Vinicius de Moraes |
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de
repente
Embora o meu amor seja uma velha
canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos
teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos
sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos
eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam
melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto
que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem
a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus
da alma...
É um sossego, uma unção, um
transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade o olhar
[extático da aurora.
- Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes, por Toni Agostinho. |
"Não ando só! Só ando em boa companhia! Com meu violão, minha canção e a poesia!"
- em Livro de letras.
Vinicius de Moraes |
Madrigal
Nem os ruídos do mar, nem os do céu, nem as modulações frescas
Da campina; nem os ermos da noite sussurrando sossegos na sombra, nem os cantos votivos da morte, nem as palavras de amor lentas, perdidas; nem as vozes, os músicos nem o eco patético das lamentações; nenhum som, nada
É como o doce, inefável ruído que meu ouvido ouve quando se pousa em carícia, ó minha amiga, sobre a carne tenra da tua barriguinha.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA DE VINICIUS DE MORAES
Vinicius de Moraes |
1916 - A família muda-se para a rua
Voluntários da Pátria, nº 192, em Botafogo, passando a residir com os avós
paternos, d. Maria da Conceição de Mello Moraes e Anthero Pereira da Silva
Moraes.
1917 - Nova mudança para a rua da
Passagem, nº 100, ainda em Botafogo, onde nasce seu irmão Helius. Vinicius e
sua irmã Lygia entram para a escola primária Afrânio Peixoto, à rua da Matriz.
1919 - Transfere-se para a rua 19 de
fevereiro, nº 127.
1920 - Mudança para a rua Real Grandeza,
nº130. Primeiras namoradas na escola Afrânio Peixoto. È batizado na maçonaria,
por disposição de seu avô materno, cerimônia que lhe causaria grande impressão.
1922 - Última residência em Botafogo, na
rua Voluntários da Pátria, nº 195. Impressão de deslumbramento com a exposição
do Centenário da Independência do Brasil e de curiosidade com o levante do
Forte de Copacabana, devido a uma bomba que explodiu perto de sua casa. Sua
família transfere-se para a Ilha do Governador, na praia de Cocotá, nº 109-A,
onde o poeta passa suas férias.
1923 - Faz sua primeira comunhão na
Matriz da rua Voluntários da Pátria.
1924 - Inicia o Curso Secundário no
Colégio Santo Inácio, na rua São Clemente.
Começa a
cantar no coro do colégio, durante a missa de domingo. Liga-se de grande
amizade a seus colegas Moacyr Veloso Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia da
Fonseca Guimarães, este, sobrinho de Raul Pompéia, com os quais escreve o
"épico" escolar, em dez cantos, de inspiração camoniana: os
acadêmicos.
A partir
daí participa sempre das festividades escolares de encerramento do ano letivo,
seja cantando, seja atuando nas peças infantis.
1928 - Compõe, com os irmãos Tapajoz,
"Loura ou morena" e "Canção da noite", que têm grande
sucesso popular.
Por essa
época, namora invariavelmente todas as amigas de sua irmã Laetitia.
1929 - Bacharela-se em Letras, no Santo
Inácio. Sua família muda-se da Ilha do Governador para a casa contígua àquela
onde nasceu, na rua Lopes Quintas, também já demolida.
Vinicius de Moraes |
1931 - Entra para o Centro de Preparação
de Oficiais da Reserva (CPOR).
1933 - Forma-se em Direito e termina o
Curso de Oficial de Reserva.
Estimulado
por Otávio de Faria, publica seu primeiro livro, O caminho para a distância, na
Schimidt Editora.
1935 - Publica Forma e exegese, com o
qual ganha o prêmio Felipe d'Oliveira.
1936 - Publica, em separata, o poema
"Ariana, a mulher".
Substitui
Prudente de Morais Neto, como representante do Ministério da Educação junto à
Censura Cinematográfica.
Conhece
Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, dos quais se torna amigo.
1938 - Publica novos poemas e é
agraciado com a primeira bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e
literatura inglesas na Universidade de Oxford (Magdalen College), para onde
parte em agosto do mesmo ano.
Funciona
como assistente do programa brasileiro da BBC.
Conhece,
em casa de Augusto Frederico Schimidt, o poeta e músico Jayme Ovalle, de quem
se torna um dos maiores amigos.
1939 - Casa-se por procuração com Beatriz
Azevedo de Mello.
Regressa
da Inglaterra em fins do mesmo ano, devido à eclosão da II Grande Guerra. Em
Lisboa encontra seu amigo Oswald de Andrade com quem viaja para o Brasil.
1940 - Nasce sua primeira filha, Susana.
Passa
longa temporada em São Paulo, onde se liga de amizade com Mário de Andrade.
1941 - Começa a fazer jornalismo em A
Manhã, como crítico cinematográfico e a colaborar no Suplemento Literário ao
lado de Rineiro Couto, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Afonso Arinos de
Melo Franco, sob a orientação de Múcio Leão e Cassiano Ricardo.
1942 - Inicia seu debate sobre cinema
silencioso e cinema sonoro, a favor do primeiro, com Ribeiro Couto, e em seguida
com a maioria dos escritores brasileiros mais em voga, e do qual participam
Orson Welles e madame Falconetti.
Nasce
seu filho Pedro.
A
convite do então prefeito Juscelino Kubitschek, chefia uma caravana de
escritores brasileiros a Belo Horizonte, onde se liga de amizade com Otto Lara
Rezende, Fernando Sabino, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos.
Inicia,
com seus amigos Rubem Braga e Moacyr Werneck de Castro, a roda literária do
Café Vermelhinho, à qual se misturam a maioria dos jovens arquitetos e artistas
plásticos da época, como Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy, Jorge
Moreira, José Reis, Alfredo Ceschiatti, Santa Rosa, Pancetti, Augusto
Rodrigues, Djanira, Bruno Giorgi.
Freqüenta,
nessa época, as domingueiras em casa de Aníbal Machado.
Conhece
e se torna amigo da escritora Argentina Maria Rosa Oliver, através da qual
conhece Gabriela Mistral.
Faz uma
extensa viagem ao Nordeste do Brasil acompanhando o escritor americano Waldo
Frank, a qual muda radicalmente sua visão política, tornando-se um antifacista
convicto. Na estada em Recife, conhece o poeta João Cabral de Melo Neto, de
quem se tornaria, depois, grande amigo.
Vinicius de Moraes |
Ingressa,
por concurso, na carreira diplomática.
1944 - Dirige o Suplemento Literário de
O Jornal, onde lança, entre outros, Oscar Niemeyer, Pedro Nava, Marcelo Garcia,
francisco de Sá Pires, Carlos Leão e Lúcio Rangel, em colunas assinadas, e
publica desenhos de artistas plásticos até então pouco conhecidos, como Carlos
Scliar, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti, Eros (Martim) Gonçalves, Arpad Czenes
e Maria Helena Vieira da Silva.
1945 - Colabora em vários jornais e
revistas, como articulista e crítico de cinema.
Faz amizade
com o poeta Pablo Neruda.
Sofre um
grave desastre de avião na viagem inaugural do hidro Leonel de Marnier, perto
da cidade de Rocha, no Uruguai. Em sua companhia estão Aníbal Machado e Moacir
Werneck de Castro.
Faz
crônicas diárias para o jornal Diretrizes.
1946 - Parte para Los Angeles, como
vice-cônsul, em seu primeiro posto diplomático. Ali permanece por cinco anos
sem voltar ao Brasil.
Publica
em edição de luxo, ilustrada por Carlos Leão, seu livro, Poemas, sonetos e
baladas.
1947 - Em Los angeles, estuda cinema com
Orson Welles e Gregg Toland. Lança, com Alex Viany, a revista Film.
1949 - João Cabral de Melo Neto tira, em
sua prensa mensal, em Barcelona, uma edição de cinqüenta exemplares de seu
poema "Pátria minha".
1950 - Viagem ao México para visitar seu
amigo Pablo Neruda, gravemente enfermo. Ali conhece o pintor David Siqueiros e
reencontra seu grande amigo, o pintor Di Cavalcanti.
Morre
seu pai.
Retorno
ao brasil.
1951 - Casa-se pela segunda vez com Lila
Maria Esquerdo e Bôscoli.
Começa a
colaborar no jornal Última Hora, a convite de Samuel Wainer, como cronista
diário e posteriormente crítico de cinema.
1952 - Visita, fotografa e filma, com
seus primos, Humberto e José Francheschi, as cidades mineiras que compõe o
roteiro do Aleijadinho, com vistas à realização de um filme sobre a vida do
escultor que lhe fora encomendado pelo diretor Alberto Cavalcanti.
É
nomeado delegado junto ao festival de Punta Del Leste, fazendo paralelamente
sua cobertura para o Última Hora. Parte logo depois para a Europa, encarregado
de estudar a organização dos festivais de cinema de Cannes, Berlim, Locarno e
Veneza, no sentido da realização dos Festival de Cinema de São Paulo, dentro
das comemorações do IV Centenário da cidade.
Em
Paris, conhece seu tradutor francês, Jean Georges Rueff, com quem trabalha, em
Estrasburgo, na tradução de suas Cinco elegias.
1953 - Nasce sua filha Georgiana.
Colabora
no tablóide semanário Flan, de Última Hora, sob direção de Joel Silveira.
Aparece
a edição francesa das Cinq élégies, em edição de Pierre Seghers.
Liga-se
de amizade com o poéta cubano Nicolás Guillén.
Compõe
seu primeiro samba, música e letra, "Quando tú passas por mim".
Faz
crônicas diárias para o jornal A Vanguarda, a convite de Joel Silveira.
Parte
para Paris como segundo secretário de Embaixada.
Vinicius de Moraes |
1955 - Compõe em Paris uma série de
canções de câmara com o maestro Cláudio Santoro. Começa a trabalhar para o
produtor Sasha Gordine, no roteiro do filme Orfeu Negro. No fim do ano vem com
ele ao Brasil, por uma curta estada, para conseguir financiamento para a
produção da película, o que não consegue, regressando em fins de dezembro a
Paris.
1956 - Volta ao Brasil em gozo de
licença-prêmio.
Nasce
sua terceira filha, Luciana.
Colabora
no quinzenário Para Todos a convite de seu amigo Jorge amado, em cujo primeiro
número publica o poema "O operário em construção".
Paralelamente
aos trabalhos da produção do filme Orfeu Negro, tem o ensejo de encenar sua
peça Orfeu da Conceição, no Teatro Municipal, que aparece também em edição
comemorativa de luxo, ilustrada por Carlos Scliar.
Convida
Antônio Carlos Jobim para fazer a música do espetáculo, iniciando com ele a
parceria que, logo depois, com a inclusão do cantor e violonista João Gilberto,
daria início ao movimento de renovação da música popular brasileira que se
convencionou chamar de bossa nova.
Retorna
ao poste, em Paris, no fim do ano.
1957 - É transferido da Embaixada em
Paris para a Delegação do Brasil junto à UNESCO. No fim do ano é removido para
Montevidéu, regressando, em trânsito, ao Brasil.
Publica
a primeira edição de seu Livro de Sonetos, em edição de Livros de Portugal.
1958 - Sofre um grave acidente de
automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença. Parte para Montevidéu. Sai o LP
Canção do Amor Demais, de músicas suas com Antônio Carlos Jobim, cantadas por
Elizete Cardoso. No disco ouve-se, pela primeira vez, a batida da bossa nova,
no violão de João Gilberto, que acompanha a cantora em algumas faixas, entre as
quais o samba “Chega de Saudade”, considerado o marco inicial do movimento.
1959 - Sai o Lp Por Toda Minha Vida, de
canções suas com Jobim, pela cantora Lenita Bruno.
O filme
Orfeu negro ganha a Palme d'Or do Festival de Cannes e o Oscar, de Hollywood,
como melhor filme estrangeiro do ano.
Aparece
o seu livro Novos poemas II.
Sua
filha Susana, casa.
1960 - Retorna à Secretria do Estado das
Relações Exteriores.
Em
novembro, nasce seu neto, Paulo.
Sai a
segunda edição de sua Antologia Poética, pela Editora de Autor; a edição
popular da peça Orfeu da Conceição, pela livraria São José e Recette de Femme
et autres poèmes, tradução de Jean-Georges Rueff, em edição Seghers, na coleção
Autour du Monde.
Vinicius de Moraes, no Centro Cultural da UNE, Rio - 1962. (Foto: acervo Última Horas-Folhapress). |
Aparece
Orfeu Negro, em tradução italiana de P.A. Jannini, pela Nuova Academia
Editrice, de Milão.
Compõe,
com música de Carlos Lyra, as canções de sua comédia-musicada Pobre menina
rica.
Em
agosto, faz seu primeiroshow, de larga repercussão, comAntônio Carlos Jobim e
João Gilbert,na boate AuBom Gourmet, que daria início aos chamados
pocket-shows, e onde foram lançados pela primeira vez grandes sucessos
internacionais como "Garota de Ipanema" e o "Samba da
bênção"
Show com
Carlos Lyra,na mesma boate, para apresentar Pobre menina rica e onde é lançada a
cantora Nara Leão.
Compõe
com Ari Barroso as últimas canções do grande compositor popular, entre as quais
"Rancho das namoradas".
Aparece
a primeira edição de Para viver um grande amor, pela Editora do Autor, livro de
crônicas e poemas.
Grava,
como cantor, seu disco com a atriz e cantora Odete Lara.
1963 - Começa a compor com Edu Lobo.
Casa-se
com Nelita Abreu Rocha e parte em posto para Paris, na delegação do Brasil
junto a UNESCO.
1964 - Regressa de Paris e colabora com
crônicas semanais para a revista Fatos e Fotos, assinando paralelamente
crônicas sobre música popular para o Diário Carioca.
Começa a
compor com Francis Hime.
Faz show
de grande sucesso com o compositor e cantor Dorival Caymmi, na boate Zum-Zum,
onde lança o Quarteto em Cy. Do show é feito um LP.
1965 - Sai Cordélia e o peregrino, em
edição do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura.
Ganha o
primeiro e o segundo lugares do I Festival de Música Popular de São Paulo, da
TV Record, em canções de parceria com Edu Lobo e Baden Powell.
Parte
para Paris e St.Maxime para escrever o roteiro do filme Arrastão,
indispondo-se, subseqüentemente, com seu diretor, e retirando suas músicas do
filme. De Paris voa para Los Angeles a fim de encontrar-se com seu parceiro
Antônio Carlos Jobim.
Muda-se
de Copacabana para o Jardim Botânico, à rua Diamantina, nº20.
Começa a
trabalhar com o diretor Leon Hirszman, do Cinema Novo, no roteiro do filme
Garota de Ipanema.
Volta ao
show com Caymmi, na boate Zum-Zum.
Vinicius de Moraes |
Aparece
seu livro de crônicas Para uma menina com uma flor pela Editora do Autor.
Seu
"Samba da bênção", de parceria com Baden Powell, é incluída, em
versão de compositor e ator Pierre Barouh, no filme Un homme… une femme,
vencedor do Festival de Cannes do mesmo ano.
Participa
do júri do mesmo festival.
1967 - Aparecem, pela Editora Sabiá, a 6ª
edição de sua Antologia poética e a 2ª do seu Livro de sonetos (aumentada).
É posto
à disposição do governo de Minas Gerais no sentido de estudar a realização
anual de um Festival de Arte em Ouro Preto, cidade à qual faz freqüentes viagens.
Faz
parte do jurí do Festival de Música Jovem, na Bahia.
Estréia
do filme Garota de Ipanema.
1968 - Falece sua mãe no dia 25 de
fevereiro.
Aparece
a primeira edição de sua Obra poética, pela Companhia José Aguilar Editora.
Poemas
traduzidos para o italiano por Ungaretti.
1969 - É exonerado do Itamaraty.
Casa-se
com Cristina Gurjão.
1970 - Casa-se com a atriz baiana Gesse
Gessy.
Nasce
Maria, sua quarta filha.
Início
da parceria com Toquinho.
1971 - Muda-se para a Bahia.
Viagem
para Itália.
1972 - Retorna à Itália com Toquinho
onde gravam o LP Per vivere un grande amore.
1973 - Publica "A Pablo
Neruda".
1974 - Trabalha no roteiro, não
concretizado, do filme Polichinelo.
1975 - Excursiona pela Europa. Grava,
com Toquinho, dois discos na Itália.
1976 - Escreve as letras de "Deus
lhe pague", em parceria com Edu Lobo.
Casa-se
com Marta Rodrihues Santamaria.
Show com
Tom, Toquinho e Miúcha, no Canecão.
1978 - Excursiona pela Europa com
Toquinho.
Casa-se
com Gilda de Queirós Mattoso, que conhecera em Paris.
1979 - Leitura de poemas no Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo, a convite do líder sindical Luís Inácio da Silva.
Voltando
de viagem à Europa, sofre um derrame cerebral no avião. Perdem-se, na ocasião,
os originais de Roteiro lírico e sentimental da Cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro.
1980 - É operado a 17 de abril, para a
instalação de um dreno cerebral.
Morre,
na manhã de 9 de julho, de edema pulmonar, em sua casa, na Gávea, em companhia
de Toquinho e de sua última mulher.
Extraviam-se
os originais de seu livro O dever e o haver.
Cyva, Cybele, Cynara e Cylene - a formação original do Quarteto, com Vinicius e Caymmi, Oscar Castro Neves e Aloysio de Oliveira. na Bahia, em 1964 - (Foto: Acervo Cynara Faria). |
"São
demais os perigos desta vida
Pra
quem tem paixão principalmente
Quando
uma lua chega de repente
E
se deixa no céu, como esquecida
E
se ao luar que atua desvairado
Vem
se unir uma música qualquer
Aí
então é preciso ter cuidado
Porque
deve andar perto uma mulher..."
- Vinicius de
Moraes
Para Viver Um Grande Amor, Vinicius de Moraes e Toquinho
Natureza humana
Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemônio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo é cheio de santa singeleza
Vagueio pela múrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vívida a saudade
Da cidade em bulício e febre acesa
Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar
Que a vida é esta incerteza que em
mim mora
A vontade tremenda de ir-me embora
E a tremenda vontade de ficar
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
O Haver, Vinícius de Morais, participação Edu Lobo
OBRA DE VINICIUS DE MORAES –
PRIMEIRAS EDIÇÕES
O Caminho para a
Distância. 1933
Forma e Exegese. 1934.
Ariana, a Mulher. 1936.
Novos Poemas. 1938.
Cinco Elegias. 1943.
Poemas, Sonetos e Baladas. 1946.
Pátria Minha. 1949.
Antologia Poética. 1954.
Livro de Sonetos. 1957.
Novos Poemas II. 1959.
Obra Poética. 1968.
A Pablo Neruda. 1973.
O Falso Mendigo. 1978.
O Operário em Construção
e Outros Poemas. 1979.
Jardim Noturno. com poemas inéditos [Publicação
póstuma], 1993.
Crônica
Para Viver um Grande Amor. 1962.
Para uma Menina com uma
Flor. 1966.
O Cinema de Meus Olhos. 1992.
Teatro
As Feras. 1961
Procura-Se uma Rosa. [com Pedro Bloch e Gláucio Gill],
1961.
Cordélia e o Peregrino. 1965.
Orfeu da Conceição. 1967.
Infantil e juvenil
A Arca de Noé. 1970.
Final - Instrumental - Orquestra (disco 1980).
Arca de Noé, de Vinicius de Moraes
Correspondência
MORAIS, Vinicius. Querido Poeta: Correspondências de Vinicius de Moraes. GUERRA, Ruy
(Org.). [publicação póstuma], São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Soneto de Fidelidade, Vinícius de Morais
OBRA DE VINICIUS DE MORAES,
PUBLICADA NO EXTERIOR
La Vida Vivida. Bogotá: El Ancora Editores, 2000.
Libro de Sonetos. Barcelona/Buenos Aires: Random
House Mondadori/Debolsillo, 2003.
Para una Niña con una
Flor. [Para uma
Menina com uma Flor]. Tradução José Ángel Cillervelo. Barcelona/Buenos Aires:
Random House Mondadori/Debolsillo, 2004.
Historia Natural de Pablo
Neruda: La Elegia que Viene de Lejos. Santiago del Chile: LOM Ediciones, 2004.
Antologia Poetica. Buenos Aires: Ediciones de la
Flor, 2005.
El Arca de Noe. [A Arca de Noé]. Buenos Aires:
Ediciones de la Flor, 2005.
Para Vivir un Gran Amor. [Para Viver um Grande Amor] -
Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 2005.
Francês
Cinc Elégies. Tradução Jean Georges Rueff.
Paris: Seghers, 1952.
Orfeu
Negro [Orfeu da Conceição]. Tradução Jean Georges Rueff. Paris: Seghers, 1959.
Recette de Femme et
Autres Poèmes. Tradução
Jean Georges Rueff. Paris: Seghers, 1960.
Italiano
Orfeo Negro. Tradução P. A. Jannini. Milano:
Nuova Academia Editrice, 1961.
Per Vivere un Grande
Amore. [Para
Viver um Grande Amor]. Tradução Amina di Munno. Milano: Mondadori, 1998.
"Quem
pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores?"
- Vinicius de Moraes "A Hora
Íntima", em "Antologia poética".
Vinicius de Moraes - Encontro Marcado
com Fernando Sabino.
com Fernando Sabino.
"(...) e de amar assim, muito amiúde, é que um dia, em teu corpo de repente, hei de morrer de amar mais do que pude."
- Vinicius de Moraes, em "Novos poemas (II)" – [1949-1956].
Manuscrito do Soneto de Separação, de Vinicius de Moraes |
A infância é uma gaveta fechada,
numa antiga cômoda de velhas magias
A regra pode-se enunciar assim:
espera-se que a avó entre para descansar, depois vai-se pé ante pé ver se o avô
está mesmo cochilando, na cadeira de balanço...
- ou estará MORTO?
… não, não está porque a cabeça
des-ca-ca-c ... aiu num cochilo e se levantou de novo sozinho, assustado,
dormindo e saiu uma língua da boca que lambeu o bigode branco e a cabeça foi,
foi e des-ca-ca-ca-ca-caiu...
O corredor é a corrida geométrica
natural para a fuga de uma gargalhada que não se contém. O avô é o mais
engraçado dos homens, o avô é tão, tão, tão, tão, tão...
O medo se abate sobre o Descobridor.
É a doçura do nome de Margarida, cujo retrato à meia-luz não entreviu.
- Vinicius de Moraes (sem título).
A música das almas
(Rio de Janeiro)
"Le mal est dans le monde comme
un esclave qui fait monter l'eau."
- Claudel
Na manhã infinita as nuvens surgiram
como a loucura numa alma
E o vento como o instinto desceu os
braços das árvores que estrangularam a terra...
Depois veio a claridade, o grande
céu, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com
os rostos levados para o alto
Porque a vida tinha misteriosamente
passado na tormenta.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
A ausente
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por
mim
Em algum lugar teus olhos se fecham
à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam,
teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e
caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha
pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu
desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para
os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem
mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no
mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
(Rio de Janeiro)
A mulher amada carrega o cetro, o
seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela
que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A
mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e
dá linha ao movimento dos
astros.
Não há solidão sem que sobrevenha a
mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o
padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A
mulher amada
É o tempo passado no tempo presente
no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o
navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha
imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher
amada
E sua ausência. Longe, no fundo
plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da
mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens.
Alta, tranqüila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de
mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a
mulher amada é a mulher
amada
É a mulher amada. Quem é que semeia
o vento? - a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? - a mulher
amada!
Quem determina os meridianos? - a
mulher amada!
Quem a misteriosa portadora de si
mesma? A mulher amada.
Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada
necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é
ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo,
implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A
ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça
erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as
perplexidades.
Eia, a mulher amada! Seja ela o
princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à
mulher amada!
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Na casa de Vinícius de Moraes, os Cariocas: Severino, Badeco, Luiz Roberto e Quartera. (acervo Vinicius de Moraes) |
(Rio de Janeiro)
Como poder-te penetrar, ó noite
erma, se os meus olhos cegaram nas luzes da cidade
E se o sangue que corre no meu corpo
ficou branco ao contato da carne indesejada?…
Como poder viver misteriosamente os
teus recônditos sentidos
Se os meus sentidos foram murchando
como vão murchando as rosas colhidas
E se a minha inquietação iria temer
a tua eloqüência silenciosa?…
Eu sonhei!... Sonhei cidades
desaparecidas nos desertos pálidos
Sonhei civilizações mortas na
contemplação imutável
Os rios mortos... as sombras
mortas... as vozes mortas...
…o homem parado, envolto em branco
sobre a areia branca e a quietude na face...
Como poder rasgar, noite, o véu
constelado do teu mistério
Se a minha tez é branca e se no meu
coração não mais existem os nervos calmos
Que sustentavam os braços dos Incas
horas inteiras no êxtase da tua visão?...
Eu sonhei!... Sonhei mundos passando
como pássaros
Luzes voando ao vento como folhas
Nuvens como vagas afogando luas
adolescentes...
Sons… o último suspiro dos
condenados vagando em busca de vida...
O frêmito lúgubre dos corpos penados
girando no espaço...
Imagens... a cor verde dos perfumes
se desmanchando na essência das coisas...
As virgens das auroras dançando
suspensas nas gazes da bruma
Soprando de manso na boca vermelha
dos astros...
Como poder abrir no teu seio, oh
noite erma, o pórtico sagrado do Grande Templo
Se eu estou preso ao passado como a
criança ao colo materno
E se é preciso adormecer na
lembrança boa antes que as mãos desconhecidas me arrebatem?...
- Vinicius de Moraes
A cidade antiga
- Vinicius de Moraes
A cidade antiga
Houve tempo em que a cidade tinha
pêlo na axila
E em que os parques usavam cinto de
castidade
As gaivotas do Pharoux não contavam
em absoluto
Com a posterior invenção dos
kamikazes
De resto, a metrópole era
inexpugnável
Com Joãozinho da Lapa e Ataliba de
Lara.
Houve tempo em que se dizia:
LU-GO-LI-NA
U, loura; O, morena; I, ruiva; A,
mulata!
Vogais! tônico para o cabelo da
poesia
Já escrevi, certa vez, vossa triste
balada
Entre os minuetos sutis do comércio
imediato
As portadoras de êxtase e de
permanganato!
Houve um tempo em que um morro era
apenas um morro
E não um camelô de colete brilhante
Piscando intermitente o grito de
socorro
Da livre concorrência: um pequeno
gigante
Que nunca se curvava, ou somente nos
dias
Em que o Melo Maluco praticava
acrobacias.
Houve tempo em que se exclamava:
Asfalto!
Em que se comentava: Verso livre!
com receio...
Em que, para se mostrar, alguém
dizia alto:
"Então às seis, sob a marquise
do Passeio..."
Em que se ia ver a bem-amada
sepulcral
Decompor o espectro de um sorvete na
Paschoal
Houve tempo em que o amor era
melancolia
E a tuberculose se chamava
consumpção
De geométrico na cidade só existia
A palamenta dos ioles, de manhã...
Mas em compensação, que abundância
de tudo!
Água, sonhos, marfim, nádegas, pão,
veludo!
Houve tempo em que apareceu diante
do espelho
A flapper cheia de it, a esfuziante
miss
A boca em coração, a saia acima do
joelho
Sempre a tremelicar os ombros e os
quadris
Nos shimmies: a mulher moderna... Ó
Nancy! Ó Nita!
Que vos transformastes em dízima
infinita...
Houve tempo... e em verdade eu vos
digo: havia tempo
Tempo para a peteca e tempo para o
soneto
Tempo para trabalhar e para dar
tempo ao tempo
Tempo para envelhecer sem ficar
obsoleto...
Eis por que, para que volte o tempo,
e o sonho, e a rima
Eu fiz, de humor irônico, esta
poesia acima.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Berimbau / Chega de Saudade / Canto Ossanha
(Tom, Vinícius Toquinho e Miúcha)
A perdida esperança
(Paris)
De posse deste amor que é, no
entanto, impossível
Este amor esperado e antigo como as
pedras
Eu encouraçarei o meu corpo
impassível
E à minha volta erguerei um alto
muro de pedras.
E enquanto perdurar tua ausência,
que é eterna
Por isso que és mulher, mesmo sendo
só minha
Eu viverei trancado em mim como no
inferno
Queimando minha carne até sua
própria cinza.
Mas permanecerei imutável e austero
Certo de que, de amor, sei o que
ninguém soube
Como uma estátua prisioneira de um
castelo
A mirar sempre além do tempo que lhe
coube.
E isento ficarei das antigas amadas
Que, pela Lua cheia, em rápidas
sortidas
Ainda vêm me atirar flechas
envenenadas
Para depois beber-me o sangue das
feridas.
E assim serei intacto, e assim serei
tranqüilo
E assim não sofrerei da angústia de
revê-las
Quando, tristes e fiéis como lobas
no cio
Se puserem a rondar meu castelo de
estrelas.
E muito crescerei em alta melancolia
Todo o canto meu, como o de Orfeu
pregresso
Será tão claro, de uma tão simples
poesia
Que há de pacificar as feras do
deserto.
Farto de saber ler, saberei ver nos
astros
A brilharem no azul da abóbada no
Oriente
E beijarei a terra, a caminhar de
rastros
Quando a Lua no céu contar teu rosto
ausente.
Eu te protegerei contra o Íncubo
Que te espreita por trás da Aurora
acorrentada
E contra a legião dos monstros do
Poente
Que te querem matar, ó impossível
amada!
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
(Rio de Janeiro)
Aquela que dormirá comigo todas as
luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.
Ela abandonará pai, mãe, filho,
esposo
E virá a mim com os peitos e virá a
mim com os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos
olhos
Que me beijará longos beijos nos
ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu
riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas
tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no
meu sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do
mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos
claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso
pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu
coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão
a vida do seu coração
Ela é a minha poesia e a minha
mocidade
É a mulher que se guardou para o
amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser
dela e ela dele.
Ela é o amor vivendo de si mesmo.
É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males
do mundo.
Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os
lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a
força é do forte e a poesia é do poeta.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Garota de Ipanema/Sei Lá, Tom Jobim e Vinicius de Moraes
(Tom, Vinícius Toquinho e Miúcha)
A uma mulher
(Rio de Janeiro)
Quando a madrugada entrou eu estendi
o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e
tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já
nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era
morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o
fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho
agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus
lábios
Eu compreendi que a morte já estava
no teu corpo
E que era preciso fugir para não
perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de
sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Ausência
(Rio de Janeiro)
Eu deixarei que morra em mim o
desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a
mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer
coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o
teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser
tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé
nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de
orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como
uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás
a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e
tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te
colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na
face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa
essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos
portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém
porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do
vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz
ausente, a tua voz serenizada.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Ó luas de Botafogo
Luas que não voltam mais
A se masturbarem nuas
Sobre o flúmen dessas ruas
Minhas ruas transversais.
Ó transversais, ó travessas
Sombrias, sentimentais
Cheias de escuros propícios
Aos incansáveis inícios
Do adolescente Vinicius
Da Cruz de Mello Moraes.
.................................................
Ó Escola Afrânio Peixoto
Que me ensinaste a paixão:
Que é da menina sardenta
Que um dia me deu um beijo
Na hora da elevação?
Ah, que coisinha sedenta...
Ah, que brinquedos de mão!
.................................................
Ó rua Dona Mariana
Que me fazias sofrer
Ao som triste da pavana
Ao piano no entardecer...
Ó Colégio Santo Inácio
Onde me bacharelei!
Ah, se meu verso contasse
As confissões que não fiz
As preces que não rezei...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Tomara, Vinicius de Moraes (Vinicius de Moraes,
Marilia Medalha, Toquinho e Trio Mocotó)
Marilia Medalha, Toquinho e Trio Mocotó)
Copacabana
(Los Angeles, 1948)
Esta é Copacabana, ampla laguna
Curva e horizonte, arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases, quantas madrugadas
Em teu colo marítimo!
- Esta é a areia
Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas
- Aquele é o bar maldito. Podes ver
Naquele escuro ali? É um obelisco
De treva - cone erguido pela noite
Para marcar por toda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se a vida fosse terminar
Naquele louco embate. Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.
Sobre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção. Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu.
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu. Vês tu essa estrutura
De apartamento como uma colmeia
Gigantesca? em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um sexo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! ah, cidadela forte
Desta minha paixão! a velha lua
Ficava de seu nicho me assistindo
Beber, e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia.
Copacabana! réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento!
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia. Uma mulher
Toda de negro no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente. E ainda
Existe em algum lugar um gesto alto,
Um brilhar de punhal, um riso acústico
Que não morreu. Ou certa porta aberta
Para a infelicidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável. Ou o abismo aberto
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno, e o vento me chamando
Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o Tempo!) Ou também o desespero
De andar como um metrônomo para cá
E para lá, marcando o passo do impossível
À espera do segredo, do milagre
Da poesia.
Tu, Copacabana,
Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Insensatez, Vinicius de Moraes e Tom Jobim
Beleza do corpo da amiga
Amiga, teu corpo é como uma sombra
quente
Onde eu me deito para mirar a água
tranqüila dos teus olhos
Amiga, teus olhos são como uma água
tranqüila
Que apenas se diluem quando eu
colher em tua boca a flor úmida que passa
Trazendo em sua corola rubra o
pistilo de sua língua em sangue.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Dialética
(Montevidéu)
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível
emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas
simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Duas canções de silêncio
(Oxford)
Ouve como o silêncio
Se fez de repente
Para o nosso amor
Horizontalmente...
Crê apenas no amor
E em mais nada
Cala; escuta o silêncio
Que nos fala
Mais intimamente; ouve
Sossegada
O amor que despetala
O silêncio...
Deixa as palavras à poesia...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
(Rio de Janeiro)
O que sou eu, gritei um dia para o
infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha
dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que
passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa
dúvida.
Eu estou moribundo à beira do
caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia
chegar
E eu já hei de estar morto à beira
do caminho.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Chega de Saudade, Vinicius de Moraes e Tom Jobim
(João Gilberto - 1959)
Mar
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas.
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Na esperança de teus olhos
(Rio de Janeiro)
Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio
de teus passos
Penetrando lentamente as solidões da
minha espera
E tu eras, Coisa Linda, me chegando
dos espaços
Como a vinda impressentida de uma
nova primavera.
Vinhas cheia de alegria, coroada de
guirlandas
Com sorrisos onde havia burburinhos
de água clara
Cada gesto que fazias semeava uma
esperança
E existiam mil estrelas nos olhares
que me davas.
Ai de mim, eu pus-me a amar-te,
pus-me a amar-te mais ainda
Porque a vida no meu peito se fizera
num deserto
E tu apenas me sorrias, me sorrias,
Coisa Linda
Como a fonte inacessível que de
súbito está perto.
Pelas rútilas ameias do teu riso
entreaberto
Fui subindo, fui subindo no desejo
de teus olhos
E o que vi era tão lindo, tão
alegre, tão desperto
Que do alburno do meu tronco
despontaram folhas novas.
Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a
madrugada
Entre os bordos delicados de tuas
pálpebras meninas
E perdi-me em plena noite, luminosa
e espiralada
Ao cair no negro vórtice letal de
tuas retinas.
E é por isso que eu te peço: resta
um pouco em minha vida
Que meus deuses estão mortos, minhas
musas estão findas
E de ti eu só quisera fosses minha
primavera
E só espero, Coisa Linda, dar-te
muitas coisas lindas...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
O apelo
Que te vale, minha alma, essa
paisagem fria
Essa terra onde parecem repousar
virgens distantes?
Que te importa essa calma, essa
tarde caindo sem vozes
Esse ar onde as nuvens se esquecem
como adeuses?
Que te diz o adormecimento dessa
montanha extática
Onde há caminhos tão tristes que
ninguém anda neles
E onde o pipilo de um pássaro que passa
de repente
Parece suspender uma lágrima que
nunca se derrama?
Para que te debruças inutilmente
sobre esse ermo
E buscas um grito de agonia que
nunca te chegará a tempo
Que são longos, minha alma, os
espaços perdidos...
Ah, chegar! chegar depois de tanta
ausência
E despontar como um santo dentro das
ruas escuras
Bêbado dos seios da amada cheios de
espuma!
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Soneto do Amor Total, Vinícius de Moraes
O bom pastor
(Rio de Janeiro)
Amo andar pelas tardes sem som,
brandas, maravilhosas
Com riscos de andorinhas pelo céu.
Amo ir solitário pelos caminhos
Olhando a tarde parada no tempo
Parada no céu como um pássaro em vôo
E que vem de asas largas se
abatendo.
Amo desvendar a vaga penumbra que
desce
Amo sentir o ar sem movimento, a luz
sem vida
Tudo interiorizado, tudo paralisado
na oração calma...
Amo andar nessas tardes...
Sinto-me penetrando o sereno vazio
de tudo
Como um raio de luz.
Cresço, projeto-me ao infinito,
agitando
Para consolar as árvores angustiadas
E acalmar os pinheiros moribundos.
Desço aos vales como uma sombra de
montanha
Buscando poesia nos rios parados.
Sou como o bom-pastor da natureza
Que recolhe a alma do seu rebanho
No agasalho da sua alma...
E amo voltar
Quando tudo não é mais que uma
saudade
Do momento suspenso que foi...
Amo voltar quando a noite palpita
Nas primeiras estrelas claras...
Amo vir com a aragem que começa a
descer das montanhas
Trazendo cheiros agrestes de
selva...
E pelos caminhos já percorridos,
voltando com a noite
Amo sonhar...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Se todos fossem iguais a você,
Tom Jobim e Vinicius de Moraes
Tom Jobim e Vinicius de Moraes
O poeta em trânsito ou o filho
pródigo
Acordarei as aves que, noturnas
Por medo à treva calam-se nos galhos
E aguardam insones o romper da
aurora.
Despertarei os bêbados nos pórticos
Os cães sonâmbulos e os gerais
mistérios
Que envolvem a noite. Pedirei
gritando
Ao mar que mate e ao vento que
violente
As jovens praias de pudor tão
branco.
Quebrarei com ressacas e risadas
O silêncio habitual de Deus na noite
A intimidar os homens. Que a cidade
Ponha o xale da lua sobre a fronte
E saia a receber o seu poeta
Com ramos de jasmim e outras
saudades.
A hora é de beleza. Em cada pedra
Em cada casa, em cada rua, em cada
Árvore, vive ainda uma carícia
Feita por mim, por mim que fui
amante
Urbano, e mais que urbano,
sobre-humano
Na noturna cidade desvairada.
Provavelmente não virei montado
Em cavalo nenhum, como soía
Nem de armadura, que essa, a poesia
Mais que nenhuma me defenderia
Numa cota de malhas de silêncio.
É bem possível até que chegue bêbado
E se em janeiro, de camisa esporte.
O importante é chegar, ser a unidade
Entre a cidade e eu, eu e a cidade
Ouvir de novo o mar se estilhaçando
Nas rochas, ou bramindo no oceano
Sozinho como um
deus.................................
.......................................................................
.............................................Ó
bem-amada
Rio! como mulher petrificada
Em nádegas e seios e joelhos
De rocha milenar, e verdejante
Púbis e axilas e os cabelos soltos
De clorofila fresca e perfumada!
Eu te amo, mulher adormecida
Junto ao mar! eu te amo em tua
absoluta
Nudez ao sol e placidez ao luar.
Junto de ti me sinto, tua luz
Não fere o meu silêncio. O meu
silêncio
Te pertence. Eu sei que resguardada
Dos seres que se movem entre teus
braços
Teus olhos têm visões de outros
espaços
Passados e futuros...
Como às
vezes
Sobre a lunar estrada Niemeyer
Entre o clamor das ondas fustigadas
Meditam as montanhas. Que silêncio
Se escuta ali pousar, que gravidade
Da natureza! Eu sei, é bem verdade
Que sob o sol o Rio é muito claro
Muito claro demais, e sem mistério.
Eu sei que ao revérbero de janeiro
Morrem segredos como morrem as aves
Contentes de morrer. Eu sei tudo
isso.
Já vi com esses meus olhos
incansáveis
Idéias explodirem como flores
Entre réstias de sol já vi castelos
Matemáticos ruírem como cartas
Sistemas filosóficos perderem
A lógica do dia para a noite
Obras de arte nascentes desviarem-se
Do rumo da criação ante uma axila
Suada, e muitos santos se danarem
Sob a ação salutar do ultravioleta.
Mas pra quem tem o hábito da noite
Quem vive em intimidade com o
silêncio
Quem sabe ouvir a música da treva
Quando na treva reproduz-se a vida
Para esse, a cidade se oferece
Num clima universal de eternidade
No contraponto do mover do mar
E no mutismo milenar da pedra
Em sua infinidade de infinitos
Para esse os Dois Irmãos contam uma
história
Fantástica, de forças irrompendo
Da terra e se dispondo em formas
súbitas
Viúva! Pão de Açúcar! Corcovado!
E mais ao sul, sarcófago do sol
A mesa imensa onde esse pode ver
Se acaso souber ver, no fim do dia
A silhueta do homem primitivo
(A mesma que ainda hoje,
transformada
Passa sobre o mosaico da Avenida)
E até quem sabe, natural torcida
Assistindo de sua arquibancada
As serpentes do mar em luta ignara
Movendo maremotos, à porfia
No estádio natural da Guanabara.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
A felicidade, Vinicius de Moraes e Tom Jobim
(Tom, Vinicius, Miúcha e Toquinho).
O prisioneiro
(Rio de Janeiro)
Eu cerrei brandamente a janela sobre
a noite quieta
E fiquei sozinho e parado, longe de
tudo.
Nenhuma percepção - talvez uma leve
sensação de frio no vento
E uma vaga visão de objetos boiando
no vácuo dos olhos.
Nenhum movimento - distâncias
infinitas em todas as coisas
No lençol branco que era outrora o
grande esquecimento
No poeta que ontem era o refúgio e a
lágrima
E no misericordioso olhar de luz que
sempre fora o supremo apelo.
Nenhum caminho - nem a possibilidade
de um gesto desalentado
Na angústia de não ferir o desespero
do espaço móvel.
Passariam as horas e nas horas o
auge de cada instante de sofrimento
Passariam as horas até a hora de
voltar para o amor das almas
E seguir com elas até a próxima
noite.
Nenhum movimento - é preciso não
despertar o sono dos que velam em espírito
É preciso esquecer que há poesia a
ser colhida nas longas estradas.
Nenhum pensamento - a mobilidade
será o horror de todas as noites
É preciso ser feliz na imobilidade.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
O rio
Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.
Um rio nasceu.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Aquele riso foi o canto célebre
Da primeira estrela, em vão.
Milagre de primavera intacta
No sepulcro de neve
Rosa aberta ao vento, breve
Muito breve...
Não, aquele riso foi o canto célebre
Alta melodia imóvel
Gorjeio de fonte núbil
Apenas brotada, na treva...
Fonte de lábios (hora
Extremamente mágica do silêncio das
aves).
Oh, música entre pétalas
Não afugentes meu amor!
Mistério maior é o sono
Se de súbito não se ouve o riso na
noite.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Samba em Prelúdio, Vinicius de Moraes e Baden Powell
O sacrifício do vinho
(Paris)
Contra o crepúsculo
O vinho assoma, exulta, sobreleva
Muda o cristal da tarde em rubra
pompa
Ganha som, ganha sangue, ganha seios
Contra o crepúsculo o vinho
Menstrua a tarde.
Ah, eu quero beber do vinho em
grandes haustos
Eu quero os longos dedos líquidos
Sobre meus olhos, eu quero
A úmida língua...
O céu da minha boca
É uma cúpula imensa para a acústica
Do vinho, e seu eco de púrpura...
O cantochão do vinho
Cresce, vermelho, entre muralhas
súbitas
Carregado de incenso e paciência.
As sinetas litúrgicas
Erguern a taça ardente contra a
tarde
E o vinho, transubstanciado, bate
asas
Voa para o poente
O vinho...
Uma coisa é o vinho branco
O primeiro vinho, linfa da aurora
impúbere
Sobre a morte dos peixes.
Mas contra a noite ei-lo que se
levanta
Varado pelas setas do poente
Transverberado, o vinho...
E o seu sangue se espalha pelas ruas
Inunda as casas, pinta os muros,
fere
As serpentes do tédio; dentro
Da noite o vinho
Luta como um Laocoonte
O vinho...
Ah, eu quero beijar a boca moribunda
Fechar os olhos pânicos
Beber a áspera morte
O tempo nos parques é íntimo,
inadiável, imparticipante, imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última
palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos
parques.
O tempo nos parques cisma no olhar
cego dos lagos
Dorme nas furnas, isola-se nos quiosques
Oculta-se no torso muscular dos
fícus, o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio
do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se
move ao longe.
É alto, antigo, presciente o tempo
nos parques
É incorruptível; o prenúncio de uma
aragem
A agonia de uma folha, o abrir-se de
uma flor
Deixam um frêmito no espaço do tempo
nos parques.
O tempo nos parques envolve de
redomas invisíveis
Os que se amam; eterniza os anseios,
petrifica
Os gestos, anestesia os sonhos, o
tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que
fogem, na franja
Dos chorões, na cúpula azul o tempo
perdura
Nos parques; e a pequenina cutia
surpreende
A imobilidade anterior desse tempo
no mundo
Porque imóvel, elementar, autêntico,
profundo
É o tempo nos parques.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
O verbo no infinito
(Rio de Janeiro)
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor;
nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Samba de Bênção, Vinicius de Moraes e Baden Powell
(Vinicius de Moraes e Toquinho)
Patético
Está ausente. Ausente como as vozes
da minha infância
E muda - eu lhe dou adeus de todos
os espaços
Grito o seu nome em todas as ruas -
e os trens passam deixando a distância nas casas que dormem
Mas está muda e ausente - e os trens
passam e eu grito o seu nome…
Ah, meu amor! por que a saudade está
me chamando para a noite?
Sou eu, sou eu! aquele cuja alma se
estende sobre a vida
Aquele cujo espírito é imenso e cujo
coração é trágico
Eu, eu... E logo nada mais serei que
memória e dolorosa lembrança
Teus gestos e teus olhares de
profunda inocência, onde estão?
Nada se move... - há uma luz, um
leito e uma lua lá longe...
Talvez eu esteja prisioneiro de um
destino atroz - socorre-me!
Talvez eu esteja sofrendo um
instante atroz - liberta-me!
Quero a calma, a pureza, a
serenidade do teu mundo
Não quero o horror! as convulsões,
os desânimos, as lágrimas, a cólera
Quero as tuas mãos - e não as
encontro no ar, no mar, no luar, no caminhar
Adormece e vem - eu sei que sou
forte e belo para a vida
Sei que há um gênio inquieto na
minha palavra que um dia será ouvida
Mas nesse momento quero apenas que
seja tu a que sabe e a que recebe
Onde estás? - no país distante que
fica ao poente ou no país presente que fica ao levante?…
Ausente - muda e ausente! crianças
que sonham trazei-me o seu sono
Estrelas que dormem trazei-me o seu
sonho. - Mas quem bateu na minha janela?
- Foi o grito dos trens partindo da
tristeza de uns para a alegria de outros
- Foi o grito do além pedindo o
orvalho das madrugadas para a carne dos infelizes…
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Poema nº três em busca da essência
Do amor como do fruto. (Sonhos
dolorosos das ermas madrugadas acordando…)
Nas savanas a visão dos cactos
parados à sombra dos escravos - as negras mãos no ventre luminoso das jazidas
Do amor como do fruto. (A alma dos
sons nos algodoais das velhas lendas…)
Êxtases da terra às manadas de
búfalos passando - ecos vertiginosos das quebradas azuis
O Mighty Lord!
Os rios, os pinheiros e a luz no
olhar dos cães - as raposas brancas no olhar dos caçadores
Lobos uivando, Yukon! Yukon! Yukon!
(Casebres nascendo das montanhas paralisadas…)
Do amor como da serenidade. Saudade
dos vulcões nas lavas de neve descendo os abismos
Cantos frios de pássaros
desconhecidos. (Arco-íris como pórticos de eternidade…)
Do amor como da serenidade nas
planícies infinitas o espírito das asas no vento.
O Lord of Peace!
Do amor como da morte. (Ilhas de
gelo ao sabor das correntes…)
Ursas surgindo da aurora boreal como
almas gigantescas do grande-silêncio-branco
Do amor como da morte. (Gotas de
sangue sobre a neve…)
A vida das focas continuamente se
arrastando para o não-sei-onde
- Cadáveres eternos de heróis
longínquos
O Lord of Death!
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
(Nova York, 1950)
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Deixa dormir na tua porta o sono,
poeta apascentado pela Lua
Seus seios bebem teu sangue para
alimentar os anjos
Ouve as flores, sente como as suas
minúsculas tetas de perfume
Palpitam cheias de vinho para as
pequeninas ovelhas do céu
Fica em calma, enche teus olhos do
verde negror da noite
E quando muito recita um pouco de
poesia à toa para as estrelas
Porque nada tens a fazer, nada! e os
passarinhos continuam soltos por aí...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Quando me ergui ela dormia, nua...
(Oxford)
Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longínqua e iluminada
E alto, seu sexo sugava a Lua.
Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e crua
Tão louca a minha amiga, linda e
louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida
pouca
Mas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Quietação
(Rio de Janeiro)
No espaço claro e longo
O silêncio é como uma penetração de
olhares calmos...
Eu sinto tudo pousado dentro da
noite
E chega até mim um lamento contínuo
de árvores curvas.
Como desesperados de melancolia
Uivam na estrada cães cheios de lua.
O silêncio pesado que desce
Curva todas as coisas religiosamente
E o murmúrio que sobe é como uma
oração da noite...
Eu penso em ti.
Minha boca cicia longamente o teu
nome
E eu busco sentir no ar o aroma
morno da tua carne.
Vejo-te ainda na visão que te
precisou no espaço
Ouvindo de olhos dolentes as
palavras de amor que eu te dizia
Fora do tempo, fora da vida, na
cessação suprema do instante
Ouvindo, junta de mim, a angústia
apaixonada da minha voz
Num desfalecimento.
Pelo espaço claro e longo
Vibra a luz branca das estrelas.
Nem uma aragem, tudo parado, tudo
silêncio
Tudo imensamente repousado.
E eu cheio de tristeza, sozinho,
parado
Pensando em ti.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
(Rio de Janeiro)
Para que cantarei nas montanhas sem
eco
As minhas louvações?
A tristeza de não poder atingir o
infinito
Embargará de lágrimas a minha voz.
Para que entoarei o salmo harmonioso
Se tenho na alma um de-profundis?
Minha voz jamais será clara como a
voz das crianças
Minha voz tem as inflexões dos
brados de martírio
Minha voz enrouqueceu no
desespero...
Para que cantarei
Se em vez de belos cânticos serenos
A solidão escutará gemidos?
Antes ir. Ir pelas montanhas sem eco
Pelas montanhas sem caminho
Onde a voz fraca não irá.
Antes ir - e abafar as louvações no
peito
Ir vazio de cantos pela vida
Ir pelas montanhas sem eco e sem
caminho, pelo silêncio
Como o silêncio que caminha...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Soneto de Separação, de Vinicius de Moraes
Solidão
(Rio de Janeiro)
Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em
treva...
- A vida é um sonho vão que a vida
leva
Cheio de dores tristemente mansas.
- É mais belo o fulgor do céu que
neva
Que os esplendores fortes das
bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das
crianças.
Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um
perdido
Na certeza cruel que nada importa.
Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu
caminho
Na tristeza sem fim de uma alma
morta.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Tarde
(Rio de Janeiro)
Na hora dolorosa e roxa das emoções
silenciosas
Meu espírito te sentiu.
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.
Ele te quis, hora sem tempo
Porque tu eras a sua imagem, sem
Deus e sem tempo.
Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do
dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções
silenciosas.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Uiaras, na montanha, ao sol, sob a
cascata
Rutilante, movendo as nádegas de
prata
Na farta esmeralda do limo, em
gelatina
Nuas, verdes, nas grandes pedras, na
água fina
- Povo claro de mãos, de torsos e de
seios
Que rubra solidão em mim vossos
enleios
Mornos, graves, fizeram, lânguidos,
sonhar
Que, em mim, se enrijeceu na ânsia
de vos dar
Minha maior humanidade?...
Desejei
Vos fecundar
Não, não o doloroso e apenas
Gozo de conseguir, das vossas ancas,
plenas
Frenético, a rápida sombra do
distante
Ah, bem antes o sonho, o voto
apaziguante
A sensação do vento da manhã, em
ouro
Dançarino ideal, trazendo o pólen
louro
Às flores ainda adormecidas nas
estrelas...
(Qualquer coisa que vem da calma de
sabê-las
Infecundas... - e só sentir
fecundidade
No infecundo, e só viver dessa
verdade...)
Como eu sou desigual! talvez que o
meu desejo
Seja terrível... - pequena visão que
eu vejo
Cresce acima de mim meu corpo
animal.
Ó dor! só sinto o Bem como o supremo
mal
Ó seres de paixão!...
- que mais cruel martírio
Essa espera sem fim, morrendo como
um lírio
Pelo amor sem perdão das rosas
impossíveis?...
No entanto, que música acordas, que
invisíveis
Preces despertas, que cores
descobres, claridade!
Sou bem alguém, alguma coisa, ou,
uma ansiedade
De seres e de coisas?
Ah, meu corpo teme as
Trevas da noite, mas ela deseja
dessas fêmeas
A treva da consumação... Mas serei
eu
Depois? Será minha a minha alma e
meu
O meu corpo?
Jamais.
Minha vaidade é eterna.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Um dia, como estivesse parado à
borda de uma montanha ao Sol poente Apascentando a sua poesia diante dos
trigais e contemplando as cidades douradas Viu o Príncipe-Poeta a minha sombra
precipitada nos abismos ir escurecendo uma extensão de léguas e léguas de
terra.
Havia em torno a mim uma grande
humildade, de rebanhos e de sopros de flautas E uma grande paz futura como se
tudo não fosse senão a eterna espera de uma
[eterna vinda se desdobrando
Subitamente o Príncipe viu a sua
sombra que obedecia ao seu corpo que obedecia
[ao seu pensamento ali estava desde
o começo dos tempos o espetáculo das eras.
As águas não se repetem, ele
pensava, mas elas voltam para os mesmos leitos desfeitos em chuva
E refazem o mesmo caminho da terra
para as fontes das fontes para os rios dos rios para o mar do mar para o sol
Ora cantantes, límpidas, serenas,
ora estagnadas, tempestuosas, negras, trágicas, segundo a sabedoria dos
instantes do curso
Até novamente subirem ao astro
sedento onde viveram o seu paraíso efêmero para caírem novamente em gotas de
chuva.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Vazio
(Rio de Janeiro)
A noite é como um olhar longo e
claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da
minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo,
desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das
coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos
abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do
êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam
gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e
grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento
olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas
aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa
que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um
olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos
se amando na rua.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Velha história
(Rio de Janeiro)
Depois de atravessar muitos caminhos
Um homem chegou a uma estrada clara
e extensa
Cheia de calma e luz.
O homem caminhou pela estrada afora
Ouvindo a voz dos pássaros e
recebendo a luz forte do sol
Com o peito cheio de cantos e a boca
farta de risos.
O homem caminhou dias e dias pela
estrada longa
Que se perdia na planície uniforme.
Caminhou dias e dias…
Os únicos pássaros voaram
Só o sol ficava
O sol forte que lhe queimava a
fronte pálida.
Depois de muito tempo ele se lembrou
de procurar uma fonte
Mas o sol tinha secado todas as
fontes.
Ele perscrutou o horizonte
E viu que a estrada ia além, muito
além de todas as coisas.
Ele perscrutou o céu
E não viu nenhuma nuvem.
E o homem se lembrou dos outros
caminhos.
Eram difíceis, mas a água cantava em
todas as fontes
Eram íngremes, mas as flores
embalsamavam o ar puro
Os pés sangravam na pedra, mas a
árvore amiga velava o sono.
Lá havia tempestade e havia bonança
Havia sombra e havia luz.
O homem olhou por um momento a
estrada clara e deserta
Olhou longamente para dentro de si
E voltou.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Pátria Minha, de Vinicius de Moraes
Vida e poesia
(Rio de Janeiro)
A lua projetava o seu perfil azul
Sobre os velhos arabescos das flores calmas
A pequena varanda era como o ninho futuro
E as ramadas escorriam gotas que não havia.
Na rua ignorada anjos brincavam de roda...
- Ninguém sabia, mas nós estávamos ali.
Só os perfumes teciam a renda da tristeza
Porque as corolas eram alegres como frutos
E uma inocente pintura brotava do desenho das cores
Eu me pus a sonhar o poema da hora.
E, talvez ao olhar meu rosto exasperado
Pela ânsia de te ter tão vagamente amiga
Talvez ao pressentir na carne misteriosa
A germinacão estranha do meu indizível apelo
Ouvi bruscamente a claridade do teu riso
Num gorjeio de gorgulhos de água enluarada.
E ele era tão belo, tão mais belo do que a noite
Tão mais doce que o mel dourado dos teus olhos
Que ao vê-lo trilar sobre os teus dentes como um címbalo
E se escorrer sobre os teus lábios como um suco
E marulhar entre os teus seios como uma onda
Eu chorei docemente na concha de minhas mãos vazias
De que me tivesses possuído antes do amor.
- Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes |
FORTUNA CRÍTICA SOBRE VINICIUS DE
MORAES
(Bibliografia
sobre Vinicius de Moraes)
Vinicius de Moraes, por Elifas Andreato |
AQUINO, Adriana Assis de. Vinícius de Moraes e Shelley: um exercício
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Vinicius de Moraes, por Baptistão |
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Vinicius de Moraes, por Cavalcanti |
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tradition et modernité. CD interativo, dossier 6, 3 paginas, v. 1, p.
sn-sn, 2003.
Onde anda você, Toquinho e Vinicius de Moraes
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra
Dá-me o teu antigo paletó sujo de
ventos e de chuvas
Dá-me o imemorial chapéu com que
cobrias a tua paciência
E os misteriosos papéis em que teus
versos inscreveste.
Meu pai, dá-me a tua pequena chave
das grandes portas
Dá-me a tua lamparina de rolha,
estranha bailarina das insônias
Meu pai, dá-me os teus velhos
sapatos.
- Vinicius de Moraes (sem título).
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os
adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte,
apenas
Nascemos, imensamente.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Poema de Ano-Novo
É preciso que nos encontremos diante
do amor como as árvores fêmeas cuja raiz é a mesma e se perde na terra profana
É preciso... a tristeza está no
fundo de todos os sentimentos como a lágrima no fundo de todos os olhos
Sejamos graves e prodigiosos, ó
minha amada, e sejamos também irmãos e amigos.
É preciso que levemos diante de nós
o retrato das nossas almas como se fôssemos a um tempo a Verônica e o Crucificado
Eu sou o eterno homem e hoje que a
dor fecunda o tempo eu sinto mais que nunca a vontade de fechar os braços sobre
a minha miséria.
Fiquemos como duas crianças
pensativas sentadas numa escada - todos serão os peregrinos e apenas nós os
contemplados.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Eu Sei Que Vou Te Amar, Tom Jobim e Vinicius de Moraes
Solilóquio
(Rio de Janeiro)
Talvez os imensos limites da pátria
me lembrem os puros
E amargue em meu coração a
descrença.
Sinto-me tão cansado de sofrer, tão
cansado! - algum dia, em alguma parte
Hei de lançar também as âncoras das
promessas
Mas no meu coração intranqüilo não
há senão fome e sede
De lembranças inexistentes.
O que resta da grande paisagem de
pensamentos vividos
Dize, minha alma, senão o vazio?
São verdades as lágrimas, os
estremecimentos, os tédios longos
As caminhadas infinitas no oco da
eterna voz que te obriga?
E no entanto o que crê em ti não tem
o teu amor aprisionado
Escravo de fruições efêmeras...
Ah, será para sempre assim... o
beijo pouco do tempo
Na face presa da eternidade
E em todos os momentos a sensação
pobre de estar vivendo
E ter em si somente o que não pode
ser vivido
E em todos os momentos a beleza, e
apenas
Num só momento a prece...
Nunca me sorrirão vozes infantis no
corpo, e quem sabe por tê-las
Muito ardentemente desejado...
Talvez os limites da pátria me
lembrem os puros e enlouqueça
Em mim o que não foi da carne
conquistado.
Muitas vezes hei de me dizer que não
sou senão juventude
No seio do pântano triste.
Quero-te, porém, vida, súplica! o
medo de mim mesmo
Não há na minha saudade.
É que dói não viver em amor e em
renúncia
Quando o amor e a renúncia são
terras dentro de mim
E uma vez mais me deitarei no frio,
guia de luz perdido
Sem mistérios e sem sombra.
Bem viram os que temeram a minha
angústia e as que se disseram:
- Ele perdeu-se no mar!
No mar estou perdido, sem céu e sem
terra e sem sede de água
E nada senão minha carne resiste aos
apelos do ermo...
O que restará de ti, homem triste,
que não seja a tua tristeza
Fruto sobre a terra morta...
Não pensar, talvez... Caminhar
ciliciando a carne
Sobre o corpo macerado da vida
Ser um milhão na mesma cidade
desabitada
E sendo apenas um, ir acordando o
amor e a angústia
E da inquietação vinda e
multiplicada, arrancar um riso sem força
Sobre as paisagens inúteis.
Mas, oh, saber... - saber até o
fundo do conhecimento
Sobre as aves e os lírios!
Saber a pureza bailando o pensamento
como um gênio perfeito
E na alma os cantos límpidos e os
vôos de uma poesia!
E nada poder, nada, senão ir e vir
como a sombra do condenado
Pelo silêncio em escuta...
E não sou um covarde... - sofro
pelas manhãs e pelas tardes
E pelas noites desvaneço...
No entanto, é covarde que me sinto
no olhar dos que me amam
E no prazer que arranco cem vezes da
carne ou do espírito que quero
Ai de mim, tão grande, tão
pequeno... - e quando o digo intimamente!
E em ambos, sem pânico...
E me pergunto: Serei vazio de amor
como os ciprestes
No seio da ventania?
Serei vazio de serenidade como as
águas no seio do abismo
Ou como as parasitas no seio da mata
serei vazio de humildade?
Ou serei o amor eu mesmo e a calma e
a humildade eu mesmo
No seio do infinito vazio?
E me pergunto: O que é o perigo,
onde a sua fascinação profunda
E o gosto ardente de morrer?
Não é a morte o meu voto murmurante
Que caminha comigo pelas estradas e
adormece no meu leito?
O que é morrer senão viver
placidamente
Na imutável espera?
Nada respondo - nada responde o
desespero
Solidão sem desvario.
Mas resta, resta a ânsia das palavras
murmuradas ao vento
E a emoção das visões vividas no seu
melhor momento
Resta a posse longínqua e em eterna
lembrança
Da imagem única.
Resta?... Já me disse blasfêmias no
âmago do prazer sentido
Sobre o corpo nu da mulher
Já arranquei de mim mesmo o sumo da
sabedoria
Para fazê-lo vibrar dolorosamente à
minha vontade
E no entanto... posso me glorificar
de ter sido forte
Contra o que sempre foi?
Hão de ir todos, todos, para as
celebrações e para os ritos
Ficarei em casa, sem lar
Hei de ouvir as vozes dos amantes
que não se entediam
E dos amigos que não se amam e não
lutam
As portas abertas, à espera dos
passos do retardatário
Não receberei ninguém.
Talvez nos imensos limites da pátria
estejam os puros
E apenas em mim o ilimitado...
Mas oh, cerrar os olhos, dormir,
dormir longe de tudo
Longe mesmo do amor longe de mim!
E enquanto se vão todos, heróicos,
santos, sem mentira ou sem verdade
Ficar, sem perseverança...
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e sua mulher Lila Bôscoli,nos bastidores da estréia de Orfeu da Conceição - 1956. (Foto: acervo Tom Jobim) |
Como dizia o poeta, Vinicius de Moraes,
Maria Medalha e Toquinho
Uma música que seja
... como os mais belos harmônicos da
natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios,
aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente
para o infinito. Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música
que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música
que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma
música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas
pelos temporais. Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em
busca de uma harmonia nova. Uma música que seja como o vôo de uma gaivota numa
aurora de novos sons...
- Vinicius de Moraes
ACERVO DIGITAL - VINICIUS DE MORAES
O acervo completo de poemas de Vinicius de Moraes se encontra digitalizado, agora, na Brasiliana da USP, que pertence a biblioteca de José Mindlin. Trata-se das primeiras edições de todos os livros de poemas do autor.
Local: Brasiliana USP - Universidade de São Paulo.
Deve-se destacar, nesse sentido, a ousadia dos herdeiros de Vinicius de Moraes, que foram os primeiros a dispor toda a obra em poesia e prosa de Vinicius de Moraes no site do autor.
Soneto da espera
(Rio de Janeiro)
Aguardando-te, amor, revejo os dias
Da minha infância já distante, quando
Eu ficava, como hoje, te esperando
Mas sem saber ao certo se virias.
E é bom ficar assim, quieto, lembrando
Ao longo de milhares de poesias
Que te estás sempre e sempre renovando
Para me dar maiores alegrias.
Dentro em pouco entrarás, ardente e loura
Como uma jovem chama precursora
Do fogo a se atear entre nós dois
E da cama, onde em ti me dessedento
Tu te erguerás como o pressentimento
De uma mulher morena a vir depois.
- Vinicius de Moraes
- Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes |
O acervo completo de poemas de Vinicius de Moraes se encontra digitalizado, agora, na Brasiliana da USP, que pertence a biblioteca de José Mindlin. Trata-se das primeiras edições de todos os livros de poemas do autor.
Local: Brasiliana USP - Universidade de São Paulo.
Deve-se destacar, nesse sentido, a ousadia dos herdeiros de Vinicius de Moraes, que foram os primeiros a dispor toda a obra em poesia e prosa de Vinicius de Moraes no site do autor.
Soneto da espera
(Rio de Janeiro)
Aguardando-te, amor, revejo os dias
Da minha infância já distante, quando
Eu ficava, como hoje, te esperando
Mas sem saber ao certo se virias.
E é bom ficar assim, quieto, lembrando
Ao longo de milhares de poesias
Que te estás sempre e sempre renovando
Para me dar maiores alegrias.
Dentro em pouco entrarás, ardente e loura
Como uma jovem chama precursora
Do fogo a se atear entre nós dois
E da cama, onde em ti me dessedento
Tu te erguerás como o pressentimento
De uma mulher morena a vir depois.
- Vinicius de Moraes
Samba para Vinícius
(Tom, Vinícius Toquinho e Miúcha)
Soneto de inspiração
(Rio de Janeiro)
Não te amo como uma criança, nem
Como um homem e nem como um mendigo
Amo-te como se ama todo o bem
Que o grande mal da vida traz consigo.
Não é nem pela calma que me vem
De amar, nem pela glória do perigo
Que me vem de te amar, que te amo; digo
Antes que por te amar não sou ninguém.
Amo-te pelo que és, pequena e doce
Pela infinita inércia que me trouxe
A culpa é de te amar - soubesse eu ver
Através da tua carne defendida
Que sou triste demais para esta vida
E que és pura demais para sofrer.
Vinicius de Moraes |
Enciclopédia Literatura Brasileira - Itaú Cultural
Site Oficial de Vinicius de Moraes
** Fotos e imagens: acervo pessoal e internet
_________
*** Todos os poemas e citações de Vinicius de Moraes, desta pagina foram extraídos do Site Oficial do autor.
Senti a alegria da vida
Que vivia nas flores pequenas
Senti a Beleza da vida
Que morava na luz e morava no céu
E cantei e cantei.
A minha voz subiu até ti, senhor
E tu me deste a paz.
Guarda meu coração no teu coração
Que ele é puro e simples.
Guarda minha alma na tua alma
Que ela é bela, senhor.
Guarda o meu espírito no teu espírito
Porque ele é a minha luz.
E porque só a ti ele exalta e ama.
- De O Caminho para a distância.
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina.
** Fotos e imagens: acervo pessoal e internet
_________
*** Todos os poemas e citações de Vinicius de Moraes, desta pagina foram extraídos do Site Oficial do autor.
Vinicius de Moraes |
Senti a alegria da vida
Que vivia nas flores pequenas
Senti a Beleza da vida
Que morava na luz e morava no céu
E cantei e cantei.
A minha voz subiu até ti, senhor
E tu me deste a paz.
Guarda meu coração no teu coração
Que ele é puro e simples.
Guarda minha alma na tua alma
Que ela é bela, senhor.
Guarda o meu espírito no teu espírito
Porque ele é a minha luz.
E porque só a ti ele exalta e ama.
- De O Caminho para a distância.
© Direitos reservados ao autor/e ou ao seus herdeiros
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
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Trabalhos sobre o autor:Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina.
Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Vinicius de Moraes - o poetinha. Templo Cultural Delfos, abril/2012. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Vinicius de Moraes - o poetinha. Templo Cultural Delfos, abril/2012. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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Demais! Linkei em http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/vinicius-de-moraes-poemas-de-amor/
ResponderExcluirObrigada Fabio, agradecemos pela gentileza e participação.
ResponderExcluirVolte sempre! Abraços.
Maravilhoso! Parabéns pelo excelente trabalho...Vinicius é e sempre será o poetinha de uma obra gigante!
ResponderExcluirObrigada Izabel, ficamos felizes que tenha gostado.
ExcluirVolte sempre!
Abraços.
Sensacional! Esplendido!...
ResponderExcluirObrigada Valter, que bom que gostastes!
ExcluirVolte sempre, abraços
Sou fã de Vinícius,desde menina. Tenho uma coleção de músicas, poesias, livros. Senti falta ou não vi uma poema que me lembra a adolescencia: Se você quer ser minha namorada....
ResponderExcluirOlá,
ExcluirTal poema/canção de Vinicius encontra-se nessa página - http://www.elfikurten.com.br/2013/01/vinicius-de-moraes-o-poeta-nao-tem-fim.html
É uma página com diversos poemas de Vinicius de Moraes. Acredito que vá gostar da coletânea.
Abraços
Sempre fui fã de Vinicius de Moraes....
ResponderExcluirSimplesmente maravilhosa essa página.
tenho certeza que quem ve-la vai adorar.
Abraços
Obrigada, fico feliz em saber que gostaste!
ExcluirVolte sempre,
abraços
Na espera por melhores dias conquanto tirem do ar essa bobageira a que dão nome de funk e querem chamar de música, encontrar a poesia de Vinícius de Moraes é respirar o melhor e o mais puro do oxigênio. Parabéns ao blog e aos blogueiros e a vc Gabriela Fenske Feldkircher; Sucesso.
ResponderExcluirObrigada, fico muito feliz em saber que gostaste!
ExcluirVolte sempre.
Abraços