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Mariana Ianelli - o silêncio e o sagrado

Mariana Ianelli - foto (...)
Mariana Ianelli (poeta, ensaísta, cronista e crítica literária) nascida em São Paulo em 17 de outubro de 1979, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada (2010) e O amor e depois (2012), todos pela editora Iluminuras. Como ensaísta, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli,  da coleção Ciranda da Poesia (ed. UERJ, 2013). Estreou na prosa com o livro de crônicas Breves anotações sobre um tigre  (ed. ardotempo, 2013). Em 2008 recebeu o Prêmio Fundação Bunge (antigo Moinho Santista) na categoria Juventude. Em 2011 obteve menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas (Cuba) pelo livro Treva alvorada. 
:: Fonte: Site oficial da autora (acessado em 16.3.2016).


Para amanhã
 Faz tua casa um fragmento de alma,
 cobre o teu pensamento.
 Vai, que estás em tempo de colher-te,
 um minuto para ser teu.
 Interrompe tuas regatas desbravadas,
 saídas das marinas solitárias,
 e retribui para terra a demonstração das tuas patas.
 Que não há segunda vez,
 um homem se esgalha da marga ou desiste.
 Para terra dá teus domingos desagradáveis e os risíveis.
 Fica lasso, pétala urdida no sol e na água.
 Vai, capaz de crescer.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.


Mariana Ianelli, por  Alfredo Aquino

OBRA DE MARIANA IANELLI
Poesia
:: Trajetória de antes. São Paulo: Iluminuras, 1999, 204p.
:: Duas chagas. [ilustrações Rubens Ianelli]. São Paulo: Iluminuras, 2001, 120p.
:: Passagens. São Paulo: Iluminuras, 2003, 128p.
:: Fazer silêncio. São Paulo: Iluminuras, 2005, 128p.
:: Almádena. São Paulo: Iluminuras, 2007, 104p.
:: Treva alvorada[ilustrações Rubens Ianelli]. São Paulo: Iluminuras, 2010.
:: O amor e depois. São Paulo: Iluminuras, 2012.
:: Tempo de voltar. Porto Alegre: Edições Ardotempo, 2016.

Crônica
:: Breves anotações sobre um tigre. [ilustrações Alfredo Aquino]. Porto Alegre: Edições Ardotempo, 2013.

Ensaio
:: Alberto Pucheu por Mariana Ianelli. Coleção Ciranda da Poesia. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2013.

Antologias (participação)
Mariana Ianelli - foto: (...)
:: Mutações – Itaci. São Paulo: CMS Editora, 2003.
:: Antología de poesia brasileña. [organização Floriano Martins e José Geraldo Neres]. Valencia|Espanha: Edições Huerga&Fierro, 2007.
:: Um rio de contos. [organização Celina Veiga de Oliveira e Victor Oliveira Mateus]. Dafundo|Portugal: Editora Tágide. 2009.
:: Dicionário amoroso da língua portuguesa. [organização Marcelo Moutinho]. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, 136p.
:: O prisma das muitas cores - poesia de amor portuguesa e brasileira. [organização Victor Oliveira Mateus]. Portugal: Editora Labirinto, 2010.
:: Roteiro da poesia brasileira - anos 90. [seleção e prefácio Paulo Ferraz]. São Paulo: Global, 2011, 226p.
:: Amar, verbo atemporal. [organização Celina Portocarrero]. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2012.
:: Caminhos da mística. [organização Faustino Teixeira]. São Paulo: Editora Paulinas, 2012.
:: Contos capitais. [organização Marcelo Teixeira]. Lisboa: Edições Parsifal, 2013.
:: Um extenso continente - antologia de homenagem a António Salvado. [organização Maria do Sameiro Barroso, Maria de Lurdes Gouveia Barata e Alfredo Pérez Alencart]. Portugal: RVJ Editores, 2014.
:: Cintilações da sombra III. [organização Victor Oliveira Mateus]. Portugal: Editora Labirinto, 2015.
:: Qué será de ti?/Como vai você? - Poesía joven de Brasil. [organização Luis Aguilar]. Edição bilíngue. México: Vaso Roto Ediciones, 2015.
:: Mística e literatura. [organização Faustino Teixeira]. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2015.

Livros de arte (participação)
:: Cartas, Ignácio de Loyola Brandão e Alfredo Aquino. São Paulo: Editora Iluminuras, 2004.
:: Ianelli. São Paulo: Via Impressa,  2004.
:: Rubens Ianelli. São Paulo: Imprensa Oficial; Museu Afro-Brasil, 2010.

Dissertação mestrado
Mariana Ianelli - foto: Petronio Cinque
IANELLI, Mariana. A filosofia do método: do processo de criação poética è descoberta da verdade. (Dissertação Mestrado em Literatura e Crítica Literária). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, 2005.

Ensaios em livros 
IANELLI, Mariana. Sobre navios e navegantes. In: Celina Veiga de Oliveira; Victor Oliveira Mateus. (Org.). Um rio de contos. 1ed.Dafundo: Tágide, 2009, v. , p. 178-178. 
_______ . Condor. in: Marcelo Moutinho; Jorge Reis-Sá. (Org.). Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa. 1ª ed., Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, v. , p. 27-27. 
_______ . A trajetória de um artista. in: Katia Ianelli. (Org.). IANELLI. 1ª ed., São Paulo: Via Impressa, 2004, v. , p. 22-39. 

Ensaios, poemas e textos em jornais de notícias e revistas 
IANELLI, Mariana. Thiago de Mello, a voz de um coração latino-americano. in: Estadão - cultura e literatura, 15 março de 2016. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).

________ . No centro da modernidade - O romantismo desdobrou-se em soluções históricas que foram muito além de suas intenções. in: Jornal Rascunho, edição 188, fev. 2016. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Lupe Cotrim Garaude: vida breve, longo invento do amor. in: Zunái - Revista de Poesia e Debates, vol. 2, nº 4, dezembro de 2015. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Donizete Galvão tem sua poética de carne e osso lembrada em nova edição. in: Estadão - cultura e literatura, 14 de março de 2015. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Um legado de afeto e pensamento do poeta e crítico Ivan Junqueira. in: O Globo, Rio de Janeiro, 16.11.2014. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Resenha de 'Três ensaios de fala', de Leila Danziger. in: O Globo - prosa, 12 de janeiro de 2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Em Marina Colasanti, o verbo vira passaporte para fantásticas viagens. O Globo, Rio de Janeiro, 23 maio 2009.
________ . A palavra como o lugar do desajuste. O Globo, Rio de Janeiro, 24 jan. 2009. 
________ . Ariadne. Revista Callema, Portugal, 15 nov. 2008. 
________ . O guardador de sonhos. Rascunho, Curitiba, 15 ago. 2008. 
________ . Resistir em tempos indigentes. Rascunho, Curitiba, 15 jun. 2008. 
________ . Poética. Revista Poesia Sempre. Rio de Janeiro, 15 maio 2008. 
________ . Almádena. Revista de Ciência e Cultura, Campinas, 15 maio 2008. 
________ . Retrato da decadência moral. O Globo, Rio de Janeiro, 15 mar. 2008. 
________ . Wittgenstein no limiar do indizível. Rascunho, Curitiba, 15 dez. 2007.
________ . A técnica editorial numa época de idéias fecundas e meios precários. O Globo, Rio de Janeiro, 1 dez. 2007.
________ . Sylvia Plath renascida. O Globo, Rio de Janeiro, 20 out. 2007. 
________ . Um país chamado Marguerite Duras. O Globo, Rio de Janeiro, 20 out. 2007.
________ . O irresistível mal dos livros. Rascunho, Curitiba, 15 set. 2007. 
________ . Pelos olhos de Laura Riding. Rascunho, Curitiba, 15 set. 2007. 
________ . Poemas. Revista Continente Multicultural, Pernambuco, 15 jun. 2007. 
________ . Um poeta em Marrakech. Rascunho, 15 maio 2007. 
________ . Rebeldia e Júbilo. Rascunho, 15 abr. 2007.
________ . A celebração do afeto. O Globo, Rio de Janeiro, 17 mar. 2007.
________ . Coetzee e a literatura da perplexidade. Rascunho, Curitiba, 15 mar. 2007.
________ . De Agno. Revista Etcetera Literatura e Arte, Curitiba, 15 nov. 2006. 
________ . Instante; O outro lado; Vida; Voz de ninguém. Revista Bavo!, p. 111 - 113, 5 jul. 2004. 
________ . Desconhecido. Folha de S. Paulo, 16 maio 2004. 
________ . Procura do Vento. Revista Aplauso, Porto Alegre, p. 10, 5 maio 2004. 
________ . Por enquanto, cumpre-nos falar. Revista Caros Amigos, p. 39 - 39, 15 abr. 2004. 
________ . Pandora. Revista Bravo!, 5 jan. 2004. 
Mariana Ianelli - foto: Petronio Cinque
________ . Hilda Hilst, enfim clássica. Revista Aplauso, Porto Alegre, RS, p. 39, 4 fev. 2002.
________ . Um breve testamento literário. in: Digestivo Cultural, 8.10.2002. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
________ . Sem Nada. Revista Caros Amigos, p. 37, 15 out. 2001.
________ . Balaio de Ratos. Revista Caros Amigos, p. 29, 17 set. 2001. 
________ . Estrela Nova. Revista Caros Amigos, p. 10, 13 ago. 2001. 
________ . Faixa de Gaza. Revista Caros Amigos, p. 15, 16 jul. 2001. 
________ . Granada Branca. Revista Caros Amigos, p. 28, 14 maio 2001.
________ . Estrangeirismos na língua portuguesa provocam divergências. Jornal da PUC, p. 7, 1 abr. 2001. 
________ . Carta para o homem. Revista Aplauso, Porto Alegre, RS, p. 36 - 37, 5 mar. 2001. 
________ . A solidão portátil e avulsa de cada um. Revista Caros Amigos, p. 26, 15 jan. 2001. 
________ . Feliz Ano Velho volta aos palcos depois de 16 anos. Jornal da PUC, p. 7, 1 out. 2000. 
________ . São Paulo recebe legado pessoal de Sigmund Freud. Jornal da PUC, p. 7, 15 set. 2000. 
________ .  Editoras relançam obras clássicas do filósofo alemão. Jornal da PUC, p. 7, 1 set. 2000. 
________ . Quando o riso é arte. Jornal da PUC, p. 7, 15 jun. 2000. 
________ . Jogo. Folha de S.Paulo, 4 jun. 2000. 
________ . Um novo vigor para a literatura. Jornal da PUC, p. 7, 1 jun. 2000. 
________ . Para cada cabeça, a mesma sentença. Revista Caros Amigos, p. 22, 17 abr. 2000. 
________ . Peça em um ato; À margem. Folha de S.Paulo; O Globo; Zero Hora, Coluna Elio Gaspari, 10 out. 1999.
:: Coluna da autora no blog da Editora Iluminuras. Acesse AQUI
:: Coluna da autora no site Vida Breve. Acesse AQUI!
:: Coluna da autora no Jornal Rascunho. Acesse AQUI!

Entrevistas
BADIOU, Alain. "Vejo na poesia uma possibilidade de transubstanciação". [entrevista especial com Mariana Ianelli]. in: Instituto Humanitas Unisinos, 8 de dezembro de 2007. Disponível no link. (acessado em 16.3.2016). 
ENTREVISTA. Mariana Ianelli, tão rara quanto um tigre. in: RUBEM - Revista da Crônica, 3.9.2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
FARIA, Álvaro Alves de.. Grandes entrevistas na rede: Mariana Ianelli. [concedida a Álvaro Alves de Faria e publicada no livro "Pastores de Virgílio" - Editora Escrituras, 2009./reprduzida Revista Pausa. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
NO OLHO da literatura. Entrevista a Mariana Ianelli. publicado no jornal O Rascunho, novembro de 2007. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
PEREIRA, Rogério. Entrevista: Mariana Ianelli - sensíveis hieróglifos. publicado no jornal O Rascunho 125, setembro 2010, p. 5. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
SBARDELOTTO, Moisés. Poesia e mística: o silêncio como origem e destino. [entrevista especial com Mariana Ianelli]. in: Instituto Humanitas Unisinos, 22 de dezembro de 2011. Disponível no link. (acessado em 16.3.2016). 

Exposições (participação com poemas)
:: Intolerância, de Siron Franco - no espaço da Usina do Gasômetro em Porto Alegre durante o III Fórum Social Mundial, em 2002.


A música fala pelos que ficam.
Nenhuma distância é possível
Entre a nítida presença de um corpo
E sua despedida repentina.
Para aquele que viaja em busca do futuro
Eu canto com a impureza do amor
Que me esgota e também me extasia,
Que me leva a produzir o tédio
Com os meus dedos engordurados de vida.
A violência do ódio primitivo canta comigo
E são estas trevas que me acompanham
À dimensão de um tempo sem destino
Em que nada se perde porque nada existe.
- Mariana Ianelli, em "Passagens". São Paulo: Iluminuras, 2003.


Mariana Ianelli - foto: Petronio Cinque
POEMAS ESCOLHIDOS DE MARIANA IANELLI

À meia voz
 A terra fraca eu amei,
 A terra fraca e desdenhada.

Amei tua carnadura
 Sedenta de cuidados,
 Meu Deus.

Me doía a casa morta
 Erguida sobre séculos,
 Em toda parte o ressaibo 
 De uma guerra difícil.

O leão de pedra na porta
 Foi sempre o guardião 
 Dos jardins
 E eu nem sabia.

Não sabia
 Do que uma prece é capaz
 Quando te abisma
 Meu Deus
 Num mundo de humana ira.
- Mariana Ianelli, em "Treva alvorada". São Paulo: Iluminuras, 2010. 

§
desenho de Rubens Ianelli (nanquim a bico de pena)

Almádena
Almádena, ensina-me a voltar.

Já varri todos os mortos, 
 Não há restos no chão. 
 Um quarto branco, uma cadeira, 
 O meu tempo é o presente, 
 Não tenho do que me queixar. 

Está feito, celebrado. 
 Janelas e portas abertas, 
 Na mesa a fruta matutina, 
 O lírio, o copo d'água. 
 Uma casa agradável, 
 Fosse isto uma casa. 

Eu me traí, Almádena. 

Agora chove, 
 É uma tal plenitude, 
 Império absolvido de história. 
 Quanta memória vencendo, 
 Cobrindo, cavando o rosto, 
 Quantos dias, quanto cinzel, 
 Quantas horas. 

Está chovendo ainda. 
 Eu tenho um rosto sem marcas. 

A lua do amarelo ao sono 
 E essa estátua que me olha. 
 Uma obra merecida, consumada. 

Eu desapareci, Almádena. 

Nada cumpre dizer 
 Tanto quanto dizem esses olhos. 
 Eu vivo como quem ama, 
 Eu consinto, 
 É só o que me cabe. 
 Dar e repartir, fazer que não sei, 
 No bronze ser o animal que dorme. 

Há uma única lâmpada, 
 Há um violino 
 E a mão que o desata. 
 O vento de quando em quando, 
 O terço quadrante e a pedra rolada. 

Há uma chave que nada guarda. 

A terra esplandece, 
 Consorte de quem parte. 
 Agora amanhece. 

Eu me perdi, Almádena. 

Não há rumor nas coisas, 
 Elas são o que são, 
 Não desejam explicar-se. 
 A porcelana, a cambraia, a murta 
 E a falta de uma asa. 

Aqui não existe o medo, 
 Eu planto e eu desbasto. 
 As paredes ardem, 
 A erva recende, 
 O sol vem do leste, 
 Tudo em perfeita ordem. 

Está pronto, terminado. 

Um rasgo, um passo em falso, 
 Uma sombra, 
 Agora é tarde. 
 As cartas não chegam 
 Nem são enviadas. 
 A mesa está limpa. 

Eu me esqueci, Almádena. 

As cores, como elas vibram, 
 As auroras. 
 O verde das baixas altitudes, 
 O vermelho, o azul, 
 Como entornam. 

Eu desço e me arrebento, 
 Eu despenco, sou forte. 
 A natureza é forte. 
 Quatro pilares me suportam. 

O céu sobre todas as torres, 
 Todas as luzes, exceto uma. 
 As nuvens se cruzam, 
 Juntam-se e se afastam. 
 Há uma brisa lá fora. 

O corpo está servido, 
 O corpo está saciado. 
 Agora anoitece. 

Protege-me, Almádena. 
- Mariana Ianelli, em "Almádena". São Paulo: Iluminuras, 2007.

§
desenho de Rubens Ianelli  (nanquim a bico de pena)

Canto de ofício
A cada dia, por ser hoje, 
 Eu te agradeço.
 Por esse quarto à meia luz 
 E outros mundos, 
 Por esse gosto de amêndoa 
 E outros prazeres. 

Quem quer que sejas tu 
 E onde estiveres, 
 Sob qualquer face 
 Que me apareças, 
 Assim é. 

Pela incerteza essencial 
 Sobre mim mesma, 
 E estas palavras 
 Desde há pouco sem proveito, 
 Entranha, mistério, vereda 
 - Eu agradeço. 

A cada noite inaugural 
 E derradeira, 
 Que me sustém 
 Não menos que o suficiente, 
 Bendito o fruto, o sal, o chão 
 E este silêncio. 

Fundo de ravina o meu lugar, 
 Se já não creio. 
 Alto de um monte, se resisto. 
 E descrendo, resistindo, 
 Eu agradeço. 

Que me possua o antro 
 Dos meus edifícios, 
 Como a pedra ordinária 
 É possuída 
 Por sóis e luas 
 Em seu tempo de maré. 

Que eu me refaça 
 De quanto tenha desistido 
 Como a dizimação de um povo 
 No testemunho dos vivos. 

E que eu envelheça 
 Par a par com esta casa, 
 Debaixo do musgo e da poeira, 
 O corpo palpitando ainda, 
 Mas num insensível batimento. 

Por tudo o que se eleva 
 Numa onda 
 Logo se quebrando 
 Junto à espuma, 
 Pelo que no adeus se perpetua, 
 Sim, louvado seja. 

Embora muito fique por saber 
 Das letras e dos números, 
 E tanto por dizer 
 Sobre o mal e a loucura, 
 Embora o rosto penso, 
 O grito, os pés inúteis. 

Quão breve o momento 
 E quão vasto seu milagre. 
 Os favores da pele, 
 O céu de um poema, 
 A benção do pão e da água. 

A benção, apesar 
 Do irremediável olho cego, 
 Das almas perseguidas 
 E do aborto solitário. 

Porque aqui se chega, 
 A este dia e a esta luz 
 E é tão raro aceitá-lo. 
 Porque daqui se vai. 

O adágio, 
 A flor do ourives, 
 O vermelho da China, 
 Um giro de bailarina, 
 Graças a ti, todas as artes. 

Por esse vinho 
 E seus quinze outonos. 
 Pelo descanso da terra. 
 Por essa terra. 
- Mariana Ianelli, em "Almádena". São Paulo: Iluminuras, 2007.

§

Andaluz
 Vaga pela terra, filho trágico,
 com as tuas duas mãos livres.
 Furta o colo das putas,
 escuta o ventre delas exausto.
 O retorno sempre admirável de Sarah
 te conduziria àquela velha madrugada de amplidão.
 Mas afasta esta necessidade, filho. 
 Quem uma vez mudou seus sinais correspondentes 
 não voltará de pronto.
 Nenhuma reparação, não há nada.
 No mundo, cotidianamente, andarás sem teu coração.
 Por cinco anos andarás, cismando com tuas faltas.
 É preciso que seja assim.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.

§

Busca
Mariana Ianelli - foto: (...)
 Não se sabe de Clara.
 Se me procuram para revelações,
 Esvazio o meu rosto e quedo,
 Ocultando a sua ida.
 Eu aceito, se me acusam.
 Sua figura longa vertendo,
 Tardando, com a retina em veludo
 - Clara, cedendo, num gesto de flor.
 Se me encerram, eu não rogo ou protesto.
 Sua forma contrária andando na terra,
 Invertendo as linhas que seguiam retas,
 Sua passagem lenta pelas trilhadas
 Se firmou algures...
 Mas se aumentam as pesquisas,
 Esquadrinham suspeitas,
 Eu vou tomar seus olhos convincentes
 E com eles direi :
 - "Não há mais Clara".
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012.

§

Duas chagas 
 Os que não sabem 
 matam e suprem com mesmo destino. 
 Filhos da mentira, amamos porque não. 
 Alegóricos. 
 Os olhos e os dedos apressam alguma conciliação 
 que afaga nossa parte inválida. 
 Por todo esse tempo formamos o alvo certo 
 e nos arremessamos em riste, 
 humanamente, perdidamente. 
 Histórias justificadas, rompidas, libertas 
 valem nada se uma palavra esvanecida nos serve. 
 Decadentes. 
 Rimos da nossa igual finitude, nos vexamos. 
 Adoráveis e decadentes. 
 Nossos poemas possíveis estontearam 
 na saúde da boca, na cabeça madura. 
 Pobres autores de nós, que sabemos.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.

§

Esquecemos este céu absoluto
 Que inspirou o nosso enigma.
 Esta prisão do silêncio,
 Derrota do nosso grito,
 Confinou entre paredes
 O canto selvagem das crianças
 Surgidas do desconhecido.
 Aquilo que o destino elaborava
 Na sua muda conspiração de ritmos,
 Fosse um labirinto de sombra
 Ou tão-somente, antes disso,
 Um cuidadoso plano de suicídio,
 Não soubemos decifrar.
 Chegamos ao extremo do caminho
 Aonde ninguém vai sem antes dar-se por vencido.
- Mariana Ianelli, em "Passagens". São Paulo: Iluminuras, 2003.

§

Estrela da terra
 Jóia do absurdo
 Esta flor imaginada
 Dentro do teu sonho de menino.
 Uma ilusão querer guardá-la para sempre:
 Quando chegar o sol das almas deste inverno,
 Será o fim do tempo de raízes.

Pétala o que em ti germina,
 Resplandece e perde o viço.
 Pétala para tudo que é finito.
 Pela futura celebração da memória,
 Pelo que, um dia, sem explicação, termina.
 Pétala para que tu sejas grato ao que há de vir.

O amor se apressa, se desespera,
 Trágico de tanta alegria.
 Por ele surge o escarlate
 E o lastro de estandarte sob a terra.
 Por ele se abre e se desfolha a tua rosa
 No vento arauto das despedidas.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§

Essencial 
 O branco há de me cobrir.
 Nenhuma ótima filosofia,
 Nenhuma música para essa vez.
 Os bárbaros conversam comigo do poço,
 Os mais hábeis, os mais inertes.
 Minha confidência se abre para eles:
 É a demolição do minuto pontual,
 Da cadeia insustentável de regras,
 Dos meus calçados infalíveis
 Que respeitaram sempre um certo simulacro.
 Bárbaros por uma ausência profana
 De ideais e arrependimentos:
 O exemplo da rendição inocente.
 Deveres à parte,
 Costumes exauridos e desígnios à parte,
 O branco há de deitar sobre mim.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.

§

Evidência 
Mariana Ianelli - foto: (...)
 Eu sei o teu gosto
 as tuas marcas do corpo
 o tom e o perfume
 das tuas esquinas
 eu sei.
 Tu te despenteias
 te sujas
 lambuzas
 e eu adivinho
 a beleza que tem
 as tuas maiores,
 mais ricas confusões.
 As maneiras de andar
 de emudecer
 rodopiar
 rir até não mais
 e de cair no sono
 e de bater asas
 de se guardar do frio
 são tuas maneiras
 são esses teus dias
 que são um pouco
 os meus dias também.
 Se tu somes
 e te deixas morrer pelos cantos
 na lassidão dos mendigos
 se tu te entregas ao tempo
 te dissolves nele
 se tu te negas
 e te misturas
 à substância da madrugada
 à água fosca da sarjeta
 se tu somes, de repente,
 eu vou saber.
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012. 

§

Êxodo
 Os bens retalhados, os partidos, as virtudes,
 Limpo o acumulado.
 Há meses uma candura foi expulsa da nossa casa,
 Proibida a alma das decências.
 Apenas uma criança se livrou.
 Copiamos a aparência enjoada do mundo,
 Estas janelas imersas, o fosso das construções,
 A praia desmembrada do lixo.
 Um miúdo, aquele nosso, foi repreendido de súbito.
 Mantemos o avesso
 E mesmo os nossos gestos contrários
 Nos contém do amor.
 Andamos sempre mais um pouco
 Na linha do nosso passado, sempre pela manhã
 Nos predestinamos a essa eternidade contrária.
 Junto ao muro de sangue, antes do baque,
 A nossa derradeira criança ouve o disparo dos tiros.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.

§

Fazer silêncio 
 Seja o ar da montanha
 Para o sono dos cordeiros.

Neve recém-caída,
 Puríssimo grão de açúcar,
 Duna sob a lua cheia.

Tal qual o fruto da terra
 Que se dá a comer no sexto dia.

Jazida inexplorada,
 Casa sem mobília,
 Vácuo do não-dito,
 Êxtase nunca interrompido.

Tal como o olho cego
 Que percebe o invisível,
 Gema de opalina.

Seja o restante, o indiviso.

Magma transmudado em cinza,
 Fóssil na noite da cripta,
 O vaivém milenar da água viva,
 Líquido momento de sentir
 E estar sozinho.

Fazer silêncio.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§

Filhos do fogo
Não foi o cansaço da jornada
Que de novo nessa noite nos venceu,
Mas um sofrimento antigo, igual a sempre,
A realidade com sua mão espadaúda
Juntando a poeira de uns castelos demolidos,
De tudo extraindo o que sobra de nosso, afinal:
O irreversível.
Cultivamos rituais silenciosos,
Temos dentro de nós a alma do mundo.
Fomos feitos para a solidão,
A mesma que sente um animal
Ao largar o seu rebanho
E esperar a morte suavemente
Numa longa tarde de chuva em Gibeon.
Damos calor às coisas enquanto é tempo
E mais tempo há enquanto estamos mudos.
Gozamos um amor tranqüilo, sem heroísmo.
Assim acontece certas vezes, por espanto:
De um golpe, o infinito nos apanha.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§

Flor do ofício
 Emboscada no silêncio
 Eu preparo a rosa inútil
 Com as horas que salvei 
 Do desperdício.

Feito um verme
 Decompondo ceticismo
 Em força indômita,
 Preparo e deito essa flor 
 No teu caminho
 Para quando o teu corpo
 (Tão quebrantável quanto o meu)
 For sozinho pastorear
 Seus demônios no vazio.

Quase dois mil anos
 Guardado no deserto
 Um salmo esperou
 Para recobrar sua melodia – 
 E eu não te esperaria?
- Mariana Ianelli, em "Treva alvorada". São Paulo: Iluminuras, 2010. 

§

Fruto caído 
 Um dia uma paragem 
 Um rendilhado de sombras
 Uma fonte na canção das folhas
 E nada mais tem a cor do luto – 

Um dia um fruto caído
 O licor ungido na língua
 O sangue fabricando amor
A morte é um escarlate súbito.  
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012.

§

Hodie 
 I.
desenho de Rubens Ianelli  (nanquim a bico de pena)

 Há de ser mais do que a vida. 

Mais do que a estrela do corpo
 Que se põe todos os dias, 
 Com seu coração refém 
 Das pequenas olimpíadas.

 Há de ser mais, muito mais
 Do que esse deus enxadrista,
 Mais do que o par da minha sombra
 E a iluminura das tuas cicatrizes. 

Há de sobrepujar nosso caminho. 

Quantas vezes mais será 
 Do que a invenção do inimigo, 
 Tanto mais do que as mãos, 
 Sua pistola, sua prece, seu címbalo. 

Passará o algar das raízes. 

II. 

Os diferentes mundos, 
 O eterno homem sozinho, 
 O peso assente nos ombros, 
 A maçã, o cardamomo, o trigo – 
 Há de ser mais do que isso. 

Mais do que a hora perdida, 
 Do que esta noite e a seguinte, 
 Do que Alcatraz e Treblinka. 

Mais, muito mais do que a esposa, 
 Os filhos, os velhos e o amigo. 

Excederá o jogo da roleta, 
 Perderá o atlas dos países. 
 Será além do pão e da carne, 
 Da carne e seu véu de formigas. 

Além da mais altissonante teoria. 

III. 

Atravessará meu canto de aleluia, 
 O verão entranhado nas coisas, 
 O que teu punho entende por justiça. 

Há de pairar sobre o feito e o refeito 
 E sobre o restante já esquecido. 
 Será mais acima do topo, 
 Acima da injúria e da orquídea. 

Mais real do que as coisas, mais físsil. 

Diante do que toda ciência é pouca, 
 Toda fábula, todos os ritos. 

Um disparo, uma faísca, 
 Tua história desembocando na minha, 
 O que quer que tenha um princípio, 
 E será mais além, mais acima. 

IV. 

Nem afável, nem terrível, 
 Igual para tudo que existe. 

Do pelicano dos rios 
 Ao camaleão da Namíbia, 
 Da anêmona dos recifes, 
 A alguém como nós e outros mil. 

Triunfará sobre a púrpura e o branco, 
 Sobre os ramos, as teias, os ninhos. 
 Será antes da rosa-dos-rumos, 
 Muito antes do buliço 
 Entre acordar e dormir. 

Para além do último gesto, 
 Aquém do primeiro, 
 Fora de toda idéia sensível. 

Há de ser mais do que a morte, esvair-se. 
- Mariana Ianelli, em "Almádena". São Paulo: Iluminuras, 2007.

§

Neste lugar
 Nenhum traço de delicadeza,
 Só palavras ávidas
 E o tempo,
 A devoração do tempo.

Um jardim entregue
 Às chuvas e aos ventos.

O que para os cães
 É febre de matança
 E para um deus
 Um dos seus inúmeros
 Prazeres.

Caminhos de sangue
 Onde reina o amor primeiro,
 Morada de súbita
 Ausência do medo.

Um despenhadeiro, o céu
 E uma queda
 Sem alívio de esquecimento.
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012.

§
Mariana Ianelli - foto: (...)

O amor e depois 
Era esperado que aos poucos
 Definhasse, fosse desaparecendo
 Naturalmente levado pelo sono.
 Era suposto que por abandono
 Morresse –

E não teria o vento nenhum sentido
 De ventura, seria apenas
 A passagem de uma hora branca,
 Entre outras tantas,
 Para um coração manso
 Que já nada espera nem recorda – 

Como se o tempo não devorasse
 Também o desconsolo,
 E dele fizesse exsudar um leve perfume,
 Como se não arrastasse
 Cada corpo uma penumbra,
 Como se fosse possível
 Em vida a paz dos mortos. 
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012.

§

O outro lado 
 Aqui se fica para sempre,
 Tem-se os pés gelados.
 Dorme-se à vontade,
 As unhas crescem como garras.

Deixa-se um rastro para trás,
 Mas a memória não supõe
 A estrada percorrida
 E o rastro se dissolve.

Não se canta mais, já não se evoca.
 A poesia está muda,
 Nobremente sepultada no dilúvio
 Que purifica e destrói o brasão dos fatos.

A felicidade brota do cansaço,
 Desmancha uma aliança íntima,
 Desbota cartas, retratos e viagens.
 O temporal lava a carne gasta.

Nada se sabe a respeito do passado,
 Ninguém se lembra,
 Melhor não se lembrar,
 Não revolver os despojos.

Abandona-se toda a bagagem.
 Nenhum espólio, nenhuma saudade.
 Abre-se uma vala estreita
 Onde antes se podia pisar.

Acontece, enfim,
 Tira-se a máscara.
 E os olhos (cerrados) compreendem:
 Aqui é leve a eternidade.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§ 

Pântano 
 Haverá uma noite
 No fundo desta lama
 Para tudo o que foi teu :
 O caminho de partida,
 O horizonte das bandeiras,
 O extraordinário ano de 1980.

Entre guelras e barbatanas,
 No ventre de uma água sonolenta,
 O castelo de tua memória se acende.
 Ressurge um alto portão de madeira,
 De longe brilha a pesada maçaneta,
 Cresce para baixo o tronco do velho castanheiro.

No escuro passeia o teu amigo inexistente,
 Deitam-se juntas as tuas amantes insatisfeitas,
 Do topo de uma escada o teu filho te acena.
 Os muros contornados e logo desconhecidos,
 As alamedas visitadas e já desaparecidas
 Formarão ali tua cidade secreta e sem fronteiras.

O retorno para casa como se para um cativeiro,
 Toda vacuidade do suplício e do desejo,
 Um gemido de orgasmo reboando no silêncio :
 Tudo o que foi teu renascerá
 No pântano de uma noite derradeira
 Para além do tempo do esquecimento.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§
Mariana Ianelli - foto: Samuel Leon

Semelhança
 – E se a tua mudez
 For a superfície de um lago
 Que nada recusa refletir

E se eu ali mergulhado
 Feito um cego 
 Compreender
 Que o rosto que me falta ver
 É este rosto 
 Que sempre te ofereço
 Mas que frente a frente
 Jamais encontrei

E se o pranto for a verdade
 Do canto

O assombro de um horizonte
 Tão brando
 Que desde longe me obriga
 A trazer à tona, um dia,
 O teu rosto refletido – 
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012.


§

Trajetória de antes 
 Girando na bolha de sal
 eu falo contigo e te recebo
 no tempo primário
 em que me ensinas o amor.
 Um passo em falso
 me derruba e eu dissipo
 mas tu és boa
 e me trazes devagar 
 como quem segura um mundo.
 Tua explosão irrompe
 tingida de fogo
 e dói-te tão fundo
 que eu estremeço
 e um amor de meses 
 vaza todo, extravasa.
 Desde que me conjugo
 (eu sou, eu estou)
 dou-te um nome de santa.
 Viajo num estouro de luz
 que te queima, te arregaça. 
 Eu tenho o destino dos homens.
 Fora de ti, quebrado o pacto,
 te encontro uma segunda vez.
- Mariana Ianelli, em "O amor e depois". São Paulo: Iluminuras, 2012. 

§

Voz de ninguém
 Tão somente um gesto
 E não o fiz.
 Que muitos houvessem tentado,
 Apenas eu resisti.

Homens que marcham, que se deixam levar,
 Porque vivem.
 Estranho guerreiro, eu não marcho.
 Corpo morto, já não me carrego.

À frente de cem milhas agrestes,
 Como se contra o nada, respondi:
 - Estou aqui e aqui perduro.
 Isto que hoje fala em mim, em mim se cala.
- Mariana Ianelli, em "Fazer silêncio". São Paulo: Iluminuras, 2005.

§

Vigília
Esta noite
 Nem o gozo do pensamento
 Te entretém.

Teu sentimento
 É todo um espanto seco
 Como se te mirassem
 Os olhos da inocência
 E desta vez não te acudisse 
 O desprezo.

Te comove
 Teu sangue trabalhando
 Em silêncio,
 Resvalar te comove,
 Pode ser teu ato extremo.

Nada se põe entre esta noite
 E a perfeição
 Da tua órbita no tempo.
                                    
 Só tuas mãos ainda servem
 De instrumento,
 E elas se deitam.
 Podem alcançar adiante,
 Escolhem alcançar
 A transparência.
- Mariana Ianelli, em "Treva alvorada". São Paulo: Iluminuras, 2010. 

Mariana Ianelli - foto: Petronio Cinque
FORTUNA CRÍTICA DE MARIANA IANELLI
ABL. Mariana Ianelli - poesia. in: Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, nº 71, abril, maio e junho de 2012, p. 253-264. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
CASTELLO, José. Poesia e teimosia. in: Gazeta do Povo - caderno G, 26.1.2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
COUTO, Filipe. Mariana Ianelli lança o livro de poemas 'Treva alvorada'. in: Jornal do Brasil, 16.7.2010. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
FELIZARDO, Alexandre Bonafim.. O amor e depois: a poesia de Mariana Ianelli. Diário da manhã, Goiânia, 9 set. 2013. 
FOGAÇA, Zaqueu. Jovens poetisas falam sobre a inspiração e o papel da poesia hoje. in: Saraiva Conteúdo, 6.10.2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
FORTUNA, Felipe. Crítica: Sem temer anacronismo, versos de Mariana Ianelli exprimem estados psicológicos. in: Especial Folha/Bol notícias, 26.1.2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
GAMBOA, Martín Palcio. Los trazos de pandora - breves ensayos sobre la nueva poesía contemporánea brasileña. Coleção de Areia, 2010.
GUTIÉRREZ, Rachel. Retorno ao Sagrado.  in: jornal O Rascunho 125, setembro 2010, p. 4. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
MACHADO, Carlos. A Poesia de Mariana Ianelli. in: Nos Revista, 27 de março de 2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016). 
MOUTINHO, Marcelo; REIS-SÁ, Jorge (org.).  Dicionário amoroso da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Casa da Palavra, 2009.
SALES, José Batista; PRADO, Amaya Obata Mouriño de Almeida. Uma leitura do poema - Da Liberdade-, de Mariana Ianelli. Letras & Letras (Online), v. 31, p. 422-435, 2015. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016). 
POEMAS. Mariana Ianelli. in: EUTOMIA - Revista de Literatura e Linguística, vol. 1, nº 15, 2015, p. 535-546. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
PRADO, Amaya Obata Mouriño de Almeida. Uma leitura do poema 'Da Liberdade', de Mariana Ianelli. In: V Encontro do Fórum de Literatura Literatura Contemporânea - Edição digital, 2014, Rio de Janeiro. Caderno de resumos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2014. v. 1. p. 43-43. 
RIGGI, Fabio. Treva alvorada, de Mariana Ianelli. in: revista Sibila, 4 agosto de 2010. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).
SUPLEMENTO Literário de Minas Gerais. A nova poesia brasileira vista por seus poetas. Edição especial. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, maio de 2013. Disponível no link. (acessado em 17.3.2016).


Mariana Ianelli - foto: (...)

"Quando a mínima gota, ninguém sabe, ninguém viu exatamente quando a primeira nem a outra, nem a terceira, e mais outra, depois outra, tão à toa, tão por acaso, por nem ver, por deixar ser, afinal, que mal pode haver numa gota?, assim pequena, graciosa até, e mais outra, tão efêmera, tão nada, […]"
- Mariana Ianelli, em crônica "Águas lentas". 


CRÔNICAS DE MARIANA IANELLI

A multidão tem fomePor muito que se empanturre, nunca a multidão se farta. Seu repasto é variado: apóstata, ladrão, louco, revolucionário, místico, gay, adúltera, bruxa, os traidores da ordem. A multidão julga, a multidão condena. Depois mata. Vai enchendo as praças, ondeando nas ruas, apertando seu anel em torno do poste, do pretório, do pelourinho, da arena, do cadafalso. Porém matar não é para já. Antes há as preliminares, o prazer das preliminares, o dedo apontado, as pedras, os chutes, a cusparada, a vala cavada com as unhas, a cruz nos ombros, as chibatadas. A multidão ferve de raiva, espuma, baba. Tem fome de sangue, mas antes tem fome de espetáculo. Não quer só o porco assado, quer também a maçã na boca do porco, o detalhe cruel, a coroa de espinhos, a estrela amarela, a letra escarlate, o cabelo raspado, a marca no braço, requintes desses que são típicos das festas de humilhação física e moral. Ninguém tem culpa na multidão, ninguém tem rosto. É uma ânsia coletiva, num corpo coletivo, com pretexto de justiça contra um só grande culpado, que será malhado, dessangrado, devorado no espetáculo. E melhor o espetáculo quanto mais lento for, os pecados do mundo estufando o corpo do repasto. A multidão exulta, fotografa para rever, filma, multiplica seus olhos. É um monstro mitológico se regozijando com o que vê, com o único rosto que da multidão se destaca, tão diferente, o dissidente, agora desfigurado. A festa é pública, mas desaconselhável aos de estômago fraco. Pode acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar. Acontece também com data e local marcados. Basta uma plaquinha, como aquela que uma vez um cartunista pôs numa página de jornal: “BREVE AQUI MASSACRE”. E o monstro começa a se formar.

- Mariana Ianelli, em crônica "A multidão tem fome". 


Dia do silêncio
Habitar o silêncio, ilustração de Alfredo Aquino
O que quer que justifique a data, é irresistível pensar que esse dia existe desde sempre, que apenas gradativamente foi perdendo espaço, sendo expulso, até resultar numa ilha remota da qual já não se tem notícia, um pedaço de terra aonde agora só se chega, quando se chega, para breves passeios turísticos.

Não é o lugar onde alguém fica ruminando uma estratégia, uma jogada de mestre, qualquer coisa bem pensada que vai crescendo, amadurecendo na sombra, não é isso. Nem é uma forma de protesto, um estado de alerta, uma prova declarada de desprezo ou uma divergência tão grande que nada vale a pena ser dito.Não é um minuto de silêncio pelas vítimas de uma chacina.

Existe a censura, a veladura, o regime do medo, mas também não é isso, esse túmulo de verdades escondidas onde o que fecha a boca é a impotência, a humilhação ou a cumplicidade num crime. Tudo isso existe dentro de limites bem conhecidos e forma só uma casca de silêncio. Por baixo e ao redor dessa casca continua o mesmo barulho, o mesmo trabalho de colmeia, um mundo de insatisfações, de intenções e de interesses confundidos.

O silêncio que ficou difícil, que foi aos poucos se afastando e se perdendo é outro. Não quer significar nada, não sente falta de nada. Não tem o que esconder nem o que reprimir. É quando tudo repousa por dentro. Um horizonte tranquilo, exato, completo. Nenhuma rajada de vento, nem mau pressentimento, nenhum desejo de estar em outra parte. É um chão de pedra com silêncio de pedra. A coisa mais simples. Uma paragem. Um lugar que se habita.
- Mariana Ianelli, "Breves anotações sobre um tigre". [ilustrações Alfredo Aquino]. Porto Alegre: Edições Ardotempo, 2013.



Um mundo de nomes
Um mundo de nomes, ilustração de Alfredo Aquino
Não chegam notícias de Ghardaia. Não sabemos como é a vida em Sandoa. Deve existir um céu estrelado em Marbat, uma mulher deslumbrante em Kandalaksha, uma alma de poeta em Jayapura. Pode ser que ainda hoje nas ilhas Banks as pessoas tenham cada uma sua canção particular como carta de recomendação para o além-túmulo. Alguma delicadeza há de existir em Nanquim, algum prazer em Puerto Deseado, alguma fresca de fim de tarde em Buenaventura, coisas pequenas mas extraordinárias que façam jus à beleza desses nomes.

O que sabemos de cidadezinhas, ilhas e aldeias que de repente ocupam o noticiário do mundo é outra coisa. Sabemos de Leogane, Porto Príncipe  e Carrefour porque ali a terra tremeu e esgarçou a chaga da miséria à vista de todos. Lembramos de Beslan porque esse nome evoca um massacre e cento e oitenta e seis velas acesas, uma para cada criança. Chegam notícias da ilha de Honshu depois de ter passado por ali um tsunami. Sabemos de Strasshof desde que uma menina desapareceu a caminho da escola e ressurgiu, fugida de um cativeiro, mais de oito anos depois. Dogo Nahawa muito possivelmente continuaria sendo uma aldeia escondida no mapa se centenas de agricultores não tivessem sido retalhados a golpes de facão. Nem tão cedo ouviríamos falar de Abbottabah se na madrugada de uma segunda-feira não tivessem descido ali vinte soldados com suas metralhadoras.

Quando esses nomes musicais e antes desconhecidos tornam-se o assunto do dia não é por seus jardins de cerejeira, sua pacatez, suas canções ao ritmo da colheita, suas terras morenas e brancas. São nomes que se fazem pronunciar por alguma exorbitância à altura do mundo. Não porque falem daquelas coisas pequenas mas extraordinárias que segredam que não existe um mundo. Existem mundos.
- Mariana Ianelli, "Breves anotações sobre um tigre". [ilustrações Alfredo Aquino]. Porto Alegre: Edições Ardotempo, 2013.



Mariana Ianelli - foto: Petronio Cinque
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OUTRAS REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA
:: Alguma Poesia - Carlos Machado
:: Antonio Miranda
:: Revista da Crônica - Rubem
:: Rubens Jardim - As mulheres poetas na literatura brasileira (39ª postagem)
:: Vida Breve - Mariana Ianelli
:: Vidas Lusófonas
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Mariana Ianelli - o silêncio e o sagrado. Templo Cultural Delfos, março/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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 Página atualizada em 17.3.2016.



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