo fóbico de um consumismo lúdico e hedonista.

A ideia e o conceito de cidadania transitam do direito a ter direitos ao de ter capacidade e oportunidade para consumir com rapidez os NOVOS, e sociabilidades sempre reinventadas e/ou transmutadas para serem novas.

Ao iniciar esta reflexão, busquei na ideia do Estado moderno as noções de indivíduo e de individualismo, tendo Max Weber (1982) e Raymond Boudon (1996) como minhas referências para analisar as contradições entre o indivíduo e o coletivo, entre o individual e o social, tendo igualmente o fundamento analítico que a tradição da filosofia política confere ao ser humano e às ações humanas, como sendo dotadas de uma razão prática, que procura viver uma sociabilidade fundada na palavra, na persuasão e no diálogo; portanto, estabelecedora de contratos de convivência. Daí centrar o olhar na história dos contratos de cidadania, valendo-me das teses de Max Weber (1982) e Louis Dumont (1985) sobre os individualismos, a ação social e a liturgia dramática das sociedades (Goffman, 1985). E como parâmetro de comparação, a história da cidadania no Estado-nação brasileiro, a partir da leitura dos livros O arcaísmo como projeto, de João Fragoso e Manolo Florentino (1993), e A cidadania no Brasil: um longo caminho, de José Murilo de Carvalho (2001).

No Brasil do século XXI as classes dominantes capitalistas e burguesas, a cada dia, cedem seus lugares a uma lúmpen-elite endinheirada. Esta nova casta de mandatários foi um produto inesperado do patrimonialismo estatal, sendo gestado cuidadosamente pelos privilégios concentracionistas e racistas das elites tradicionais brasileiras.

A lúmpen-elite, devagar, ocupa a máquina do Estado por suas beiradas e estabelece áreas de controle territorial e de serviços no dia-a-dia da sociedade. Em certos territórios, ela substituiu na “marra” a pequena burguesia comercial e de serviços e o próprio Estado, difundindo com suas práticas ilícitas, violentas, machistas, corruptas e corruptoras uma incerteza social como clima de convivência; é arbitrária, coercitiva e geradora de medo e mortes, produz, com suas práticas, um sentido social anti-civilizador, no qual as regras do Estado, já anacrônicas historicamente, nada valem e as relações interpessoais são atomizadas pelo silêncio necessário à sobrevivência.

O caminho da humanidade no século XXI se assemelha ao percorrido por Dante Alighieri, tendo Virgílio como cicerone, em sua ida ao inferno.

A história do tempo presente está engenheirando uma ação humana que faz um contraponto à razão, à estruturação e ao “regramento”, constatação feita pelo estudo de Denis Rosenfield (1988), ao introduzir o MAL como uma categoria ético-política. De maneira muito criativa, Rosenfield inverte a lógica do contrato de cidadania possível, centrado na ideia das boas intenções do bem comum, do Estado mediador e provedor e da mitigação dos efeitos perversos da ordem social capitalista.

Quero enfatizar que as intolerâncias e machismos obedecem a uma lógica, um processo bem articulado de sociabilidade perversa (Silva, 2004) geradora de pertencimentos e identidades para homens e mulheres.

A ideia de violência e masculinidade articula-se em uma correlação formatadora de redes de relacionamentos, do micro ou macro no tempo presente.

A violência, o consumismo hedonista e o individualismo fóbico masculinizado são relações sociais de poder que estruturam e fundamentam múltiplos grupos de pertencimento e ação social coletiva, constituindo-se em uma subjetivação que legitima comportamentos de indivíduos submetidos a esses grupos. Portanto, a violência e a masculinidade estão presentes como lugares simbólicos e praticas de sentido estruturante nas relações sociais no tempo presente. 

A violência, a masculinidade e os individualismos fóbicos não são relações de poder unilateral. São eventos sociais complexos e plurais, imersos em múltiplas interações, com representações coletivas interligadas em redes de sociabilidades nos contextos vividos pelos diversos grupos, em que a violência e a masculinidade são representações polissêmicas de organização social.

Essa reflexão discute a relação entre as violências, solidões, individualismos fóbicos, consumismos hedonistas e as masculinidades a partir das práticas sociais de indivíduos em múltiplos grupos de pertencimento. Através destes eventos, analiso as relações entre estes fenômenos sociais e demonstro como funciona esta rede de construção de intolerâncias e assédios múltiplos, com um ponto de vista ancorado na ideia de Ethos guerreiro de Norbert Elias (1994).

Nesse trabalho, o fenômeno da violência é entendido como uma expressão de subjetividade negada, passível de verificação quando os indivíduos compreendem alguns valores como coletivos e indispensáveis para um grupo ser um grupo. A subjetividade negada é sempre estabelecida na interação com outros indivíduos portadores de ideias coletivas. A violência, por ser construída por uma subjetividade negada, estabelece uma negação da alteridade do outro (Silva, 2004). Nesse sentido, a sociabilidade violenta é um modo de vida.

A negação existente passa a se constituir em uma identidade coletiva construtora de múltiplos grupos de indivíduos como comunidades de pertencimento (Anderson, 2008), que compartilham valores grupais através das violências e solidões dos individualismos fóbicos com outros grupos, que se rivalizam rotineiramente. Nos eventos acima citados nega-se a existência de outros indivíduos e/ou outros grupos. Negam-se os direitos às existências diferenciadas. As identidades são estabelecidas articulando-se através das solidões e violências e de um ethos guerreiro (Elias, 1994) etnocentrado.  

As violências e solidões são binômios relacionais complexos que exigem precisões, objetividades e reconhecimentos das subjetividades de cada um dos múltiplos agrupamentos de indivíduos, como se formatam suas categorizações, como classificam o que é violência, individualismo e solidão, pois essas categorias são variáveis dependentes da aceitação tanto dos autores como das coletividades grupais nas quais os indivíduos estão inseridos e os eventos contextualizados. 

A intencionalidade subjetiva relaciona-se com os valores que orientam o sentido de conduta do indivíduo. A subjetividade é relacionada à representação coletiva que há dentro de um contexto. Um ato de violência é sempre uma mediação desses binômios em ação, assim como é uma interpretação que quem sofreu a ação violenta dá ao fato.  
A interpretação que quem sofreu a ação realiza em torno da agressão se faz de acordo com princípios morais construídos dentro do contexto social em que vive. É desta maneira que um mesmo ato pode ser, em um contexto específico, violento, mas, em outro, compreendido como uma relação social que não afete o cotidiano do indivíduo (Oliveira, 2008).

As intencionalidades do indivíduo e dos grupos podem variar, de acordo com o contexto no qual eles se inserem. Dependem da apreensão coletiva dos indivíduos e/ou grupos sobre o que sejam violência, individualismo e consumo. Atores aprendem essas ideias e valores de acordo com as dinâmicas dos grupos em que estão inseridos. Conclui-se que não há violência e solidão no singular, mas há violências e solidões que precisam considerar os indivíduos em suas ações além do contexto dos grupos nos quais estão inseridos.

As violências, os consumismos e as fobias são compreendidos de maneira ampla, visto que todos esses eventos e atos participam das negações de alteridades de outros grupos como sujeitos constituintes de determinadas e especificas sociabilidades. As violências, os consumismos e as fobias são atos violentos e fóbicos na medida em que negam a um ou mais indivíduos ou grupos as normas estabelecidas pela representação coletiva no contexto de um determinado grupo, que são compartilhadas por todos.

Quando falo em normas, não me refiro às normas legais estatutárias de uma instituição ou do Estado. Estas normas são as dos contextos informais dos múltiplos grupos com o qual os indivíduos interagem.  Considero nessa reflexão violências, individualismos fóbicos e consumismos hedonistas e lúdico-narcísicos como alteridade desconsiderada, que não reconhece outros indivíduos ou grupos, a não ser como objetos de consumo descartáveis que serão refugados pelos extermínios e abandonos, como se não fossem sujeitos sociais e humanos. São objetos de consumo e satisfação de desejos voláteis e imediatos, que negam as interações sociais, pois os outros são sempre descartáveis ou perigosos. 

As violências, solidões, individualismos fóbicos e consumismos hedonistas são construções sociais dos novos em continuada mutação no tempo presente. No agora. A participação nas interações dos indivíduos é valorada no âmbito exclusivo de suas sociabilidades especificas e autocentradas – em si mesmos ou nos grupos a que pertencem. As sociabilidades são estruturadas a partir de uma finalidade de agregação que desconsidera os comportamentos e valores dos outros sociais. Em termos clássicos, as sociabilidades estavam estritamente ligadas a uma livre participação dos valores sociais (liberdade, convivência, reconhecimento) de um ou mais  indivíduos, sendo garantida ao mesmo tempo a mesma liberdade de participação de outros indivíduos e/ou grupos. Desta forma, sociabilidade em Simmel (2006) envolve uma construção, que tem como pressuposto uma ação que leva em consideração o outro. 

A sociabilidade para Simmel é uma alteridade. O reconhecimento do outro é um condicionante para a vida social. A sociabilidade das violências, solidões, individualismos fóbicos e consumismos hedonistas são um não reconhecimento das condutas tanto objetiva como subjetiva de outros sujeitos como sujeitos, e sim como objetos para serem usados e refugados. É oposta à sociabilidade de Simmel. As violências, intolerâncias e fobias produzem uma forma de relação social estruturada pela absoluta desconsideração dos outros, uma relação social que descarta o convívio social diferenciado.

As violências, consumismos hedonistas e fobias contemporâneas são relações sociais que organizam grupos específicos como universais.

As violências, o consumismo hedonista e fobias aos outros são novos tipos e arranjos de relações sociais plurais e polissêmicas (Bauman 2005), onde não é possível falar de uma única espécie de violência, o que faz emergir grupos específicos e locais intolerantes, fundamentalistas e fóbicos, que baseiam seus compartilhamentos em normas de comportamentos brutais tantos em ações objetivas como simbólicas, que são consideradas “normais” e definidoras dos grupos específicos. Ao focar em normas interessam-me os significados que os grupos sociais específicos compartilham sobre o que é um ato violento, fóbico e intolerante. Existem variações de comportamentos violentos, narcísicos, fóbicos e consumistas hedonistas conforme os múltiplos grupos constituem-se. Realço a compreensão já feita por Becker sobre as regras normativas de conduta dos grupos:


Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos e em algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como ‘certas’ e proibindo outras como ‘erradas’ (Becker, 2008).


A ideia acima indica que esses fenômenos sociológicos citados ocorrem em redes, em uma cadeia sequencial, que interliga os indivíduos às normas dos grupos específicos. São percebidas pelos grupos e/ou indivíduos engajados a uma sociabilidade violenta especifica não como “desvio” de comportamento, e sim como atos e eventos de normalidades rotineiras que valorizam e legitimam as regras grupais. Como as regras não são individuais, esses eventos e fenômenos das violências, fobias ao outro, intolerâncias e consumismos hedonistas tornam-se uma interpretação valorativa para os grupos e os indivíduos a eles pertencentes. 

As sociabilidades violentas e o Estado são duas faces da mesma moeda: a organização de uma sociedade e grupos de pertencimento pautados nas forças violentas e intolerantes. As sociabilidades violentas e o Estado nascem da mesma forma de organização, que pressupõe a força e as normas como elementos centrais de ordenamento coletivo e alteridades.

As violências, solidões, consumismos hedonistas e individualismos fóbicos no tempo presente em nossas cidades têm como princípio estruturador a força. O uso da força é uma relação social que não pressupõe um esvaziamento do Estado em sua norma jurídica de ter o monopólio legítimo da violência. Ao contrário, a compreensão das sociabilidades violentas desvenda um novo princípio ético moral que estrutura a percepção coletiva dos atores sociais envolvidos, para os quais as violências e intolerâncias não são violências e intolerâncias, mas mecanismos sociais “legítimos” de autoproteção via pertencimento a um determinado grupo. Liga-se a uma privatização, individuação e ‘tribalismos urbanos’ (Giddens 1978) das forças violentas objetivas e simbólicas em detrimento dos princípios normativos governamentais e institucionais que ligavam violência ao Estado.
De acordo com Silva: 


(...) a transformação da violência, de meio de obtenção de interesse minimizado pela sua concentração como monopólio formal do Estado, no centro de um padrão de sociabilidade em formação que não se confronta com a ordem estatal, mas lhe é contíguo. Creio que é justamente isso que confere especificidade histórica à violência contemporânea nas grandes cidades. (Silva, 2004)


Nessa conjuntura, no tempo presente, há uma fragmentação do Estado, que ainda assim é bastante atuante - ao mesmo tempo e contexto onde agem e atuam grupos e/ou indivíduos que competem e concorrem com suas práticas violentas “privadas” de intolerâncias, fundamentalismos, consumismos hedonistas e descartes humanos ao refugar quem não é considerado igual. Através destas práticas, estes grupos expressam um sentido e significado à sua existência que não podem mais ser dados pelos princípios de reconhecimento do Estado (Baía 2006). Assim, deve-se compreender a ascensão das sociabilidades violentas e das fobias aos outros através de uma estrutura que compacta e forma valores. (Elias, 1994). 

A masculinidade nesse contexto analítico está inserida em múltiplos contextos que reproduzem sua condição normativa de existência (Bourdieu 2011). É um conceito que tem uma homologia entre estrutura cognitiva e estrutura objetiva. 

A masculinidade é um processo de interação inserido no conceito gênero. Por gênero, entendo um processo de produção social de diferença onde estrutura-se uma percepção oposta entre duas categorias: masculino e feminino, que formam um binômio complementar, onde o masculino se impõe. Nos dizeres de Almeida:


Se masculinidade e feminilidade são, ao nível da gramática dos símbolos, conceitualizadas como simétricas e complementares, na arena do poder são discursadas como assimétricas. (Almeida, 1996)


O ethos do macho homogeneíza o mundo social como masculino através das práticas violentas, perversas e sutis (Almeida 1996). Não se limita à violência física contra as mulheres, é uma violência simbólica totalizadora, violência simbólica coercitiva quando os mesmos princípios de visão e de divisão do mundo, esquemas de pensamento, estrutura cognitiva é imposta pelos dominantes aos dominados, que não têm outra forma de reagirem às suas práticas sociais, a não ser pelo referencial do mundo social criado pelos dominantes. Mesmo quando mulheres rompem barreiras no trabalho e na política, têm suas condutas estigmatizadas a um ethos que as aciona como  ‘femininas’ como categoria acusatória. 

O masculino insere os atores sociais em um espaço social inerente de desigualdades (Oliveira 2008). As formas como os atores interagem na sociedade são percebidas como expectativas coletivas ajustadas às estruturas concretas em que homens e mulheres estão inseridos.

A dominação do masculino é operada pela reedificação de um masculino universal (Bourdieu 2011). Embora haja variações nas formas de dominação, sempre se reatualizam práticas sociais desiguais entre os gêneros. A lógica da dominação masculina atualiza-se frente às inovações e contextos variados das novas identidades libertárias da mulher.
A masculinidade como processo social, pode ser apreendida por variados métodos, pois existem múltiplas masculinidades de acordo com as sociabilidades inseridas em diferentes contextos (Bauman 2005). A masculinidade implica no poder e privilégio que o indivíduo tem nas hierarquias e fragmentações do social e do Estado.

No contexto específico das sociabilidades violentas, solidões, consumismos hedonistas e individualismos fóbicos a masculinidade forma um paradigma (Anderson 2008) em que os integrantes se reconhecem uns nos outros e, articulando-se através das violências, conseguem estabelecer normas e comportamentos que tendem a uni-los e, concomitantemente, se diferenciar dos outros e de seus estilos de vida.

A masculinidade é o liame normativo constitutivo de identidades (Elias, 1994). Uma masculinidade diferente da que separa o mundo em masculino e feminino, pois se articula através de um ethos guerreiro que impõe a violência como formadora de uma identidade masculina para homens e mulheres. 

O racional do ser humano, nos envelhecidos tempos presentes do século XXI, é uma racionalidade falaciosa, na medida em que põem em confronto os valores gerados pelos pensamentos liberal e socialista clássicos, e as formas contemporâneas de violência política, pessoal e simbólica (Bourdieu 2009). A desregulamentação das sociedades em escala mundial engendra formas excludentes e totalitárias de vida social, de um cotidiano em que os indivíduos tornam-se solitários e narcísicos, a partir da utilização maciça do desenvolvimento científico-tecnológico e da precarização e inconstância das relações humanas (Giddens 1978). Cria-se um cenário de “arianismo” técnico-científico, de violências e barbáries.

Professor Paulo Baía
Chamo a atenção para o fato de que as formas totalitárias não são as tradicionais do totalitarismo do Estado, são privatizadas e individualizadas, ou pela prepotência do mercado ou pela barbárie da violência diária. É um totalitarismo centrado no individual narcísico e solitário, é à vontade absolutizada do indivíduo sobre ele mesmo e sobre os demais. Ou seja, é a soberania absoluta e plena de um EU SOLITÁRIO. (Baía 2006).

Nessa reflexão, ao introduzir o conceito de violência como um projeto individualizado do mal, de uma vontade maligna, tem-se a perversidade como uma categoria ético-política, portanto, um conceito capaz de produzir realidades sociais factíveis. Tendo a perversidade como categoria sociológica analítica, tomo igualmente os conceitos de solidão, consumismos hedonistas, intolerâncias e individualismo narcísico fóbico como ideias que foram recusadas pela maioria dos analistas sociais. Somente a psicanálise cuidou deles, e os analistas sociais, ao recusarem a ideia da existência de uma pulsão maligna, influenciaram de forma decisiva as mais diferentes vertentes do pensamento científico na área de ciências humanas, pois estabeleceram um silêncio sobre as perversidades e a maldades.

Na medida em que as ideias acima foram excluídas das preocupações analíticas, trabalharam-se os conceitos de ordem social e vontade, sendo que a ideia da vontade individual, a ideia da vontade de progresso, é a fonte constitutiva central de uma sociedade racional e administradora das ações humanas voltadas para o bem, que tem na ética do trabalho seu fundamento (Durkheim,  2001).  A perversidade, a maldade, o eu narcísico fóbico e o eu auto-realizável eram analisados como acidentes, acasos, acontecimentos aleatórios não pertencentes a um projeto coletivo, de sociedade (Durkheim, 1984).

Ao refletir sobre essas ideias, percebe-se uma configuração social assentada no desregramento como uma proposta, como uma meta a alcançar. O desregramento provoca desregulamentação, promovendo fragmentação e atomização (Elias, 1994). A desregulamentação como projeto final de uma ação específica dos indivíduos narcísicos fóbicos e fundamentalistas, é antiética e tudo pode por se absolutista. A partir de seu absolutismo individual hedonista, tende a controlar os mecanismos de Estado, que, contemporaneamente, se desregulamenta como projeto político coletivo, mantendo, entretanto sua essência coercitiva, policial.

Com base na leitura de Rosenfield (1988) e Silva (2004), deduzo que a análise dos eventos contemporâneos sobre as violências, fobias refugadoras dos outros e consumismos voláteis de descartáveis humanos, por essa ótica, constituem-se em ações políticas e sociais determinadas, que para nós ainda representam um projeto nebuloso e indefinido, mas que, no entanto, começam a apontar indícios muito precisos de que a questão das violências, intolerâncias, fundamentalismos, refugamentos em massa de populações e indivíduos podem indicar ações efetivadas tendo como meta a destruição sistemática das redes tradicionais de sociabilidade, sem que se caia em contradição lógica. Para a particularidade brasileira, pode-se afirmar, a partir da leitura do texto de João Fragoso e Manolo Florentino (1993), que estes estabeleceram as bases em que se pode profetizar, de forma afirmativa, que o arcaísmo deu certo, constituindo-se hoje, como o foi no passado, um projeto de contemporaneidade.

Com efeito, do ponto de vista da meta das desregulamentações, tem que se ter a eliminação não somente de uma sociedade determinada, mas de tudo aquilo que entendíamos e imaginávamos até aqui por formas humanas de sociabilidade já que, na perspectiva dos meios de ação política, estar-se-ia em presença de formas regradas e sistemáticas de extermínios e violências múltiplas, sendo elas políticas, humanas, afetivas e simbólicas. Assim, as solidariedades volatilizam-se e estabelecem-se subordinações pela força das armas e do medo generalizado.

Ao tomar-se a perversidade, a maldade, do eu narcísico, fóbico e auto-realizável como conceitos ético-políticos, e, portanto sociológicos, temos que ter como contrapartida uma enunciação da natureza humana como um conjunto de proposições suscetíveis de serem transformadas por formas violentas, sendo que estas violências podem ser concretas ou subjetivas, podem ser materiais ou simbólicas. Essas formas violentas se traduzem numa ação política de valorização do sucesso a qualquer custo e dos seres humanos auto-realizáveis, auto centrados, solitários bem sucedidos (RIBEIRO, 1993a), e em um não político que é essencialmente político e projeto de poder de poucos para subordinar muitos, em que os mecanismos tradicionais são substituídos por mecanismos simbólicos que materializam os medos e valorizam a violências, os consumismos hedonistas e o extermínio dos outros sociais como mecanismo de ascensão social. Formando-se grupamentos minoritários endinheirados e empoderados, ou seja, formando-se uma lúmpen-elite no poder cotidiano do tempo presente, esteja ela no Estado ou no mundo da vida dos privados na sociedade como uma totalidade fragmentada.

A lúmpen-elite não tem nenhum interesse no futuro, pois seus passados são de humilhação, fome e desesperança. Só quem pensa no passado é quem quer construir uma civilização para o futuro, e, para a lúmpen-elite, o passado só traz lembranças amorais e perversas; e, portanto, um sentimento de tristeza e morte. Quem pensa com a história (SCHORSKE, 2000) é quem tem um projeto de futuro, que produz valores transcendentes à sua época, que acredita estar vivendo um processo de construção permanente de uma nação e de uma sociedade de solidarismos acolhedores. Este não é o caso da lúmpen-elite no Brasil do tempo presente, que quer viver o agora, sem passados e sem futuros.

A perversidade, como uma categoria, é um conceito que, provido de razão prática, dá conta de uma dimensão essencial do agir humano, das violências, das solidões, dos fobismos individualistas, das intolerâncias e das refugações e extermínios dos outros, que passa a produzir estruturações sociais e dar forma de organização precária e eventual a múltiplos e diversificados agrupamentos para as populações metropolitanas nas metrópoles brasileiras do tempo presente.

Enfim, utilizar a perversidade como uma categoria sociológica analítica transforma o tempo presente do século XXI em algo factível de análise para as recentes perplexidades e medos coletivos. Ao tomar a perversidade como um conceito prático, uma categoria ético-política, produz-se uma visibilidade assustadora (Whyte 2005).

A lúmpen-elite se realiza no agora, pois acredita que suas vidas nada valem; e, apesar de endinheirados e prestigiados, não passam de cadáveres baratos.

Ao ter a perversidade como um conceito político, como uma categoria sociológica analítica, este conceito permite a mediação da percepção que transforma o Estado mediador e provedor em um Estado policial, e exceção como projeto político.

Os múltiplos cenários sociais contemporâneos engenheiram mecanismos de matança simbólica do público, do coletivo, promovendo a emergência de uma lúmpen-elite pela violência e pela delinquência, e fortalecendo uma perspectiva de individualismo auto-centrado e auto-realizável, solitário (RIBEIRO, 1993b). Os despossuídos contemporâneos enfrentam não só as concentrações cada vez maiores das posses como enfrentam igualmente, de maneira contundente, a ação de um Estado policial e tecnológico (MISSE, 1999). E ainda enfrentam, em seu cotidiano, as gangues e redes criminosas, que mantêm as exclusões e exterminam as esperanças que a ética do trabalho produzia, mesmo que de forma precária e com alto nível de exploração do trabalhador.

Nesta reflexão, tendo a afirmar minha convicção de que a cada dia torna-se mais difícil obter um grupo de pertencimento. Mesmo que este grupo seja a sua própria família; a formação do menor micro-grupo social, que é um casal ou uma dupla, é cada dia mais difícil.

Se quisermos outros destinos, diferente daqueles que Dante descreveu em sua trajetória cruzando o inferno, devemos nos confrontar já, e de forma contundente, com as variadas formas de individualismo fundamentalista fóbico, com os consumismos hedonistas e com as sociabilidades violentas em suas dinâmicas objetivas, simbólicas e afetivas. E quando falo em individualismo, não estou usando o conceito generoso de Max Weber, que vê no indivíduo um ser coletivo, um ator social, capaz de traçar e enfrentar o seu destino, de construir uma civilização. Falo de um individualismo egocentrado, narcísico e solitário, falo do indivíduo que Lair Ribeiro (1993a, 1993b) tão bem descreve e compreende. O indivíduo que se realiza em sua própria individualidade solitária e original. Que acredita ser o responsável, ele próprio, pelos sucessos e mazelas dos tempos contemporâneos (Ribeiro, 1993a).

Torna-se efetivamente necessário valorizar com a publicização e análises as conquistas civilizatórias, afetivo-polítcas de bem estar e bem querer mais significativas dos séculos passados.

A meu ver essa tarefa é e será uma missão intelectual, analítica e existencial ampliada, radicalmente ampliada em todos os campos das atividades humanas e das múltiplas redes de sociabilidades. É um desafio sociológico de compreensão. Tenho certeza que, por estratégia de sobrevivência, homens e mulheres terão que ser rigorosamente semelhantes e solidários nestes tempos presentes de intolerâncias, de iniquidades e múltiplos fundamentalismos isolacionistas.

O século XXI tornou inexorável o fim de uma ética social, baseada no trabalho. Esta ética, que orientou a organização social de múltiplas sociedades, particularmente a sociedade capitalista ocidental (Weber, 1982), na qual o Brasil se inscreve, produziu conflitos sociais, lutas de classe e esperanças, alimentou sonhos de transformações sociais igualitárias, sonhos de mobilidade social e circulação territorial. Com o fim desta ética, o trabalho deixa de ser à base de organização da sociedade, transformando o ócio em mercadoria simbólica e hipervalorizada; insuflando os desejos mais profundos e primitivos de uma multidão de desesperançados, a participar como consumidores hedonistas e lúdicos de um mundo que os exclui e não lhes confere identidade social. O conceito de cidadania é transmutado para o de consumidor.

Como conseqüência, forma-se um modo de produção ilícito e paralelo  que atenta contra a cidadania precária e o Estado de direito anacrônico, atuando com todos os itens de uma pauta industrial, de serviços e financeira. Cria-se assim a possibilidade de ganhar capital, endinheirar, tornar-se o dono do pedaço, constituir-se em uma pequena casta de mandatários absolutistas, enfim, tornar-se um membro da lúmpen-elite, através de um lucrativo comércio informal e ilegal de todos os tipos de mercadorias roubadas, falsificadas e de drogas, que se capilariza em nossos territórios, estando ao alcance de todos via telefone celular ou internet.

Nosso dilema é que hoje a lúmpen-elite está associada a uma rede mundializada dominada pelo narcopoder (Silveira, 1998), controla territórios e aglomerados populacionais que não possuem sólidos vínculos de solidariedade social e coesão afetiva cultural. E o Estado real, anacrônico, se relaciona com estes territórios sociais através da coerção policial ou do clientelismo, transformando o ilícito em mercadoria política monopolizada pelo Estado (Misse, 1999), e, portanto passível de comércio e intercâmbio com a lúmpen-elite, com a casta paralela de mandatários locais e regionais.

O fim da ética do trabalho produz um cenário cinzento no presente e obscuro para o futuro, pois as regras do mercado são as regras do capital, e este, a cada dia que passa, cada vez mais é gerado por gangues e redes criminosas hierarquizadas em escala mundial.
Retrocedemos à Idade Média, em que o poder das armas e da coerção legitima as ações, tradição ibérica que orientou e formatou a subjetividade coletiva das elites brasileiras no passado (Faoro, 1979). No presente, as elites brasileiras parecem-me possuir os mesmos parâmetros de subjetividade coletiva de seus antepassados, pois ao longo de quatro séculos foram insensíveis ao crescente desequilíbrio social produzido no Brasil (Faoro, 1994). Nossos territórios nas principais metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Brasília, têm comandos paralelos, mais presentes e coercitivos que o do Estado anacrônico de fato. Quem conhece o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Brasília sabe quem é que manda (Paes, 2008).

Hoje, no Brasil, chegamos a um nível em que as dimensões das diferenças são de difícil solução, pois se consolidaram as exclusões clássicas e racistas, gerando-se novos tipos de mal estar que se generalizam, indicando uma incapacidade estrutural para soluções; existe falta de coragem cívica e civilizatória para enfrentar as conseqüências de uma exclusão e refugamento humano em escala exponencial.

Neste cenário, o que resta ao Estado cada vez mais desregulamentado é transformar-se em uma vasta máquina policial mantenedora da ordem pública. Este talvez seja o produto mais visível da recente desregulamentação do Estado e das sociedades em nível mundial. E mesmo assim esta vasta estrutura bem equipada e bem orçada é obsoleta e cooptada pela dinâmica social imposta pelo narcopoder, pelas lúmpen-elites e pelas corrupções. A desregulamentação do Estado acarreta de imediato uma desregulamentação das redes de sociabilidade micro da sociedade, que dilui os fundamentos éticos clássicos, tendo como decorrência uma ditadura da produção gerada por um sistema paralelo e ilícito de fazeres, que, entretanto, apesar de paralelo e ilícito, converge para o mercado financeiro formal de maneira mundializada e especulativa.

Neste cenário, velhos perdem qualquer proteção ou respeito, e as crianças são seduzidas pelos ganhos produzidos pela delinquência e por um sistema de produção de capital cujos valores se assentam na violência e na barbárie (Becker 2008). E cada um de nós busca proteção em redutos de solidão e individualidade. Estabelecemos, como nos castelos medievais, fossos de proteção contra os outros. Somos estimulados a uma não alteridade, a ver no outro indivíduo e em outros grupos ameaças reais e/ou imaginadas, e que portanto devem ser evitadas.

Também, no contexto do tempo presente, as tragédias das grandes diferenças sociais e a hiperfragmentação da sociedade em múltiplos grupos de identidade fazem com que, embora circulemos por vários deles com performances diferenciadas, passemos a exercer um individualismo fóbico que tem no outro um objeto de consumo descartável. Assim produzimos com nosso narcisismo coletivo um refugo em massa de milhares de seres humanos. Contudo, creio que já existem contrapontos micro e atomizados a desenvolver sociabilidades  não hedonistas e não fóbicas.

Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Miguel Vale de.. Gênero, masculinidade e poder: revendo um caso do sul de Portugal. Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, pp. 161-190, 1996.
ALVITO, Marcos. As cores de Acari - Uma Favela Carioca. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2001.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas - Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 1999.
BAÍA, Paulo Rogério dos Santos. A tradição reconfigurada: mandonismo, municipalismo e poder local no município de Nilópolis e no bairro da Rocinha, na região metropolitana do Rio de Janeiro. [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2006. Disponível no link. (acessado 8.11.2013).
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BECKER, Howard. Outsiders. In: H. Becker, Outsiders: estudos de sociologia do desvio (pp. 15-30). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BENDIX, Reinhard. 1996. Construção Nacional e Cidadania. São Paulo: EDUSP.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Brasília: Editora UnB, 2000. 
BOUDON, Raymond. Efeitos perversos e ordem social. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
BOUDON, Raymond. Tratado de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. In: P. Bourdieu, Espaço e gênese das classes (pp. 133-163). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A “Questão Social” no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
DURKHEIM, Émile. O que é fato social. In: J. A. Rodrigues, Durkheim (pp. 46-52). São Paulo: Ática, 1984.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulus, 2001.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Volume 2: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo, 1979.
FAORO, Raimundo. Existe um Pensamento Político Brasileiro? São Paulo: Editora Ática, 1994.
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo Como Projeto: Mercado Atlântico, Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790-c.1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.
GIDDENS, Anthony. Novas regras do método sociológico: uma crítica positiva às sociologias interpretativas. Rio de Janeiro: Gradiva, 1978.
GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1987. 
HIRSCHMAN, Albert. A Retórica da Intransigência – Perversidade, Futilidade, Ameaça. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
MISSE, Misse. Malandros, Marginais e Vagabundos & A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís. Roberto. Existe violência sem agressão moral? Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 23, n.. 67,  pp. 135-146, 2008.
PAES, Vívian Ferreira. Quem domina as regras do jogo: sobre a reforma da polícia e os registros policiais. In: Misse, Michel (org), Acusados e Acusadores: estudos sobre ofensas, acusações e incriminações (pp. 165-186). Rio de Janeiro: Revan, 2008.
RIBEIRO, Lair. O Sucesso Não Ocorre Por Acaso – Você Pode Mudar Sua Vida. Rio de Janeiro: Objetiva, 1993a. 
RIBEIRO, Lair. Comunicação Global – A Mágica da Influência. Rio de Janeiro: Objetiva1993b. 
ROSENFIELD, Denis Lerrer. Do Mal - Para Introduzir em Filosofia o Conceito de Mal. Porto Alegre: LPM, 1988.
SCHORSKE, Carl Emil. Pensando com a História - Indagações na Passagem para o Modernismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SILVA, Luiz Antonio Machado da. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Sociedade e Estado, vol.19, no.1, pp.53-84, 2004. 
SILVEIRA, José Paulo Bandeira da. 1998. Republicanismo Cum Globalismo: Formas da Contemporaneidade. In: Comunicação&política, volume V, nº 2, nova série, pp. 7-41, Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), Rio de Janeiro.
SIMMEL, Georg. O nível social e o nível individual - A sociabilidade exemplo de sociologia pura ou formal. In: Simmel, Goerg. Questões fundamentais de Sociologia (pp. 40-83). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
WEBER, Max.. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
WHYTE, W. F.. Sociedade de Esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

____
* Nota biográfica:
Paulo Baía, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2001) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Núcleo de Sociologia do Poder e Assuntos Estratégicos, pesquisador associado sênior do Laboratório Cidade e Poder da UFF, do Laboratório de Estudos de Gênero do IFCS/UFRJ e do Núcleo de Inclusão Social (NIS) - UFRJ. Tem experiência nas áreas de Sociologia e Ciência Política, com ênfase em sociologia política, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento social brasileiro, estudos estratégicos, teoria política, cultura política, pensamento social, defesa nacional, segurança pública, desigualdades sociais, cidadania, violência, direitos humanos, eleições, estudos urbanos, sistemas de informação/contra-informação/inteligência e boato. (CV Lattes). 

** Artigo publicado originalmente:
BAÍA, Paulo. Sociabilidades Violentas - Intolerâncias, individualismo fóbico, machismo, hedonismo e refugos humanos. RBSE - Revista Brasileia de Sociologia da Emoção (online), da UFPB, vol. 12,  p. 269-301, 2013.

*** Guernica, de Pablo Picasso, - a trágica e clássica obra, nasceu das impressões causadas no artista pela visão de fotos retratando as consequências do intenso bombardeio sofrido pela cidade de Guernica, anteriormente capital basca, durante a Guerra Civil Espanhola, em 26 de abril de 1937. O painel, produzido em 1937, exposto em um pavilhão da Exposição Internacional de Paris, no espaço reservado à República Espanhola. 
É um símbolo doloroso do terror que pode ser produzido pelas guerras e a violência.

**** Autorizada a reprodução deste artigo integral ou parcial, desde que citados os devidos créditos e a fonte.

ACOMPANHE E CURTA À FANPAGE DO AUTOR
:: Página oficial Paulo Baía - sociólogo e cientista político



____
** Página atualizada em 18.1.2016.



Licença de uso: O conteúdo deste site, vedado ao seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuando os casos especificados em contrário. Direitos Reservados © 2016 Templo Cultural Delfos

É tempo de alteridades radicalizadas

Paulo Baía*


Obra (autoria não identificada)
É tempo de ouvir e olhar com generosidades os outros e as ruas. É tempo de saber nuançar e descriminar bem os detalhes na multidão. É tempo de desconstruir e refazer nosso escutar e nosso olhar. Se assim o fizermos, teremos oportunidades tênue de compreender; o que as ruas e os outros, estão a nos dizer aos gritos.Teremos chaves de entendimentos, para decifrarmos os silêncios das massas urbanas. Teremos a oportunidade rara de perceber o que seres desejantes desejam. Se assim não o fizermos, nada compreenderemos do que se passa a frente de nossos olhares. Com conceitos antigos, velhos olhares, e antepassadas maneiras de ouvir, nada entenderemos. Os tempos são de desencaixes e reencaixes acelerados. Muito acelerados. O que é novo agora torna-se antigo em 5(cinco) minutos. Os processos de sociabilidades se multiplicam em escalas para muito além do exponencial. As novas tecnologias associadas a novas formas comunicativas engendram um horizontalizar comunicativo que também é circular. Todos nós somos a um só tempo receptores e produtores de comunicações, informações e desinformações. O fato é que esteja onde estivermos estaremos em uma urbe mundializada. Hoje não existe mais a chamada cidade do mundo que Manuel Castells indicava no fim do século XX, hoje posso afirmar com convicção formada pelo experimentalismo existencial que o planeta terra é uma grande cidade mundializada, seja para o bem ou para o mal. Não importa. Umberto Eco e Herbert Marshall McLuhan realizaram sua visão prospectiva na década de 1960/1970 do século XX, como realidade contundente e irreversível a partir da década de 1990 do século XX, de que o mundo seria uma aldeia. Hoje vivemos nessa aldeia global e altamente conectados em tempo real. É o ciberativismo do mundo da vida no tempo presente. É tempo de múltiplas novidades. É tempo de gestações e partos instantâneos de atitudes e comportamentos. As tecnologias, o conhecimento horizontalizado, circular e universalizante das ciências, reinventam o tempo presente real e imaginário em milésimos de segundos a cada instante. É tempo de nos reinventarmos de maneira ampla, flexível e mundializada da mesma forma. O tempo é de alteridades permanentes e recicláveis. Não é tempo de absolutos. Não é tempo de eu sei. É tempo de eu quero saber. Não é tempo de certezas duradoras. É tempo de dúvidas permanentes. O tempo é de reinvenções perenes e continuadas. O tempo nos exige transmutações rápidas e sinceras. O tempo está a exigir de nós: ouvir, ouvir, ouvir, ouvir,......... O tempo está a exigir de nós só saber depois de sentir. É tempo de alteridades e emoções radicalizadas. (**)
_____
(*) Nota biográfica
Paulo Baía, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2001) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Núcleo de Sociologia do Poder e Assuntos Estratégicos, pesquisador associado sênior do Laboratório Cidade e Poder da UFF, do Laboratório de Estudos de Gênero do IFCS/UFRJ e do Núcleo de Inclusão Social (NIS) - UFRJ. Tem experiência nas áreas de Sociologia e Ciência Política, com ênfase em sociologia política, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento social brasileiro, estudos estratégicos, teoria política, cultura política, pensamento social, defesa nacional, segurança pública, desigualdades sociais, cidadania, violência, direitos humanos, eleições, estudos urbanos, sistemas de informação/contra-informação/inteligência e boato. (CV Lattes). E-mail: paulorsbaia - e - paulorsbaia-ifcs.
Tese Doutorado
BAÍA, Paulo Rogério dos Santos. A tradição reconfigurada: mandonismo, municipalismo e poder local no município de Nilópolis e no bairro da Rocinha, na região metropolitana do Rio de Janeiro. [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2006. Disponível no link. (acessado 8.11.2013).


(**) Ensaio ampliado e revisado pelo autor. Originalmente publicado sob o título "É tempo de reinvenções do Eu", em 19.7.2013 no blog "Adornando a Vida/Sonia Salim". O presente ensaio é resultado da palestra do professor Paulo Baía, no Laboratório "Cidade e Poder" do Programa de pós-graduação em 'Historia Social', da Universidade Federal Fluminense - UFF. 

# Autorizada a reprodução deste ensaio integral ou parcial, desde que citados os devidos créditos e a fonte.

ACOMPANHE E CURTA À FANPAGE DO AUTOR
:: Página oficial Paulo Baía - sociólogo e cientista político

____
** Página atualizada em 18.1.2016.



Licença de uso: O conteúdo deste site, vedado ao seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuando os casos especificados em contrário. Direitos Reservados © 2016 Templo Cultural Delfos

COMPARTILHE NAS SUAS REDES