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Louise Glück - poeta e ensaísta norte-americana

 
  • Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020


Louise Glück recebeu o Prémio Nobel da Literatura de 2020 “pela sua inconfundível voz poética, que, com uma beleza austera, tornou universal a existência individual”.

O prêmio da Academia Sueca reconhece um longo percurso de escrita de poesia e ensaio.

Louise Elisabeth Glück nasceu a 22 de Abril de 1943 em Nova Iorque, filha de emigrantes húngaros que se haviam fixado nos EUA algumas décadas antes.

Estudou na Sarah Lawrence College e na Universidade de Columbia.

Teve uma infância e adolescência difíceis, mas um contacto precoce com autores gregos e latinos permitiu-lhe acolher a herança clássica e escrever uma poesia que, através de imagens universais, aborda a fragilidade essencial dos seres humanos.

É autora de mais de uma dezena de livros de poesia e de dois ensaios, Proofs and Theories (Prêmio PEN/Martha Albrand) e American Originality.

Recebeu o National Book Critics Circle Award por The Triumph of Achilles e o Pulitzer por A Íris Selvagem. Recebeu também o Bobbitt Prize, concedido pela Biblioteca do Congresso, o William Carlos Williams Award da Poetry Society of America e o Ambassador Book Award da English-Speaking Union.

Louise Glück foi poeta laureada em 2003 e 2004, membro da Academia Americana de Artes e Letras e escritora residente da Rosenkranz na Universidade de Yale.

Vive em Cambridge, Massachusetts, nos EUA.
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Fonte: Relógio D'Água


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  • Louise Glück - by Katherine Wolkoff

OBRA DE LOUISE GLÜCK EM PORTUGUÊS

Obra de Luoise Glück publicado no Brasil
:: Poemas 2006-2014. Louise Glück. [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.  
:: Receitas de inverno da comunidade. Louise Glück. [tradução Heloisa Jahn]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.  

Em antologias brasileiras
:: Nova poesia norte-americana Quingumbo / Quingumbo: new north american poetry. [organização Kerry Shawn Keys; prefácio Lêdo Ivo e Kerry Shawn Keys; tradutores Afonso Félix de Sousa, Afonso Henriques Neto, Aíla de Oliveira Gomes, Ary Gonzalez Galvão, Darcy Damasceno, Olga Savary, Paulo Vizioli, Silviano Santiago, Jorge Wanderley, Lêdo Ivo, Leonardo Fróes, Luiza Lobo, Marcos Konder Reis]. São Paulo: Escrita, 1980. {Poemas de Louise Glück: {'O efêmero'; 'O país da serpente boca-de-algodão'; 'O fio da navalha'; 'Começo de dezembro em Croton-sobre o Hudson' / tradução Marcos Konder Reis}
:: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. [organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins]. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997. {poemas de Louise Glück: "Violeta", "Flores Silvestres", "A papoula vermelha", "A rosa branca", "O lírio prateado"}.

Em revistas / jornais
:: 'Celestial Music' / 'Música Celestial'; 'Primeira lembrança' / 'First memory' - tradução do poema de Louise Glück. [tradução Suzana Vargas]. In: Revista Poesia Sempre. editores Affonso Romano de Sant'Anna e Márcio Sousa,  nº 3, Rio de Janeiro, 1994, p. 94-99. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Poemas de Louise Glück. [tradução André Caramuru Aubert].. - {9 poemas / edição bilíngue: 'Hesitate to call' / 'Hesitando em ligar'; 'Matins' / 'Matinas'; 'Lamium' / 'Lamium'; 'Vita Nova'; 'The open grave' / 'A sepultura aberta'; 'Portland, 1968'; 'Before the storm' / 'Antes da tempestade'; 'First snow' / 'Primeira neve'; 'The Chicago train' / 'O trem de Chicago'}.  In: Rascunhos, edição 194, junho/2016. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Poesia em Casa – Dois poemas de Louise Glück [tradução e apresentação Pedro Gonzaga].. - {poemas: 'Gratidão' e 'Ítaca'}. In: Estado da Arte, Estadão, 30.7.2017. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Poesia em Casa – A crítica literária e uma recomendação de Louise Glück [apresentação e tradução Pedro Gonzaga]  / {poemas: 'O dilema de Telêmaco'; 'Parábola da fera'}. In: Estado da Arte, Estadão 28.1.2018. Disponível no link. (acessado em 16.3.2024)
:: Leia poemas traduzidos de Louise Glück, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2020 [2 poemas: 'A íris selvagem' e 'Confissão'/ tradução Camila Assad]. In: G1, Globo, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: 6 poemas de Louise Glück, a Prêmio Nobel de Literatura de 2020 / por Euler de França Belém - {6 poemas:' Porque em nosso mundo'; 'A rosa branca'; 'O dilema de Telêmaco'; 'Parábola da fera'; 'Flores silvestres'; 'O lírio prateado' / tradução de Maria Lúcia Milléo Martins, dos poemas 1, 2, 5 e 6 / e  Pedro Gonzaga, dos poemas 3 e 4}. In: Jornal Opção, 8 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Louise Glück, por Adalberto Müller e Thiago Ponce de Moraes.. [apresentação Guilherme Gontijo e Thiago Ponce de Moraes].. - {10 poemas: 1) 'Lamium'; 2)'Alvorada' / 'Dawn'; 3) 'Fura-Neves' / 'Snowdrops'; 4)'Nostos'; 5)'A Íris Selvagem' / 'The Wild Iris'; 6)'A Íris Selvagem' / 'The Wild Iris'; 7)'A Escada de Jacó' / 'The Jacob’s Ladder'; 8)'Paisagem Aborígene' / 'Aboriginal Landscape'; 9) 'A Papoula Vermelha' / 'The Red Poppy'; 10) 'Perséfone, a Errante' / 'Persephone, the Wanderer' // traduções  Adalberto Müller - poemas 1, 3, 5, 7, 9; Thiago Ponce de Moraes - poemas 2, 4, 6, 8, 10}. In: Escamandro, 9.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Arcas de Babel: Piero Eyben traduz Louise Glück. [Patrícia Lavelle -curadoria; tradução Piero Eyben].. - {8 poemas em edição bilíngue, exceto o último: 'Canção de ninar' / 'Lullaby' ; 'Imagem espelhada' / 'Mirror image'; 'Posfácio' / 'Afterword'; 'Solstício de verão' / 'Midsummer'; 'De um diário' / 'From a journal'; 'Averno'; 'Parábola da besta' /'Parable of the beast'; 'A vestimenta'...}. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Arcas de Babel: Camila Assad traduz Louise Glück[Patrícia Lavelle - curadoria; tradução Camila Assad].. - {5 poemas em edição bilíngue: 'Teoria da memória' / 'Theory of memory'; 'Pingos de neve' / 'Snowdrops'; 'Manhã' / 'Matin'; 'Sirene' / 'Siren'; 'Primeira memória' / 'First memory'}. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Arcas de Babel: Thiago Ponce de Moraes traduz Louise Glück.[Patrícia Lavelle - curadoria].. -{6 poemas em edição bilíngue: 'Passado' / 'The past'; 'Fragmento arcaico' / 'Archaic fragment'; 'Mãe e filha' / 'Mother and child'; 'Vita nova'; 'Um mito de devoção' / 'A myth of devotion'; 'O mito da inocência' / 'The myth of innocence'}. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Arcas de Babel: Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores traduzem Louise Glück [Patrícia Lavelle - curadoria.. - {4 poemas em edição bilíngue: 'Matins'; 'Matins'; 'Trillium'; 'Lamium'}. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Poemas Louise Glück. In: Poemas Traduzidos por Wagner Mourão Brasil, outubro e novembro 2020. {poemas e a data de publicação/ link no poema: 'Averno - 1/18' (24.10.2020) / 'Averno - 2/18' (25.10.2020) / 'Averno - 3/18' (26.10.2020) / 'Averno - 4/18' (27.10.2020) / 'Averno – 5/18' (28.10.2020) / 'Averno - 6/18' (29.10.2020) / 'Averno – 7/18' (30.10.2020) / 'Averno – 8/18' (31.10.2020) / 'Averno – 9/18' (2.11.2020) / 'Averno – 10/18' (3.11.2020) / 'Averno – 11/18' (5.11.2020) / 'Averno – 12/18' (6.11.2020) / 'Averno – 13/18' (7.11.2020) / 'Averno – 14/18' (8.11.2020)  / 'Averno – 15/18' (10.11.2020) / 'Averno - 16/18' (11.11.2020) / 'Averno – 17/18' (12.11.2020) / 'Averno – 18/18' (13.11.2020) / 'O triunfo de Aquiles' (29.11.2020) // (acessado em 16.3.2024).
:: Leia quatro poemas da vencedora do Nobel de Literatura Louise Glück. [tradução Pedro Gonzaga].. - {4 poemas: 'O dilema de Telêmaco'; 'Sirena'; 'Mãe e filho' e 'Parábola da fera'}. In: Fronteiras, maio de 2021. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Poemas. Louise Glück. {12 poemas em edição bilíngue: 'Um silêncio bem afiado' / 'A Sharply Worded Silence'; 'Aubade'; 'Santas' / 'Saints'; 'Acalanto' / 'Lullaby'; 'Encruzilhada' / 'Crossroads'; 'Viúvas' / 'Widows'; 'Abundância' / 'Abundance'; 'Uma fantasia' / 'A fantasy'; 'Paisagem' / 'Landscape'; 'Nostos'; 'Under Taurus'; 'Outubro' / 'October' -- tradução Nelson Santander, exceto 'Um silêncio bem afiado' tradução Marília Garcia}. In: Singularidade - Poesia e etc., 2020-2023. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: A Íris Selvagem – Louise Glück [tradução Nelson Santander]..  - {"O livro" / poemas (edição bilíngue): A íris selvagem – Sumário: Apresentação de “The Wild Iris”, de Louise Glück; A íris selvagem; Matinas; Matinas; Trillium; Lamium; Flores-de-neve; Manhã Clara; Neve de Primavera; Fim de Inverno; Matinas; Matinas; Scilla; Vento em Retirada; O Jardim; O Espinheiro; Amor ao Luar; Abril; Violetas; Capim-das-bruxas; A Escada de Jacó; Matinas; Matinas; Canção; Campo de Flores; A Papoula Vermelha; Trevo; Matinas; Céu e Terra; A Porta de Entrada; Solstício de Verão; Vésperas; Vésperas; Vésperas; Margaridas; Fim de Verão; Vésperas; Vésperas; Vésperas; Escuridão Inicial; Colheita; A Rosa Branca; Ipomoea; Presque Isle; Luz em Retirada; Vésperas; Vésperas: Parousia; Vésperas; Vésperas; Ocaso; Acalanto; O Lírio Prateado; Crepúsculo de Setembro; O Lírio Dourado; Os Lírios Brancos}. In: Singularidade - Poesia e etc, 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
:: Cinco poemas de Louise Glück.. - {5 poemas: 'O poder de circe'; 'Perséfone'; 'Ítaca'; 'A Íris selvagem'; 'Confissão' / tradução José Alberto Oliveira - poema 1; Rui Pires Cabral - poema 2; Pedro Gonzaga - poema 3; Camila Assad - poema 4 e 5}. In: Língua e Cultura / Júlio César Pedrosa, 25.7.2022. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
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* Outras referências de tradução indicados na fortuna crítica. 

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  • Louise Glück, illustration by Diane Zhou


Obra de Luoise Glück publicado em Portugal
:: Averno. Louise Glück. [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020. {edição bilingue}.
:: Noite Virtuosa e Fiel. Louise Glück. [tradução Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020. {edição bilingue}.
:: A Íris Selvagem. Louise Glück. [tradução Ana Luísa Amaral]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020.
:: Ararate. Louise Glück. [tradução Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D'Água, 2021. {edição bilingue}.
:: Uma vida de Aldeia. Louise Glück. [tradução Frederico Pedreira]. Lisboa: Relógio D'Água, 2021. {edição bilingue}.
:: Vita nova. Louise Glück. [tradução Ana Luísa Amaral]. Lisboa: Relógio D'Água, 2021.
:: Meadowlands. Louise Glück. [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2022. {edição bilingue}.
:: Receitas de inverno da comunidade. Louise Glück. [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2023. {edição bilingue}.
:: Marigol e Rose - uma ficção. Louise Glück. [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2023.

Em antologias portuguesas
:: Telhados de Vidro. [direcção Inês Dias e Manuel de Freitas]. Lisboa: Averno, n. 12 maio 2009. {Poemas de Louise Glück:  'Paisagem' / 'Poema'; 'Um mito de devoção'; 'Perséfone errante' / tradução Rui Pires Cabral}. 
:: Rosa do Mundo: 2001 Poemas Para o Futuro. [organização Manuela Correia; tradução de José Alberto Oliveira]. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001. {poema: 'O Poder de Circe' (do livro 'Meadowlands', 1996) / tradução José Alberto Oliveira}


“Estou confusa, não de um modo emocional mas lógico, com a determinação das mulheres de escrever como mulheres. Confusa porque isto parece uma ambição limitada pela concepção existente daquilo que, com exatidão, diferencia os sexos. Se tais diferenças existem, parece-me razoável supor que a literatura as revela, e que o fará de maneira tão mais interessante, tão mais sutil, na ausência de intenção. De um modo similar, toda arte é histórica: tanto em seus confrontamentos quanto em suas evasões, a arte fala de seu período. O sonho da arte não é estabelecer o que já é conhecido, mas iluminar o que estivera oculto, e o caminho para o mundo oculto não foi inscrito por meio da vontade.”
- Louise Glück [tradução Pedro Gonzaga]. In: GONZAGA, Pedro. Poesia em Casa – A crítica literária e uma recomendação de Louise Glück. Estado da Arte, Estadão 28.1.2018. {GLÜCK, Louise. Proofs and Theories: Essays on Poetry. Ecco Press, 1995}.


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  • Louise Glück addresses the American Academy of Achievement in Washington, D.C., in 2012. Courtesy photo Academy of - achievement.

SELETA DE POEMAS DA POETA AMERICANA LOUISE GLÜCK | EDIÇÃO BILÍNGUE PORTUGUES/INGLÊS


BRASIL

Os poemas aqui publicados estão organizados por livro e data da sua publicação original, não a data da tradução. 


DE 'FIRSTBORN' - 1968


Hesitando em Ligar
Vivi para ver você me jogando
Fora. Aquilo pelejou
Como peixe na rede dentro de mim. Vi você pulsando
Em meus melados. Vi você dormir. E vivi para ver
Que tudo tudo foi pelo ralo
A recusa. Feita?
Ela vive em mim.
Você vive em mim. Maligno.
Amor, você sempre me quis, não.

**

Hesitate to Call
Lived to see you throwing
Me aside. That fought
Like netted fish inside me. Saw you throbbing
In my syrups. Saw you sleep. And lived to see
That all that all flushed down
The refuse. Done?
It lives in me.
You live in me. Malignant.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.

§§

O Trem de Chicago
Ao meu lado por toda a viagem
Mal se movendo: apenas um Senhor com sua caveira
Entediada do lado de lá do apoio de braço enquanto o garoto
Apoiou a cabeça entre as pernas de sua mãe e dormiu. O veneno
Que substitui o ar tomou conta.
E eles se sentaram — como se a paralisia que precede a morte
Houvesse os pregado ali. Os trilhos se viraram para o sul.
Eu vi sua virilha pulsando… os piolhos agarrados ao cabelo do bebê.

**

The Chicago Train
Across from me the whole ride
Hardly stirred: just Mister with his barren
Skull across the arm-rest while the kid
Got his head between his mama’s legs and slept. The poison
That replaces air took over.
And they sat — as though paralysis preceding death
Had nailed them there. The track bent south.
I saw her pulsing crotch… the lice rooted in that baby’s hair.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.

§§

O Fio da Navalha
Sempre e de novo, sempre e de novo, amarro
Meu coração na cabeceira desta cama
Enquanto meus gritos costurados no edredom
Tomam-se duros contra sua mão. Que ele está chateado...
Eu vejo. Não lambo, por acaso, as suas esmolas,
Não coloco n’água seus buquês? Sobre a renda da Mãe fico espiando
Ele babar sobre o bife mal passado, lascas de uma transa
Por misericórdia... Eu posso sentir suas coxas contra mim
Tendo em vista os filhos. Recompensa?
Nas manhãs, frustrada com esta casa,
O vejo torrar sua torrada e provar seu café,
A se esquivar. O resto é o meu primeiro-almoço.

**

The Edge
Time and again, time and again I tie
My heart to that headboard
While my quilted cries
Harden against his hand. He’s bored –
I see it. Don’t I lick his bribes, set his bouquets
In water? Over Mother’s lace I watch him drive into the gored
Roasts, deal slivers in his mercy… I can feel his thighs
Against me for the children’s sakes. Reward?
Mornings, crippled with this house,
I see him toast his toast and test
His coffee, hedgingly. The waste’s my breakfast.
- Louise Glück [tradução Marcos Konder Reis]. In: Nova poesia norte-americana Quingumbo. organização Kerry Shawn Keys; prefácio Lêdo Ivo e Kerry Shawn Keys; vários tradutores. São Paulo: Escrita, 1980. 

§§

As Crianças Afogadas
Veja, eles não têm julgamento.
Então é natural que eles se afoguem,
primeiro o gelo os engoliu
e então, durante todo o inverno, seus lenços de lã
flutuaram atrás deles enquanto afundavam
até que finalmente eles ficam quietos,
E o lago os levanta com seus múltiplas braços negros.

Mas a morte deve vir para eles de uma maneira diferente,
tão parecida com o começo,
mesmo que eles sempre tenham sido
cegos e sem peso. Por isso
o resto é sonhado, a lâmpada,
o grande cobertor branco que revestia a mesa,
os corpos deles.

E eles ainda ouvem os nomes que usaram
como iscas deslizando sobre o lago:
O que estão esperando?
Venham para casa, voltem para casa, perdidos
nas águas, azuis e permanentes.

**

The Drowned Children
You see, they have no judgment.
So it is natural that they should drown,
first the ice taking them in
and then, all winter, their wool scarves
floating behind them as they sink
until at last they are quiet.
And the pond lifts them in its manifold dark arms.

But death must come to them differently,
so close to the beginning.
As though they had always been
blind and weightless. Therefore
the rest is dreamed, the lamp,
the good white cloth that covered the table,
their bodies.

And yet they hear the names they used
like lures slipping over the pond:
What are you waiting for
come home, come home, lost
in the waters, blue and permanent.
-  Louise Glück [tradução Camila Assad]. In: POEMAS: Louise Glück. [Camila Assad apresenta a obra e traduz quatro poemas da norte-americana Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020]. Cândido - Biblioteca Pública do Paraná, 27.10.2020.



***

THE TRIMPH OF ACHILLES - 1985


O triunfo de Aquiles
Na história de Pátroclo
ninguém sobrevive, nem mesmo Aquiles
que era quase um deus.
Pátroclo se parecia com ele; usaram
a mesma armadura.

Sempre nessas amizades
um serve ao outro, um é menor que o outro:
a hierarquia
está sempre presente, embora as lendas
não possam ser comprovadas –
sua fonte é o sobrevivente,
aquele que foi abandonado.

O que eram os navios gregos incendiados
se comparados a essa perda?

Em sua tenda, Aquiles
sofreu com todo o seu ser
e os deuses viram que
ele já era um homem morto, uma vítima
de sua porção que amava,
a porção que era mortal.

**

The Triumph of Achilles
In the story of Patroclus
no one survives, not even Achilles
who was nearly a god.
Patroclus resembled him; they wore
the same armor.

Always in these friendships
one serves the other, one is less than the other:
the hierarchy
is always apparant, though the legends
cannot be trusted—
their source is the survivor,
the one who has been abandoned.

What were the Greek ships on fire
compared to this loss?

In his tent, Achilles
grieved with his whole being
and the gods saw
he was a man already dead, a victim

of the part that loved,
the part that was mortal.
- Louise Glück [tradução Wagner Mourão Brasil].  In: Louise Glück: O triunfo de Aquiles. In: Poemas Traduzidos por Wagner Mourão Brasil, 29 de novembro de 2020.
-----------------
* A história de Pátroclo e Aquiles é contada na Ilíada, de Homero, Cantos XVI – XVIII.

§§

A sombra do falcão
Abraçados na estrada
por alguma razão que já não lembro
e logo afastados, a reparar numa 
forma sobre nós — o quão perto estava?
Olhamos para cima na direção do falcão
que voejava com sua presa; fiquei a vê-los
tomar o rumo de West Hill, projetando
uma única sombra na areia, a toda incluente 
forma do predador —
Então eles desapareceram. E eu pensei,
uma sombra. Como a que nós projetamos,
você a me segurar.

**

Hawk's Shadow
Embracing in the road
for some reason I no longer remember
and then drawing apart, seeing
a shape ahead–how close was it?
We looked up to where the hawk
hovered with its kill; I watched them
veering toward West Hill, casting
their one shadow in the dirt, the all-inclusive
shape of the predator–
Then they disappeared. And I thought,
one shadow. Like the one we made,
you holding me.
- Louise Glück [tradução Pedro Gonzaga]. In: Pedro Gonzaga/facebook, 4.2.2022

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DE 'THE HOUSE ON MARSHLAND' - 1975


O país da serpente boca-de-algodão 
Ossos de peixes nvegam as vagas de Hatteras.
E existem outrosmsinais
De que a morte nos corteja por mar
E por terra: entre pinheiros
Uma cobra desenrolada, que se enrola no musgo
Suspensa no ar poluído.
O nascimento, não a morte, eis a dura privação.
Eu sei. Deixei, também, por ali, uma pele.

*

Cottonmouth country 
Fish bones walked the waves off Hatteras.
And there were other signs
That Death wooed us, by water, wooed us
By land: among the pines
An uncurled cottonmouth that rolled on moss
Reared in the polluted air.
Birth, not death, is the hard loss.
I know. I also left a skin there.
- Louise Glück [tradução Marcos Konder Reis]. In: Nova poesia norte-americana Quingumbo. organização Kerry Shawn Keys; prefácio Lêdo Ivo e Kerry Shawn Keys; vários tradutores. São Paulo: Escrita, 1980. 

§§

Gratidão
Não pense que não sou grata por tuas pequenas
gentilezas.
Gosto de pequenas gentilezas.
De fato as prefiro à gentileza mais
substancial, que está sempre a te cravar os olhos,
feito um grande animal sobre o tapete
até que tua vida inteira se reduza
a nada além de levantar manhã após manhã
embotada, e o sol luminoso rebrilhando em seus caninos.

**

Gratitude
Do not think I am not grateful for your small
kindness to me.
I like small kindnesses.
In fact I actually prefer them to the more
substantial kindness, that is always eying you
like a large animal on a rug,
until your whole life reduces
to nothing but waking up morning after morning
cramped, and the bright sun shining on its tusks.
- Louise Glück [tradução Pedro Gonzaga] In: Poesia em Casa – Dois poemas de Louise Glück [tradução e apresentação Pedro Gonzaga]. Estado da Arte, Estadão, 30.7.2017.


***

DE 'DESCENDING FIGURE' - 1980


Portland, 1968
Você fica firme como ficam as rochas
que o mar alcança
em ondas transparentes de desejo;
elas estão arruinadas, finalmente;
tudo o que está preso está arruinado.
E o mar triunfa,
como tudo o que é falso,
tudo o que é fluente e feminino.
De trás, uma lente
se abre para o seu corpo. Por que
você deveria se virar? Não importa
quem é a testemunha,
por causa de quem você está sofrendo,
por quem você fica firme.

**

Portland, 1968
You stand as rocks stand
to which the sea reaches
in transparent waves of longing;
they are marred, finally;
everything fixed is marred.
And the sea triumphs,
like all that is false,
all that is fluent and womanly.
From behind, a lens
opens for your body. Why
should you turn? It doesn’t matter
who the witness is,
from whom you are suffering,
for whom you are standing still.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.

***

DE 'ARARATE' - 1990


Música Celeste
Tenho uma amiga que ainda acredita no céu.
Não é uma idiota, e apesar de tudo que conhece ela literalmente conversa com Deus.
Pensa que alguém a escuta no céu.
Na terra ela é de uma eficiência rara.
E valente também capaz até de mostrar desagrado.

Uma vez encontramos uma lagarta caída no lodo, formigas insaciáveis arrastavam-se sobre ela.
Eu, como sempre, sou movida, pela fraqueza, pela desgraça, e estou sempre ansiosa
sem querer me desgastar.
Mas tímida também, disposta a não enxergar
Enquanto minha amiga pode ver e deixar que as coisas sigam
seu curso natural. Por minha causa, ela interferiu,
afastando algumas formigas do animal esfacelado e colocando-o no outro lado da estrada

Minha amiga diz que eu fecho os olhos a Deus que nada mais explica
minha aversão à realidade. Diz que sou como uma criança enfiando
sua cabeça no travesseiro,
pra não ver, uma criança dizendo pra si mesma
que luz causa tristeza-
Minha amiga é como uma mãe. Paciente, animando-me a renascer corajosa e adulta igual a ela.

Nos meus sonhos, minha amiga me censura. Agora estamos trilhando a mesma estrada, só que já é inverno;
quando amamos o mundo, ela vai me dizendo, ouvimos uma música celestial:
observa, ela fala. Quando eu observo, nada.
Só nuvens, neve, um negócio branco nas árvores como noivas saltitando a uma grande altura. Então eu temo por ela, vejo-a
presa numa rede lançada deliberadamente sobre a terra.

Na realidade, nós sentamos à beira dessa estrada, assistindo ao pôr-do-sol; As vezes, o silêncio é atravessado pelo canto de um pássaro.
Neste momento tentamos explicar-nos o fato de estarmos à vontade com a morte, com a solidão.
Minha amiga risca um círculo na lama, lá dentro a lagarta está imóvel.
Ainda tenta fazer alguma coisa total, uma coisa
bela, uma imagem capaz de viver fora dela.
Nós estamos muito silenciosas. É tanta paz, aqui sentadas, sem falar, o assunto fixo, o caminho tornando-se subitamente escuro, o ar esfriando, aqui e lá as rochas brilhando e cintilando- e é essa quietude que ambas amamos. O amor dos meios é o mesmo amor dos fins.

**

Celestial Music
I have a friend who still believes in heaven.
Not a stupid person, yet with all she knows, she literally talks to god,
she thinks someone listens in heaven.
On earth, she's unusually competent.
Brave, too, able to face unpleasantness.

We found a caterpillar dying in the dirt, greedy ants crawling over it.
I'm always moved by weakness, by disaster, always eager to oppose vitality.
But timid, also, quick to shut my eyes.
Whereas my friend was able to watch, to let events play out
according to nature. For my sake, she intervened,
brushing a few ants off the torn thing, and set it down across the road.

My friend says I shut my eyes to god, that nothing else explains
my aversion to reality. She says I'm like the child who buries her head in the pillow
so as not to see, the child who tells herself
that light causes sadness–
My friend is like the mother. Patient, urging me
to wake up an adult like herself, a courageous person–

In my dreams, my friend reproaches me. We're walking
on the same road, except it's winter now;
she's telling me that when you love the world you hear celestial music:
look up, she says. When I look up, nothing.
Only clouds, snow, a white business in the trees
like brides leaping to a great height–
Then I'm afraid for her; I see her
caught in a net deliberately cast over the earth–

In reality, we sit by the side of the road, watching the sun set;
from time to time, the silence pierced by a birdcall.
It's this moment we're both trying to explain, the fact
that we're at ease with death, with solitude.
My friend draws a circle in the dirt; inside, the caterpillar doesn't move.
She's always trying to make something whole, something beautiful, an image
capable of life apart from her.
We're very quiet. It's peaceful sitting here, not speaking, the composition
fixed, the road turning suddenly dark, the air
going cool, here and there the rocks shining and glittering–
it's this stillness that we both love.
The love of form is a love of endings.
- Louise Glück. [tradução Suzana Vargas]. In: Revista Poesia Sempre. editores Affonso Romano de Sant'Anna e Márcio Sousa, nº 3, Rio de Janeiro, 1994.

§§

Primeira Lembrança
Há muito tempo atrás, eu fui ferida. Vivia 
para vingar-me 
de meu pai, não 
pelo que ele era 
mas pelo que eu fui: no início dos anos 
na infância, pensei 
que dor significava 
não ser amada. 
Significava: eu amei.

**

First Memory
Long ago, I was wounded. I lived
to revenge myself
against my father, not
for what he was—
for what I was: from the beginning of time,
in childhood, I thought
that pain meant
I was not loved.
It meant I loved.
- Louise Glück. [tradução Suzana Vargas]. In: Revista Poesia Sempre. editores Affonso Romano de Sant'Anna e Márcio Sousa, nº 3, Rio de Janeiro, 1994.


***

DE 'A ÍRIS SELVAGEM' - 1992


Matins 
Pai inacessível, quando fomos primeiro
exilados do céu, você fez
uma réplica, um lugar num sentido
distinto do céu, que teve o
desígnio de dar uma lição: ou seja
a mesma – beleza de ambos os lados, beleza
sem alternativa – Só que
a gente não sacou qual foi a lição. Abandonado,
cada qual cansou o outro. Anos
de escuridão vieram; a gente se revezou
cuidando do jardim, as primeiras lágrimas
enchendo nossos olhos feito a terra
erodida por pétalas, umas
vermelho-escuras, outras cor de carne –
Nunca lembramos de você
que aprendemos a louvar.
Mal sabíamos que não era da natureza humana amar
apenas o que retribui o amor.

**

Matins
Unreachable father, when we were first
exiled from heaven, you made
a replica, a place in one sense
different from heaven, being
designed to teach a lesson: otherwise
the same — beauty on either side, beauty
without alternative — Except
we didn’t know what was the lesson. Left alone,
we exhausted each other. Years
of darkness followed; we took turns
working the garden, the first tears
filling our eyes as earth
misted with petals, some
dark red, some flesh colored —
We never thought of you
whom we were learning to worship.
We merely knew it wasn’t human nature to love
only what returns love.
- Louise Glück [tradução Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores]. In: Arcas de Babel: Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores traduzem Louise Glück (Patrícia Lavelle - curadoria).. Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. 

§§

Trillium 
Quando acordei estava numa floresta. O breu
parecia natural, o céu entre o pinhal
denso de tantas luzes.

Não sabia nada; Não dava pra nada, só ver.
E enquanto olhava, todas as luzes do céu
esmaeceram pra fazer uma só coisa, um fogo
ardendo entre os frios abetos.
Mas já não era mais possível
contemplar o céu sem ser destruída.

Será que existem almas que precisam
da presença da morte, como eu careço de proteção?
Acho que se eu falar bastante
vou responder àquela questão, verei
o que quer que elas vejam, uma escada
subindo entre os abetos, seja lá o que for
que as convoca a trocar de vida –

Pense no que eu já compreendo.
Acordei ignorante numa floresta;
há pouco, nem conheceria minha voz
se uma me fosse dada
seria cheia de mágoas, minhas frases
feito gritos atados em feixe.
Eu nem sabia que sentia mágoa
até que essa palavra veio, até sentir
a chuva evaporando de mim.

**

Trillium 
When I woke up I was in a forest. The dark
seemed natural, the sky through the pine trees
thick with many lights.

I knew nothing; I could do nothing but see.
And as I watched, all the lights of heaven
faded to make a single thing, a fire
burning through the cool firs.
Then it wasn’t possible any longer
to stare at heaven and not be destroyed.

Are there souls that need
death’s presence, as I require protection?
I think if I speak long enough
I will answer that question, I will see
whatever they see, a ladder
reaching through the firs, whatever
calls them to exchange their lives –

Think what I understand already.
I woke up ignorant in a forest;
only a moment ago, I didn’t know my voice
if one were given me
would be so full of grief, my sentences
like cries strung together.
I didn’t even know I felt grief
until that word came, until I felt
rain streaming from me.
- Louise Glück [tradução Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores]. In: Arcas de Babel: Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores traduzem Louise Glück (Patrícia Lavelle - curadoria).. Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. 

§§

Violetas
Porque em nosso mundo
alguma coisa sempre escondida,
pequena e branca,
pequena e o que chamas
pura, não lamentamos
como lamentas, caro
mestre sofredor; tu
não está mais perdido
do que nós, sob
o pilriteiro, o pilriteiro que sustenta
harmônicas bandejas de pérolas: o que
te trouxe entre nós
que te ensinaríamos, embora
ajoelhes e chores,
juntando tuas grandes mãos,
em toda a tua grandeza nada
sabendo da natureza da alma,
que nunca há de morrer: pobre deus triste,
ou nunca tiveste uma
ou nunca perdeste uma.

**

Violets
Because in our world
something is always hidden,
small and white,
small and what you call
pure, we do not grieve
as you grieve, dear
suffering master; you
are no more lost
than we are, under
the hawthorn tree, the hawthorn holding
balanced trays of pearls: what
has brought you among us
who would teach you, though
you kneel and weep,
clasping your great hands,
in all your greatness knowing
nothing of the soul’s nature,
which is never to die: poor sad god,
either you never have one
or you never lose one.
- Louise Glück [Maria Lúcia Milléo Martins]. In: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997.

§§

Flores Silvestres
O que estão dizendo? Que querem
vida eterna? Seus pensamentos são mesmo
tão arrebatadores assim? Com certeza
não olham para nós, não nos ouvem,
em sua pele mancha de sol, pó
de botões-de-ouro: estou falando
com vocês, vocês que olham fixamente
por entre os talos de grama alta agitando
o pequeno guizo — Ó alma! alma! Basta
olhar para dentro? Desdém
pela humanidade é uma coisa,
mas por que desprezar o vasto campo,
seu olhar elevando-se acima das nítidas cabeças
dos botões-de-ouro silvestres em direção a quê?
Sua pobre ideia de céu: ausência
de mudança. Melhor que a terra? Como
saberiam, se não estão nem
aqui nem lá, eretas entre nós?

**

Field Flowers
What are you saying? That you want
eternal life? Are your thoughts really
as compelling as all that? Certainly
you don’t look at us, don’t listen to us,
on your skin
stain of sun, dust
of yellow buttercups: I’m talking
to you, you staring through
bars of high grass shaking
your little rattle – O
the soul! The soul! Is it enough
only to look inward? Contempt
for humanity is one thing, but why
disdain the expansive
field, your gaze rising over the clear heads
of the wild buttercups into what? Your poor
idea of heaven: absence
of change. Better than earth? How
would you know, who are neither
here nor there, standing in our midst?
- Louise Glück [Maria Lúcia Milléo Martins]. In: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997.

§§

A Papoula Vermelha
A grande façanha
é não ter
cabeça. Sentimentos:
ah, eu tenho; eles
me governam. Tenho
um senhor no céu
chamado sol, e me abro
para ele, mostrando
o fogo do meu coração, fogo
como sua presença.
O que poderia ser tal glória
senão um coração? Ah, irmãos e irmãs
alguma vez foram como eu, há muito tempo,
antes de serem humanos?
Permitiram-se
abrir alguma vez, vocês que jamais
voltariam a se abrir? Porque na verdade
falo agora
à maneira de vocês. Falo
porque estou aos pedaços.

**

The Red Poppy
The great thing
is not having
a mind. Feelings:
oh, I have those; they
govern me. I have
a lord in heaven
called the sun, and open
for him, showing him
the fire of my own heart, fire
like his presence.
What could such glory be
if not a heart? Oh my brothers and sisters,
were you like me once, long ago,
before you were human? Did you
permit yourselves
to open once, who would never
open again? Because in truth
I am speaking now
the way you do. I speak
because I am shattered.
- Louise Glück [Maria Lúcia Milléo Martins]. In: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997.

§§

A Rosa Branca
Isto é a terra?
Então não sou daqui

Quem és tu na janela acesa,
agora à sombra
das folhas trêmulas do viburno?
Podes sobreviver onde não vou durar
Além do próximo verão?

A noite inteira os galhos esguios da árvore
movem-se e sussurram à janela iluminada.
Explica a minha vida,
tu que não fazes sinal algum,

embora eu chame por ti na noite:
não sou como tu, tenho apenas
meu corpo como voz; não posso
desaparecer no silêncio —

E na manhã fria
sobre a superfície escura da terra
vagueiam ecos da minha voz,
brancura que firme se consome em escuridão

como se finalmente fizesses um sinal
para me convencer de que também
não pudeste sobreviver aqui

ou para me mostrar que não és
a luz que chamei
mas o breu atrás dela.

**

The White Rose
This is the earth? Then
I don’t belong here.

Who are you in the lighted window,
shadowed now by the flickering leaves
of the wayfarer tree?
Can you survive where I won’t last
beyond the first summer?

All night the slender branches of the tree
shift and rustle at the bright window.
Explain my life to me, you who make no sign,

though I call out to you in the night:
I am not like you, I have only
my body for a voice; I can’t
disappear into silence —

And in the cold morning
over the dark surface of the earth
echoes of my voice drift,
whiteness steadily absorbed into darkness

as though you were making a sign after all
to convince me you too couldn’t survive here

or to show me you are not the light I called to
but the blackness behind it.
- Louise Glück [Maria Lúcia Milléo Martins]. In: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997.

§§

O Lírio Prateado
As noites ficaram frias de novo, como as noites
de começo de primavera, e quietas de novo.
Será que a conversa te incomoda? Estamos
sozinhos agora; não temos razão para silêncio.

Vês, sobre o jardim — a lua cheia nasce.
Não verei a próxima lua cheia.

Na primavera, quando a lua nascia, significava
que o tempo era infinito. Anêmonas
abriam e fechavam, as sementes
em cachos caíam dos bordos em pálidas lufadas.
Branco sobre branco, a lua nascia sobre o vidoeiro.
E no arco em que a árvore se divide,
folhas dos primeiros narcisos, ao luar
prata-verde-claras.

Juntos, chegamos
perto demais do fim para agora
temermos o fim.
Nessas noites, não estou nem mesmo certa
de que sei o que significa o fim.
E tu, que estiveste com um homem —

depois dos primeiros gritos,
não faz a alegria, como o medo,
barulho algum?

**

The Silver Lily
The nights have grown cool again, like the nights
of early spring, and quiet again. Will
speech disturb you? We're
alone now; we have no reason for silence.

Can you see, over the garden—the full moon rises.
I won't see the next full moon.

In spring, when the moon rose, it meant
time was endless. Snowdrops
opened and closed, the clustered
seeds of the maples fell in pale drifts.
White over white, the moon rose over the birch tree.
And in the crook, where the tree divides,
leaves of the first daffodils, in moonlight
soft greenish-silver.

We have come too far together toward the end now
to fear the end. These nights, I am no longer even certain
I know what the end means. And you, who've been with a man—

after the first cries,
doesn't joy, like fear, make no sound?
- Louise Glück [Maria Lúcia Milléo Martins]. In: Antologia de poesia norte-americana contemporânea. organização José Roberto O'Shea; tradução Maria Lúcia Milléo Martins. Edição bilíngue. Coleção Paideuma. Florianópolis: EdUFSC, 1997.


***

DE 'MEADOWLANDS' - 1997


O dilema de Telêmaco 
Nunca consigo decidir
o que escrever
nas lápides de meus pais. Sei
o que ele quer: ele quer
amado, o que por certo
vai direto ao ponto, particularmente
se contarmos todas
as mulheres. Mas
isso deixa minha mãe
a descoberto. Ela me diz
que isto não lhe importa
para nada; ela prefere
ser representada por
suas próprias conquistas. Parece
pura falta de tato lembrar aos dois
que alguém não
honra aos mortos perpetuando
suas vaidades, suas
projeções sobre si mesmos.
Meu próprio gosto dita
precisão sem
tagarelice; eles são
meus pais, consequentemente
eu os vejo juntos,
às vezes inclinado a
marido e mulher, outras a
forças opostas.

**

Telemachus Dilemma
I can never decide
what to write on
my parents’ tomb. I know
what he wants: he wants
beloved, which is
certainly to the point, particularly
if we count all
the women. But
that leaves my mother
out in the cold. She tells me
this doesn’t matter to her
in the least: she prefers
to be represented by
her own achievement. It seems
tactless to remind them
that one does not
honor the dead by perpetuating
their vanities, their 
projections of themselves.
My own taste dictates
accuracy without
garrulousness: they are
my parents, consequently
I see them together,
sometimes inclining to
husband and wife, other times
to opposing forces.
- Louise Glück [tradução Pedro Gonzaga]. In: Poesia em Casa – A crítica literária e uma recomendação de Louise Glück (apresentação e tradução Pedro Gonzaga). Estado da Arte, Estadão 28.1.2018. 

§§

Parábola da fera
O gato anda em círculos na cozinha
com o passarinho morto,
sua nova possessão.

Alguém deveria discutir
ética com o gato enquanto ele
perscruta o débil passarinho:

nesta casa
nós não exercemos
a força deste jeito.

Diga isso ao animal,
seus dentes já
fundos na carne de outro animal.

**

Parable of the Beast
The cat circles the kitchen
with the dead bird,
its new possession.
 
Someone should discuss
ethics with the cat as it
inquires into the limp bird:
 
in this house
we do not experience
will in this manner.
 
Tell that to the animal,
its teeth already
deep in the flesh of another animal.
- Louise Glück [tradução Pedro Gonzaga]. In: In: Poesia em Casa – A crítica literária e uma recomendação de Louise Glück (apresentação e tradução Pedro Gonzaga). Estado da Arte, Estadão 28.1.2018. 

§§

Nostos
Havia uma macieira no quintal —
isso deve ter sido
há uns quarenta anos — atrás,
apenas pradarias. Montes
de açafrão na grama úmida.
Eu parei na janela:
fim de abril. As flores
da primavera no quintal do vizinho.
Quantas vezes, sério, a árvore
floresceu no meu aniversário,
no dia exato, nem
antes, nem depois? Substituição
do imutável
pelo variante, pelo emergente.
Substituição da imagem
pela terra implacável. O que
eu sei desse lugar,
o papel da árvore por décadas
tomada por um bonsai, vozes
aflorando das quadras de tênis —
Campos. Cheiro da grama alta, recém-cortada.
Como se espera de um poeta lírico.
Olhamos para o mundo uma vez, na infância.
O resto é memória.

**

Nostos
There was an apple tree in the yard —
this would have been
forty years ago — behind,
only meadows. Drifts
off crocus in the damp grass.
I stood at that window:
late April. Spring
flowers in the neighbor's yard.
How many times, really, did the tree
flower on my birthday,
the exact day, not
before, not after? Substitution
of the immutable
for the shifting, the evolving.
Substitution of the image
for relentless earth. What
do I know of this place,
the role of the tree for decades
taken by a bonsai, voices
rising from tennis courts —
Fields. Smell of the tall grass, new cut.
As one expects of a lyric poet.
We look at the world once, in childhood.
The rest is memory.
- Louise Glück [tradução Thiago Ponce de Moraes]. In: Louise Glück, por Adalberto Müller e Thiago Ponce de Moraes.. (apresentação Guilherme Gontijo e Thiago Ponce de Moraes). Escamandro, 9.10.2020. 

***

DE 'VITA NOVA' - 1999


Vita Nova
Você me salvou, deveria se lembrar de mim.

A primavera do ano; rapazes comprando passagens para as balsas.
Gargalhadas, porque o ar está repleto de macieiras floridas.

Quando eu acordei, percebi que era capaz de sentir a mesma coisa.

Eu me lembro de sons assim na minha infância,
gargalhadas sem motivo, simplesmente porque o mundo é belo,
ou algo assim.

Lugano. Mesas sob as macieiras.
Tripulantes subindo e descendo as bandeiras coloridas.
E na beira do lago, um jovem joga o seu chapéu na água;
quem sabe sua amada o tenha aceitado.

Sons ou
gestos decisivos como
um trilho assentado diante dos grandes temas

e não utilizado, sepultado.

Ilhas ao longe. Minha mãe
segurando um prato com bolinhos —

tanto quanto eu me lembro, em nenhum
detalhe diferente, o momento
vívido, intacto, jamais tendo sido
exposto à luz, portanto eu acordei jubilosa, na minha idade
sedenta por vida, absolutamente confiante —

Junto às mesas, pedaços de grama nova, o verde opaco
espalhado pelo escuro solo que havia.

É certo que a primavera voltou para mim, desta vez
não como um amante, mas como uma mensageira da morte, mesmo
que ainda seja primavera, que ainda signifique doçura.

**

Vita Nova
You saved me, you should remember me.

The spring of the year; young men buying tickets for the ferryboats.
Laughter, because the air is full of apple blossoms.

When I woke up, I realized I was capable of the same feeling.

I remember sounds like that from my childhood,
laughter for no cause, simply because the world is beautiful,
something like that.

Lugano. Tables under the apple trees.
Deckhands raising and lowering the colored flags.
And by the lake’s edge, a young man throws his hat into the water;
perhaps his sweetheart has accepted him.

Crucial
sounds or gestures like
a track laid down before the larger themes

and the unused, buried.

Islands in the distance. My mother
holding out a plate of little cakes —

as far as I remember, changed
in no detail, the moment
vivid, intact, having never been
exposed to light, so that I woke elated, at my age
hungry for life, utterly confident —

By the tables, patches of new grass, the pale green
pieced into the dark existing ground.

Surely spring has returned to me, this time
not as a lover but a messenger of death, yet
it is still spring, it is still meant tenderly.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.

§§

A Sepultura Aberta
Minha mãe construiu meu desejo.
Meu pai minha consciência.
De mortuis nil nisi bounum.[1]

Portanto isso vai me custar
amargamente permanecer,
me prostrar
na beira de uma sepultura.

Eu digo à Terra
seja boa para minha mãe,
agora e depois.
Guarde, em sua frieza,
a beleza que todos nós invejamos.

Eu me tornei uma velha.
Eu dei boas-vindas à escuridão
que antes costumava temer.
De mortuis nil nisi bonum.

**

The Open Grave
My mother made my need.
my father my conscience.
De mortuis nil nisi bonum.

Therefore it will cost me
bitterly to lie,
to prostrate myself
at the edge of a grave.

I say to the earth
be kind to my mother,
now and later.
Save, with your coldness,
the beauty we all envied.

I became an old woman.
I welcomed the dark
I used so to fear.
De mortuis nil nisi bonum.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.
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[1] Dos mortos só falemos bem


***


DE 'AVERNO' - 2006


Averno. Nome antigo
Avernus. Um pequeno lago de cratera,
dez milhas a oeste de Nápoles,
Itália; considerado pelos antigos
romanos a entrada para
o outro mundo.

*

Averno. Ancient name
Avernus. A small crater lake,
ten miles west of Naples,
Italy; regarded by the ancient
Romans as the entrance to
the underworld.
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 

§§

Outubro

1.
É inverno de novo, faz frio de novo,
acaso Frank não escorregou agora mesmo no gelo,
não se curou, as sementes da primavera não foram plantadas?

Acaso a noite não acabou,
o gelo não derreteu,
não inundou as calhas estreitas?

Acaso meu corpo não foi
resgatado, não ficou protegido?

Acaso a cicatriz não se formou, invisível
por cima da ferida?

Terror e frio,
acaso não acabaram agora mesmo, e o quintal
não foi rastelado, semeado —

Eu me lembro da sensação da terra, vermelha e densa,
em fileiras rígidas, acaso as sementes não foram semeadas,
as vinhas não subiram pela parede sul?

Não ouço sua voz
com os brados do vento, assobiando sobre o solo nu

para mim já não importa
que tipo de som é esse

quando é que fui silenciada, quando pela primeira vez achei
inútil descrever aquele som?

O som que faz não muda o que ele é —

Acaso a noite não acabou, a terra não ficou
protegida quando semeada?

Não plantamos as sementes,
não éramos necessários à terra?

E as vinhas, alguém colheu?

2.
Verão e mais verão acabou,
conforto depois da violência:
não me ajuda em nada
vir agora com bondades;
a violência me alterou.
Aurora. Os montes baixos cintilam
em ocre e fogo, mesmo os campos cintilam.
Sei o que vejo; sol que poderia ser
o sol de agosto, devolvendo
tudo o que foi levado —

Você ouve essa voz? É a voz da minha mente;
não há como tocar meu corpo agora.
Ele mudou um dia, endureceu,
não lhe peça que de novo reaja.

Um dia feito um dia de verão.
Excepcionalmente quieto. As longas sombras dos bordos
quase malva nas trilhas de saibro.
E à noite, calor. Noite feito uma noite de verão.

Não me faz bem algum; a violência me alterou.
Meu corpo ficou frio como os campos desnudados;
agora só resta minha mente, cautelosa e atenta,
com a sensação de estar sendo testada.

Ainda uma vez, o sol se ergue como se ergueu no verão;
graça, conforto depois da violência,
conforto depois da muda das folhas, depois que os campos
foram ceifados e revolvidos.

Me diga que isto é o futuro,
que não acredito em você.
Me diga que estou vivendo,
que não acredito em você.

3.
Neve havia caído. Lembro
da música de uma janela aberta.

Venha para mim, dizia o mundo.
O que não significa
que o mundo falasse em frases exatas
mas que era assim que eu sentia a beleza.

Aurora. Uma película de umidade
em cada coisa viva. Poças de luz fria
se formavam nas calhas.

Eu em pé
na soleira da porta,
ridícula, hoje me parece.

O que outros viam na arte,
eu via na natureza. O que outros viam
no amor humano, eu via na natureza.
Muito simples. Mas ali não havia voz.

O inverno estava encerrado. Na terra derretida,
filetes verdes apontavam.

Venha para mim, dizia o mundo. Eu em pé
no meu casaco de lã numa espécie de portal luminoso —
por fim posso dizer
faz muito tempo; o que me dá um prazer considerável. A beleza
essa que cura, que ensina —

a morte não pode me ferir
mais do que você me feriu,
minha bem-amada vida.

4.
A luz mudou;
a afinação do dó está mais escura.
E as canções da manhã parecem ensaiadas demais.

Essa é a luz do outono, não a luz da primavera.
A luz do outono: não serás poupada.

As canções mudaram; invadiu-as
o indizível.

Essa é a luz do outono, não a luz que declara
renasci.

Não a aurora da primavera: penei, sofri, fui libertada.
Este é o presente, uma alegoria do desperdício.

Tanta coisa mudou. E no entanto você tem sorte:
o ideal arde em você como uma febre.
Ou não como uma febre, como um segundo coração.

As canções mudaram, mas por certo continuam belas.
Foram concentradas num espaço menor, o espaço da mente.
São escuras, agora, de desolação e angústia.

E contudo as notas retornam. Pairam, estranhamente
antecipando o silêncio.
O ouvido se habitua a elas.
O olho se habitua a desaparições.

Não serás poupada, o que amas não será poupado.

Um vento veio e foi, cindindo a mente;
deixou ao passar uma estranha lucidez.

Que privilégio o teu, seguir apaixonadamente
aferrada ao que amas;
o confisco da esperança não te destruiu.

Maestoso, doloroso:

Esta é a luz do outono; acesa sobre nós.
Sem dúvida é um privilégio ir chegando ao fim
e ainda acreditar em alguma coisa.

5.
É verdade que não há beleza suficiente no mundo.
Também é verdade que não tenho competência para restaurá-la.
Também não há franqueza, e nesse aspecto posso ser de alguma
utilidade.

Estou
trabalhando, embora em silêncio.

A afável

miséria do mundo
limita-nos pelos dois lados, uma trilha

bordejada de árvores; aqui

somos parceiros, sem falar,
cada um com seus próprios pensamentos;

atrás das árvores, portões
de ferro das residências particulares,
quartos fechados

vazios, de certo modo, abandonados,

como se fosse dever do
artista criar
esperança, mas tirar do quê? do quê?

A própria palavra
falsa, um artifício para refutar
a percepção — No cruzamento,

luzes ornamentais desta época do ano.

Aqui fui jovem. Viajando no
metrô com meu livrinho
como se quisesse defender-me

deste mesmo mundo:

não estás só,
dizia o poema,
no túnel escuro.

6.
A luminosidade do dia vira
a luminosidade da noite;
o fogo vira o espelho.

A terra, minha amiga, é amarga; acho
que a luz do sol a desamparou.
Amarga ou exausta, difícil dizer.

Entre ela e o sol,
algo se encerrou.
Que a deixem em paz, agora, é o que ela quer;
acho que precisamos desistir
de buscar nela afirmação.

Acima dos campos,
acima dos telhados das casas da vila,
a luz que tornou possível toda vida
é, agora, as estrelas frias.

Deitado, imóvel, veja:
elas não dão nada mas nada perguntam.

De dentro da amarga
desonra da terra, frio e esterilidade

minha amiga lua sobe:
está linda esta noite, mas quando ela não é linda?

**

October

1.
Is it winter again, is it cold again,
didn’t Frank just slip on the ice,
didn’t he heal, weren’t the spring seeds planted

didn’t the night end,
didn’t the melting ice
flood the narrow gutters

wasn’t my body
rescued, wasn’t it safe

didn’t the scar form, invisible
above the injury

terror and cold,
didn’t they just end, wasn’t the back garden
harrowed and planted—

I remember how the earth felt, red and dense,
in stiff rows, weren’t the seeds planted,
didn’t vines climb the south wall

I can’t hear your voice
for the wind’s cries, whistling over the bare ground

I no longer care
what sound it makes

when was I silenced, when did it first seem
pointless to describe that sound

what it sounds like can’t change what it is—

didn’t the night end, wasn’t the earth
safe when it was planted

didn’t we plant the seeds,
weren’t we necessary to the earth,

the vines, were they harvested?

2.
Summer after summer has ended,
balm after violence:
it does me no good
to be good to me now;
violence has changed me.
Daybreak. The low hills shine
ochre and fire, even the fields shine.
I know what I see; sun that could be
the August sun, returning
everything that was taken away—

You hear this voice? This is my mind’s voice;
you can’t touch my body now.
It has changed once, it has hardened,
don’t ask it to respond again.

A day like a day in summer.
Exceptionally still. The long shadows of the maples
nearly mauve on the gravel paths.
And in the evening, warmth. Night like a night in summer.

It does me no good; violence has changed me.
My body has grown cold like the stripped fields;
now there is only my mind, cautious and wary,
with the sense it is being tested.

Once more, the sun rises as it rose in summer;
bounty, balm after violence.
Balm after the leaves have changed, after the fields
have been harvested and turned.

Tell me this is the future,
I won’t believe you.
Tell me I’m living,
I won’t believe you.

3.
Snow had fallen. I remember
music from an open window.

Come to me, said the world.
This is not to say
it spoke in exact sentences
but that I perceived beauty in this manner.

Sunrise. A film of moisture
on each living thing. Pools of cold light
formed in the gutters.

I stood
at the doorway,
ridiculous as it now seems.

What others found in art,
I found in nature. What others found
in human love, I found in nature.
Very simple. But there was no voice there.

Winter was over. In the thawed dirt,
bits of green were showing.

Come to me, said the world. I was standing
in my wool coat at a kind of bright portal—
I can finally say
long ago; it gives me considerable pleasure. Beauty
the healer, the teacher—

death cannot harm me
more than you have harmed me,
my beloved life.

4.
The light has changed;
middle C is tuned darker now.
And the songs of morning sound over-rehearsed.

This is the light of autumn, not the light of spring.
The light of autumn: you will not be spared.

The songs have changed; the unspeakable
has entered them.

This is the light of autumn, not the light that says
I am reborn.

Not the spring dawn: I strained, I suffered, I was delivered.
This is the present, an allegory of waste.

So much has changed. And still, you are fortunate:
the ideal burns in you like a fever.
Or not like a fever, like a second heart.

The songs have changed, but really they are still quite beautiful.
They have been concentrated in a smaller space, the space of the mind.
They are dark, now, with desolation and anguish.

And yet the notes recur. They hover oddly
in anticipation of silence.
The ear gets used to them.
The eye gets used to disappearances.

You will not be spared, nor will what you love be spared.

A wind has come and gone, taking apart the mind;
it has left in its wake a strange lucidity.

How privileged you are, to be still passionately
clinging to what you love;
the forfeit of hope has not destroyed you.

Maestoso, doloroso:

This is the light of autumn; it has turned on us.
Surely it is a privilege to approach the end
still believing in something.

5.
It is true there is not enough beauty in the world.
It is also true that I am not competent to restore it.
Neither is there candor, and here I may be of some use.

I am
at work, though I am silent.

The bland

misery of the world
bounds us on either side, an alley

lined with trees; we are

companions here, not speaking,
each with his own thoughts;

behind the trees, iron
gates of the private houses,
the shuttered rooms

somehow deserted, abandoned,

as though it were the artist’s
duty to create
hope, but out of what? what?

the word itself
false, a device to refute
perception— At the intersection,

ornamental lights of the season.

I was young here. Riding
the subway with my small book
as though to defend myself against

this same world:
you are not alone,
the poem said,
in the dark tunnel.

6.
The brightness of the day becomes
the brightness of the night;
the fire becomes the mirror.

My friend the earth is bitter; I think
sunlight has failed her.
Bitter or weary, it is hard to say.

Between herself and the sun,
something has ended.
She wants, now, to be left alone;
I think we must give up
turning to her for affirmation.

Above the fields,
above the roofs of the village houses,
the brilliance that made all life possible
becomes the cold stars.

Lie still and watch:
they give nothing but ask nothing.

From within the earth’s
bitter disgrace, coldness and barrenness

my friend the moon rise:
she is beautiful tonight, but when is she not beautiful?
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 

§§

Paisagem
...............para Keith Monley

1.
O sol está se pondo atrás das montanhas,
a terra está esfriando.
Um estranho amarrou seu cavalo a uma castanheira desfolhada.
O cavalo está quieto — vira a cabeça de repente,
ouvindo, na distância, o barulho do mar.

Faço minha cama para passar a noite aqui,
abrindo minha manta mais grossa sobre a terra úmida.

O barulho do mar —
quando o cavalo vira a cabeça, consigo ouvi-lo.

Numa trilha em meio às castanheiras desfolhadas
um cachorrinho vai atrás do dono.

O cachorrinho — ele não costumava correr na frente,
forçando a guia, como se quisesse mostrar ao dono
o que está vendo lá, lá, no futuro? —

o futuro, a trilha, chame como quiser.

Atrás das árvores, quando o sol se põe, é como se um grande incêndio
ardesse entre duas montanhas
de modo que a neve no precipício mais alto
parece, por um momento, arder também.

Ouça: no fim da trilha o homem está gritando.
A voz dele ficou muito estranha agora,
a voz de uma pessoa gritando para o que não pode ver.

Uma e outra vez ele grita entre as castanheiras escuras.
Até o animal responder
baixinho, de muito longe,
como se essa coisa que tememos
não fosse terrível.

Crepúsculo: o estranho desamarrou o cavalo.

O barulho do mar —
só memória, agora.

2.
O tempo passou, transformando tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro palpitava.
Se você caísse nele, morria.

Era um tempo
de espera, de ação interrompida.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que dava para ver.
O passado flutuava sobre minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas nunca ao alcance da mão.

Era um tempo
regido por contradições, como em
Eu não sentia nada e
Eu tinha medo.

O inverno pelou as árvores, encheu-as outra vez de neve.
Porque eu não sentia nada, a neve caiu, o lago congelou.
Porque eu tinha medo, não me movi;
meu hálito era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e parte dele se transformou nisto.
E parte dele simplesmente evaporou;
dava para ver o tempo flutuar sobre as árvores brancas
formando partículas de gelo.

A vida inteira você espera pela hora propícia.
Então a hora propícia
se revela como ação realizada.

Eu olhava o passado mover-se, uma sequência de nuvens movendose
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
dependendo do vento. Em certos dias

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais paradas que reais.

Em certos dias o lago era um lençol de gelo.
Sob o gelo, o futuro fazia
barulhos humildes, convidativos:
você precisava se retesar para não ouvir.

O tempo passou; já dava para ver um pedaço dele.
Os anos que ele levou consigo eram anos de inverno;
não fariam falta. Em certos dias

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem sumido. O mundo

era sem cor, como um negativo; a luz passava
diretamente através dele. Depois
a imagem se dissipava.

Acima do mundo
havia somente azul, azul por toda parte.

3.
No fim do outono uma garota tocou fogo num campo
de trigo. O outono

havia sido muito seco; o campo
ardeu como graveto seco.

Depois não sobrou nada.
Você anda por ele, não vê nada.

Não há nada para pegar do chão, cheirar.
Os cavalos não entendem —

onde está o campo, parecem dizer.
Assim como você e eu diríamos
onde está a nossa casa?

Ninguém sabe como responder.
Não sobrou nada;
só resta esperar, em apoio ao camponês,
que o seguro pague.

É como perder um ano de sua vida.
Em troca do que você perderia um ano de sua vida?

Depois, você volta ao lugar de antes —
só o que resta é carvão: negrume e vazio.

Você pensa: como pude viver aqui?

Mas na época era diferente,
inclusive no último verão. A terra se comportava

como se nada de ruim pudesse acontecer com ela.

Bastou um fósforo.
Mas na hora certa — precisava ser na hora certa.

O campo calcinado, seco —
o estado de morte já instalado
por assim dizer.

4.
Adormeci num rio, acordei num rio,
a respeito de meu misterioso
fracasso em morrer nada posso
contar, nem
quem me salvou nem por que motivo —

Havia imenso silêncio.
Nenhum vento. Nenhum som humano.
O amargo século

estava encerrado,
o glorioso findo, o perene findo,

o sol frio
persistindo como uma curiosidade, talvez, um lembrete,
o tempo escoando atrás —

O céu parecia muito claro,
como é no inverno,
o solo ressecado, inculto,

a luz oficial movendo-se
calmamente por uma brecha no ar

decorosa, complacente,
dissolvendo a esperança
subordinando imagens do futuro a signos do transcurso do futuro —

Acho que devo ter caído.
Quando tentei ficar em pé, tive de me forçar,
desafeita à dor física —

Tinha esquecido
de como essas condições são rudes:

a terra não obsoleta
mas quieta, o rio frio, raso —

Do meu sono, não lembro
nada. Quando soltei um grito,
minha voz inesperadamente me confortou.

No silêncio da minha consciência perguntei a mim mesma:
por que rejeitei minha vida? E respondo
Die Erde überwältigt mich:
a terra me sobrepuja.

Tentei ser acurada nesta descrição
para o caso de alguém me seguir. Posso constatar
que quando o sol se põe no inverno ele é
incomparavelmente belo e a lembrança dele
perdura por longo tempo. Acho que isso significa

que não houve noite.
A noite estava em minha cabeça.

5.
Depois que o sol se pôs
aceleramos o carro, na esperança de achar
abrigo antes de escurecer.

Eu já podia ver as estrelas,
primeiro no céu a leste:

aceleramos, portanto,
para longe da luz
e na direção do mar, já que
tinham me falado de um povoado ali.

Passado algum tempo, a neve começou.
Pouca no início, depois
continuamente até a terra
ficar coberta por uma película branca.

O caminho que percorríamos aparecia
claramente quando eu virava a cabeça —
por um curto período ele foi
uma trajetória escura em cima da terra —

Depois a neve engrossou, a trilha sumiu.
O cavalo estava cansado e com fome;
já não conseguia encontrar
chão firme em lugar nenhum. Falei para mim mesma:

Já me perdi antes, já senti frio antes.
A noite me envolveu
exatamente assim, como uma premonição —

E eu pensei: se me disserem
para voltar a este lugar, eu gostaria de voltar
como ser humano, e que meu cavalo

continuasse sendo ele mesmo. Caso contrário
eu não saberia por onde começar de novo

**

Landscape
............... — for Keith Monley

1.
The sun is setting behind the mountains,
the earth is cooling.
A stranger has tied his horse to a bare chestnut tree.
The horse is quiet-he turns his head suddenly,
hearing, in the distance, the sound of the sea.

I make my bed for the night here,
spreading my heaviest quilt over the damp earth.

The sound of the sea—
when the horse turns its head, I can hear it.

On a path through the bare chestnut trees,
a little dog trails its master.

The little dog-didn’t he used to rush ahead,
straining the leash, as though to show his master
what he sees there, there in the future—

the future, the path, call it what you will.

Behind the trees, at sunset, it is as though a great fire
is burning between two mountains
so that the snow on the highest precipice
seems, for a moment, to be burning also.

Listen: at the path’s end the man is calling out.
His voice has become very strange now,
the voice of a person calling to what he can’t see.

Over and over he calls out among the dark chestnut trees.
Until the animal responds
faintly, from a great distance,
as though this thing we fear
were not terrible.

Twilight: the stranger has untied his horse.

The sound of the sea—
just memory now.

2.
Time passed, turning everything to ice.
Under the ice, the future stirred.
If you fell into it, you died.

It was a time
of waiting, of suspended action.

I lived in the present, which was
that part of the future you could see.
The past floated above my head,
like the sun and moon, visible but never reachable.

It was a time
governed by contradictions, as in
I felt nothing and
I was afraid.

Winter emptied the trees, filled them again with snow.
Because I couldn’t feel, snow fell, the lake froze over.
Because I was afraid, I didn’t move;
my breath was white, a description of silence.

Time passed, and some of it became this.
And some of it simply evaporated;
you could see it float above the white trees
forming particles of ice.

All your life, you wait for the propitious time.
Then the propitious time
reveals itself as action taken.

I watched the past move, a line of clouds moving
from left to right or right to left,
depending on the wind. Some days

there was no wind. The clouds seemed
to stay where they were,
like a painting of the sea, more still than real.

Some days the lake was a sheet of glass.
Under the glass, the future made
demure, inviting sounds:
you had to tense yourself so as not to listen.

Time passed; you got to see a piece of it.
The years it took with it were years of winter;
they would not be missed. Some days

there were no clouds, as though
the sources of the past had vanished. The world

was bleached, like a negative; the light passed
directly through it. Then
the image faded.

Above the world
there was only blue, blue everywhere.

3.
In late autumn a young girl set fire to a field
of wheat. The autumn

had been very dry; the field
went up like tinder.

Afterward there was nothing left.
You walk through it, you see nothing.

There’s nothing to pick up, to smell.
The horses don’t understand it-

Where is the field, they seem to say.
The way you and I would say
where is home.

No one knows how to answer them.
There is nothing left;
you have to hope, for the farmer’s sake,
the insurance will pay.

It is like losing a year of your life.
To what would you lose a year of your life?

Afterward, you go back to the old place—
all that remains is char: blackness and emptiness.

You think: how could I live here?

But it was different then,
even last summer. The earth behaved

as though nothing could go wrong with it.

One match was all it took.
But at the right time-it had to be the right time.

The field parched, dry—
the deadness in place already
so to speak.

4.
I fell asleep in a river, I woke in a river,
of my mysterious
failure to die I can tell you
nothing, neither
who saved me nor for what cause—

There was immense silence.
No wind. No human sound.
The bitter century

was ended,
the glorious gone, the abiding gone,

the cold sun
persisting as a kind of curiosity, a memento,
time streaming behind it—

The sky seemed very clear,
as it is in winter,
the soil dry, uncultivated,

the official light calmly
moving through a slot in air

dignified, complacent,
dissolving hope,
subordinating images of the future to signs of the future’s passing—

I think I must have fallen.
When I tried to stand, I had to force myself,
being unused to physical pain—

I had forgotten
how harsh these conditions are:

the earth not obsolete
but still, the river cold, shallow—

Of my sleep, I remember
nothing. When I cried out,
my voice soothed me unexpectedly.

In the silence of consciousness I asked myself:
why did I reject my life? And I answer
Die Erde überwältigt mich:
the earth defeats me.

I have tried to be accurate in this description
in case someone else should follow me. I can verify
that when the sun sets in winter it is
incomparably beautiful and the memory of it
lasts a long time. I think this means

there was no night.
The night was in my head.

5.
After the sun set
we rode quickly, in the hope of finding
shelter before darkness.

I could see the stars already,
first in the eastern sky:

we rode, therefore,
away from the light
and toward the sea, since
I had heard of a village there.

After some time, the snow began.
Not thickly at first, then
steadily until the earth
was covered with a white film.

The way we traveled showed
clearly when I turned my head—
for a short while it made
a dark trajectory across the earth—

Then the snow was thick, the path vanished.
The horse was tired and hungry;
he could no longer find
sure footing anywhere. I told myself:

I have been lost before, I have been cold before.
The night has come to me
exactly this way, as a premonition—

And I thought: if I am asked
to return here, I would like to come back
as a human being, and my horse

to remain himself. Otherwise
I would not know how to begin again.
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 

***


  • Louise Glück, by Niklas Elmehed / Nobel Media

DE 'UMA VIDA NO INTERIOR' - 2009


Pastoril
O sol nasce sobre a montanha.
Às vezes encobre-se de névoa,
mas o sol sempre resiste
e a névoa não é páreo para ele.
O sol reage em brilho,
como a mente vence a estupidez.
Dissipada a névoa, vê-se a campina.

Ninguém de fato entende
a brutalidade deste lugar,
o modo disparatado de aniquilar vidas
por força do hábito.

Então as pessoas fogem — e em pouco tempo, longe daqui,
ganham viço, rodeadas de tantas possibilidades —

Um gesto vindo da terra jamais
alcançará o sol. Confronte
esse fato, você está perdido.

Quando retornam, tudo se agrava.
Acham que fracassaram na cidade,
e não que a cidade não cumpre suas promessas.
Culpam a criação: finda a juventude, cá estão eles,
taciturnos, como seus pais.
Aos domingos, no verão, encostados no muro do posto de saúde,
fumam cigarros. Quando lembram,
colhem flores para as namoradas —

As moças ficam contentes.
Gostam da beleza daqui, mas sentem falta da cidade, das tardes
ocupadas por compras e conversas, o que se faz
quando não se tem dinheiro…

Na minha opinião, é melhor ficar por aqui;
assim os sonhos não são prejudiciais.
Anoitece, você se senta à janela. De qualquer casa
é possível ver os campos, o rio, realidades
às quais você não pode se impor —

sinto segura aqui. O sol nasce; a névoa
se dissipa para revelar
a imensa montanha. Enxerga-se o topo,
tão branco, mesmo no verão. E o céu tão azul,
pontilhado de pinheiros baixos
feito lanças —

Quando se cansa de caminhar,
deita na grama.
Ao se levantar, entrevê o lugar que deixou,
a grama escorregadia, achatada,
no formato do corpo. Mas ao olhar para trás, depois,
é como se você nunca tivesse estado ali.

Meio da tarde, solstício de verão. Os campos ao infinito,
formosos, tranquilos.
À semelhança das borboletas furta-cor,
as papoulas se abrem.

**

Pastoral
The sun rises over the mountain.
Sometimes there’s mist
but the sun’s behind it always
and the mist isn’t equal to it.
The sun burns its way through,
like the mind defeating stupidity.
When the mist clears, you see the meadow.

No one really understands
the savagery of this place,
the way it kills people for no reason,
just to keep in practice.

So people flee—and for a while, away from here,
they’re exuberant, surrounded by so many choices—

But no signal from earth
will ever reach the sun. Thrash
against that fact, you are lost.

When they come back, they’re worse.
They think they failed in the city,
not that the city doesn’t make good its promises.
They blame their upbringing: youth ended and they’re back,
silent, like their fathers.
Sundays, in summer, they lean against the wall of the clinic,
smoking cigarettes. When they remember,
they pick flowers for their girlfriends—

It makes the girls happy.
They think it’s pretty here, but they miss the city, the afternoons
filled with shopping and talking, what you do
when you have no money…

To my mind, you’re better off if you stay;
that way, dreams don’t damage you.
At dusk, you sit by the window. Wherever you live,
you can see the fields, the river, realities
on which you cannot impose yourself—

To me, it’s safe. The sun rises; the mist
dissipates to reveal
the immense mountain. You can see the peak,
how white it is, even in summer. And the sky’s so blue,
punctuated with small pines
like spears—

When you got tired of walking
you lay down in the grass.
When you got up again, you could see for a moment where you’d been,
the grass was slick there, flattened out
into the shape of a body. When you looked back later,
it was as though you’d never been there at all.

Midafternoon, midsummer. The fields go on forever,
peaceful, beautiful.
Like butterflies with their black markings,
the poppies open.
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 

§§

Antes da Tempestade
Chuva amanhã, mas hoje à noite o céu está claro, as estrelas brilham.
Ainda assim, a chuva está chegando,
talvez o bastante para submergir as sementes.
Tem um vento do mar empurrando as nuvens;
antes que você as veja, você sente o vento.
Melhor dar uma olhada nos campos,
ver como eles são antes que alaguem.

Uma lua cheia. Ontem, uma ovelha fugiu para a floresta,
e não uma ovelha qualquer — o reprodutor, todo o futuro.
Se nós voltarmos a vê-lo, veremos seus ossos.

O capim se agita de leve; talvez o vento tenha passado por ele.
E as novas folhas das oliveiras se agitam da mesma maneira.
Camundongos nos campos. Onde as raposas caçam,
amanhã haverá sangue no capim.
Mas a tempestade — a tempestade lavará tudo.

Em uma das janelas está um menino, sentado.
Mandaram-no para a cama — cedo demais,
em sua opinião. Então ele se senta na janela —

Está tudo em ordem agora.
Onde você está agora é onde você irá dormir, onde acordará de manhã.
As montanhas firmes como um farol, para lembrar a noite de que a Terra existe,
que ela não deve ser esquecida.

Sobre o mar, as nuvens se formam conforme o vento aperta,
dispersando-as, dando a elas um propósito.

Amanhã a aurora não virá.
O céu não voltará a ser o céu de hoje; ele prosseguirá como a noite,
exceto pelas estrelas que vão se dissolver e sumir quando a tempestade chegar,
durando quem sabe umas dez horas.
Mas o mundo como ele era não vai voltar.

Uma a uma, as luzes das casas da cidade se apagam
e as montanhas brilham na escuridão refletindo luz.

Nenhum som. Apenas gatos se enroscando na entrada.
Eles farejam o vento: tempo de fazer mais gatos.
Mais tarde, eles vagarão pelas ruas, mas o cheiro do vento os espreita.
É o mesmo nos campos, atrapalhados pelo cheiro de sangue,
ainda que por ora apenas o vento desperte; estrelas deixam o campo prateado.

Estamos longe do mar e mesmo assim reconhecemos os sinais.
A noite é um livro aberto.
Mas o mundo para além da noite permanece um mistério.

**

Before the Storm
Rain tomorrow, but tonight the sky is clear, the stars shine.
Still, the rain’s coming,
maybe enough to drown the seeds.
There’s a wind from the sea pushing the clouds;
before you see them, you feel the wind.
Better look at the fields now,
see how they look before they’re flooded.

A full moon. Yesterday, a sheep escaped into the woods,
and not just any sheep — the ram, the whole future.
If we see him again, we’ll see his bones.

The grass shudders a little; maybe the wind passed through it.
And the new leaves of the olives shudder in the same way.
Mice in the fields. Where the fox hunts,
tomorrow there’ll be blood in the grass.
But the storm — the storm will wash it away.

In one window, there’s a boy sitting.
He’s been sent to bed — too early,
in his opinion. So he sits at the window —

Everything is settled now.
Where you are now is where you’ll sleep, where you’ll wake up in the morning.
The mountain stands like a beacon, to remind the night that the earth exists,
that it mustn’t be forgotten.

Above the sea, the clouds form as the wind rises,
dispersing them, giving them a sense of purpose.

Tomorrow the dawn won’t come.
The sky won’t go back to being the sky of day; it will go on as night,
except the stars will fade and vanish as the storm arrives,
lasting perhaps ten hours altogether.
But the world as it was cannot return.

One by one, the lights of the village houses dim
and the mountain shines in the darkness with reflected light.

No sound. Only cats scuffing in the doorways.
They smell the wind: time to make more cats.
Later, they prowl the streets, but the smell of the wind stalks them.
It’s the same in the fields, confused by the smell of blood,
though for now only the wind rises; stars turn the field silver.

This far from the sea and still we know these signs.
The night is an open book.
But the world beyond the night remains a mystery.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.

§§

Primeira Neve
Como uma criança, a Terra está indo dormir,
é pelo menos o que diz a história.

Mas eu não estou cansada, ela diz.
E a mãe responde: Você pode não estar cansada, mas eu estou —

Você pode notar isso em seu rosto, qualquer um pode.
Pois a neve tem que cair, e o sono tem que vir.
Porque a mãe está mortalmente cansada da vida
e precisa de silêncio.

**

First Snow
Like a child, the earth’s going to sleep,
or so the story goes.

But I’m not tired, it says.
And the mother says, You may not be tired but I’m tired —

You can see it in her face, everyone can.
So the snow has to fall, sleep has to come.
Because the mother’s sick to death of her life
and needs silence.
- Louise Glück [tradução André Caramuru Aubert]. In: AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016.


***

DE 'NOITE VIRTUOSA E FIEL' - 2014 


Noite Fiel e Virtuosa *
Minha história começa de forma bem simples: eu sabia falar e era feliz.
Ou: eu sabia falar, logo era feliz.
Ou: eu era feliz, logo falava.
Eu era como uma luz forte atravessando um quarto escuro.

Se é tão difícil começar, imagine chegar ao fim —
Na minha cama, os barcos a vela estampados no lençol
traziam, ao mesmo tempo, cenas de aventura (mundos a explorar)
e uma sensação de balanço, como num berço.

Primavera, e as cortinas esvoaçavam.
Uma brisa entrava no quarto, trazendo os primeiros insetos.
O zumbido como um rumor de reza.

Memórias
são parte de uma memória maior.
Pontos de luz em meio ao nevoeiro, visibilidade intermitente,
como um farol cuja única função
é emitir um sinal.

Mas para que serve mesmo o farol?
O norte para cá, ele diz.
Não: eu sou seu porto seguro.

Para incômodo do meu irmão mais velho, eu dividia este quarto com ele.
Como punição por eu existir, ele me mantinha acordado, lendo
histórias de aventura à luz do abajur.

Hábitos muito antigos: meu irmão de um lado da cama,
melancólico, mas por opção,
a cabeça iluminada apoiada nas mãos, o rosto no escuro —

Naquela época,
meu irmão lia um livro que ele chamava de
noite fiel e virtuosa.
Seria por acaso a noite em que ele lia e eu ficava ali acordado?
Não — foi uma noite tempos atrás, um lago de trevas, ali onde
uma pedra surgiu, e na pedra
crescia uma espada.

Tantas impressões passavam pela minha cabeça,
um zumbido ligeiro, como dos insetos.
Quando não estava atento ao meu irmão, ficava deitado
olhando para o teto — que nunca
foi minha parte preferida do quarto. Ele me lembrava
as coisas que não vemos, o céu, obviamente, porém, mais doloroso,
meus pais em cima das nuvens sentados com suas roupas brancas de viagem.

Eu também estava fazendo uma viagem,
nesse caso imperceptível
daquela noite até a manhã seguinte,
e também usava uma roupa especial:
um pijama listrado.

Agora imagine um dia de primavera.
Um dia inofensivo: meu aniversário.
No andar de baixo, três presentes sobre a mesa do café.
Em uma caixa, lenços bem alinhados, com monogramas.
Na segunda caixa, lápis de cor dispostos
em três fileiras, como nas fotos de escola.
Na última caixa, um livro chamado Minha primeira leitura.

Minha tia dobrou o papel de embrulho estampado;
enrolou com cuidado as fitas em círculos.
Meu irmão me entregou uma barra de chocolate
embrulhada em papel laminado.

Então, de repente, fiquei sozinho.

A principal atividade de uma criança bem pequena
talvez seja observar e ouvir:

Nesse sentido, estavam todos ocupados —
eu ouvindo os sons dos pássaros que vinham comer,
os insetos de várias espécies nascendo, os menores
rastejando no parapeito da janela, e no andar de cima
a máquina de costura da minha tia que fazia
furinhos numa pilha de vestidos —

O que houve? Aconteceu alguma coisa?
Está esperando que o dia acabe para que seu irmão volte a ler?
Esperando que venha a noite, fiel, virtuosa,
para consertar, por um instante, a fenda entre
você e seus pais?

Nada disso aconteceu de imediato, claro.
Nesse meio-tempo, foi meu aniversário;
de certa forma, o começo luminoso virou
um processo interminável.

Clima agradável para abril. Nuvens
volumosas no alto boiavam entre as macieiras.
Abri o livro, Minha primeira leitura, que parecia ser
uma história sobre duas crianças — eu ainda não sabia ler.

Na página três, surgia um cachorro.
Na página cinco, uma bola — que as crianças jogavam
a uma altura impossível, até que
o cachorro saía flutuando para buscar a bola no céu.
Essa parecia ser a trama.

Fui passando as páginas. Ao terminar,
continuei folheando, de modo que a história ganhou um formato circular,
como no zodíaco. Fiquei tonto. A bola amarela

passava por todo mundo, estava
tanto nas mãos da criança em casa quanto na boca do cachorro —

Mãos me erguem por baixo.
Podiam ser de qualquer pessoa,
homem ou mulher.
Lágrimas caindo sobre a minha pele. De quem eram?
Ou estávamos na chuva, esperando um carro chegar?

O tempo foi mudando.
Fissuras surgiram no meio do imenso azul,
ou melhor, nuvens negras de repente
se impuseram sobre o fundo azul-celeste.

Em algum lugar, em tempos remotos e longínquos,
minha mãe e meu pai
embarcavam na sua última viagem,
minha mãe orgulhosa beijando seu novo bebê, meu pai
jogando meu irmão para o alto.

Sentei na janela, ora folheando
minha primeira leitura, ora vendo
o tempo passar, minha iniciação à
filosofia e à religião.

Talvez eu tenha adormecido. Quando acordei,
o céu estava diferente. Chovia um pouco,
as coisas ganharam um ar fresco e renovado —

Continuei olhando
o cachorro em alvoroço
com a bola amarela, um objeto

logo substituía
outro, talvez um brinquedo —

E aí, de repente, anoiteceu.
Ouvi a voz do meu irmão
avisando que estava em casa.

Ele parecia tão velho, mais velho do que naquela manhã.
Deixou os livros ao lado do porta-guarda-chuvas
e foi lavar o rosto.
Os punhos do uniforme escolar
pendiam até abaixo do joelho.

Você não faz ideia de como é chocante
para uma criança pequena quando
uma coisa contínua se interrompe.

O som, que vinha do quarto de costura,
tipo uma broca, porém mais distante —

O som calou. O silêncio tomou conta de tudo.
Depois, no silêncio, alguns passos.
Depois, estamos todos juntos, minha tia e meu irmão.

Depois, a mesa posta, o chá servido.
No meu prato, uma fatia de bolo de gengibre
e, no meio da fatia,
uma vela, que seria acesa mais tarde.
Você está tão calado, disse minha tia.

E era verdade —
da minha boca não saía nenhum som. Mas os sons
estavam na minha cabeça, deveriam se expressar
como algo menos exato, talvez como pensamento,
embora na época parecessem sons.

Existia algo ali onde antes não havia nada.
Ou melhor, não havia nada ali,
mas o nada tinha sido ocupado por perguntas —

Perguntas orbitavam na minha cabeça;
se organizavam como planetas —

Do lado de fora, anoitecia. Seria esta
aquela noite perdida, coberta de estrelas, respingada de luar,
espécie de produto químico que conserva
tudo que está imerso nele?

Minha tia acendeu a vela.

A escuridão se alastrava sobre a terra
e a noite boiava sobre o mar,
presa a um pedaço de madeira —

Se eu pudesse falar, o que teria dito?
Acho que teria dito
adeus, porque de algum modo
era um adeus —

Bom, o que eu podia fazer? Já não era
mais um bebezinho.

Achei o escuro reconfortante.
Podia ver na fronha, esmaecidos,
os barcos a vela azuis e amarelos.

Estava só com meu irmão;
os dois deitados no escuro, respirando juntos,
a maior forma de intimidade.

Me ocorreu que todos os seres humanos se dividem
entre os que querem seguir adiante
e os que querem voltar atrás.
Ou melhor, entre os que querem continuar o movimento
e os que querem que o caminho se interrompa
diante do brilho de uma espada.

Meu irmão segurou minha mão.
Também essa lembrança ficaria pairando
por aí, embora talvez na cabeça dele
tenha virado parte do imaginário —

Depois que enfim começamos, como parar?
Acho que sigo esperando ser interrompido
como meus pais foram por uma árvore imensa —
e minha balsa, digamos, terá passado
por entre as montanhas pela última vez.
Alguma coisa parecida com adormecer, dizem,
que foi o que fiz logo depois.

No dia seguinte, consegui falar.
Minha tia ficou na maior alegria —
como se a minha felicidade tivesse
passado para ela, mas na época era ela quem
mais precisava, tinha duas crianças para criar.
Eu me contentei com um estado meditativo.
Passava o tempo com os lápis de cor
(logo gastei as cores mais escuras),
mas o que via, como contei à minha tia,
era menos uma representação factual do mundo
era mais a imagem de como ele tinha se transformado
depois de eu atravessar meu próprio vazio.

Parecido com o mundo na primavera, expliquei.

Quando eu não me preocupava com o mundo
desenhava retratos da minha mãe
para os quais minha tia posava
segurando, a meu pedido,
um galhinho de sicômoro.
Continuei abalado com o mistério do meu silêncio;
não tanto por minha alma ter se ausentado
mas sobretudo por ela ter voltado de mãos vazias —

Ela, a alma, vai tão longe,
é como uma criança que procura a mãe num supermercado —

Talvez como um mergulhador
que leva no tanque só o ar suficiente
para explorar as profundezas por poucos minutos —
até que o seu pulmão o mande de volta.

Mas decerto alguma coisa ia contra os meus pulmões,
um desejo de morte talvez —
(uso a palavra alma aqui como uma forma de pacto).

É claro que eu não estava de mãos vazias:
minha caixa de lápis de cor me fazia companhia.
Mas é isto que quero dizer, de algum modo:
eu aceitei substituir as coisas.

Foi um desafio desenhar usando cores vivas,
as que restavam, se bem que minha tia preferisse essas, é claro —
para ela, as crianças tinham o coração leve.

E, assim, o tempo passou: virei
um garoto como meu irmão, e depois
um homem.

Aqui me despeço de você. Tudo indica
que não há um final perfeito.
Há, na verdade, infinitas possibilidades.
Ou, quem sabe, depois que começamos,
só nos restam os finais.

**

Faithful and Virtuous Night
My story begins very simply: I could speak and I was happy.
Or: I could speak, thus I was happy.
Or: I was happy, thus speaking.
I was like a bright light passing through a dark room.

If it is so difficult to begin, imagine what it will be to end—
On my bed, sheets printed with colored sailboats
conveying, simultaneously, visions of adventure (in the form of exploration)
and sensations of gentle rocking, as of a cradle.

Spring, and the curtains flutter.
Breezes enter the room, bringing the first insects.
A sound of buzzing like the sound of prayers.

Constituent
memories of a large memory.
Points of clarity in a mist, intermittently visible,
like a lighthouse whose one task
is to emit a signal.

But what really is the point of the lighthouse?
This is north, it says.
Not: I am your safe harbor.

Much to his annoyance, I shared this room with my older brother.
To punish me for existing, he kept me awake, reading
adventure stories by the yellow nightlight.

The habits of long ago: my brother on his side of the bed,
subdued but voluntarily so,
his bright head bent over his hands, his face obscured—

At the time of which I’m speaking,
my brother was reading a book he called
the faithful and virtuous night.
Was this the night in which he read, in which I lay awake?
No—it was a night long ago, a lake of darkness in which
a stone appeared, and on the stone
a sword growing.

Impressions came and went in my head,
a faint buzz, like the insects.
When not observing my brother, I lay in the small bed we shared
staring at the ceiling—never
my favorite part of the room. It reminded me
of what I couldn’t see, the sky obviously, but more painfully
my parents sitting on the white clouds in their white travel outfits.

And yet I too was traveling,
in this case imperceptibly
from that night to the next morning,
and I too had a special outfit:
striped pyjamas.

Picture if you will a day in spring.
A harmless day: my birthday.
Downstairs, three gifts on the breakfast table.
In one box, pressed handkerchiefs with a monogram.
In the second box, colored pencils arranged
in three rows, like a school photograph.
In the last box, a book called My First Reader.

My aunt folded the printed wrapping paper;
the ribbons were rolled into neat balls.
My brother handed me a bar of chocolate
wrapped in silver paper.

Then, suddenly, I was alone.

Perhaps the occupation of a very young child
is to observe and listen:

In that sense, everyone was occupied—
I listened to the various sounds of the birds we fed,
the tribes of insects hatching, the small ones
creeping along the windowsill, and overhead
my aunt’s sewing machine drilling
holes in a pile of dresses—

Restless, are you restless?
Are you waiting for day to end, for your brother to return to his book?
For night to return, faithful, virtuous,
repairing, briefl y, the schism between
you and your parents?

This did not, of course, happen immediately.
Meanwhile, there was my birthday;
somehow the luminous outset became
the interminable middle.

Mild for late April. Puffy
clouds overhead, floating among the apple trees.
I picked up My First Reader, which appeared to be
a story about two children—I could not read the words.

On page three, a dog appeared.
On page five, there was a ball—one of the children
threw it higher than seemed possible, whereupon
the dog floated into the sky to join the ball.
That seemed to be the story.

I turned the pages. When I was finished
I resumed turning, so the story took on a circular shape,
like the zodiac. It made me dizzy. The yellow ball

seemed promiscuous, equally
at home in the child’s hand and the dog’s mouth—

Hands underneath me, lifting me.
They could have been anyone’s hands,
a man’s, a woman’s.
Tears falling on my exposed skin. Whose tears?
Or were we out in the rain, waiting for the car to come?

The day had become unstable.
Fissures appeared in the broad blue, or,
more precisely, sudden black clouds
imposed themselves on the azure background.

Somewhere, in the far backward reaches of time,
my mother and father
were embarking on their last journey,
my mother fondly kissing the new baby, my father
throwing my brother into the air.

I sat by the window, alternating
my first lesson in reading with
watching time pass, my introduction to
philosophy and religion.

Perhaps I slept. When I woke
the sky had changed. A light rain was falling,
making everything very fresh and new—

I continued staring
at the dog’s frantic reunions
with the yellow ball, an object

soon to be replaced
by another object, perhaps a soft toy—

And then suddenly evening had come.
I heard my brother’s voice
calling to say he was home.

How old he seemed, older than this morning.
He set his books beside the umbrella stand
and went to wash his face.
The cuffs of his school uniform
dangled below his knees.

You have no idea how shocking it is
to a small child when
something continuous stops.

The sounds, in this case, of the sewing room,
like a drill, but very far away—

Vanished. Silence was everywhere.
And then, in the silence, footsteps.
And then we were all together, my aunt and my brother.

Then tea was set out.
At my place, a slice of ginger cake
and at the center of the slice,
one candle, to be lit later.
How quiet you are, my aunt said.

It was true—
sounds weren’t coming out of my mouth. And yet
they were in my head, expressed, possibly,
as something less exact, thought perhaps,
though at the time they still seemed like sounds to me.

Something was there where there had been nothing.
Or should I say, nothing was there
but it had been defiled by questions—

Questions circled my head; they had a quality
of being organized in some way, like planets—

Outside, night was falling. Was this
that lost night, star-covered, moonlight-spattered,
like some chemical preserving
everything immersed in it?

My aunt had lit the candle.

Darkness overswept the land
and on the sea the night floated
strapped to a slab of wood—

If I could speak, what would I have said?
I think I would have said
goodbye, because in some sense
it was goodbye—

Well, what could I do? I wasn’t
a baby anymore.

I found the darkness comforting.
I could see, dimly, the blue and yellow
sailboats on the pillowcase.

I was alone with my brother;
we lay in the dark, breathing together,
the deepest intimacy.

It had occurred to me that all human beings are divided
into those who wish to move forward
and those who wish to go back.
Or you could say, those who wish to keep moving
and those who want to be stopped in their tracks
as by the blazing sword.

My brother took my hand.
Soon it too would be floating away
though perhaps, in my brother’s mind,
it would survive by becoming imaginary—

Having finally begun, how does one stop?
I suppose I can simply wait to be interrupted
as in my parents’ case by a large tree—
the barge, so to speak, will have passed
for the last time between the mountains.
Something, they say, like falling asleep,
which I proceeded to do.

The next day, I could speak again.
My aunt was overjoyed—
it seemed my happiness had been
passed on to her, but then
she needed it more, she had two children to raise.

I was content with my brooding.
I spent my days with the colored pencils
(I soon used up the darker colors)
though what I saw, as I told my aunt,
was less a factual account of the world
than a vision of its transformation
subsequent to passage through the void of myself.

Something, I said, like the world in spring.

When not preoccupied with the world
I drew pictures of my mother
for which my aunt posed,
holding, at my request,
a twig from a sycamore.

As to the mystery of my silence:
I remained puzzled
less by my soul’s retreat than
by its return, since it returned empty-handed—

How deep it goes, this soul,
like a child in a department store, seeking its mother—

Perhaps it is like a diver
with only enough air in his tank
to explore the depths for a few minutes or so—
then the lungs send him back.

But something, I was sure, opposed the lungs,
possibly a death wish—
(I use the word soul as a compromise).

Of course, in a certain sense I was not empty-handed:
I had my colored pencils.
In another sense, that is my point:
I had accepted substitutes.

It was challenging to use the bright colors,
the ones left, though my aunt preferred them of course—
she thought all children should be lighthearted.

And so time passed: I became
a boy like my brother, later
a man.

I think here I will leave you. It has come to seem there is no perfect ending.
Indeed, there are infinite endings.
Or perhaps, once one begins,
there are only endings.
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 
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* Nota da tradutora sobre o poema “Noite fiel e virtuosa” [“Faithful and virtuous night”]. Nesse poema, um pintor já de certa idade relembra alguns episódios de sua infância, como, por exemplo, a cena em que ele ficava deitado na cama com o irmão mais velho enquanto este lia as lendas do rei Arthur. Ao ouvir o irmão se referir ao “cavaleiro fiel e virtuoso” da história, ele, que ainda não sabia ler, entendia o outro dizer “noite” [night] em vez de “cavaleiro” [knight], palavras homófonas em inglês. Este engano da escuta infantil transforma “o cavaleiro fiel e virtuoso” na “noite fiel e virtuosa”.

§§

Um silêncio bem afiado
Deixa eu te contar uma coisa, disse a senhora.
Estávamos sentadas, uma diante da outra, no
parque de ____, cidade conhecida por seus brinquedos de madeira.

Na época, eu tinha fugido de um triste caso amoroso
e, por penitência ou autocastigo, fui trabalhar
numa fábrica, onde esculpia à mão minúsculos pés e mãos.

O parque era meu consolo, sobretudo nas horas calmas
depois do pôr do sol, quando costumava ficar às moscas.
Mas, naquele fim de tarde, ao entrar no Jardim da Condessa, que era como
se chamava o parque, vi que alguém já estava lá. Me aflige tanto pensar
que eu podia ter ido embora, mas estava
decidida a entrar; o dia todo pensando nas cerejeiras que ladeavam
o caminho e cuja floração tinha sido pouco tempo antes.

Sentamos em silêncio. A noite caía
e a sensação era de clausura,
como numa cabine de trem.

Quando eu era jovem, ela disse, gostava de andar pelos parques ao anoitecer
e quando a alameda do parque era longa, dava tempo de ver a lua nascer.
Foi meu grande prazer na vida: nem sexo, nem comida, nem distrações mundanas.
Preferia ver a lua nascendo e de vez em quando ouvia,
na mesma hora, as notas sublimes do final
de As bodas de Fígaro. De onde vinha aquela música?
Nunca descobri.

Como as alamedas dos parques costumam ter o formato
circular, todas as noites, depois das minhas andanças,
eu acabava diante da porta da minha própria casa e ficava ali encarando-a,
sem conseguir ver direito, no escuro, o brilho da maçaneta.

Foi uma grande revelação para mim, ela disse, apesar de ser a minha própria vida.

Mas havia noites, ela disse, em que quase não se via a lua por entre as nuvens
e a música não tocava. Uma noite frustrante.
Porém, lá ia eu na noite seguinte e tudo corria bem.

Eu não sabia o que dizer a ela. A história, ainda mais desconexa por escrito,
era interrompida por pausas, como devaneios,
e intervalos muito prolongados, até que nessa hora a noite chegou.

Ah, noite que abarca todas as coisas, noite
ávida por percepções estranhas. Minha sensação era de estar a ponto
de ouvir um segredo importante, como a tocha que vai passando
de mão em mão numa corrida de revezamento.

Minhas desculpas sinceras, disse ela,
confundi você com uma amiga.
E fez um gesto na direção das estátuas ao redor,
homens heroicos, mulheres se sacrificando como santas
apertando contra o peito seus bebês de granito.
As estátuas, ela disse, não são instáveis como os seres humanos.

Deles eu desisti, falou,
mas nunca deixei de gostar das viagens em círculo.
Talvez eu esteja enganada, não é mesmo?

Sobre as nossas cabeças, as flores das cerejeiras começaram
a se soltar no céu da noite, ou quem sabe eram estrelas flutuando,
flutuando e caindo, e no lugar onde pousavam
novos mundos iam se formando.

Depois disso, voltei para a minha cidade natal
e reatei com meu antigo amor.
Mas a cada dia pensava mais e mais nesse episódio,
tentando analisá-lo de todos os ângulos, e a cada ano ficava mais claro
que, mesmo sem evidências, ele continha uma espécie de segredo.
Concluí por fim que qualquer que fosse a mensagem
o conteúdo dela não estava nas palavras — era como minha mãe falando comigo
com seus silêncios bem afiados, que me advertiam e castigavam —

e me pareceu que eu tinha voltado não só ao meu antigo amor,
mas que agora voltava ao Jardim da Condessa,
com as cerejeiras que ainda estariam em flor,
tal como um peregrino que busca expiação e perdão,

assim, entendi que deve haver, em algum lugar,
uma porta com um brilho na maçaneta,
mas quando ela vai aparecer e onde, não faço a menor ideia.

**

A Sharply Worded Silence
Let me tell you something, said the old woman.
We were sitting, facing each other,
in the park at ____, a city famous for its wooden toys.

At the time, I had run away from a sad love affair,
and as a kind of penance or self-punishment, I was working
at a factory, carving by hand the tiny hands and feet.

The park was my consolation, particularly in the quiet hours
after sunset, when it was often abandoned.
But on this evening, when I entered what was called the Contessa’s Garden,
I saw that someone had preceded me. It strikes me now
I could have gone ahead, but I had been
set on this destination; all day I had been thinking of the cherry trees
with which the glade was planted, whose time of blossoming had nearly
ended.

We sat in silence. Dusk was falling,
and with it came a feeling of enclosure
as in a train cabin.

When I was young, she said, I liked walking the garden path at twilight
and if the path was long enough I would see the moon rise.
That was for me the great pleasure: not sex, not food, not worldly amusement.
I preferred the moon’s rising, and sometimes I would hear,
at the same moment, the sublime notes of the final ensemble
of The Marriage of Figaro. Where did the music come from?
I never knew.

Because it is the nature of garden paths
to be circular, each night, after my wanderings,
I would find myself at my front door, staring at it,
barely able to make out, in darkness, the glittering knob.

It was, she said, a great discovery, albeit my real life.

But certain nights, she said, the moon was barely visible through the clouds
and the music never started. A night of pure discouragement.
And still the next night I would begin again, and often all would be well.

I could think of nothing to say. This story, so pointless as I write it out,
was in fact interrupted at every stage with trance-like pauses
and prolonged intermissions, so that by this time night had started.

Ah the capacious night, the night
so eager to accommodate strange perceptions. I felt that some important secret
was about to be entrusted to me, as a torch is passed
from one hand to another in a relay.
My sincere apologies, she said.
I had mistaken you for one of my friends.
And she gestured toward the statues we sat among,
heroic men, self-sacrificing saintly women
holding granite babies to their breasts.
Not changeable, she said, like human beings.

I gave up on them, she said.
But I never lost my taste for circular voyages.
Correct me if I’m wrong.

Above our heads, the cherry blossoms had begun
to loosen in the night sky, or maybe the stars were drifting,
drifting and falling apart, and where they landed
new worlds would form.

Soon afterward I returned to my native city
and was reunited with my former lover.
And yet increasingly my mind returned to this incident,
studying it from all perspectives, each year more intensely convinced,
despite the absence of evidence, that it contained some secret.
I concluded finally that whatever message there might have been
was not contained in speech—so, I realized, my mother used to speak to me,
her sharply worded silences cautioning me and chastising me—

and it seemed to me I had not only returned to my lover
but was now returning to the Contessa’s Garden
in which the cherry trees were still blooming
like a pilgrim seeking expiation and forgiveness,

so I assumed there would be, at some point,
a door with a glittering knob,
but when this would happen and where I had no idea.
- Louise Glück, em "Poemas 2006-2014". [tradução Heloisa Jahn, Marília Garcia e Bruna Beber]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 

***

DE 'RECEITAS DE INVERNO DA COMUNIDADE' - 2021


Dia do presidente
Tanto sol aprazível por toda parte
fazendo a neve cintilar — parece
de verdade, pensei, bonito
ver isso outra vez; minhas mãos
estavam quase quentes. Algum
princípio está em ação, pensei:
louvável, dando um apoio
à vida humana, mas por cautela
joguei um pouco de neve por cima do ombro,
não tendo sol. E não deu outra,
as nuvens voltaram, e não deu outra,
o céu ficou escuro e ameaçador,
tudo como antes, sem contar que
as perdas se amontoavam —
momentos antes, porém,
o sol brilhava. Que jubilosa estava a minha cabeça,
ao fruí-lo, sentindo-o primeiro
enquanto o resto do corpo esperava. Feito colmeia abandonada.
Jubilosa — aí está uma palavra
que não usamos há um bom tempo.

**

Presidents’ Day
Lots of good-natured sunshine everywhere
making the snow glitter—quite
lifelike, I thought, nice
to see that again; my hands
were almost warm. Some
principle is at work, I thought:
commendable, taking an interest
in human life, but to be safe
I threw some snow over my shoulder,
since I had no salt. And sure enough
the clouds came back, and sure enough
the sky grew dark and menacing,
all as before, except
the losses were piling up—
And yet, moments ago
the sun was shining. How joyful my head was,
basking in it, getting to feel it first
while the limbs waited. Like a deserted hive.
Joyful—now there’s a word
we haven’t used in a while
- Louise Glück, em "Receitas de inverno da comunidade". [tradução Heloisa Jahn]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 

§§

Uma lembrança
Fui tomada por um mal
de origens jamais determinadas
embora tivesse ficado cada vez mais difícil
manter a aparência de normalidade,
de boa saúde ou alegria na existência —
Cada vez mais, eu só queria estar com pessoas como eu;
ia atrás delas como podia
o que não era nada fácil
já que todas estavam disfarçadas ou escondidas.
Mas no fim consegui encontrar alguns companheiros
e naquela época às vezes saía para caminhar
com um ou outro pela margem do rio,
voltando a falar com uma franqueza quase esquecida —
Embora em geral ficássemos em silêncio, preferindo
o rio a qualquer coisa que pudéssemos dizer —
Nas duas margens, o alto capim taboa soprava
calmamente, continuamente, ao vento de outono.
E tive a impressão de me lembrar daquele lugar
dos tempos da minha infância, só que
na minha infância não havia rio,
apenas casas e prados. Assim, talvez,
eu estivesse voltando para aquele tempo
anterior à minha infância, ao oblívio, quem sabe
fosse esse o rio que eu recordava.

**

A Memory
A sickness came over me
whose origins were never determined
though it became more and more difficult
to sustain the pretense of normalcy,
of good health or joy in existence—
Gradually I wanted only to be with those like myself;
I sought them out as best I could
which was no easy matter
since they were all disguised or in hiding.
But eventually I did find some companions
and in that period I would sometimes walk
with one or another by the side of the river,
speaking again with a frankness I had nearly forgotten—
And yet, more often we were silent, preferring
the river over anything we could say—
On either bank, the tall marsh grass blew
calmly, continuously, in the autumn wind.
And it seemed to me I remembered this place
from my childhood, though
there was no river in my childhood,
only houses and lawns. So perhaps
I was going back to that time
before my childhood, to oblivion, maybe
it was that river I remembered.
- Louise Glück, em "Receitas de inverno da comunidade". [tradução Heloisa Jahn]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 

§§

Tardes e Inícios de Noite
Os belos dias dourados quando você estava perto da morte
mas ainda era capaz de participar de conversas aleatórias com estranhos,
aleatórias mas também deliberadas, de modo que as impressões do mundo
ainda se formavam, modificando você,
e a cidade radiosa como nunca, sem gente demais no verão
embora àquela altura tudo se passasse mais lentamente —
butiques, restaurantes, uma lojinha de vinhos com toldo listrado,
uma vez havia um gato dormindo no vão da porta;
estava fresco, ali, na sombra, e pensei
que gostaria de voltar a dormir daquele jeito, sem um só
pensamento na cabeça. E depois comeríamos polpo e saganaki,
com o garçom cortando folhas de orégano num pires com azeite —
Que horas seriam? Seis? Porque, quando saímos ainda estava claro
e tudo podia ser visto do jeito que era,
e aí você entrou no carro —
Aonde foi em seguida, depois daqueles dias,
quando mesmo sem poder falar não estava perdida?

**

Afternoons and Early Evenings
The beautiful golden days when you were soon to be dying
but could still enter into random conversations with strangers,
random but also deliberate, so impressions of the world
were still forming and changing you,
and the city was at its most radiant, uncrowded in summer
though by then everything was happening more slowly—
boutiques, restaurants, a little wine shop with a striped awning,
once a cat was sleeping in the doorway;
it was cool there, in the shadows, and I thought
I would like to sleep like that again, to have in my mind
not one thought. And later we would eat polpo and saganaki,
the waiter cutting leaves of oregano into a saucer of oil—
What was it, six o’clock? So when we left it was still light
and everything could be seen for what it was,
and then you got in the car—
Where did you go next, after those days,
where although you could not speak you were not lost?
- Louise Glück, em "Receitas de inverno da comunidade". [tradução Heloisa Jahn]. Edição bilíngue. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 

***


OUTRAS FONTES AMERICANAS - PERÍODICOS / REVISTAS / ANTOLOGIAS


Começo de dezembro em Croton-sobre-o-Hudson
................................... - para Charles Hertz

Sol espigado. A redução gradual
Do Hudson cepilhado pelo gelo.
Ouço, dado de osso,
O barulhinho do cascalho no sapato. Osso –
pálido, a neve recente
A se agarrar, como pelo, no dorso do rio.
Pausa. Estávamos partindo para entregar
Presentes de Natal, quando o pneu furou,
No ano passado. Por cima das valvas mortas
Erguiam-se pinheiros desgalhados pela tormenta, membros nus...
Eu quero você.

**

Early december in Croton-on-Hudson
................................... - for Charles Hertz

Spiked sun. The Hudson’s
Whittled down by ice.
I hear the bone dice
Of blown gravel clicking. Bone-
pale, the recent snow
Fastens like fur to the river.
Standstill. We were leaving to deliver
Christmas presents when the tire blew
Last year. Above the dead valves pines pared
Down by a storm stood, limbs bared . . .
I want you.
- Louise Glück [tradução Marcos Konder Reis]. In: Nova poesia norte-americana Quingumbo. organização Kerry Shawn Keys; prefácio Lêdo Ivo e Kerry Shawn Keys; vários tradutores. São Paulo: Escrita, 1980. 
----------------
Glück, Louise. The Atlantic, december, 1967.

§§

O Efêmero
...............................– para Tom

I. A Árvore

Ela está toda aqui,
Água luminosa, o arbuso impresso,
Contraposto, galho a galho,
À árvore estendida
Na lente, tal como era
Contra a verde, envenenada paisagem.

II. A Imagem Latente

Um ano ele fixou-se numa árvore
Até que, através da luz do sol, pura como nunca
Depois, ele viu a estação, começo da primavera, trabalho
Sobre esses troncos, sua magia permanente, que o olho
Retém: fundo, no cérebro,
O arbusto grava sua folha nesse contexto,
Entre monumentos, contínuo com tais formas geladas,
Tal como tornou-se essa vinha treinada,
Raiz, rocha, e todas as coisas perecíveis.

**

The Shad-blow Tree
............................... — for Tom

1. The Tree

It is all here,
luminous water, the imprinted sapling
matched, branch by branch,
to the lengthened
tree in the lens, as it was
against the green, poisoned landscape. 

2. The Latent Image

One year he focused on a tree
until, through sunlight pure as never afterward, he saw
the season, early spring, work upon those limbs
its white flower, which the eye
retains: deep in the brain
the shad-blow coins its leaf in this context,
among monuments, continuous with such frozen forms
as have become the trained vine,
root, rock, and all things perishing.
- Louise Glück [tradução Marcos Konder Reis]. In: Nova poesia norte-americana Quingumbo. organização Kerry Shawn Keys; prefácio Lêdo Ivo e Kerry Shawn Keys; vários tradutores. São Paulo: Escrita, 1980. 
----------------
Glück, Louise. “The Shad-Blow Tree.” Poetry, vol. 118, no. 2, 1971, pp. 65–65.  

§§

Lamium
Assim é que se vive quando o coração é frio.
Como eu: em sombras, rastejando sobre rochas frias,
sob os grandes bordos.

O sol mal me toca.
Às vezes o vejo na primavera, subindo distante.
Aí crescem folhas nele, ocultando-o todo. Sinto
ele luzindo entre as folhas, errático, como
alguém batendo o lado de um copo com uma colher.

Coisas vivas não requerem todas
a luz no mesmo nível. Algumas de nós
fabricam sua própria luz: uma folha prateada
como uma trilha que ninguém vai usar, um raso
lago de prata na escuridão sob os grandes bordos.

Mas você já sabe disso.
Você e os outros que pensam
que vivem pra verdade, e, por extensão, amam
tudo o que é frio.

**

Lamium
This is how you live when you have a cold heart.
As I do: in shadows, trailing over cool rock,
under the great maple trees.

The sun hardly touches me.
Sometimes I see it in early spring, rising very far away.
Then leaves grow over it, completely hiding it. I feel it
glinting through the leaves, erratic,
like someone hitting the side of a glass with a metal spoon.

Living things don’t all require
light in the same degree. Some of us
make our own light: a silver leaf
like a path no one can user, a shallow
lake of silver in the darkness under the great maples.

But you know this already.
You and the others who think
you live for truth and, by extension, love
all that is cold.
- Louise Glück [tradução Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores]. In: Arcas de Babel: Adalberto Müller e Guilherme Gontijo Flores traduzem Louise Glück (Patrícia Lavelle - curadoria).. Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. 
----------------
GLÜCK, Louise. Lamium. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 119.


****


  • Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020


LOUISE GLÜCK - EM TRADUÇÕES PORTUGUESAS

Os poemas aqui publicados estão organizados por livro e data da sua publicação original, não a data da tradução. 

DE 'DESCENDING FIGURE' - 1980


POEMA
Ao início da noite, como agora, um homem está curvado
sobre a sua secretária. 
Lentamente ergue a cabeça; uma mulher
surge, trazendo rosas.
O seu rosto flutua até à superfície do espelho,
marcado pelos raios verdes dos pés das rosas.

É uma forma
de sofrimento: depois a página transparente
levada sempre à janela até as suas veias aparecerem
como palavras por fim cheias de tinta.

E é minha obrigação compreender
o que as une
ou à casa cinzenta mantida no sítio com firmeza pelo crepúsculo

porque eu devo entrar nas suas vidas:
é primavera, a pereira
a cobrir-se com uma fina camada de flores brancas e frágeis.

**

POEM
In the early evening, a now, as man is bending
over his writing table.
Slowly he lifts his head; a woman
appears, carrying roses.
Her face floats to the surface of the mirror,
marked with the green spokes of rose stems.
 
It is a form
of suffering: then always the transparent page
raised to the window until its veins emerge
as words finally filled with ink.
 
And I am meant to understand
what binds them together
or to the gray house held firmly in place by dusk
 
because I must enter their lives:
it is spring, the pear tree
filming with weak, white blossoms.
- Louise Lück [tradução Rui Pires Cabral]. In: Telhados de Vidro. direcção Inês Dias e Manuel de Freitas. Lisboa: Averno, n. 12 maio 2009.

***

DE 'ARARATE' - 1990



PARODOS
Há muito tempo, eu fui ferida.
Aprendi
a existir, reativamente,
sem contacto
com o mundo: sempre te digo
o que pretendia ser —
um aparelho de escuta.
Não inerte: imóvel.
Um pedaço de madeira. Uma pedra.
Para quê cansar‑me a discutir, a argumentar?
Aquela gente a respirar nas outras camas
mal prestava atenção, escapando
ao controlo
como qualquer sonho —
Através das persianas, eu observava
a Lua no céu da noite, minguando, inchando —
Nasci para cumprir uma vocação:
dar testemunho
dos grandes mistérios.
Agora que já vi
o nascimento e a morte, sei:
na ordem das trevas estas
coisas são provas, não
mistérios —

**

PARODOS
Long ago, I was wounded.
I learned
to exist, in reaction,
out of touch
with the world: I’ll tell you
what I meant to be—
a device that listened.
Not inert: still.
A piece of wood. A stone.
Why should I tire myself, debating, arguing?
Those people breathing in the other beds
could hardly follow, being
uncontrollable
like any dream—
Through the blinds, I watched
the moon in the night sky, shrinking and swelling—
I was born to a vocation:
to bear witness
to the great mysteries.
Now that I’ve seen both
birth and death, I know
to the dark nature these
are proofs, not
mysteries—
– Louise Glück, em 'Ararate' [tradução Margarida Vale de Gato]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021.

§§

UMA FANTASIA
Digo‑te uma coisa: todos os dias
morrem pessoas. Isso para começo da história.
Todos os dias, nas funerárias, nascem novas viúvas,
novas pessoas órfãs. Sentam‑se de mãos cruzadas,
a tentar decidir sobre essa nova vida.

Depois dão por si no cemitério, algumas
pela primeira vez. Assustam‑se por chorar,
às vezes por não chorar. Alguém se debruça,
lhes diz o que fazer a seguir, o que talvez signifique
dizer algumas palavras, às vezes
atirar terra para a campa aberta.

E depois volta toda a gente para a casa,
que de repente se enche de visitas.
A viúva senta‑se no sofá, muito solene,
para que dela se abeirem as pessoas em fila,
lhe peguem às vezes na mão, outras a abracem.
Descobre uma coisa para dizer a toda a gente,
agradece‑lhes, agradece‑lhes terem vindo.

No seu coração, quer que se vão embora.
Quer voltar para o cemitério,
voltar para a enfermaria, o hospital. Sabe
que é impossível. Mas é a sua única esperança,
o desejo de voltar atrás. E só um bocadinho,
não até ao casamento, até ao primeiro beijo

**

A FANTASY
I’ll tell you something: every day
people are dying. And that’s just the beginning.
Every day, in funeral homes, new widows are born,
new orphans. They sit with their hands folded,
trying to decide about this new life.

Then they’re in the cemetery, some of them
for the first time. They’re frightened of crying,
sometimes of not crying. Someone leans over,
tells them what to do next, which might mean
saying a few words, sometimes
throwing dirt in the open grave.

And after that, everyone goes back to the house,
which is suddenly full of visitors.
The widow sits on the couch, very stately,
so people line up to approach her,
sometimes take her hand, sometimes embrace her.
She finds something to say to everybody,
thanks them, thanks them for coming.

In her heart, she wants them to go away.
She wants to be back in the cemetery,
back in the sickroom, the hospital. She knows
it isn’t possible. But it’s her only hope,
the wish to move backward. And just a little,
not so far as the marriage, the first kiss.
– Louise Glück, em 'Ararate' [tradução Margarida Vale de Gato]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021.     

§§
                                                                         
UM ROMANCE
Ninguém podia escrever um romance sobre esta família:
demasiadas personagens parecidas. Além disso, todas mulheres;
só havia um herói.

Agora o herói morreu. Como ecos, as mulheres duram mais;
são todas demasiado rijas, o que as prejudica.

Deste ponto em diante, não muda nada:
não há intriga sem herói.
Nesta casa, quando se diz intriga quer‑se dizer história de amor.

As mulheres não conseguem mexer‑se.
Oh, claro que se vestem, comem, mantêm as aparências.
Mas não há ação, não há desenvolvimento de caráter.

Todas estão decididas a suprimir
críticas ao herói. O problema é
que ele é fraco; as suas cenas especificam‑lhe
as funções, mas não a natureza.

Talvez isso explique por que razão a sua morte não foi comovente.
Primeiro ele está sentado à cabeceira da mesa,
onde mais se precisa da um testa de ferro.
Depois está a morrer, a cerca de um metro, a mulher segura‑lhe
um espelho debaixo da boca.

É extraordinário como se mantêm ocupadas, estas mulheres, a esposa e as duas filhas.
A pôr a mesa, a levantar os pratos.
Cada coração trespassado por uma espada.

**

A NOVEL
No one could write a novel about this family:
too many similar characters. Besides, they’re all women;
there was only one hero.

Now the hero’s dead. Like echoes, the women last longer;
they’re all too tough for their own good.

From this point on, nothing changes:
there’s no plot without a hero.
In this house, when you say plot what you mean is love story.

The women can’t get moving.
Oh, they get dressed, they eat, they keep up appearances.
But there’s no action, no development of character.

They’re all determined to suppress
criticism of the hero. The problem is
he’s weak; his scenes specify
his function but not his nature.

Maybe that explains why his death wasn’t moving.
First he’s sitting at the head of the table,
where the figurehead is most needed.
Then he’s dying, a few feet away, his wife holding a mirror under his mouth.

Amazing, how they keep busy, these women, the wife and two daughters.
Setting the table, clearing the dishes away.
Each heart pierced through with a sword.
– Louise Glück, em 'Ararate' [tradução Margarida Vale de Gato]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021.     

***

DE 'A ÍRIS SELVAGEM' - 1992



A ÍRIS SELVAGEM
No fim do meu sofrimento
Havia uma porta.

Ouve‑me bem: recordo aquilo
A que tu chamas morte.

Por sobre mim, barulhos, ramos ondulantes de pinheiro.
Depois, nada. O sol fraco
A cintilar na superfície seca.

É muito duro sobreviver assim,
A consciência
Sepultada na terra escura.

Depois, o fim: aquilo que se teme, ser
Alma e incapaz
De falar, termina bruscamente, a terra hirta
Curvando‑se um pouco. E o que eu achei serem
Pássaros lançando‑se em voo pelos ramos baixos.

A vós que não recordais
A passagem do outro mundo
Digo‑vos que eu poderia novamente falar: o que
Regressa do olvido regressa
Para encontrar uma voz:

Do centro da minha vida brotou
Uma fonte fresca, sombras
Em azul profundo sobre o azul da água do mar.

**

THE WILD IRIS
At the end of my suffering
There was a door.

Hear me out that which you call death
I remember.

Overhead, noises, branches of the pine shifting.
Then nothing. The weak sun
flickered over the dry surface.

It is terrible to survive
as consciousness
buried in the dark earth.

Then it was over that which you fear, being
a soul and unable
to speak, ending abruptly, the stiff earth
bending a little. And what I took to be
birds darting in low shrubs.

You who do not remember
passage from the other world
I tell you I could speak again: whatever
Returns from oblivion returns
To find a voice:

From the center of my life came
a great fountain, deep blue
shadows on azure seawater.
- Louise Glück em "A Íris Selvagem". [tradução Ana Luísa Amaral]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.

§§

MATINAS
O sol brilha; junto da caixa de correio, folhas
da bétula cindida, dobradas, plissadas como barbatanas.
Debaixo delas, estames ocos dos narcisos brancos, Triandros, Trompetes; folhas
negras da violeta selvagem. Noah diz
que quem é depressivo odeia a Primavera, o desequilíbrio
entre o mundo interior e o de fora. Eu tenho
outra ideia — depressiva, sim, mas unida também
à árvore viva, apaixonadamente, o meu corpo
enrolado no seu tronco, à chuva da tarde, quase em paz,
quase capaz de sentir
a seiva borbulhante, subindo por mim. Diz Noah que esse é
um erro dos depressivos, sentirem‑se um só
com uma árvore. Ao passo que o coração feliz
vagueia pelo jardim como folha caída, um fragmento
da parte, não do todo.

**

MATINS
The sun shines; by the mailbox, leaves
of the divided birch tree folded, pleated like fins.
Underneath, hollow stems of the white daffodils, Ice Wings, Cantatrice; dark
leaves of the wild violet. Noah says
depressives hate the spring, imbalance
between the inner and the outer world. I make
another case—being depressed, yes, but in a sense passionately
attached to the living tree, my body
actually curled in the split trunk, almost at peace, in the evening rain
almost able to feel
sap frothing and rising: Noah says this is
an error of depressives, identifying
with a tree, whereas the happy heart
wanders the garden like a falling leaf, a figure for
the part, not the whole.
- Louise Glück em "A Íris Selvagem". [tradução Ana Luísa Amaral]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.

§§

VÉSPERAS
Sei o que planeavas, o que querias fazer ao ensinar-me
a amar o mundo, a fazer com que eu não pudesse
nunca abandoná-lo, afastá-lo para sempre –
ele está em todo o lado: se fecho os olhos,
o canto dos pássaros, o perfume de lilás na Primavera nascente, o
..... perfume das rosas de Verão:
e tu queres tirar-mo, queres levar cada flor, cada união à terra –
porque haverias d me ferir, porque haverias de me querer
desolada no final, a menos que me quisesses tão faminta de esperança
que eu recusaria ver que finalmente
nada me fora deixado em herança, acreditando antes que
no fim de tudo só tu me foras deixado.

**

VESPERS
I know what you planned, what you meant to do, teaching me
to love the world, making it impossible
to turn away completely, to shut it out completely ever again—
it is everywhere; when I close my eyes,
birdsong, scent of lilac in early spring, scent of summer roses:
you mean to take it away, each flower, each connection with earth—
why would you wound me, why would you want me
desolate in the end, unless you wanted me so starved for hope
I would refuse to see that finally
nothing was left to me, and would believe instead
in the end you were left to me.
- Louise Glück em "A Íris Selvagem". [tradução Ana Luísa Amaral]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.


***

DE 'MEADOWLANDS' - 1997


A CANÇÃO DE PENÉLOPE
Pequena alma, pequena e perpetuamente nua,
faz agora o que te digo, sobe
pelos ramos como prateleiras do abeto;
espera no cimo, atenta, qual
sentinela ou vigia. Ele chegará em breve;
convém que sejas
generosa. Também não foste
completamente perfeita; com o teu problemático corpo
fizeste coisas que não devias
abordar em poemas. Por isso
chama‑o sobre o alto‑mar, o luminoso mar,
com a tua sombria canção, com a tua ávida,
perversa canção — apaixonada,
como Maria Callas. Quem
não te desejaria? Que apetite mais demoníaco
poderias não saciar? Em breve
ele regressará de aonde quer que vá entretanto,
bronzeado do seu tempo fora, exigindo
o seu frango assado. Ah, tens de saudá‑lo,
tens de lhe chamar a atenção
sacudindo os galhos da árvore,
mas com cuidado, muito cuidado, para que
demasiadas agulhas caídas
não desfigurem o seu belo rosto.

**

PENELOPE’S SONG
Little soul, little perpetually undressed one,
do now as I bid you, climb
the shelf‑like branches of the spruce tree;
wait at the top, attentive, like
a sentry or look‑out. He will be home soon;
it behooves you to be
generous. You have not been completely
perfect either; with your troublesome body
you have done things you shouldn’t
discuss in poems. Therefore
call out to him over the open water, over the bright water
with your dark song, with your grasping,
unnatural song—passionate,
like Maria Callas. Who
wouldn’t want you? Whose most demonic appetite
could you possibly fail to answer? Soon
he will return from wherever he goes in the meantime,
suntanned from his time away, wanting
his grilled chicken. Ah, you must greet him,
you must shake the boughs of the tree
to get his attention,
but carefully, carefully, lest
his beautiful face be marred
by too many falling needles.
- Louise Glück, "Meadowlands". [tradução Inês Dias]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2022. 

§§

CANÁ
Que te posso dizer que não saibas
e te faça tremer de novo?
Forsítias
junto à estrada, a
rochas húmidas, nos taludes
com jacintos em volta —
Durante dez anos fui feliz.
Estavas presente; de certo modo,
estavas sempre comigo, a casa e o jardim
constantemente iluminados,
não com uma luz semelhante à do céu
mas com esses emblemas de luz
mais poderosos ainda por serem
a transformação implícita
de uma coisa terrena —
E tudo isso desapareceu,
reabsorvido num impassível processo. Então
o que nos permitirá ver,
agora que as tochas amarelas se tornaram
ramos verdes?

**

CANA
What can I tell you that you don’t know
that will make you tremble again?
Forsythia
by the roadside, by
wet rocks, on the embankments
underplanted with hyacinth—
For ten years I was happy.
You were there; in a sense,
you were always with me, the house, the garden
constantly lit,
not with light as we have in the sky
but with those emblems of light
which are more powerful, being
implicitly some earthly
thing transformed—
And all of it vanished,
reabsorbed into impassive process. Then
what will we see by,
now that the yellow torches have become
green branches?
- Louise Glück, "Meadowlands". [tradução Inês Dias]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2022. 

§§

TRANQUILO ENTARDECER
Pegas me na mão; estamos então sozinhos
na floresta mortal. Quase de imediato
estamos numa casa; Noah
cresceu e foi se embora; a clematite após dez anos
resolve dar flores brancas.
Mais do que qualquer outra coisa no mundo
gosto destes entardeceres em que estamos juntos,
os tranquilos entardeceres de Verão, o céu ainda claro a esta hora.
Assim Penélope pegou na mão de Ulisses,
não para o reter, mas para lhe gravar
esta paz na memória:
de agora em diante, o silêncio que atravessares
será a minha voz a perseguir te.

**

QUIET EVENING
You take my hand; then we’re alone
in the life threatening forest. Almost immediately
we’re in a house; Noah’s
grown and moved away; the clematis after ten years
suddenly flowers white.
More than anything in the world
I love these evenings when we’re together,
the quiet evenings in summer, the sky still light at this hour.
So Penelope took the hand of Odysseus,
not to hold him back but to impress
this peace on his memory:
from this point on, the silence through which you move
is my voice pursuing you.
- Louise Glück, "Meadowlands". [tradução Inês Dias]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2022. 

§§

ÍTACA
O amado não
precisa de estar vivo. O amado
vive no pensamento. O tear
é para os pretendentes, encordoado
como uma harpa com fio branco de mortalha.

Ele era duas pessoas.
Ele era o corpo e a voz, o simples
magnetismo de um homem vivo, mas também
o sonho ou retrato moldado
aos poucos pela mulher que trabalha no tear,
ali sentada numa sala repleta
de homens sem imaginação.

Tal como lamentas
o enganado mar que tentou
levá-lo para sempre
e levou apenas o primeiro,
o verdadeiro marido, deves
lamentar estes homens: eles não sabem
o que vêem;
não sabem que, quando se ama assim,
a mortalha se transforma num vestido de noiva.

**

ITHACA
The beloved doesn’t
need to live. The beloved
lives in the head. The loom
is for the suitors, strung up
like a harp with white shroud-thread.

He was two people.
He was the body and the voice, the easy
magnetism of a living man, and then
the unfolding dream or image
shaped by the woman working the loom,
sitting there in a hall filled
with literal-minded men.

As you pity
the deceived sea that tried
to take him away forever
and took only the first,
the actual husband, you must
pity these men: they don’t know
what they’re looking at;
they don’t know that when one loves this way
the shroud becomes a wedding dress.
- Louise Glück, "Meadowlands". [tradução Inês Dias]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2022. 

§§

O PODER DE CIRCE
Nunca transformei ninguém em porco.
Algumas pessoas são porcas; faço-os
parecerem-se a porcos.

Estou farta do vosso mundo
que permite que o exterior disfarce o interior. Os teus homens não eram maus;
Uma vida indisciplinada
fez-lhes isso. Como porcos,

sob o meu cuidado
e das minhas ajudantes,
tornaram-se mais dóceis.

Depois reverti o encanto, mostrando-te a minha boa vontade
e o meu poder. Eu vi

que poderíamos ser aqui felizes,
como o são os homens e as mulheres
de exigências simples. Ao mesmo tempo,

Previ a tua partida,
os teus homens, com a minha ajuda, sujeitando
o mar ruidoso e sobressaltado. Pensas

que algumas lágrimas me perturbam? Meu amigo,
toda a feiticeira tem
um coração pragmático; ninguém vê o essencial que não possa
enfrentar os limites. Se apenas te quisesse ter

podia ter-te aprisionado.

**

CIRCE'S POWER
I never turned anyone into a pig.
Some people are pigs; I make them
Look like pigs.

I'm sick of your world
That lets the outside disguise the inside. Your men weren't bad men;
Undisciplined life
Did that to them. As pigs,

Under the care of
Me and my ladies, they
Sweetened right up.

Then I reversed the spell, showing you my goodness
As well as my power. I saw

We could be happy here,
As men and women are
When their needs are simple. In the same breath,

I foresaw your departure,
Your men with my help braving
The crying and pounding sea. You think

A few tears upset me? My friend,
Every sorceress is
A pragmatist at heart; nobody sees essence who can't
Face limitation. If I wanted only to hold you

I could hold you prisoner.
- Louise Glück [tradução  José Alberto Oliveira]. In: Rosa do Mundo: 2001 Poemas Para o Futuro. [organização Manuela Correia; tradução de José Alberto Oliveira]. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001.


***

DE 'VITA NOVA' - 1999


VITA NOVA
Salvaste-me, deves lembrar-te de mim.

A Primavera do ano; jovens comprando bilhetes para o ferry.
Gargalhadas, que o ar enche-se de flores de macieiras.

Quando acordei, percebi que conseguia sentir a mesma emoção.

Recordo sons como esse da minha infância,
rir sem razão, só porque o mundo é belo,
ou algo parecido.

Lugano. Mesas debaixo das macieiras.
Marinheiros erguendo e baixando as bandeiras coloridas.
E na margem do lago, um jovem que lança o chapéu à água;
talvez a sua amada lhe tenha dito que sim.

Sons ou gestos
cruciais como
um trilho aberto a mais largos temas

depois inutilizado, enterrado.

Ao longe, ilhas. A minha mãe
oferecendo um prato com pequenos bolos —

tanto quanto recordo, sem que mudasse
um só detalhe, o momento
vívido, intacto, nunca havendo sido
exposto à luz, por isso acordei extasiada, nessa idade
sedenta de vida, em absoluta confiança —

Junto às mesas, pedaços de erva jovem, o verde pálido
disperso pelo solo escuro.

Decerto a Primavera voltou a mim, agora
não como amante, mas como mensageira da morte. Todavia,
continua a ser Primavera, e ainda quer dizer ternura.

**

VITA NOVA
You saved me, you should remember me.

The spring of the year; young men buying tickets for the ferryboats.
Laughter, because the air is full of apple blossoms.

When I woke up, I realized I was capable of the same feeling.

I remember sounds like that from my childhood,
laughter for no cause, simply because the world is beautiful,
something like that.

Lugano. Tables under the apple trees.
Deckhands raising and lowering the colored flags.
And by the lake’s edge, a young man throws his hat into the water;
perhaps his sweetheart has accepted him.

Crucial
sounds or gestures like
a track laid down before the larger themes

and then unused, buried.

Islands in the distance. My mother
holding out a plate of little cakes—

as far as I remember, changed
in no detail, the moment
vivid, intact, having never been
exposed to light, so that I woke elated, at my age
hungry for life, utterly confident—

By the tables, patches of new grass, the pale green
pieced into the dark existing ground.

Surely spring has been returned to me, this time
not as a lover but a messenger of death, yet
it is still spring, it is still meant tenderly.
- Louise Glück, em "Vita Nova". [tradução Ana Luísa Amaral]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021.

§§

AUBADE
O mundo era imenso. A seguir
o mundo era pequeno. Oh,
tão pequeno, capaz
de caber dentro de um cérebro.

tinha cor, todo ele era
espaço interior: nada
podia entrar nem sair. Mas o tempo
conseguiu penetrar, essa
foi a dimensão trágica.

Levei o tempo muito a sério nesses anos,
se bem me lembro.

Um quarto com uma cadeira, uma janela.
Uma janela pequena, cheia dos desenhos que faz a luz.
No seu vazio, o mundo

era sempre inteiro e cheio, não
um estilhaço de algo, com
um eu no centro.

E no centro do eu,
uma mágoa a que não pensei jamais sobreviver.

Um quarto com uma cama, uma mesa. Clarões
de luz nas superfícies nuas.

Eu tinha dois desejos: o desejo
de estar segura e o desejo de sentir. Como se

o mundo se tivesse
decidido contra o branco

**

AUBADE
The world was very large. Then
the world was small. O
very small, small enough
to fit in a brain.

It had no color, it was all
interior space: nothing
got in or out. But time
seeped in anyway, that
was the tragic dimension.

I took time very seriously in those years,
if I remember accurately.

A room with a chair, a window.
A small window, filled with the patterns light makes.
In its emptiness the world

was whole always, not
a chip of something, with
the self at the center.

And at the center of the self,
grief I thought I couldn’t survive.

A room with a bed, a table. Flashes
of light on the naked surfaces.

I had two desires: desire
to be safe and desire to feel. As though

the world were making
a decision against white
- Louise Glück, em "Vita Nova". [tradução Ana Luísa Amaral]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021.

***

DE 'AVERNO' - 2006


LAGO NA CRATERA
Houve uma guerra entre o bem e o mal. 
Decidimos que o corpo era o bem.

Isso fez da morte o mal. 
E virou a alma 
inteiramente contra a morte.

Como um soldado raso desejoso 
de servir um poderoso guerreiro, a alma 
desejou aliar-se ao corpo.

Virou-se contra as trevas, 
contra as formas de morte 
que reconhecia.

De onde provém a voz 
que diz: e se a guerra 
for o mal? Que diz:

e se foi o corpo que nos fez isto, 
nos deixou com medo do amor?

**

CRATER LAKE
There was a war between good and evil.
We decided to call the body good.
 
That made death evil.
It turned the soul
against death completely.
 
Like a foot soldier wanting
to serve a great warrior, the soul
wanted to side with the body.
 
It turned against the dark,
against the forms of death
it recognized.
 
Where does the voice come from
that says suppose the war
is evil, that says
 
suppose the body did this to us,
made us afraid of love–
- Louise Glück, em "Averno". [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020.

§§

A ESTRELA DA TARDE
Hoje, pela primeira vez em muitos anos,
surgiu-me de novo
uma visão do esplendor da terra:
 
no céu do entardecer
a primeira estrela pareceu
tornar-se mais brilhante
enquanto a terra escurecia
 
até já não poder ficar mais escura.
E a luz, que era a luz da morte,
pareceu devolver à terra
 
o seu poder de consolo. Não havia
outras estrelas. Apenas aquela
cujo nome eu conhecia
 
pois na minha outra vida a
ofendera: Vénus,
estrela da tarde,
 
a ti dedico
a minha visão, já que nesta superfície vazia
 
derramaste luz suficiente
para tornar o meu pensamento
de novo visível.

**

THE EVENING STAR 
The Evening Star
Tonight, for the first time in many years, 
there appeared to me again 
a vision of the earth's splendor:

in the evening sky 
the first star seemed 
to increase in brilliance 
as the earth darkened

until at last it could grow no darker. 
And the light, which was the light of death, 
seemed to restore to earth

its power to console. There were 
no other stars. Only the one 
whose name I knew

as in my other life I did her 
injury: Venus, 
star of the early evening,

to you I dedicate 
my vision, since on this blank surface

you have cast enough light 
to make my thought 
visible again.
- Louise Glück, em "Averno". [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020.

§§

UM MITO DE DEVOÇÃO
Quando Hades decidiu que amava esta rapariga
construiu-lhe uma cópia da terra,
tudo o mesmo, até o prado,
mas com uma cama acrescentada.

Tudo o mesmo, incluindo a luz do sol,
porque seria difícil para uma jovem rapariga
passar tão depressa da luz clara para a total escuridão.

Gradualmente, pensou ele, introduzirei a noite,
primeiro como sombras das folhas ondulantes.
Depois lua, depois estrelas. Depois sem lua, sem estrelas.
Que Perséfone se habitue devagar.
No fim, pensou ele, vai parecer-lhe reconfortante.

Uma réplica da terra
exceptuando que aqui há amor.
Não é amor o que toda a gente quer?

Esperou muitos anos,
construindo um mundo, observando
Perséfone no prado.
Perséfone, com sentidos de cheiro e gosto.
Se tens um apetite, pensou ele,
tens todos.

Sentir na noite o corpo amado
não é o que toda a gente quer, bússola, estrela polar,
escutar a quieta respiração que diz
Estou viva, que também quer dizer
estás vivo, porque me escutas,
estás aqui comigo. Depois um volta-se,
o outro volta-se. –

Isso foi o que ele sentiu, o senhor das trevas,
ao olhar o mundo que tinha
construído para Perséfone. Nunca lhe passou pela cabeça
que não haveria aqui nada para cheirar,
certamente nada para comer.

Culpa? Terror? O medo do amor?
Estas coisas ele não as podia imaginar;
Amante nenhum as imagina.

Ele sonha, pergunta-se que nome dar a este sítio.
Primeiro pensa: O Novo Inferno. Depois: O Jardim.
No fim, decide-se por
A Infância de Perséfone.
Uma luz suave a ascender sobre a superfície do prado,
detrás da cama. Toma-a nos braços.
Quer dizer-lhe Amo-te, nada te pode magoar

mas pensa
isto é mentira, por isso no fim diz
estás morta, nada te pode magoar
o que a ele lhe parece
um começo mais promissor, mais verdadeiro.

**

A MYTH OF DEVOTION
When Hades decided he loved this girl
he built for her a duplicate of earth,
everything the same, down to the meadow,
but with a bed added.

Everything the same, including sunlight,
because it would be hard on a young girl
to go so quickly from bright light to utter darkness

Gradually, he thought, he'd introduce the night,
first as the shadows of fluttering leaves.
Then moon, then stars. Then no moon, no stars.
Let Persephone get used to it slowly.
In the end, he thought, she'd find it comforting.

A replica of earth
except there was love here.
Doesn't everyone want love?

He waited many years,
building a world, watching
Persephone in the meadow.
Persephone, a smeller, a taster.
If you have one appetite, he thought,
you have them all.

Doesn't everyone want to feel in the night
the beloved body, compass, polestar,
to hear the quiet breathing that says
I am alive, that means also
you are alive, because you hear me,
you are here with me. And when one turns,
the other turns—

That's what he felt, the lord of darkness,
looking at the world he had
constructed for Persephone. It never crossed his mind
that there'd be no more smelling here,
certainly no more eating.

Guilt? Terror? The fear of love?
These things he couldn't imagine;
no lover ever imagines them.

He dreams, he wonders what to call this place.
First he thinks: The New Hell. Then: The Garden.
In the end, he decides to name it
Persephone's Girlhood.

A soft light rising above the level meadow,
behind the bed. He takes her in his arms.
He wants to say I love you, nothing can hurt you

but he thinks
this is a lie, so he says in the end
you're dead, nothing can hurt you
which seems to him
a more promising beginning, more true.
- Louise Lück [tradução Rui Pires Cabral]. In: Telhados de Vidro. direcção Inês Dias e Manuel de Freitas. Lisboa: Averno, n. 12 maio 2009.

§§

TELESCÓPIO
Há um momento após desviares o olhar
em que te esqueces de onde estás
pois tens vivido, parece,
noutro lado, no silêncio do céu nocturno.
 
Deixaste de estar aqui no mundo.
Estás num lugar diferente,
um lugar onde a vida humana não tem sentido.
 
Não és uma criatura num corpo.
Existes como as estrelas existem,
participando na sua quietude, na sua imensidão.
 
Até que volta a estar no mundo.
De noite, numa colina fria,
a desmontar o telescópio.
 
Só depois percebes
que não é falsa a imagem
mas a relação.
 
Vês de novo como cada coisa
fica tão longe de todas as outras.

**

TELESCOPE
There is a moment after you move your eye away
when you forget where you are
because you’ve been living, it seems,
somewhere else, in the silence of the night sky.

You’ve stopped being here in the world.
You’re in a different place,
a place where human life has no meaning.

You’re not a creature in body.
You exist as the stars exist,
participating in their stillness, their immensity.

Then you’re in the world again.
At night, on the cold hill,
taking the telescope apart.

You realize afterward
not that the image is false
but the relation is false.

You see again how far away
every thing is from every other thing.
- Louise Glück, em "Averno". [tradução Inês Dias]. Lisboa: Relógio D'Água, 2020 


***

DE 'UMA VIDA DE ALDEIA' - 2009


CREPÚSCULO
Trabalha todo o dia no moinho do primo,
por isso, quando à noite chega a casa, senta-se sempre junto à mesma janela,
assiste à mesma altura do dia, o crepúsculo.
Devia haver mais momentos assim, para uma pessoa se sentar e sonhar.
É como o seu primo diz:
A vida — é a vida que não nos deixa sentar.

À janela, não o mundo, mas uma paisagem recortada
que representa o mundo. Mudam as estações,
cada uma visível apenas algumas horas por dia.
Coisas verdes seguidas de coisas douradas seguidas de alvura —
abstracções das quais resultam intensos prazeres,
como os figos em cima da mesa.

Ao anoitecer, o Sol põe-se numa névoa de fogo vermelho entre dois choupos.
Põe-se mais tarde no Verão — às vezes, é difícil mantermo-nos acordados.

Então tudo se desvanece.
Por mais uns instantes o mundo
é algo que se pode ver, depois algo que se pode ouvir,
grilos, cigarras.
Ou que se pode cheirar, por vezes, o aroma dos limoeiros, das laranjeiras.
Então também isto o sono nos tira.

Mas é fácil abdicarmos das coisas assim, a título experimental,
por algumas horas.

Abro as mãos —
deixo tudo partir.

O mundo visual, a linguagem,
o rumorejar das folhas à noite,
o cheiro das ervas altas, do fumo da lenha.

Deixo-os partir, depois acendo a vela.

**

TWILIGHT
All day he works at his cousin’s mill,
so when he gets home at night, he always sits at this one window,
sees one time of day, twilight.
There should be more time like this, to sit and dream.
It’s as his cousin says:
Living—living takes you away from sitting.

In the window, not the world but a squared-off landscape
representing the world. The seasons change,
each visible only a few hours a day.
Green things followed by golden things followed by whiteness—
abstractions from which come intense pleasures,
like the figs on the table.

At dusk, the sun goes down in a haze of red fire between two poplars.
It goes down late in summer—sometimes it’s hard to stay awake.

Then everything falls away.
The world for a little longer
is something to see, then only something to hear,
crickets, cicadas.
Or to smell sometimes, aroma of lemon trees, of orange trees.
Then sleep takes this away also.

But it’s easy to give things up like this, experimentally,
for a matter of hours.

I open my fingers—
I let everything go.

Visual world, language,
rustling of leaves in the night,
smell of high grass, of woodsmoke.

I let it go, then I light the candle.
- Louise Glück "Uma Vida de Aldeia". [tradução Frederico Pedreira]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água, 2021

§§

MINHOCA
Não é triste não ser humano,
nem viver inteiramente dentro da terra é
aviltante ou vazio: é da natureza da mente
defender a sua eminência, tal como é da natureza daqueles
que caminham à superfície temer as profundidades –
a nossa posição determina os nossos sentimentos. Ainda assim,
caminhar sobre alguma coisa não significa prevalecer sobre ela –
é mais o oposto, uma dependência dissimulada
mediante a qual o escravo completa o amo. Do mesmo modo,
a mente menospreza o que não pode controlar
e que por isso irá destruí-la. Não é doloroso regressar
desprovido de linguagem ou de visão: se, como os budistas,
recusamos deixar
inventários do ser, emergimos num espaço
que a mente não pode conceber, sendo totalmente físico, não
metafórico. Qual é a vossa palavra? Infinidade, que significa
aquilo que não se pode medir.

**

EARTHWORN
It is not sad not to be human
nor is living entirely within the earth
demeaning or empty: it is the nature of the mind
to defend its eminence, as it is the nature of those
who walk on the surface to fear its depths -- one's
position determines one's feelings. And yet
to walk on top of a thing is not to prevail over it --
it is more the opposite, a disguised dependency,
by which the slave completes the master. Likewise
the mind disdains what it can't control,
which will in turn destroy it. It is not painful to return
without language or vision: if, like the Buddhists,
one declines to leave
inventories of the self, one emerges in a space
the mind cannot conceive, being wholly physical, not
metaphoric. What is your word? Infinity, meaning
that which cannot be measured.
- Louise Glück "Uma Vida de Aldeia". [tradução Frederico Pedreira]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água, 2021

§§

SOLITUDE
Está muito escuro, hoje; através da chuva, 
a montanha deixa de ser visível. O único som 
é o da chuva, arrastando a vida para debaixo da terra.
E com a chuva vem o frio.
Esta noite não haverá Lua, não haverá estrelas.

O vento levantou-se durante a noite;
fustigou o trigo toda a manhã - 
parou ao meio-dia. Mas a tempestade continuou, 
encharcando os campos secos, inundando-os a seguir-

A terra desapareceu. 
Não há nada para ver, só a chuva 
a reluzir no escuro das vidraças. 
Este é o lugar de repouso, onde nada mexe -

Agora voltamos ao que éramos - 
animais a viver na escuridão, 
desprovidos de linguagem ou de visão -

Nada prova que estou viva. 
Há apenas a chuva, a chuva é infindável.

**

SOLITUDE 
It’s very dark today; through the rain,
the mountain isn’t visible. The only sound
is rain, driving life underground.
And with the rain, cold comes.
There will be no moon tonight, no stars.

The wind rose at night,
all morning it lashed against the wheat—
at noon it ended. But the storm went on,
soaking the dry fields, then flooding them—

The earth has vanished.
There’s nothing to see, only the rain
gleaming against the dark windows.
This is the resting place, where nothing moves—

Now we return to what we were,
animals living in darkness
without language or vision—

Nothing proves I’m alive.
There is only the rain, the rain is endless.
- Louise Glück "Uma Vida de Aldeia". [tradução Frederico Pedreira]. Edição  bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água, 2021

§§

ENCRUZILHADA
Corpo meu, agora que não viajaremos juntos por muito mais tempo,
começo a sentir por ti uma renovada ternura, muito crua e
.............. desconhecida,
como aquilo que recordo do amor quando era jovem –
 
um amor que tantas vezes foi tolo nos seus objectivos,
mas nunca nas suas escolhas, nos seus ardores.
Demasiado exigido à partida, demasiado o que não pôde ser
.............. prometido –
 
A minha alma tem sido tão temerosa, tão violenta:
perdoa a sua brutalidade.
Como se fosse essa alma, a minha mão desliza cautelosa por ti,
 
não querendo ofender,
embora ansiosa, enfim, por conseguir expressar-se enquanto
.............. substância:
 
não é da Terra que irei sentir falta,
é de ti que irei sentir falta.

**

CROSSROADS
My body, now that we will not be traveling together much longer
I begin to feel a new tenderness toward you, very raw and unfamiliar,
like what I remember of love when I was young —

love that was so often foolish in its objectives
but never in its choices, its intensities
Too much demanded in advance, too much that could not be promised —

My soul has been so fearful, so violent;
forgive its brutality.
As though it were that soul, my hand moves over you cautiously,

not wishing to give offense
but eager, finally, to achieve expression as substance:

it is not the earth I will miss,
it is you I will miss.
- Louise Glück "Uma Vida de Aldeia". [tradução Frederico Pedreira]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água, 2021.

§§

UM DIA QUENTE
Hoje, o sol brilhava,
por isso a minha vizinha lavou as suas camisas de noite no rio –
regressa a casa com tudo dobrado numa cesta,
radiante, como se tivesse acabado de ganhar
mais dez anos de vida. A limpeza fá-la feliz –
diz-nos que podemos recomeçar tudo outra vez,
não precisamos de ficar presos aos erros do passado.
 
Uma boa vizinha – cada uma de nós deixa a outra
entregue à sua intimidade. Ainda agora
ela se pôs a cantar sozinha, pendurando a roupa lavada e húmida no
arame.
 
Pouco a pouco, dias como este
irão parecer normais. Mas o Inverno foi duro:
as noites a começarem cedo, o amanhecer escuro,
com uma chuva cinzenta e persistente – meses disso,
e depois a neve, como silêncio caindo do céu,
obliterando árvores e jardins.
 
Hoje, tudo isso já vai longe para nós.
Os pássaros estão de volta, a chilrear em torno das sementes.
A neve derreteu; as árvores de fruto estão carregadas de nova e
aveludada colheita.
Uns quantos casais até passeiam pelo prado, fazendo as promessas
que são as deles.
 
Deixamo-nos ficar ao sol e o sol cura-nos.
Não tem pressa de ir embora. Permanece suspenso sobre nós, imóvel,
como um actor satisfeito com o seu acolhimento.
 
A minha vizinha fica em silêncio por instantes,
a olhar fixamente para a montanha, a ouvir os pássaros.
 
Tantas peças de roupa, de onde terão vindo?
E a minha vizinha ainda está lá fora,
a pendurá-las no arame, como se a cesta jamais ficasse vazia –
 
Continua cheia, nada acabou ainda,
embora o Sol comece a deslocar-se mais abaixo do céu:
ainda não é Verão, lembremo-nos, é só o princípio da Primavera;
o calor ainda não veio para ficar, e o frio aproxima-se –
 
Ela sente isso, como se a última peça de roupa branca congelasse nas
suas mãos.
Ela olha para as mãos – vê como estão velhas. Não é o princípio, é
o fim.
E os adultos, esses, já morreram todos.
Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer.

**

A WARM DAY
Today the sun was shining
so my neighbor washed her nightdresses in the river—
she comes home with everything folded in a basket,
beaming, as though her life had just been
lengthened a decade. Cleanliness makes her happy—
it says you can begin again,
the old mistakes needn’t hold you back.

A good neighbor—we leave each other
to our privacies. Just now
she’s singing to herself, pinning the damp wash to the line.

Little by little, days like this
will seem normal. But winter was hard:
the nights coming early, the dawns dark
with a gray, persistent rain—months of that,
and then the snow, like silence coming from the sky,
obliterating the trees and gardens.

Today, all that’s past us.
The birds are back, chattering over seeds.
All the snow’s melted; the fruit trees are covered with downy new growth.
A few couples even walk in the meadow, promising whatever they promise.

We stand in the sun and the sun heals us.
It doesn’t rush away. It hangs above us, unmoving,
like an actor pleased with his welcome.

My neighbor’s quiet a moment,
staring at the mountain, listening to the birds.

So many garments, where did they come from?
And my neighbor’s still out there,
fixing them to the line, as though the basket would never be empty—

It’s still full, nothing is finished,
though the sun’s beginning to move lower in the sky;
remember, it isn’t summer yet, only the beginning of spring;
warmth hasn’t taken hold yet, and the cold’s returning—

She feels it, as though the last bit of linen had frozen in her hands.
She looks at her hands—how old they are. It’s not the beginning, it’s the end.
And the adults, they’re all dead now.
Only the children are left, alone, growing old.
- Louise Glück "Uma Vida de Aldeia". [tradução Frederico Pedreira]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água, 2021.


***


DE 'NOITE VIRTUOSA E FIEL' - 2014 



PARÁBOLA
Primeiro prescindimos dos bens do mundo, como ensina São Francisco,
para não se distraírem as nossas almas
com ganhos ou perdas, e também para
os nossos corpos se sentirem livres de mover-se
facilmente entre as montanhas, e coube-nos então discutir
em que direcção ou onde viajar, sendo a segunda questão
o termos ou não um propósito, contra o qual
muitos alegámos com afinco que tal propósito
equivalia aos bens do mundo, implicando uma limitação ou óbice,
ao passo que outros diziam ser tal palavra que nos consagrava
peregrinos em vez de vagabundos: nos nossos espíritos, a palavra traduzia-se
num sonho, uma coisa de demanda, de modo que, concentrando-nos, a veríamos
talvez a reluzir entre as pedras, em vez de
passarmos por ela às cegas; debatemos
também à saciedade cada um dos assuntos consequentes, a esgrimir argumentos,
de modo que, diziam alguns, íamos ficando menos flexíveis e mais resignados,
como soldados numa guerra inútil. E a neve caiu sobre nós e o vento soprou
e a seu tempo amainou — onde estivera a neve surgiram muitas flores,
e, onde brilhavam as estrelas, ergueu-se o Sol sobre o horizonte de árvores
de modo que voltámos a ter sombras; o que aconteceu muitas vezes.
Também chuvas, também cheias às vezes, também avalanches, em que
alguns de nós se perdiam, e recorrentemente tínhamos a impressão
de que chegáramos a um acordo, com os cantis
alçados aos ombros; mas sempre esse momento passava, e assim
(muitos anos depois) continuávamos naquela primeira fase, ainda
a preparar-nos para começar uma viagem, mas em todo o caso estávamos mudados;
reparávamos nisso uns nos outros; tínhamos mudado, embora
nunca nos movêssemos, e um disse, ah, vejam como envelhecemos, a viajar
apenas do dia à noite, nem para a frente nem para os lados, o que estranhamente
parecia milagroso. E quem acreditava que devíamos ter um propósito
acreditou que era esse o propósito, e quem achava que devíamos permanecer livres
para encontrar a verdade achou que ela se nos revelava.

**

PARABLE
First divesting ourselves of worldly goods, as St. Francis teaches,
in order that our souls not be distracted
by gain and loss, and in order also
that our bodies be free to move
easily at the mountain passes, we had then to discuss
whither or where we might travel, with the second question being
should we have a purpose, against which
many of us argued fiercely that such purpose
corresponded to worldly goods, meaning a limitation or constriction,
whereas others said it was by this word we were consecrated
pilgrims rather than wanderers: in our minds, the word translated as
a dream, a something-sought, so that by concentrating we might see it
glimmering among the stones, and not
pass blindly by; each
further issue we debated equally fully, the arguments going back and forth,
so that we grew, some said, less flexible and more resigned,
like soldiers in a useless war. And snow fell upon us, and wind blew,
which in time abated—where the snow had been, many flowers appeared,
and where the stars had shone, the sun rose over the tree line
so that we had shadows again; many times this happened.
Also rain, also flooding sometimes, also avalanches, in which
some of us were lost, and periodically we would seem
to have achieved an agreement, our canteens
hoisted upon our shoulders; but always that moment passed, so
(after many years) we were still at that first stage, still
preparing to begin a journey, but we were changed nevertheless;
we could see this in one another; we had changed although
we never moved, and one said, ah, behold how we have aged, traveling
from day to night only, neither forward nor sideward, and this seemed
in a strange way miraculous. And those who believed we should have a purpose
believed this was the purpose, and those who felt we must remain free
in order to encounter truth felt it had been revealed.
- Louise Glück, em "Noite Virtuosa e Fiel". [tradução Margarida Vale de Gato ]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.

§§

UMA AVENTURA

1.
Apercebi-me então certa noite enquanto adormecia
que já me livrara dessas aventuras amorosas
que tanto tempo me tinham escravizado. Livrara-me do amor?
murmurou meu coração. Ao que respondi que muitas profundas descobertas
nos aguardavam, com esperanças, ao mesmo tempo, de não me ser pedido
que as nomeasse. Porque não conseguia nomeá-las. Mas a crença de que existiam —
contava certamente para alguma coisa?

2.
A noite seguinte trouxe o mesmo pensamento,
desta vez em relação à poesia, e nas noites subsequentes
outras várias paixões e sensações foram, de igual modo,
para sempre descartadas, e a cada noite o meu coração
reclamava o seu futuro, como criancinha privada dum brinquedo favorito.
Mas estas despedidas, dizia eu, são da natureza das coisas.
E novamente aludia ao amplo território
que se nos abria a cada adeus. E tornava-me com essa expressão
um glorioso paladino ao sol-poente, e o meu coração
tornava-se o corcel debaixo de mim.

3.
Eu estava, como hão-de compreender, a entrar no reino da morte,
embora não soubesse dizer a razão de ser uma paisagem
tão convencional. Também aqui os dias eram muito longos
enquanto os anos eram muito breves. O Sol afundava-se sob a montanha ao longe.
As estrelas brilhavam, a Lua desenhava-se e apagava-se. Dentro em pouco

**

AN ADVENTURE

1.
It came to me one night as I was falling asleep
that I had finished with those amorous adventures
to which I had long been a slave. Finished with love?
my heart murmured. To which I responded that many profound discoveries
awaited us, hoping, at the same time, I would not be asked
to name them. For I could not name them. But the belief that they existed—
surely this counted for something?

2.
The next night brought the same thought,
this time concerning poetry, and in the nights that followed
various other passions and sensations were, in the same way,
set aside forever, and each night my heart
protested its future, like a small child being deprived of a favorite toy.
But these farewells, I said, are the way of things.
And once more I alluded to the vast territory
opening to us with each valediction. And with that phrase I became
a glorious knight riding into the setting sun, and my heart
became the steed underneath me.

3.
I was, you will understand, entering the kingdom of death,
though why this landscape was so conventional
I could not say. Here, too, the days were very long
while the years were very short. The sun sank over the far mountain.
The stars shone, the moon waxed and waned. Soon
- Louise Glück, em "Noite Virtuosa e Fiel". [tradução Margarida Vale de Gato ]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.

§§

O PASSADO
Débil luz surgindo no céu
de súbito entre
dois galhos de pinheiro, as finas agulhas
 
recortadas agora sobre a superfície radiosa
e acima disto
o alto céu emplumado –
 
Cheira o ar. Este é o cheiro do pinheiro branco,
sobretudo intenso quando o vento passa por ele
e o som que faz é igualmente bizarro,
como o som do vento num filme –
 
Sombras movendo-se. Produzem as cordas
o som costumeiro. O que ouves agora
será o som do rouxinol, chordata,
o pássaro macho a cortejar a fêmea –
 
As cordas agitam-se. A rede
balouça no vento, bem
amarrada entre dois pinheiros.
 
Cheira o ar. Este é o cheiro do pinheiro branco.
 
É a voz da minha mãe que ouves
ou tão-só o som que fazem as árvores
quando o ar passar por elas
 
pois que som faria
o passar por nada?

**

THE PAST
Small light in the sky appearing
suddenly between
two pine boughs, their fine needles

now etched onto the radiant surface
and above this
high, feathery heaven—

Smell the air. That is the smell of the white pine,
most intense when the wind blows through it
and the sound it makes equally strange,
like the sound of the wind in a movie—

Shadows moving. The ropes
making the sound they make. What you hear now
will be the sound of the nightingale, Chordata,
the male bird courting the female—

The ropes shift. The hammock
sways in the wind, tied
firmly between two pine trees.

Smell the air. That is the smell of the white pine.

It is my mother’s voice you hear
or is it only the sound the trees make
when the air passes through them

because what sound would it make,
passing through nothing?
- Louise Glück, em "Noite Virtuosa e Fiel". [tradução Margarida Vale de Gato ]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2020.

***


DE 'RECEITAS DE INVERNO DA COMUNIDADE' - 2021


POEMA
O dia e a noite chegam
de mão dada como um rapaz e uma rapariga
detendo-se apenas para comer frutos silvestres num prato
decorado com imagens de pássaros.

Sobem a alta montanha coberta de gelo,
depois voam para longe. Mas tu e eu
não fazemos coisas dessas…

Subimos a mesma montanha;
digo uma oração para que o vento nos erga
mas não serve de nada;
escondes a cabeça para não
ver o fim…

Para baixo e para baixo e para baixo e para baixo
é aonde o vento nos leva;

tento consolar -te
mas as palavras não resultam;
canto-te como a mãe me cantava…

Tens os olhos fechados. Ultrapassamos
o rapaz e a rapariga que vimos no início;
estão agora parados numa ponte de madeira;
vejo a sua casa atrás deles.

Vão muito depressa, gritam-nos,
mas não, temos o vento nos ouvidos,
é isso que escutamos…

E depois caímos apenas…
E o mundo vai passando,
todos os mundos, cada um mais belo do que o anterior;

toco na tua face para te proteger…
 
**

POEM
Day and night come
hand in hand like a boy and a girl
pausing only to eat wild berries out of a dish
painted with pictures of birds.

They climb the high ice -covered mountain,
then they fly away. But you and I
don’t do such things—

We climb the same mountain;
I say a prayer for the wind to lift us
but it does no good;
you hide your head so as not
to see the end—

Downward and downward and downward and downward
is where the wind is taking us;

I try to comfort you
but words are not the answer;
I sing to you as mother sang to me—

Your eyes are closed. We pass
the boy and girl we saw at the beginning;
now they are standing on a wooden bridge;
I can see their house behind them;

How fast you go they call to us,
but no, the wind is in our ears,
that is what we hear—
And then we are simply falling—
And the world goes by,
all the worlds, each more beautiful than the last;

I touch your cheek to protect you—
- Louise Glück, em "Receitas de Inverno da Comunidade". [tradução Inês Dias]. Edição Bilíngue. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2023. 

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  • Louise Glück - by Scottie Andrew, CNN

FORTUNA CRÍTICA DE LOUISE GLÜCK


AFP. Prêmio Nobel de Literatura: 16 mulheres laureadas desde 1901. In: UOL, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024). 
ASSEF, Marlova. Poesia em alta?. In: Matina Jornalismo, 29 de maio de 2021. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
AUBERT, André Caramuru. Louise Glück: lírica, densa e intimista. In: Rascunhos, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024). 
AUBERT, André Caramuru. Poemas de Louise Glück. [tradução]. In: Rascunhos, edição 194, junho/2016. {poemas / edição bilíngue: 'Hesitate to call' / 'Hesitando em ligar'; 'Matins' / 'Matinas'; 'Lamium' / 'Lamium'; 'Vita Nuova' / 'Vita Nova'; 'The open grave' / 'A sepultura aberta'; 'Portland, 1968'; 'Before the storm' / 'Antes da tempestade'; 'First snow' / 'Primeira neve'; 'The Chicago train' / 'O trem de Chicago'} . Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
AVELAR, Mário. A Poesia de Louise Glück. In: DN, 8 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
BEBER, Bruna. Infinito particular - a aventura de traduzir a poeta Louise Glück. In: Revista Piauí, edição 206, novembro 2023. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
BELÉM, Euler de França. Edição da poesia de Louise Glück é primorosa mas Cia das Letras esqueceu de apresentá-la ao leitor. In: Jornal Opção, 20 de junho 2021. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
BELÉM, Euler de França. 6 poemas de Louise Glück, a Prêmio Nobel de Literatura de 2020.. - {poemas:' Porque em nosso mundo'; 'A rosa branca'; 'O dilema de Telêmaco'; 'Parábola da fera'; 'Flores silvestres'; 'O lírio prateado' / tradução Maria Lúcia Milléo Martins dos poemas 1, 2, 5 e 6 / e  Pedro Gonzaga, dos poemas 3 e 4}. In: Jornal Opção, 8 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
CABRAL, Rui Pires. Louise Glück: 'Paisagem' / 'Poema'; 'Um mito de devoção'; 'Perséfone errante' .. [poemas/tradução]. In: Telhados de Vidro. [direcção Inês Dias e Manuel de Freitas]. Lisboa: Averno, n. 12 maio 2009. 
CARDOSO, Luis Gustavo. Nostos, poema de Louise Glück – Traduzido por Luis Gustavo Cardoso. In: Revista Piparote, 14.10.2023. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
CÉU E SILVA, José. Louise Glück. Prémio Nobel da Literatura 2020. A vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2020 tem raizes húngaro-judaicas. In: Luso Magyarnews, 2020. Disponível no link. (acessado em 14.3.2024).
DOLHNIKOFF, Luis. Louise Glück, o Nobel e a banalidade do bem. In: Sibila, 23 de outubro de 2020. Disponível no link. (acessado em 14.3.2024).
ERBER, Laura. Louise Glück conta segredos e mentiras no fio tenso do poema. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 8 de outubro de 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
FAIA, Tatiana. Um mito de devoção - um poema de Louise Glück [tradução]. In: Enfermaria 6, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
FLORES, Guilherme Gontijo; MORAES, Thiago Ponce de.. Louise Glück, por Adalberto Müller e Thiago Ponce de Moraes.. {10 poemas: 1) 'Lamium'; 2)'Alvorada' / 'Dawn'; 3) 'Fura-Neves' / 'Snowdrops'; 4)'Nostos'; 5)'A Íris Selvagem' / 'The Wild Iris'; 6)'A Íris Selvagem' / 'The Wild Iris'; 7)'A Escada de Jacó' / 'The Jacob’s Ladder'; 8)'Paisagem Aborígene' / 'Aboriginal Landscape'; 9) 'A Papoula Vermelha' / 'The Red Poppy'; 10) 'Perséfone, a Errante' / 'Persephone, the Wanderer' // traduções  Adalberto Müller - poemas 1, 3, 5, 7, 9; Thiago Ponce de Moraes - poemas 2, 4, 6, 10}. In: Escamandro, 9.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
FREEMAN, John. Louise Glück, poeta crepuscular. In: Letras In.Verso e Re.Verso, 10.2.2022. Disponível no link. (acessado em 15.3.2024).
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G1. Leia poemas traduzidos de Louise Glück, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2020 [poemas: 'A íris selvagem' e 'Confissão'/ tradução Camila Assad]. In: G1, Globo, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
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LAVELLE, Patrícia (curadoria). Arcas de Babel: Piero Eyben traduz Louise Glück. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. {poemas em edição bilíngue, exceto o último: 'Canção de ninar' / 'Lullaby' ; 'Imagem espelhada' / 'Mirror image'; 'Posfácio' / 'Afterword'; 'Solstício de verão' / 'Midsummer'; 'De um diário' / 'From a journal'; 'Averno'; 'Parábola da besta' /'Parable of the beast'; 'A vestimenta'...}. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
LAVELLE, Patrícia (curadoria). Arcas de Babel: especial Louise Glück / por Piero Eyben. In: Revista Cult, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
LAVELLE, Patrícia (curadoria). Arcas de Babel: Thiago Ponce de Moraes traduz Louise Glück.. -{poemas em edição bilíngue: 'Passado' / 'The past'; 'Fragmento arcaico' / 'Archaic fragment'; 'Mãe e filha' / 'Mother and child'; 'Vita nova'; 'Um mito de devoção' / 'A myth of devotion'; 'O mito da inocência' / 'The myth of innocence'}. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
LAVELLE, Patrícia (curadoria). Arcas de Babel: Camila Assad traduz Louise Glück. In: Revista Cult. Uol, 13 de outubro 2020. {poemas em edição bilíngue: 'Teoria da memória' / 'Theory of memory'; 'Pingos de neve' / 'Snowdrops'; 'Manhã' / 'Matin'; 'Sirene' / 'Siren'; 'Primeira memória' / 'First memory'}. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
MARTINS, Diogo. Quedas, submundos, inventários do ser. In: EIRAS, Pedro (org.). Materiais para a Salvação do Mundo 3. Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, ILCML, Universidade Porto, Porto, Libreto #30 | p. 21-36, março/2022. Disponível no link. (acessado em 14.3.2024)
MORAIS, Agostinho de.. A surpresa de Louise Glück. In: Raiz e Utopia - e-cultura blogs/sapo, 11.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
NIGRI, Yasmin Campos. Louise Glück, a última Nobel, faz poemas em diálogo com sua solidão. In: Folha de São Paulo, Caderno Ilustríssima, 3 jul. 2021. 
OBSERVADOR. Leia aqui dois poemas de Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura de 2020. In: Observador, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PEDROSA, Júlio César. Cinco poemas de Louise Glück.. - {poemas: 'O poder de circe'; 'Perséfone'; 'Ítaca'; 'A Íris selvagem'; 'Confissão' / tradução José Alberto Oliveira - poema 1; Rui Pires Cabral - poema 2; Pedro Gonzaga - poema 3; Camila Assad - poema 4 e 5}. In: Língua e Cultura, 25.7.2022. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PEREIRA, Luiza. Forte, mas amarga: a poesia de Louise Glück em Receitas de Inverno da Comunidade. In: Valkirias, 2 de dezembro 2022. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PIMENTA, Tamy de Macedo. A traduzir e criar: um exemplo de tradução por Rui Pires Cabral. In: Letrônica - Porto Alegre, v. 12, n. 1, jan-mar. 2019. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PINTO, Diogo Vaz. Louise Glück. Um Nobel da Literatura para pôr a casa em ordem. In: Sol.Sapo, 10 de outubro de 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PINTO FILHO, Júlio Cesar Pimentel. Uma história com (os livros de) Louise Glück. In: Suplemento Pernambuco, Recife, Pernambuco, 8 out. 2020.
POEMAS: Louise Glück. [Camila Assad apresenta a obra e traduz quatro poemas da norte-americana Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020]. In: Cândido - Biblioteca Pública do Paraná, 27.10.2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
PORTO, Walter. Poeta americana Louise Glück surpreende e leva prêmio Nobel de Literatura. In: Folha de São Paulo, Ilustrada, 8 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
QUEIRÓS, Luís Miguel; COUTINHO, Isabel.. Nobel para Louise Glück: uma poesia da desolação e do milagre. In: Publico, 8 de outubro de 2020. Disponível no link. / reproduzido na integra em Folha de Poesia. link. (acessado em 13.3.2024).
QUEIROZ, Christina. Poeta norte-americana vence o Nobel de Literatura. In: Revista Fapesp, 8 de outubro de 2020. Disponível no link. (acessado em 14.3.2024).
RIBEIRO NETO, Amador. Louise Glück,Prêmio Nobel de literatura. In: Correio das Artes., v. 73, p. 24-25, 2022.
SOBOTA, Guilherme. Louise Glück é a Prêmio Nobel de Literatura em 2020. In: Portal Terra, 8.10.2020. Disponível no link. (acessado em 16.3.2024)
VARGAS, Suzana. 'Celestial Music' / 'Música Celestial'; 'Primeira lembrança' / 'First memory'- tradução do poema de Louise Glück. [tradução]. In: Revista Poesia Sempre,  nº 3, Rio de Janeiro, 1994. 
VERARDI, Fabiane; SCHNEIDER, Sabrine Amalia Antunes. A deusa pelo mito, a mulher pelo poema: a Perséfone de Louise Glück Autores. In: Pontos de Interrogação,  v. 13, p. 335, 2023. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).
YANDAVA, Ramya. Louise Glück’s Poetry of Resilience. In: The Cornell Daily Sun 12 de outubro 2020. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).

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"Ela não é, de forma alguma, uma voz para qualquer causa – ela é um ser humano engajado na língua e no mundo. E eu acho que há uma sensação maravilhosa de que ela não é polêmica, e talvez seja isso que está sendo celebrado. Ela não é uma pessoa tentando nos persuadir sobre nada, mas nos ajudando a explorar o mundo em que vivemos. Ela é uma poeta esclarecedora. Não parece haver muito engajamento político em seus poemas. Eles são realmente sobre o ser humano individual, vivo no mundo e na língua."
- Michael Schimidt (jornalista), em uma entrevista ao The Guardian / tradução Camila Assad - reprodução Reino de Papel, outubro 2020.

  • Louise Glück - by Katherine Wolkoff


  • Louise Glück receives the Golden Plate Award of the Academy of Achievement from Awards Council member Dr. Susan Hockfield, President Emeritus of MIT, during the 2012 International Achievement Summit in Washington | Academy of - achievement.



  • MIT President Emeritus Susan Hockfield, Nobel Prize laureate Dr. Peter C. Agre, and Louise Glück arriving at the Banquet of the Golden Plate gala ceremonies held in Washington’s historic Willard Hotel during the 2012 Summit Academy of - achievement.
  • President Barack Obama presents the poet Louise Gluck with the National Humanities Medal during a ceremony at the White House in Washington, Sept. 22, 2016 | Al Drago/The New York Times

  • President Barack Obama presents Louise Glück with the National Humanities Medal in 2016 | Photograph: Saul Loeb/AFP



Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020

Former Vermont Poet Laureate Louise Gluck, shown in 1998. Free Press File 

Louise Glück, by Niklas Elmehed - Nobel Media


© Pesquisa, seleção, edição e organizaçãoElfi Kürten Fenske
© Seleção e organização dos poemasJosé Alexandre da Silva


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COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten; SILVA
José Alexandre da. (pesquisa, seleção, edição e organização). Louise Glück - poeta e ensaísta norte-americana . In: Templo Cultural Delfos, março/2024. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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:: Página atualizada em 16.3.2024.
:: Página original de MARÇO/2024


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