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Jorge Luis Borges - entrevista inédita

Jorge Luis Borges - foto (...)

Borges: “Sou um anarquista conservador”
Em 1982, por conta de um trabalho escolar, um menino de 15 anos pediu um encontro com o escritor, que, para sua surpresa, aceitou o convite
por Claudio Pérez Míguez (*) - El País | Madri, 14 junho 2016.

Quando eu cursava o terceiro ano do ensino secundário, em Don Bosco, distrito de Quilmes, na província de Buenos Aires, com quinze anos de idade, a professora de literatura, uma espanhola radicada desde pequena na Argentina e grande admiradora da obra de García Lorca, Josefa Iglesias de Fanelli, deu como trabalho prático que escolhêssemos alguém para entrevistar.
A literatura e a figura de Borges, tão polêmica naqueles anos, já tinham chamado a minha atenção, por isso tive a ideia de fazer a reportagem com ele. Nem eu nem as pessoas com quem eu convivia tínhamos contatos no meio literário, daí a ideia de ver se encontrava o número dele na lista telefônica. Procurando por Borges, vi que o telefone ainda estava em nome da mãe dele, Leonor Acevedo de Borges, que já era falecida. Lembro-me do número até hoje: 42-2801. Liguei imediatamente e fui atendido por Fanny Úbeda, a mulher que cuidava da casa, que me disse que Borges estava em viagem.
Como havia um prazo para entregar o trabalho, tentamos outras pessoas para cumprir a tarefa, mas, quando faltavam dois dias, ocorreu-me a ideia de tentar novamente. Fui de novo atendido pela senhora Fanny, e quando já esperava falar com alguma outra pessoa para explicar minha ideia para que esta então a transmitisse para Borges, ela passou o aparelho diretamente para ele, que, depois de ouvir a minha solicitação, disse: “Venha amanhã ou depois de amanhã, entre 10 e 10 e meia”. Naquela mesma noite, preparei as perguntas. Mostrei-as ao meu pai, para que me desse a sua opinião sobre o questionário, e ele me sugeriu que eu, em vez de tentar fazer uma entrevista imitando as que eram feitas pelos jornalistas em busca de uma declaração bombástica para dar um bom título, tentasse encará-la do meu ponto de vista, focando naquilo que poderia ser do meu interesse, com a idade que eu tinha. Pareceu-me um bom conselho, e procurei mudar as perguntas nesse sentido.
Como se tratava de um trabalho em grupo, convidei meus colegas e vários deles me acompanhavam quando cheguei à casa de Borges, é claro, às 10 horas da manhã do dia seguinte.
Esse encontro possibilitou que eu passasse a visita-lo com frequência na sua casa, levando-o a falar com os alunos na minha escola, a visita a minha casa, em um grande número de encontros que certamente moldaram o meu gosto pelos livros e pelo universo da literatura. Mas isso já outra história. Voltando ao que nos diz respeito: a entrevista foi feita no apartamento de Borges, na rua Maipú, 994, em Buenos Aires, no dia 29 de julho de 1982, mais de um ano antes da volta da democracia à Argentina. O resultado é este que transcrevemos a seguir e que permanecia inédito até agora. “Para mim, nem parece” que já se passaram mais de três décadas desde a sua morte. “O tempo que os mármores desgasta” muda muitas coisas, outras não. Suas palavras continuam a iluminar o meu caminho.


Poderia nos contar como era formada a sua família?

Sim. Minha mãe era descendente de europeus, católica, mas católica da maneira argentina, ou seja, mais por uma questão social do que teológica. Minha avó inglesa era de tradição protestante, de pastores metodistas. Sabia a Bíblia de cor. Você recitava um versículo qualquer, e ela dizia, sim, Livro de Jó, capítulo tal, versículo tal, e assim em diante. Entre os protestantes, tem muita gente que conhece a Bíblia de cor. Nos hotéis, por exemplo, na Inglaterra, na Escócia e também em Nova York, tem sempre uma Bíblia na gaveta do criado-mudo. Além, disso, as citações bíblicas, que podem soar pedantes em castelhano, são muito comuns em inglês. As pessoas estão sempre fazendo citações de versículos da Bíblia ou de frases bíblicas, e não soa nada pedante. Em contrapartida, nos países católicos, pareceria uma coisa forçada. De forma que minha avó era muito religiosa, metodista.

A família de minha mãe era católica, como eu dizia, à maneira dos países latinos, de uma forma superficial. Meu pai era agnóstico, quer dizer, um livre pensador, e todos nos dávamos muito bem; isso jamais foi motivo de discórdia.

O que mais posso dizer sobre a minha família? Meu pai era professor de Psicologia no Colégio de Línguas Vivas, e lembro muito bem o quanto ele ganhava, era também advogado, assessor cível. Tinha de dar duas aulas de Psicologia por semana no Colégio e lhe pagavam 100 pesos por mês. Cem pesos por mês era um bom dinheiro na época, sendo que hoje em dia diz mais respeito à literatura fantástica. Hoje, 100 pesos não significam nada. Naquele tempo sim; tudo era muito mais barato do que agora. Lembro que o dólar valia 2 pesos e cinquenta centavos. Acho que hoje o valor dele subiu bastante, não? Acho que a nossa moeda é a mais barata do mundo.

Do lado do meu pai e minha mãe, era uma família militar. Meu avô, o Coronel Francisco Borges, morreu, realmente, na batalha de La Verde, que aconteceu perto do vilarejo de 25 de Maio, na província de Buenos Aires. Meus avós participaram da campanha pela independência, depois das guerras civis, da guerra com o Brasil, tudo isso.

Agora, do lado da minha avó inglesa, não. Eram pastores e professores.


Quais estudos o senhor fez?

Poucos. Estudei no Collège de Genebra, estudei e tenho o meu diploma. Ali havia duas matérias principais, que eram o francês e o latim. Eu logo percebi que, se estudasse bastante o francês e o latim, poderia prescindir das outras matérias, o que fez com que me tornasse uma pessoa extremamente ignorante, pois tive aulas de física, botânica, mineralogia, zoologia, música, ginástica, química, e não sei absolutamente nada sobre esses assuntos. História, sim, disso eu gosto. Mas, na Suíça, a aula de história não era obrigatória, e sim opcional. Se quiser, você pode estudar História suíça, se não quiser, não estuda. Eu tinha muito interesse em conhecer a história da Suíça, pois vivia ali, , por isso estudei. São obrigatórias a história antiga, a moderna etc; mas a suíça, não.

Esse é o único diploma que eu tenho. Todos os outros são títulos Honoris Causa, que são apenas fruto de generosidades. Sou Doutor Honoris Causa de Tucumán, de Nova York, de universidades italianas, colombianas, mexicanas, também de Harvard, de Oxford, da Sorbonne, mas acredito que posso ser chamada do doutor, já que esses títulos de Honoris Causa são um favor que outorgam a algumas pessoas, e é claro que agradeço a eles, pois é uma honra, embora eu não saiba se realmente a mereço.

Pessoalmente, posso dizer apenas que sou formado no Collège de Calvino de Genebra.


Jorge Luis Borges - foto (...)
Com que idade o senhor tomou consciência de sua vocação literária?

Eu não sei. Não me lembro de uma época em que não lesse ou escrevesse. Eu sempre estava lendo e escrevendo. Mas meu pai me disse para só ler aquilo que me interessasse, que não lesse um livro pelo sentimento de dever, porque era famoso. Que eu lesse apenas quando me interessasse, e que só escrevesse quando tivesse necessidade de fazê-lo. Que eu escrevesse muito, que descansasse muito e que não me apressasse para publicar, já que publicar não é parte necessária do destino de um escritor.


Como conseguiu publicar seu primeiro livro?

Meu primeiro livro foi publicado tardiamente. Eu tinha 24 anos. Chamava-se Fervor de Buenos Aires e foi publicado aqui, em Buenos Aires. Meu pai me deu 300 pesos, que me permitiram imprimir 300 exemplares. Não foi colocado à venda. Reparti entre meus amigos. Me agradava muito. Mas, na realidade, era o quarto livro que eu escrevi. Tinha escrito três antes que, curiosamente, destruí. Talvez devesse ter destruído esse também.


Como surgem suas obras? O senhor se senta para escrever sistematicamente ou o faz quando sente a necessidade?

Isso é muito complexo. Eu sinto que há algo que quer que eu escreva sobre ele, e eu tento dissuadi-lo. Mas se há um assunto que volte, um argumento de um conto ou um poema, então escrevo. Me parece um erro procurar assuntos. É preciso deixar que os assuntos procurem e encontrem alguém. Senão saem livros fabricados.

Creio que todo o mundo escreve assim, ainda que os jornalistas, não. Eles procuram assuntos. E, por exemplo, um escritor que admiro muito, Capdevila, escreveu um livro sobre as 14 províncias argentinas. É muito estranho que todas tenham lhe interessado e que tenham lhe interessado de maneira favorável. Isso é fabricar um livro. Eu, por exemplo, escrevi um poema em homenagem à água, mas não me ocorreu escrever para o fogo, a terra e o ar. Seria uma coisa mecânica. Escrevi um poema para a água porque me interessava. De modo que procurar assuntos é um erro. Há escritores que se propõem a escrever sobre a vida dos camponeses de tal lugar, e assim saem os livros.


Qual de seus livros é o seu favorito e por que?

Bem, a maioria não me agrada. Me conformo com eles. Aproveitei as chamadas obras completas para omitir dois livros. Para mim, meu melhor livro é o que se chama El Libro de Arena. É de fácil leitura, um livro curto, não uso nenhuma palavra que solicite o uso do dicionário. É um livro de contos, e outro livro de contos de que gosto é El Informe de Brodie. El Libro de Arena é o único com o qual estou satisfeito. Talvez o tempo também julgue o mesmo e apague os demais, que são realmente rascunhos apagáveis.

Mas há muita gente que admira toda a sua obra...

Sim, mas não me encontro entre eles. Isso é um erro, e eu não sei se agradeço, porque não sei se podemos agradecer aos erros.


Como o senhor definiria a si mesmo?

Se eu tivesse que me definir diria um escritor, ainda que talvez fosse melhor dizer um leitor, já que creio que sou melhor leitor do que escritor.


Como é um dia na vida de Jorge Luis Borges?

Bom, de manhã, se tenho sorte, recebo a visita de jornalistas de Quilmes. Mas geralmente meus dias não são tão favoráveis, portanto faço uma sesta e escrevo algo.


O que é a amizade para o senhor?

Quando Eduardo Mallea publicou o livro História de Una Passión Argentina, eu pensei: deve ser sobre a amizade, já que a amizade é a paixão argentina, talvez a única. Eu tenho essa impressão de que a amizade é muito importante para nós, o que está bem, não?


Como definiria Buenos Aires?

Eu tenho um poema, no meu último livro, que se chama La Cifra. Vou citar o primeiro verso, que é uma definição: “Nasci em outra cidade que também se chamava Buenos Aires”. Ou seja, que mudou tanto que é outra. É que uma pessoa não chega aos 83 anos impunemente. Aos 83 anos, quase todos os meus amigos estão na Recoleta. A cidade mudou totalmente. Eu nasci no centro de Buenos Aires, na rua Tucumán, entre Esmeralda e Suipacha. Todo o quarteirão, salvo o armazém que ficava na esquina, era de casas baixas, com terraços, pátios e cisternas. Havia algumas casas altas construídas depois, na rua 25 de Maio ou na Reconquista.


O que o senhor diria aos jovens que começam a se interessar pelos problemas do país?

Eu não sei. Há tantos problemas. Na melhor das hipóteses este país consegue se salvar, apesar de eu não ver como. A situação é ruim. Não só aqui como no mundo inteiro. Talvez todos os momentos sejam terríveis e estejamos sentindo mais este porque está mais próximo. Não vejo salvação possível e talvez caminhemos para a terceira guerra, que pode ser a última. O que está acontecendo no Líbano, o que aconteceu aqui, o que está acontecendo no Iraque e no Irã. Esperemos que não, porque seria um suicídio da humanidade.


O senhor acredita que os jovens devem se interessar pela política?

Não sei. Eu nunca me interessei por política. Me interesso mais pela ética. Creio que se cada pessoa age de maneira ética, isso pode ter um efeito político muito grande.


Que forma de governo o senhor prefere?

Eu gostaria de ter um governo mínimo, mas lamentavelmente os governos – até os maus governos – ainda são necessários. Como a polícia, que evidentemente é necessária. Se fôssemos eticamente perfeitos, os governos não seriam necessários. Eles são um perigo, sem dúvida. Mas eu não posso opinar em matéria de política. Sou um anarquista conservador. Meu pai era anarquista. Uma vez fomos a Montevidéu e meu pai me disse para prestar atenção nas bandeiras, nos postos alfandegários, nos uniformes, nas igrejas, nas delegacias, porque tudo isso iria desaparecer. Nós, quando fomos à Europa em 1914, viajamos sem passaporte. Não existia passaporte. Você passava de um país a outro como de uma sala a outra. Em seguida veio a Primeira Guerra Mundial, a desconfiança, a espionagem, e agora tudo mudou, não se pode dar um passo sem se identificar. É muito triste. Espero que em Quilmes as coisas estejam melhores do que em Buenos Aires.


Como o senhor imagina o futuro da Argentina?

Quero pensar que já terei morrido, mas acredito que vamos ladeira abaixo. Eu já não tenho esperança. Vocês são jovens, talvez tenham esperanças. Eu já não tenho nenhuma.


Claudio Pérez Míguez e Jorge Luis Borges em 1982 em Buenos Aires.
Muitas declarações suas geram polêmica, e há quem acredite que o senhor procura justamente esse efeito...

Claro que não! Quem pensa isso não me conhece em nada.


Para terminar, o senhor gostaria de nos deixar algum conselho ou mensagem?

Eu não soube administrar minha vida, então não posso dirigir a vida dos outros. Minha vida foi uma série de equívocos. Não posso dar conselhos. Ando um pouco à deriva. Quando penso no meu passado, sinto vergonha. Eu não transmito mensagens, os políticos transmitem mensagens.
- - - -
(*) Claudio Pérez Míguez coordenador do Centro de Arte Moderno de Madri e diretor do Centro Editores.
:: Publicado originalmente em 'brasil.elpais', 14 de junho de 2016. (acessado em 14.6.2016).


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Conceição Evaristo - entrevista


Conceição Evaristo - foto: ...
Terceiro lugar no ano de 2015 do prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas, o livro "Olhos d’água", de Conceição Evaristo, traz uma reunião de escritos entre as décadas de 1990 e de 2010 que têm como temática a exclusão social. A publicação da obra é resultado de uma parceria da Biblioteca Nacional e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial com a Pallas Editora, por meio do Edital de Apoio à Coedição de Autores Negros.

Conceição Evaristo, a autora do livro, é mestre e doutora em Letras e faz questão de se posicionar politicamente na mídia e na apresentação de seus livros. Nascida em uma favela da Zona Sul de Belo Horizonte, teve que conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica até concluir o curso normal, em 1971, aos 25 anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro, tornou-se poetisa, romancista, ensaísta e participou com seus textos de uma série de movimentos sociais. Parte de sua produção aparece em Cadernos Negros, periódico do Grupo Quilombhoje, de São Paulo.

Além de Olhos d’água, também é autora dos romances Ponciá Vicêncio, traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos, e Becos da memória; da antologia poética Poemas da recordação e outros movimentos e da antologia de contos Insubmissas lágrimas de mulheres. Nesta entrevista ela conta sobre sua atuação política como escritora.

Por que e para quem a senhora escreve? Existe um “público-alvo” ou alguns públicos predominantes, vozes em que pensa quando escreve?                                                  
Eu escrevo porque, para mim, não há outra maneira de enfrentar, de suportar, de arrumar a vida, a não ser escrevendo. Enquanto escrevo faço da vida que me é apresentada o que quero. As personagens centrais de minha criação, seja ela ficcional ou crítica, nascem profundamente marcadas por minha condição de mulher negra e pobre na sociedade brasileira.
Escrevo para os meus, mesmo sendo no nível do desejo. Pois é do cotidiano das classes populares que retiro o sumo da minha escrita. É desse meu lugar, é desse de “dentro para fora”, que minhas histórias brotam. Gostaria imensamente que essas histórias narradas voltassem como livro para as mãos das pessoas que me inspiram.

Quem são essas vozes? Como a senhora as descreve e como é o relacionamento com esses públicos?
Por exemplo, o menino, vendedor de amendoim, em bares daqui da Cinelândia, ao me contar uma briga que ele havia tido com outro garoto, me inspirou a escrever o conto “Di Lixão”. São as crianças das favelas que morrem por balas perdidas que me inspiraram na escrita de outro texto “Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”. Foi da resistência dos povos africanos e de seus descendentes na diáspora que retirei outra inspiração “Ayoluwa, a alegria de nosso povo”.
Cruzo com as pessoas que me inspiram no dia a dia, entretanto, em seu conjunto, dificilmente elas vão a esses livros para ler. Não só aos livros de minha autoria, mas à leitura em geral. Ainda há uma intensa precariedade de acesso ao livro como um objeto que deve ser apropriado por todas pessoas.
Tenho dito que o primeiro lugar de recepção dos meus textos, ainda nos inícios dos anos 1990, foi o movimento negro e o movimento de mulheres negras. Foi a própria dinâmica do movimento social que primeiramente recepcionou a minha escrita. Lendo, divulgando, legitimando a minha escrita como uma “voz de dentro”. E muito agradeço ao público que vem se formando em torno de minha escrita.

A senhora acredita na importância de se posicionar na mídia por meio de entrevistas e em outras esferas sociais em relação à discriminação racial, de gênero e de classe?
Sim. E creio muito na força da fala que vem de “dentro”. Não estou dizendo que só aquele que é discriminado pode falar da discriminação. Quanto mais pessoas falarem, quanto mais a sociedade perceber, por exemplo, que a questão racial no Brasil não é problema para o negro resolver e sim para a nação brasileira resolver, mais sinceros seremos nas buscas pelas soluções.
Nas nossas ações do dia a dia, podemos ser agentes de transformação ou de recrudescimento de determinadas situações. A violência contra o outro não acontece longe de nós. Há pouco tempo presenciei uma cena, que pode parecer ingênua, mas que traz muito da “crueldade nossa” de cada dia. Eu estava no ponto do ônibus e havia um casal deficiente visual, parecia um par de namorados. Distraídos trocavam carinhos um no rosto do outro. Alguém do meu lado começou a cochichar com mais duas pessoas, mas em tom que eu ouvia e provavelmente o casal também. A conversa que me chegava até os ouvidos, girava em torno de “como os cegos fariam amor...”. Penso que pessoas como essas, que riem de cegos, de negros, de homossexuais, são pouco capazes de defender uma mulher que estiver sendo agredida. Às vezes, frequentam o corpo de prostitutas, mas as condenam moralmente, chutam moradores de rua, fazem piadinhas tipo “índio só quer apito”, não precisa de terras para viver...
Então, como pessoa que sofre uma série de interdições, por ser negra, mulher, oriunda das classes populares, a cada oportunidade que me surge, não posso e nem quero me silenciar sobre esses assuntos. E creio que a minha voz, pronunciada desde “dentro” dessas experiências, adquire outro tom. Há algo que ultrapassa a compreensão intelectual.
O entendimento intelectivo sobre o racismo, o sexismo, o apartheid social que rege inclusive a geografia de uma cidade como a do Rio de Janeiro e outras problemáticas, sem sombra de dúvidas, gera em intelectuais, em artistas, em políticos, em militantes sociais, em religiosos, enfim, em muitas pessoas, uma cumplicidade com a causa que se pensa ser somente do “outro”. Entretanto há uma condição, um nível de experimentação, um local de vivência, que não se apreende só pela boa vontade, só pela cumplicidade com o outro. Pode-se só experimentar a metade da dor do outro...
Só o meu corpo de mulher negra com a minha subjetividade (construída a partir desse corpo) consegue fazer a leitura de um momento que vivi um dia desses, em uma viagem para Brasília a trabalho. Eu, passageira do assento do meio, entre dois senhores vestidos a rigor com seus ternos. O passageiro do assento do canto esbarrava várias vezes em meu braço, que dividia com ele o espaldar da cadeira. Eu pensava serem gestos distraídos dele, até o momento em que ele violentamente empurra meu braço, indicando que o espaço deveria ser só dele. Naquele instante, entendendo a brutalidade do gesto, olhei para ele. Bastou somente o meu olhar. Ele, em voz alta, impositiva, me perguntou se eu queria mais conforto para colocar o meu braço. Eu disse que sim e que acreditava no cavalheirismo, na educação dele e que, portanto, ele deixaria de me empurrar...
Esses momentos, essas experiências sofridas, são muito difíceis de explicar e de serem apreendidas. Esse passageiro, um homem branco, por volta dos sessenta anos, não era só sem educação e grosseiro. Qual a dificuldade dele em dividir o descanso de braço da cadeira comigo? Por que ele se julgou no direito de questionar uma senhora, uma passageira publicamente? (o passageiro da ponta e os dos assentos em frente ouviram). Por que ele não chamou uma das comissárias de bordo? Seria ele tão indelicado com uma senhora, (pois sou uma senhora de sessenta e oito anos e com uma vasta cabeleira recoberta quase que totalmente de fios brancos) que lhe trouxesse lembranças da mãe, das tias, das mulheres da família dele, do convívio social dele? Partindo de que pressuposto, de qual sentido histórico, aquele homem, aquele “senhor”, queria se valer de “autoridade” sobre mim? Eu, uma pessoa passageira do avião como ele? Essas experiências são intransferíveis. E não posso silenciá-las.

Esse posicionamento por meio da palavra oral influencia na confecção de suas obras?
Há uma coerência entre o que falo na mídia, nas entrevistas e o que escrevo. Assim como a minha escrita literária há a nossa afirmação como seres humanos. A minha fala na mídia, nas entrevistas, tem sido um discurso que aponta para as interdições que nos são colocadas, a interdição de vivermos plenamente a nossa condição humana. “Coisa escrava” foi uma condição imposta aos povos africanos
Conceição Evaristo - foto: ...
trazidos para as Américas. Ainda lutamos para desconstruir essa visão a nosso respeito, até hoje. Por isso é preciso falar e escrever sempre afirmando a nossa humanidade. Posso dizer que, de um modo geral, a minha fala tem um bom retorno, provoca diálogos, trocas, reflexões... E já algumas vezes o diálogo empreendido me deu mote para um conto, para uma poesia... Não vejo necessidade de mudar o rumo da prosa...

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:: Entrevista publicada originalmente no site da Biblioteca Nacional, 26 de novembro de 2015.


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José Godoy Garcia - poeta realista

José Godoy Garcia
José Godoy Garcia (Jataí GO, 3 de junho de 1918 - Brasília, 20 de junho de 2001). Escritor e advogado. Filho de Pedro Garcia de Freitas e Aladina Godoy Garcia. Órfão ainda na infância, foi criado, com outros cinco irmãos, pela avó Maria Rita Guimarães. Teve diversos empregos antes de se formar em Direito, tais como de garçom, lanterninha de cinema, agente de polícia e de publicidade.
Estudou as primeiras letras com o professor Nestório Ribeiro em sua cidade natal, também em Uberlândia (MG), Cidade de Goiás (GO) e Goiânia (GO), onde concluiu o clássico e o curso de Direito (1948). Nesta fase ou pouco depois, teria convivido com o "Príncipe da Poesia Goiana" e introdutor da corrente modernista na poesia de Goiás, Cyllenêo (Leo Lynce). Passou três anos no Rio de Janeiro (de 1937 até início de 1941), onde manteve contato com modernistas, principalmente Lúcio Cardoso, Rubem Braga e Solano Trindade.
Participou, como assessor jurídico, da Comissão Goiana para a Mudança da Capital Federal, presidida por Altamiro de Moura Pacheco e criada pelo governador José Ludovico de Almeida (Juca Ludovico). Transferiu-se para Brasília em 1957. Marxista convicto, militou no Partido Comunista Brasileiro de 1945 a 1957, durante 12 anos.
Detentor do Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, da Prefeitura Municipal de Goiânia, pelo livro Rio do Sono.
Três anos antes de seu falecimento, auxiliado pelos amigos Herondes Cezar e Salomão Sousa, organizou e publicou livro Poesia (1999), edição da Thesaurus Editora (DF), que ele considerava o compêndio definitivo de sua produção poética.
Faleceu de infarto fulminante, em Brasília.
:: Fonte: Wikipédia | Clube dos poetas (13.6.2016).


OBRA DE JOSÉ GODOY GARCIA
José Godoy Garcia, desenho por Sirón Franco
Romance
:: O caminho de trombasSão Paulo: Civilização Brasileira, 1966.

Poesia
:: Rio do sono. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1948.
:: Araguaia mansidão. Goiânia: Oriente, 1972. 
:: A casa do viramundo. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1980.
:: Aqui é a terraSão Paulo: Civilização Brasileira, 1980.
:: Entre hinos e bandeirasBrasília: Thesaurus, 1985.
:: Os morcegosBrasília: Thesaurus, 1987.
:: Os dinossauros dos sete mares. Brasília: Thesaurus, 1988.
:: O flautista e o mundo sol verde vermelhoBrasília: Thesaurus, 1994. 
:: Poesia: 50 anos de poesia. [organização e apresentação Salomão Sousa; capa Elder Rocha Lima]. Brasília: Thesaurus, 1999.

Conto
:: Florismundo periquitoBrasília: Thesaurus, 1990.

Ensaio crítico
:: O aprendiz do feiticeiro[organização e apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1997.

Antologia (participação)
:: Súmula da literatura goiana. [organização e seleção Augusto Goyano e Álvaro Catelan]. Goiânia: Livraria Brasil Central Editora, 1970.
:: Antologia do conto goiano. [organização Vera Maria Tietzmann Silva e Darcy França Denófrio]. vol's 2. Goiânia: CEGRAF, UFG, 1992.
:: Os pioneiros da construção de Brasília. [autor Adirson Vasconcelos]. 2 vol's. Brasília: Thesaurus Editora, 1992.
:: A poesia goiana no século XX: antologia [organização Assis Brasil]. Goiânia: Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira; Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997.
:: Goiás, meio século de poesia. [organização Gabriel Nascente]. Goiânia: Editora Kelps, 1997.
:: Poesia de Brasília. [organização Joanyr de Oliveira]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
:: Antología de la poesía brasileña. [organização e tradução Xosé Lois García]. Santiago de Compostela: Laiovento, 2001.
:: Todas as gerações. [organização Ronaldo Cagiano]. Brasília: LGE, 2006.
:: Geografia poética do Distrito Federal. [organização Ronaldo Alves Mousinho]. Brasília: Thesaurus Editora, 2007.


José Godoy Garcia, por Bárbara Carneiro
POEMAS ESCOLHIDOS DE JOSÉ GODOY GARCIA

A vaca 
O gado é a soma e a síntese
de nossa dor de cotovelo do mundo;
é a soma e a síntese de nossa congestionada
contramão humana; é a nossa enganosa
serenidade amante. Há, no gado, toda a nossa
antidiluviana vidinha; toda a nossa enganosa
sorte de fartura, toda a nossa saga
de uma dignidade venal e torpe. Toda a saga
de nossa infeliz e trágica presença
na vida campestre. Há redemoinho de caminhos
grotescos, injustos, ingloriosos; este gado
é um irmão assassinado; nossa irmã infeliz;
nossa irmã que tentou por três vezes o
suicídio; nossa irmã cheque sem fundo,
notícia no jornal, traficante,
cúmplice de quadrilha e sábia do crime
perfeito. O gado é o cafajestismo
do fazendeiro escondido no autêntico,
o cinismo e o grotesco do fazendeiro
que medra na Pátria, ruína da Pátria,
e se diz vítima, vítima da Pátria.
O gado, o campo sem compromisso com
o homem, sem compromisso com Cristo,
sem energia e moral. O gado é a nossa ternura
massacrada pelo imediato, a morte, a
vida simples na palha do dia
escondendo a infalibilidade, a deslealdade,
a usura, o cafajestismo que brilha
no filé mignon à Parmegianni.
O gado é a vaca.
A vaca é a mãe mais mãe das criaturas; é
a mais escrachada mãe sentimental
e ridícula; é a nossa mãe de chapéu
de palha e de brinco, é a nossa mãe
que se prostitui contra o cerne
de sua essência, é a mãe que bebeu
um tonel de mel de sentimentos
carinhosos e se deixa enganar
pelo açougueiro clandestino
que é um sócio de cotiliquê.
A vaca é o mundo enganado no velório
de um casamento ao estilo barroco.
A vaca é um Divã de Toulouse, é
um girassol de Van Gogh
A vaca é o Papa com grinalda e véu.
- José Godoy Garcia, no livro "Os dinossauros dos sete mares". Brasília: Thesaurus, 1988.

§

As dores cessaram
Com notícias das ameaças
correndo das chapadas,
com soldados chegando e cabras,
ela se viu perturbada,
as dores do parto cessaram,
diante dos praças chegando.
Maria das Mercês,
Maria gloriosa das Mercês,
maria daquelas águas e maria
daquela seca, maria daquele
tempo e maria daquele medo,
Maria das Mercês ficou paralisada
não pôde dar à luz à segunda
criança naquele momento. A que nasceu
era firme no seu pranto. A que nasceu
era firme no seu porte de beleza
que nem viam. No dia seguinte
voltaram as dores e a segunda
criança nasceu morta e Maria
das Mercês de Deus também morreu.
Foi em Terra Nova.
Araguatins, Goiás. 
- José Godoy Garcia, no livro "Os dinossauros dos sete mares". Brasília: Thesaurus, 1988.

§

Estive pensando hoje de manhã
Estive pensando hoje de manhã
que fino trabalho fez o céu?
para amanhecer com cara de romã?
Estive pensando hoje de manhã
onde será que nascem os ventos?
para viverem assim de déu em déu?
que nuvem é como pensamento
sai andando sem poder parar.
Estive pensando hoje de manhã
enganoso pensar que o mar
vive sozinho parado sonhando.
Estive pensando hoje de manhã
que tudo na terra vive amando:
mar, nuvem, vento, ideia, romã.
- José Godoy Garcia, no livro "Poesia: 50 anos de poesia". [apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1999. 

§

Há no rio um
certo ar de indiferença
ao passar do menino. Deixava livre
o medo, o terror, o assombro no largo
espraiado e bravio ou no vertiginoso
cachoar flamejante dos estreitos.
O menino queria dissimular-se
como segurando num ponto de apoio,
não bem olhava a correnteza, já o velho,
muito moroso, se deixava ficar atrás,
amigo do rio.
Ainda longe, o menino caminhava cansado
e  com o rio em si, sentindo-o qual
uma lenda que não sairia de sua mente,
no passar da vida e no passar

dos rios do mundo.
- José Godoy Garcia, no livro "O flautista e o mundo sol verde e vermelho". Brasília: Thesaurus, 1994.

§

Mudo, mundo
Como será que os pássaros que vivem no alto mar 
dormem? e como será 
que o sono demora 
no corpo das mulheres 
e pode se ajeitar 
entre o ventre e a virilha 
e como será que a música 
que é gravada 
permanece no silêncio anos? 
e como será que os seios 
ignoram o resto do corpo 
e vivem a mesma vida 
do resto do corpo, enfeite, 
punhal, precisa beleza 
na morte da madrugada 
onde o corpo não dorme 
e como será que o cavalo negro 
acolhe a presença da lua 
na límpida noite 
e, ao chegar da manhã, 
acolhe a presença da moça 
nua que será reflectida 
nos seus olhos 
maior que a manhã 
e como será que a manhã 
acolhe em seu puro ventre 
os seus irmãos rios? 
e como será que a terra 
sabe guardar silêncio sobre a morte 
e como será que as cobras 
se encontram nas florestas 
e como será que o homem vive 
sem abraçar o dia 
e o viandante — irmão do dia? 
Mudo, mundo. 
Cego, homem. 
- José Godoy Garcia, no livro "Araguaia mansidão". Goiânia: Oriente, 1972. 

§

Os morcegos
Minha Poesia
Meu amigo, vê se acostuma 
com a minha poesia.

O ato feliz de viver 
eu o engedro em minha poesia; 
você poderá amá-la,
e só assim é, 
se tornará,
minha poesia só assim será.


Beba o orvalho da manhã da minha poesia
e ela florescerá como as romãs
e as mulheres jovens no cio.
- José Godoy Garcia, no livro "Poesia: 50 anos de poesia". [apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1999.

§

Os sobreviventes
Quando todos imaginavam a vida sem sentido
chegaram de manhã os sobreviventes,
e levantaram suas moradas, estiveram no rio,
procuravam o rebanho disperso, preparavam
o alimento, cantavam, derramavam
o suor nos campos, faziam fogo à noite
rememoravam o corpo de suas mulheres,
despachavam os barcos, pela manhã.
As chuvas eram sempre bem-vindas,
as chuvas levantavam o pó da terra
e enchiam de confiança a face da vida.
As mulheres viam nascer dentro de si
um novo rebento, os seus ventres cresciam.
Nenhum sinal de confiança quando as mulheres
apareciam de ventre crescido.
Os dias eram os mesmos, a esperança

e a desesperança eram as mesmas.
- José Godoy Garcia, no livro "Poesia: 50 anos de poesia". [apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1999.

§

Tudo é belo 
Mulher e por exemplo uma água quando a gente bebe 
ou uma água que a gente joga na cara 
e fica deixando a frieza vir penetrando na pele; 
a água que escorre da bica e cai no monjolo e o monjolo toca; 
a água de um poço na mata. 
A água quando a gente bebe é por exemplo como um beijo. 

Mulher e por exemplo café, ou estrada quando o trem-de-ferro 
atravessa um rio; 
um rio que banha terras verdes, longe. 

Tudo é belo. 
Árvore de cedro e por exemplo um homem que está 
preso injustamente, um homem que tem esperança 
e que é mais forte que os risos e sevícias, 
quando tentam matar nele a esperança… 

Tudo é belo. 
A cabeça fatigada de um homem. 
As pernas solitárias. As mãos solidárias. 
O peito largo como um tronco de árvore secular. 

Tudo é belo. 
Mulher e por exemplo, as canções. 
O caminho do nascimento à morte de um homem.
- José Godoy Garcia, no livro "Poesia: 50 anos de poesia". [apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1999.

§

Tudo tem seu tempo 
Tudo tem seu tempo na pequena cidade.
Tempo de casamento.
É uma fartura de casamento.
As mocinhas novas enjeitam 
As velhas se entregam.

Tempo de morte.
É uma fartura de morte.

Morre moça, velho, menino.
Morre mãe de família.

Tempo de fartura, também.
Verduras no mercado, frutas, bonitas,
meninos gordos, armários cheios,
um frango grande por dois mil réis.
Tempo de epidemia!
Notícias correm assombrosas.
Meninos mortos, meninos doentes.
As estradas cheias.
Vem gente da roça, gente na rede,
os da cidade vão se tratar nos outros centros.

Tempo de moça bonita.
É uma fartura de moça bonita.
Tempo de moça feia.
Dura demais esse tempo.
Tudo tem seu tempo.
Meninos rezadores.
Têm seu tempo.
Banhos no poço.
Têm seu tempo.
Pião rodando.
Tem seu tempo.
Papagaio de rabo.
Tem seu tempo.
Baile de sanfona.
Tem seu tempo.

Mocinhas faladas.
Têm seu tempo.
Assassinato.

Só uma coisa na pequena cidade 
não tem seu tempo:
é a miséria.

Aqui ela vive sempre.
- José Godoy Garcia (1943), no livro "Poesia: 50 anos de poesia". [apresentação Salomão Sousa]. Brasília: Thesaurus, 1999.

§

Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento
O rio continua a passar na minha ausência. 
Eu não sei o que o pássaro pensa da chuva. 

A terra tem o gosto agridoce de uma uva. 
Tudo em que ponho o olhar tem mágica inocência. 

Magra como uma vara de anzol pode ser a mulher. 
Gorda como a cara do sol pode ser a laranja. 

Ligeiro, o cavalinho. Trem-de-ferro qualquer, 
apitando, tudo é bondade que a vida arranja. 

Os anos que a pedra vive no seio das águas. 
Os anos que o coração bate no peito do homem. 

Os pés e as pernas unidos na mesma faina. 
As mágoas que se consomem iguais aos ventos. 

Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento. 
- José Godoy Garcia, no livro "Araguaia mansidão". Goiânia: Oriente, 1972.


José Godoy Garcia

FORTUNA CRÍTICA DE JOSÉ GODOY GARCIA
CAMPOS, Ionice Barbosa de.. José Godoy Garcia: a voz do Modernismo em Goiás. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Federal de Uberlândia, UFU, 2011.
CAMPOS, Ionice Barbosa de.. Garcia e Drummond: uma aproximação. O espaço: Colóquio de Estudos em Narrativa - CENA I, v. 1, p. 224-234, 2009.
CAMPOS, Ionice Barbosa de.. José Godoy Garcia: Um poeta que confere voz aos marginalizados. in: Anais do II Encontro Nacional do GT?Cartografias da poesia moderna e contemporânea?. Araraquara / Goiânia, 2011. v. II.
CAMPOS, Ionice Barbosa de; OLIVEIRA, Flávia Freitas de.. A identidade do caipira sob a ótica goiana: uma leitura dos contos de Bernardo Élis e José Godoy Garcia. In: II SELLE - Simpósio de estudos sobre linguística aplicada e línguas estrangeiras. Caderno de Resumos, 2012. 
COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de (org). Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: MEC/FAE, 1990.
FAYAD, Maria Elizete de Azevedo. Poesia e realismo em 'Rio do sono' de José Godoy Garcia. (Dissertação Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC Goiás, 2009.
MARTINS, Mário Ribeiro. Dicionário biobibliográfico de Goiás. Rio de Janeiro: Master, 1999.
MARTINS, Mário Ribeiro. Estudos literários de autores goianos. Anápolis: Editora FICA, 1995.
MARTINS, Patricia Ferreira da Silva. Tudo que o pássaro pensa da chuva: estética e subjetividade na poesia de José Godoy Garcia. In: I Simpósio Internacional de Letras e Lingüística - Linguagem e Cultura: intersecções, Uberlândia, 2006.
SILVA JUNIOR, Augusto Rodrigues da.; MEDEIROS, Ana Clara Magalhaes de.. José Godoy Garcia e a poética preta-e-branca: imagens cotidianas de um realismo afro-goiano (A2). Guavira Letras, v. 18, p. 53-69, 2014.
SILVA JUNIOR, Augusto Rodrigues da.. Godoy Garcia e Niemar: um canto geral centroestino (B3). Estudos Contemporâneos da Subjetividade, v. 5, p. 232-248, 2015.
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TELES, José Mendonça (editor). Dicionário do escritor Goiano. 4ª ed., Goiânia: Kelps, 2011.
TOLLENDAL, Eduardo José.. Arte revolucionária, forma revolucionária: o romance de José Godoy Garcia. In: NAPOLITANO, Marcos; CZAJKA, Rodrigo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). (Org.). Arte revolucionária, forma revolucionária: o romance de José Godoy Garcia. 1ª ed., Belo Horizonte: EDUFMG, 2013, v. 1, p. 271-292.
VALADARES, Napoleão (org. e part.). Dicionário de escritores de Brasília. Brasília: André Quicé - Editor, 1994.
ZANIRATO, Tatiana Franca Rodrigues; SOUSA, N. B.. As vozes das minorias na narrativa de 'O caminho de trombas', de José Godoy Garcia.. In: Congresso de Letras, Artes e Cultura da UFSJ., 2013, São João del Rei. Linguagem, Memória e Arte - Interfaces.. São João del Rei: Editora UFSJ, 2013. v. 1. p. 6-230.



José Godoy Garcia (antologia) 50 anos de poesia
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
:: Antônio Miranda - José Godoy Garcia
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Página atualizada em 6.6.2016.


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