José de Mesquita |
Exerceu os cargos de Professor de Português da Escola Normal,
Procurador Geral do Estado de Mato Grosso, Diretor da Secretaria do Governo,
Juiz de Direito da Comarca do Registro de Araguaia, Professor da Faculdade de
Direito de Cuiabá (Direito Constitucional) e Desembargador do Tribunal de
Justiça de Mato Grosso, que presidiu de 1930 a 1940, aposentando-se em 1945.
Após a sua aposentadoria, dedicou-se à advocacia, tendo exercido,
ainda, o cargo de Secretário Geral do Território Federal do Guaporé, hoje
Rondônia e Procurador Municipal da Prefeitura de Cuiabá.
Fundador da Academia Mato-Grossense de Letras, presidiu-a,
ininterruptamente, desde a sua fundação até o seu falecimento. Representou o
Tribunal de Justiça no Congresso Nacional de
Direito Judiciário e na Conferência Brasileira de
Criminologia (1936); o Instituto Histórico de Mato Grosso e o Estado, no Congresso
Histórico Nacional (1938) e a Academia Mato-Grossense de Letras, no 1º
Congresso das Academias (1936).
Foi condecorado pelo Papa Pio XI, com a Comenda da ordem de
São Silvestre, pelos serviços prestados à Ação Católica (1933) e foi
condecorado pelo Ministro da Guerra com a Medalha do Pacificador, pelos serviços à Pátria (1960).
Faleceu no dia 22 de junho de 1961, em Cuiabá.
** Biografia completa no link.
OBRA
Poesia
Poesias. Cuyabá: Typ. J.Pereira Leite,
1919.
Terra do Berço. (poesias), Cuiabá:
Escolas Profissionais Salesianas, 1927.
Epopéia Mato-Grossense. (sonetos),
Cuiabá, 1930.
Do Jardim Místico. (Sonetos). Cuiabá:
Revista do Centro Mato-grossense de Letras Anno X, Números XIX e XX — Jan. a
Dez. 1931.
Três Poemas da Saudade. (poemas),
Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1943.
Escada de Jacó. (sonetos), Cuiabá:
Escola Industrial Salesiana, 1945.
Roteiro da Felicidade. (sonetos).
Cuiabá, 1946.
Poemas do Guaporé. (poemas), Cuiabá,
1949.
Conto
Capa do livro Cavalhada, José de Mesquita - Desenho de Alberto Lima |
A Cavalhada. (contos regionais), Cuiabá:
Oficina das Escolas Profissionais Salesianas, 1928.
Corá. (conto, 1930) — Publicações: em
1932, na Revista Nova, nº 5, São Paulo; em 1959 (1° ed.) e em 1961 (2° ed.), no
volume X, “As selvas e o pantanal - Goiás e Mato Grosso”, da coleção Histórias
e Paisagens do Brasil, Editora Cultrix, São Paulo.
Espelho de Almas. (Contos). Prêmio da
ABL. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1932.
No Tempo da Cadeirinha. (contos
regionais), Curitiba: Guaíra, 1946.
Romance
Piedade. (romance). Cuiabá: Gráfica das
Escolas Profissionais Salesianas, 1937; Cuiabá: Academia Mato-Grossense de
Letras; Unemat, 2008. (Col. Obras Raras, v.4).
Crônicas
Gente e Coisas de Antanho. (Crônicas
1924-1934).. [Cadernos Cuiabanos, 4], Cuiabá: Prefeitura Municipal de
Cuiabá/Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978.
Biografia
O Taumaturgo do Sertão. (biografia do
Frei José Maria Macerata), Niterói, 1931.
Tese
Atentado contra a Justiça. (tese de
direito), Cuiabá, 1932.
Conferências
Pela Boa Causa. (Conferências, 1934) —
Publicado em Leituras Católicas, Ano XLVI — Outubro de 1936 — Nº 557, Escolas
Profissionais Salesianas de Niterói, Rio de Janeiro.
O Sentido da Literatura Mato-Grossense.
(conferência), Niterói, 1937.
Discurso
O Catolicismo e a Mulher. (discurso), Cuiabá:
Escolas Profissionais Salesianas, 1926.
Semeadoras do Futuro. (discurso paraninfal,
às normalistas de Cuiabá), Cuiabá, 1929.
O Sentimento de Brasilidade na História de Mato Grosso.
(discurso), na sua posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de
Janeiro, 1939.
Professoras Novas para um Mundo Novo.
(discurso paraninfal, na solenidade da colação de grau às Professoras, no Liceu
Campograndense, Escola Normal Joaquim Murtinho), Campo
Grande, 1939.
Os Jesuítas em Mato Grosso. (Discurso),
Centenário da Companhia de Jesus, Revista IHMT, 1940.
O Exército, fator de brasilidade.
(discurso) — Publicado em 1941, pela Biblioteca Militar, Gráfica Laemmert,
Limitada; Rio de Janeiro.
Nos Jardins de São João Bosco.
(discursos acerca da obra Salesiana em Mato Grosso), Cuiabá, 1941.
Ensaios
Ilustração do livro de contos Corá |
Elogio histórico ao Dr. Antônio Corrêa da Costa.
Cuiabá, 1921.
Elogio fúnebre do General Caetano Manoel de Faria e
Albuquerque. Cuiabá, 1926.
Um Paladino do Nacionalismo. (elogio a
Couto de Magalhães) Cuiabá, 1929.
João Poupino Caldas. (ensaio
biográfico), Cuiabá, 1934.
As Necrópoles Cuiabanas. Cuiabá, 1937.
Manoel Alves Ribeiro. (ensaio
biográfico), Cuiabá, 1938.
De Lívia a Dona Carmo. As mulheres na
obra de Machado de Assis, 1939 — Publicado em 1940, pela “Federação das Academias
de Letras do Brasil”, no livro Machado de Assis (estudos e ensaios), Editora F.
Briguiet & Cia., Rio de Janeiro. Publicado em 2006, por Yasmin Jamil Nadaf,
no livro Machado de Assis em Mato Grosso, Editora Lidador, Rio de Janeiro.
A Chapada Cuiabana. (Ensaio de
Geografia humana e econômica), 9º Congresso Brasileiro de Geografia,
Florianópolis, 1940.
A Academia Mato-grossense de Letras.
(notícia histórica), Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1941.
Bibliografia Mato-grossense. [em
colaboração com Firmo Rodrigues e Rubens de Mendonça], Cuiabá: Escola
Industrial Salesiana, 1944.
Genealogia matogrossense. (Edição
comemorativa do centenário de nascimento do autor). Cuiabá: AML/IHGMT/FIEMT;
São Paulo: Resenha Tributária, 1992.
Imagem de Jaci. (ainda não editado).
Antologia e
obras de outros autores (participação)
Who's Who in
Latin America. (Quem
é quem na América Latina). Part
VI, Brazil, pg. 158, Edited by Ronald Hilton, Stanford University Press, 1945,
3rd Edition.
Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro, “Histórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso”. (Organização
Regina Lacerda). volume VII, São Paulo:
Gráfica e Editora EDIGRAF Ltda, São Paulo - 1ª edição, 1960 e 2ª edição, 1963.
Geografia dos Mitos Brasileiros, de
Luís Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1983.
Antologia Poética Ibero-Americana.
(Organização Gustavo Pavel Égüez). Associação dos Adidos Culturais
Ibero-Americanos: Ministério da Cultura - Brasil, 2006.
POEMAS
ESCOLHIDOS
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Capa da 1ª edição do Livro Poesia (1919), de José de Mesquita |
Águas batidas
Ó águas que
correis encachoeiradas,
abafando entre
pedras vossas maguas,
sais como as
minhas dores recalcadas,
ó do Monjolo
crystalinas águas!
Da lisa lage ás
rochas empinadas
ides de
encontro e como em rudes fraguas,
tal eu do curto
gozo ás prolongadas
penas me vou,
pois dentro d’alma trago-as.
O segredo da
vossa limpidez
está nisso de
serdes bem batidas
nas lapides por
onde decorreis.
Assim tire eu
das dores padecidas,
em força, em
resistência, em altivez,
o mérito que
eleva as nossas vidas.
- José de Mesquita, Symbolos - em "Terra do
Berço". Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
Alchimista
O poeta é como
o alchimista:
busca em tudo o
ouro do ideal
e, nessa insana
conquista,
o, poeta,
sublime artista,
em o seu verso
por gral.
Cuidosa e
pacientemente
da forma fria
procura
extrahir a idéa
ardente
e,
meticulosamente,
lima, bate,
amolda, apura....
Si, ás vezes, o
ouro radiante
esplende ante o
seu olhar
de sonhador
triumphante,
quantas vezes,
arquejante,
vê baldado o
seu lidar!
O poeta é como
,o alchimista
da legenda
medieval...
E a tortura que
o contrista
é, no seu sonho
de artista,
nunca encontrar
o ideal.
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Arvore Morta
Essa arvore que
vês tão desolada,
secca, sem
folhas, balouçando ao vento
os galhos nus,
do albor da madrugada
ao decahir da
tarde, ora ao relento
da noite, ora
nos éstos abrasada
do meio dia
tórrido, um rebento
jamais lhe
nasce e vive abandonada,
naquelle fim de
campo ermo e areento.
Na sua solidão
relembra um dia
quando a fronde
gloriosa aos céus erguia,
na apotheose
dos ninhos e das flores. . .
Arvore morta!
Em ti eu vejo a imagem
de uma terra
que vive da miragem
de seus
passados e áureos esplendores...
- José de Mesquita, Symbolos - em "Terra do
Berço". Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
Aura da Serra
Constante,
sempre igual, doce, pura e fagueira,
a aura da serra
vai — beijo que a várzea esflora —
ora na furna,
ora na agreste capoeira,
aqui no valle
em flor, ali no campo-fóra.
Dês que se
ganha a chan da montanha altaneira,
vem-nos ao encontro
a aflar, numa orchestra sonora,
e, na boca da
mata, ali junto á pedreira,
é ainda quem
nos faz o terno botafóra.
A ventura, na
vida, é como a aura da serra,
que nos vem sem
saber como, nem donde veio —
beijo leve do
céu acariciando a terra . . .
E o segredo de
ter sempre a felicidade
consiste em na
gozar, sem ânsia nem receio,
com
despreoccupação e com simplicidade.
- José de Mesquita, (Chapada, Nov. MCMXXXIV), In:
Revista de Cultura. Rio de Janeiro. Ano IX, (Janeiro – Junho), 1935, Vol. 17,
p. 52. (grafia original).
A alma das
velhas casas
No silencio do
pósmeridio grave e ardente
entrei a velha
casa onde vivêra outr’ora,
quando, ainda
alma em flor e corpo adolescente,
era luz, era
ardor, era sonho, era aurora.
A sala ampla e
deserta, a varanda silente,
echoam do meu
passo ao ruído e, frio agora,
o quarto onde
dormia é lúgubre e dolente
e o terreiro
ermo e nu de rosas não se enflora.
É sêcco o
algibe. Chora uma rola num galho.
Abro o velho
portão. Galgo a estéril, maninha
gleba de morro
mal vestida de cascalho. . .
E desses que —
ai de mim! Outr’ora aqui viveram
resta, pairando
no ar, a alma triste e sosinha
das velhas
casas cujos donos já morreram!
- José de Mesquita, Matto--Grrosso evoccativo - em
"Terra do Berço". Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927.
(grafia original).
A Garça
"E vai com
a vaza como pelo mundo
a alma do poeta
sem manchar as pernas."
- Alberto de Oliveira
Pantanal. Água
e céus. Solidão silenciosa.
Num remigio, a
cortar as aguadas serenas,
vai a garça a
voar, na tarde cor de rosa,
e da água
escura á tona a aza lhe aflora apenas.
Passa e no limo
abjecto e na vaza asquerosa
não se lhe
mancha o alvor e a candidez das pennas,
pois no vôo
subtil desliza, donairosa,
sobre as águas
de lodo e de impureza plenas.
Alma de poeta,
sê qual a garça voando
sobre o vil
atascal e sobre a lama impura,
olhos postos no
azul, no ether sereno e brando...
Conserva teu
ideal, tua illusão querida,
e não turves
jamais das azas a brancura
no sórdido paul
das torpezas da vida...
- José de Mesquita, Symbolos - em "Terra do
Berço". Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
A linguagem dos
lenços
Como é cheia de
encanto e de doçura
a linguagem dos
lenços na partida,
a lembrarem, na
triste despedida,
a esperança e a
saudade de mistura!
Quem já sentiu
a magoa dolorida
de uma
separação acerba e dura
sabe que essa
linguagem é a mais pura
e a mais triste
linguagem conhecida.
Assim eu....
Lembra-me inda tudo aquillo:
a praia, ao
sol, o rio azul, tranquillo,
e, na praia
distante, em pranto, os meus....
E, ao partir,
como o voar dum lindo bando
de aves do amor
e da saudade, o brando
mover dos
lenços a dizer-me adeus....
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
A Passagem do
nocturno
Noite. Céu
constellado. Um murmúrio brando
vem do rio a
fluir quasi insensivelmente.
Por tudo o luar
estende o seu manto clareando
a villa, a
matta em torno e a solidão ambiente.
No alto —
silente nave o mar azul singrando —
vai, a lua a
boiar no grande céu dormente.
A doce
via-láctea esplende e, fulgurando,
estrellas, aos
milhões, rebrilham docemente.
Tudo dorme e
repousa. Ha pelo espaço o aroma
forte da seiva.
Alem, numa baixada, assoma
o vulto do
comboio á luz da lua cheia.
Apita. Chega. E
logo, estridulo, ferindo
a noite com seu
silvo afasta-se e, fugindo,
some-se ao fim
da estrada alva que o luar prateia...
- José de Mesquita, ‘Imprressões e Paisagens,
Matto--Grrosso pinturrescco’ - em "Terra do Berço". Cuiabá: Escolas
Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
A Serra dos
Martyrios
Quando criança
sempre ouvi falar
dessa serra
bellissima e lendária,
empós da qual,
numa ânsia tumultuaria,
muitos se foram
para não voltar.
Deixavam o
socego do seu lar,
em busca de
riqueza visionaria,
e, padecendo
dôr e angustia varia,
jamais a
conseguiram vislumbrar!
E ria-me dos
que, na faina obscura,
pela
idealização que não se alcança,
sertões a
dentro se iam, á aventura...
Mal via então —
não fosse uma criança!
que levamos a
vida na procura
da Serra dos
Martyrios da esperança.
- José de Mesquita, em "Terra do Berço".
Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
A um relógio
antigo
Pobre e velho
relógio desprezado
que, a olhar
humano esconso, ora dormitas
num velho cofre
de madeira ao lado
de flores
murchas, desbotadas fitas;
assim mudo,
assim triste, assim parado,
evocas mil
saudades infinitas
das bellas
horas dum feliz passado
que tu marcaste
em pulsações bem ditas....
O passado
morreu.... E tu pensaste
que fôra um
ironia inda marcares
novas horas
depois das que marcaste.
Então
paraste.... Ó meu relógio amigo,
porquê quando
pensaste em te aquietares
não se aquietou
o coração contigo?
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
II - Beira mar
Tardinha. Á
débil luz do sol que já declina
e se esconde
por traz das montanhas distantes,
toda a linda
avenida esplende e se illumina
de estranhos,
orientaes, imprevistos cambiantes.
E é desde
Botafogo, a indolente e divina,
e o Russel e o
Flamengo em luzes scintillantes,
até onde a
Avenida esplendida termina,
todo um grande
fulgor de apotheoses flammantes.
Pelos lindos
jardins abrem-se as azáleas.
Começa a
despontar a luz do luar medrosa....
E, ao
crepúsculo triste, um som de piano evoca
tênues, meigas,
subtis, ineffaveis idéas,
como que, a me
prender, feminina e amorosa,
a seducção sem
fim desta terra carioca....
- José de Mesquita, “Paisagens Cariocas”, Da
Natureza - em "Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Beira de rio
Nunca me ha de
esquecer a belleza, a poesia
dessa beira de
rio, azul, ao sol radiante,
em que dias
passei repletos de alegria,
na minha
adolescência em flor, linda e distante!
A risonha sazão
florigera corria.
Longe ia a
cheia atroz ... Era pela vazante.
E a safra de um
olor mysterioso embebia
o ar todo a
trescalar a mel puro e fragrante.
O “Morrinho” no
azul seu vulto delinêa,
e a praia é
fulva, ao sol, e o cannavial ondêa,
da várzea para
alem, num suave pendor...
E eis-me a ver,
a alma inerte e lânguidos os músculos,
incendiarem o
poente os rubidos crepúsculos
e baixar o luar
do céu todo esplendor ...
- José de Mesquita, ‘Imprressões e Paisagens,
Matto--Grrosso pinturrescco’ - em "Terra do Berço". Cuiabá: Escolas
Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
Castellan
Fosse na linda
e clássica cidade
dos doges que
surgísseis, de repente,
todos,
admirados, certamente,
julgariam
voltar á Media Edade.
Tendes no todo
heril o ar imponente,
a graça antiga
e a sóbria magestade
das castellans
de que, ora, com saudade,
vemos fallar no
insípido presente.
Ainda ha pouco,
ao vos ver, imaginava
que éreis uma
“duchessa” e me fazia
pajem e
trovador que vos amava,
e, quando, ao
luar divino de Veneza,
minha guitarra
lânguida gemia
vós me
acenáveis da janella accesa....
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Civitas Mater
[A Cuyabá]
Meu carinho
filial e meu sonho de poeta
vêm-te, ó doce
cidade ideal dos meus amores,
em teu plácido
valle, entre collinas, quieta,
como um Éden
terreal de encantos seductores
Tuas várzeas
gentis estrelladas de flores
sagram-te do
sertão a Princesa dilecta
e o sol te
elege, quando, em íris multicores,
na esmeralda
dos teus palmares se projecta.
Nenhuma outra
cidade assim á alma nos fala.
Dos teus muros
senis a tradição se exhala
e a nossa
Historia inteira em teu brasão reluz.
Ainda hoje em
teu ambiente, ó minha urbe querida,
paira dos teus
heróes a sombra estremecida
— nobre Villa
Real do Senhor Bom Jesus!
- José de Mesquita, em "Terra do Berço".
Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
Confidenciaes
I
Capa do livro Terra do Berço |
Meu pobre
coração hoje cansado
de sonhar tanto
sonho não cumprido
apraz-lhe
recordar o doce e amado
perfil dessas
por quem tenho soffrido.
Olhos formosos
dum fulgor velado,
lábios, fructo
de outubro mal partido,
vossos olhares,
que eram meu cuidado,
e vossos beijos
porquê os hei perdido?
Mas eis que
surges, bella e doce eleita,
formosa entre
as formosas, de alma feita
de caricias,
desejos é reclamos....
Mas, eis que
surges e o passado olvido,
pois nada
tenho, meu amor, perdido
desde que te
encontrei e nos amamos....
II
Como me lembra
o antigo tempo, quando
mal nosso doce
amor nascendo vinha
e eu não sentia
ainda em te fitando
esta certeza de
tu seres minha!
Via que o teu
olhar em se pousando
no meu, não sei
que luz do céu continha
e sentia uma
dor me torturando
nesta incerteza
de tu seres minha.
Via que, ao me
fitares, tu sorrias
de não sei que
ineffaveis alegrias
e a imaginal-o
sempre me detinha,
sem saber que,
a esse tempo tão distante,
já era meu teu
coração amante,
toda a tua alma
pura já era minha.
III
Os teus olhos
velados de ternura,
ó doce santa do
meu coração!
têm tal
encanto, têm tal expressão,
quando os
pousas em mim, toda brandura,
nessas horas de
êxtase, que são
as melhores da
vida áspera e dura,
que eu sinto em
mim não sei que dor obscura
e que íntimos
desejos de perdão....
Perdão de não
te haver buscado outrora,
de não ter sido
sempre devotado
ao teu culto,
dulcíssima senhora,
perdão de só te
amar tarde, talvez,
e me sinto
pequeno, acabrunhado
de tão feliz
que o teu amor me fez....
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Cousas antigas
Eu amo
immensamente essas cousas antigas
que tem o ar
grave e bom das pessoas amigas.
E ellas me amam
também... Sentindo-as ao meu lado,
vejo nellas
viver e fallar-me o passado.
Relíquias em
que dorme a lembrança saudosa
de um querido
ancestral, de alguma avó bondosa,
essas cousas,
por certo, hão de saber, inteiras,
as nossas
tradicções.... Ouviram, nas lareiras
os antigos
contar aos mais novos a historia
de que guardam,
talvez, bem nítida memória.
Dorme nellas
assim todo um longo passado!
Quantas scenas
de amor tem ellas presenciado!
Quantas magoas
também! Terras distantes viram.
Que de vezes
sem fim ellas não pressentiram
um sorriso
feliz num lábio cor de rosa
ou lagrimas
rolando em face silenciosa!
Têm, como o céu
e o mar, um segredo que occultam.
E ao vel-as na
minha alma as saudades avultam....
Cousas antigas!
O que nellas leio e vejo!
E o que me
evocam á Saudade e ao Desejo!
Si esta velha
moldura, este livro, este pente
fallassem como
nós, os homens, certamente
doce ouvir-lhes
seria as fallas mysteriosas.
O pente:
Tranças de ouro, esplendias, formosas,
onde agora
occultaes a vossa refulgência?
O livro. Ai!
nunca mais, em horas de indolência,
senti
folhearem-me essas mãos acariciantes!
A moldura: Onde
estaes lampejos irisantes
de crystaes,
flores, riso, esplendores de gala,
vozes que,
outrora, á noite, enchiam a ampla sala?
Si soubessem
fallar! Mas ellas fallam....Quantas
recordações
gentis, reminiscências tantas
lhes tenho
ouvido, a sós, no intimo de minha alma!
É por isso que
eu amo, em meio á noite calma,
com ellas
conversar, como num sonho absorto,
revivendo a
illusão desse passado, morto....
Para quem as
comprehende é uma felicidade,
fazer
ressuscitar, numa suave saudade,
tudo o que o
tempo encobre em sua cinza fria
e que revive á
nossa ardente fantasia!
Um velho móvel
tem muito mais eloqüência
que os
compêndios da fria e árida sciencia;
um antigo papel
guarda em sua leitura
toda a
recordação de uma vida obscura....
E nesse ar de
tristeza e magoa que lhes vemos,
nós — homens
fúteis e vazios — aprendermos
esta grande
licção de alcance alto e profundo
de que tudo é
illusão e vaidade no mundo.
Por isso é que
eu adoro essas causas antigas
que têm o ar
grave e bom das pessoas amigas.
- José de Mesquita, Lavôres, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Deslumbramento
Há, na vida,
por mais áspera, rude e escura,
horas que valem
tudo e compensam as dores
que afligem,
dia e noite, a pobre criatura,
neste vale em
que há mais espinhos do que flores.
Quem não sentiu
jamais essa hora de ventura,
Vaga entre-luz
do céu, do averno entre os horrores,
sutil emanação
do Amor, que, eterno, dura,
do qual são
simples sombra, os mais belos amores ?
Essa Visão de
Deus, Graça, Paz, Euforia,
ou nos vem,
pela fé ao cérebro cansado,
ou, pelo Amor,
nos desce à alma tediosa e fria.
E ficamos,
assim, de olhar turvo e tremente,
sentindo esse
fulgor do Ser iluminado,
tal como quem
fitou o sol de frente a frente !
- José de Mesquita (Março 1938), em "Escada de
Jacó". Cuiabá: Escola Industrial
Salesiana, 1945. (grafia original)
Descendo o
rio...
Correm as
ondas... Seguimos.
Em cima, o céu
azulado;
barrancas, de
lado a lado.
e, ao longe,
alterosos cimos...
Como fiquei
isolado,
querida, sem os
teus mimos!
Cresce, espuma,
embaixo, o rio...
Desce a tarde.
A calma desce...
A brisa mansa
parece
um mystico
murmúrio.
A minha saudade
cresce
de hora em hora
como o rio...
Uma arvore
annosa e pensa
sobre a riba
solitária
tem ar de
tristeza immensa
da tarde á luz
mortuária...
A minha alma
pensa, pensa
como essa velha
araucária...
Correm as
ondas... Não tarda
a noite triste
a baixar....
noite fria....
noite parda
de merencório
luar...
Vem, como um
Anjo da guarda,
meu somno, á
noite, velar!
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Esperança
Prelibação do
Bem e único Bem da vida,
És tu, meiga
Esperança, amiga do vivente,
Pois só tu
sabes dar á alma desilludida
a illusão de um
porvir mais bello que o presente.
Esperar é
antever, posto que fementida,
a ventura a
fulgir, entre o nevoeiro ambiente,
como a aurora
boreal nos gelos reflectida,
luz, calor,
alegria, entre a noite lugente.
Esperança...
Uma restea azul no céu coberto...
taboa de
salvação entre o mar de tormenta...
oásis verde de
paz na aridez do deserto...
Ditoso o que
deseja um bem e não o alcança!
Feliz o que,
sofrendo, ainda no peito alenta
a gloria de
esperar contra toda a esperança!
- José de Mesquita, em “Do Jardim Místico”. Cuiabá:
Revista do Centro Mato-grossense de Letras Anno X, Números XIX e XX — Jan. a
Dez. 1931. (grafia original).
Estranho culto
Eu te amo, mas
dum modo estranho, eu te amo
dum mudo
singular, incomprehendido.
É um amor que
entre lagrimas nascido
amor de dores e
de sonhos chamo.
É este o amor
pelo qual tenho vivido
e que em versos
innumeros proclamo
nos estos da
paixão em que me inflammo,
certo de que não
sou correspondido.
Antes assim....
Que não me ames, querida....
O amor é tão
trivial! Quero a ventura
de desejar-te
apenas toda a vida,
e que ao partir
deste exílio tristonho,
eu possa
contemplar-te, bella e pura,
dentro do
sanctuario do meu Sonho....
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Grandeza
humilde
Cultiva sempre
essa simplicidade,
que é a flor
mais bela que a alma humana ostenta,
e foge aos
ouropeis, com que a vaidade
aos néscios e
aos fracos alimenta.
Singelo, evita
em tudo a fatuidade.
A filaucia
valor não te acrescenta.
Sê sempre o
mesmo, quer na adversidade,
quer na fortuna
próspera e opulenta.
Tal no-lo
ensina a própria Natureza
que no mérito,
árdua e rija frágua,
não no tamanho,
põe sua grandeza.
Vazias
amplidões enerva o vê-las,
enquanto a mais
humilde poça d’água
reflete o céu
com todas as estrelas...
- José de Mesquita, (abril 1940), em "Escada
de Jacó". Cuiabá: Escola Industrial
Salesiana, 1945. (grafia original)
Idillio
I
Quando, nas
horas de ternura,
recostas o teu
rosto em mim,
cerras os olhos
na doçura
de um sonho
lânguido e sem fim,
e tua voz se
torna ainda
mais doce e
carinhosa assim,
a tua face
rósea e linda
se tinge de um
leve carmim,
eu, sem
palavras, sinto apenas
que esqueço a
vida, o mundo ruim,
nas horas doces
e serenas
em que te vejo
ao pé de mim.
II
Quando, nas
horas de tristeza,
pousas em mim o
teu olhar
numa ânsia muda
em que a alma presa
como que adeja
e quer voar,
e vejo os teus
olhos formosos
velados de um
grande pesar,
cheios de
lagrimas, chorosos,
timidamente a
me fitar,
sinto que te
amo mais, querida,
vendo-te assim
por mim chorar,
nessa expressão
de dor sentida
que diz tão bem
com teu olhar.
III
Quando, nas
horas de desejo,
te estreito ao
seio, meu amor,
e, num delírio
ardente, beijo
a tua linda
bocca em flor,
as tuas mãos
febris aperto
e vejo que te
foge a cor
e, como num
deliquo incerto,
tu te abandonas
num torpor,
sinto que
cresce, violento,
desta paixão o
immenso ardor.
Busco
apagal-o....E mais o augmento
a cada novo
beijo, amor....
- José de Mesquita, “Epithalamio” - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Insomnia
Cada do livro Gente e Coisas de Antanho |
Na solidão da
noite calma,
á luz tristonha
do luar,
não sei porque
me punge n’alma
uma tristeza
singular.
O espaço imita,
amplo e silente,
enorme e escuro
mausoléu
e a lua pallida
e dormente
rola nostálgica
no céu....
Ninguém me
entende, acaso? É duro
viver sem ter a
quem amar!
Onde encontrar
a que eu procuro?
Hei de morrer
sem a encontrar?
A lua rola no
infinito
na sua lânguida
nudez.
Lua, não ouves
o meu grito
ou não o
entenderás, talvez?
Lua dulcíssima
e inconstante,
tudo ama ao
lívido luar....
Só eu vou pela
vida adiante
sem encontrar a
que hei de amar.
A febre de um
desejo immenso
infunde-me um
mortal calor....
Já não resisto,
não me venço.
Vem, si é que
existes, meu amor!
Este meu quarto
solitário
pede alguém
para o povoar,
seja um
fantasma funerário
feito de neve e
de luar.
Lua, tão branca
e descorada,
tu bem me
queres parecer
alguém que vem
de uma noitada
febril, ruidosa
de prazer.
Por estas horas
quanta gente
se ama ás
caricias do luar!
É a ronda do
desejo, a ardente
legião da carne
a desvairar.
Quantos amores
indiscretos,
ó lua, a tua
luz gentil!
Voar de
pollen... Chiar de insectos...
Doce chilrear
de beijos mil...
Quantas
volúpias e desejos,
lua, tu vens,
ora, incitar!
De quanto drama
e quantos beijos
tens sido
cúmplice, luar?
A febre me
requeima as veias.
Sinto uma
estranha lassidão...
Hora de fadas e
sereias,
luar de peccado
e tentação...
A insomnia
negra me tortura,
talvez ella
ande a me buscar.
Mas, quem? Não
sei. Talvez procura
e ha de morrer
sem me encontrar...
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Legenda
Vinham de muito
longe aquelles sertanistas,
rompendo a
selva espessa, a solidão bravia,
valle aberto em
rechans, serra ouriçada em cristas,
rios e
igarapés, sem descansar um dia.
Vinham de muito
alem, em busca de conquistas
de índios e do
ouro bom que nesta terra havia
e, destemido, o
bando heróico de paulistas,
palmo a palmo,
o sertão perigoso corria....
Traz dos
coxiponés e do ouro e dos diamantes,
depois de muito
esforço e lida foram dar
a Cuyabá, e,
ali, os bravos bandeirantes
ergueram o
arraial, entre as verdes collinas,
sendo
governador o Conde de Assumar,
capitão general
de São Paulo e das Minas.
- José de Mesquita, Da Natureza - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Medieval
Alta a lua no
céu libra-se grande e bella.
No silencio da
noite uma flauta suspira.
O céu todo
estrellado e duma cor saphira
parece uma
gloriosa e triumphal umbella.
O lago, em cujo
seio o castello se mira,
imita, no
sossego, uma formosa tela
que hábil pintor
ali gravasse. Longe, a ourela
de um cerro
galga o espaço e pelo céu se atira.
Suave perfume o
bosque adormecido exhala.
Ha um cicio
continuo, um canto prolongado
que num sonho
feliz nosso espírito embala.
E o castello
feudal sobre o lago pousado
banha-se no
luar alvíssimo de opala
e abre, no
alto, um vitral, como um olhar parado....
- José de Mesquita, Da Natureza - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Minha Musa
Todos os versos
meus são teus, querida,
mesmo os que
fiz sem bem te conhecer,
porquê tu foste
em toda a minha vida
a que sempre
esperei antes de ver.
Tu realizas o
ideal do meu passado,
a alegria feliz
do meu presente,
o sonho do
futuro desejado,
e eu só vivo
por ti, unicamente.
E neste e em
todos os meus versos, minha
doce Musa, o
teu nome hás de encontrar
enchendo cada
estrophe e cada linha
como um eterno
rythmo a vibrar.
- José de Mesquita, Primeiros tempos - Do Amor, em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Miragem
Elle viera
passar ali um dia,
um dia por
acaso certamente....
Partiu sem um
pesar, alegremente,
quando a noite
nostálgica descia.
Mal se
fallaram.... No entretanto, viva
lembrança ella
guardava delle e, agora,
sem se explicar
porquê toda se cora
si essa
recordação alguém lhe aviva.
Fica-se ás
vezes, uma hora inteira
na janella do
oitão, triste e silente,
olhando a
estrada larga, ao sol ardente,
fechada pela
rústica porteira.
Fica a olhar e
a scismar que elle, decerto,
nem pensa
nella, pobre caipirinha,
pois, moço da
cidade, elle já tinha
alguma outra
mais bella lá por perto....
E os seus olhos
procuram pela estrada
alguém que
venha, alguém que se pareça
com elle e
assim se fica até que desça
de todo a noite
tépida e estrellada.
Eil-a a fitar a
noite ampla e infinita....
Mas, de súbito,
cheia de receio,
sente que lhe
palpita o lindo seio
por sob a blusa
azul que o vento agita.
Ella se vê já
quasi moça e bella....
E vem lhe um
vago, um tímido desejo:
estende os
lábios procurando um beijo
e beija o vidro
frio da janella....
Sente-se tão
tristonha e abandonada,
naquelle
instante de indizível magoa....
E lança os
lindos olhos rasos d’água
pela deserta
escuridão da estrada....
Elle não virá
mais, diz-te a consciência
mas ficas a
esperar — pobre criança!
O amor é essa
miragem da esperança
no infinito
deserto da existência....
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Musa
consolatrix
Contempla esta
alameda ensombrada onde as aves
trinam a
esvoaçar entre os floridos ramos;
ouve-lhes o
gorjear, os cânticos suaves....
A selva é como
um templo ande nos prosternamos.
Deus falla pela
voz do vento, em phrases graves....
Attentos, a
escutal-O, aqui nos concentramos....
Ha hymnarios de
amor por entre as verdes naves,
pipilos de
prazer e harmoniosos reclamos.
Ouve o rumor
que faz a água a correr sonora,
a casquinar
veloz, pela campina a fora;
sente o olor
virginal dos lírios mal abertos....
Natureza! Só tu
sabes lenir as dores.
e fazer vicejar
todo um moital de flores
nos sombrios
jardins dos corações desertos....
- José de Mesquita, Da Natureza - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Mundo Interior
Na ampla sala
deserta e illuminada
aberta para a
noite mysteriosa,
para o doce
silencio da explanada
onde se espalha
a luz do luar medrosa,
eu, só, a alma
tristonha, desolada
de se sentir
tão só, tão desditosa,
vou
contemplando a noite constellada,
na ampla sala
deserta e silenciosa....
Ouço na aragem
leve que perpassa
vozes de
outrora e vejo na vidraça
visões dum doce
sonho enganador....
E nas cousas
reaes apenas vejo,
na incerta
névoa fosca do desejo,
vagas visões
dum mundo interior....
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Musica
Musica.... Som
que accordas
o silencio da
dor,
no rythmo dos
arcos e das cordas
suave e
evocador
Dialecto da
saudade
enternecido,
mysterioso e triste,
Tu lazes
entender a vaga affinidade
de tudo quanto
existe.
És tu que nos
infundes, doce e calma,
o prazer de ser
triste e a gloria de ser bom.
O som é a
linguagem da alma....
A alma foi
feita p’ra entender o som.
Quem dirá dessa
incógnita magia
que nos invade
o coração tristonho
como a suave
nostalgia
de alguma terra
vista em sonho,
quando vemos, á
noite, num teclado
qualquer,
correr, ao leve
luar prateado,
a caricia de
uns dedos de mulher?
E isto que ora
me evoca o violino?
Século dezeseis
ou dezessete.
Uma marquesa de
rostinho pequenino
dançando o
minuete.
E as emoções
que me desperta
o choro do
violão
quando, na
grande noite deserta,
conta tudo o
que soffre um coração?
Si da guitarra,
em vez, o som escuto
porque é que,
incontinenti,
capa traçada ao
hombro, ar resoluto,
vejo D. Juan
passar ligeiramente?
E que direi
daquella
voz de magoa
sentida e de enlevo sem fim
que lembra o
Rialto, quando o céu se estrella,
— a voz do
bandolim?
E a flauta,
essa nostálgica? Exilada
da vida antiga,
nella chora
a alma livre de
Pan encarcerada,
que já não
corre empós de Syrinx como outrora.
Ainda por vezes
erra
nas notas della
uma das velhas illusões:
cuida que esta
marcando, antes da guerra,
a cadenciada
marcha das legiões....
Suas irmans no
seu destino triste,
— a harpa, já
não suspira
nos coros da
Tragédia, nem assiste
aos festins de
Caprea e de Baia a lyra.
Mas eis que o
orgam dolente soa,
— voz do
silencio, alma da solidão,
que evoca as
cathedraes medievas onde echôa
a tristeza do
canto-chão.
O orgam é o
preferido
das almas doces
dos contemplativos,
mystico,
seduzido
pelos tristes e
lânguidos motivos
Num contraste
sublime,
vibra a nota
encarnada e ardente de um clarim,
contraste que
na cor assim se exprime:
rubro raio
rasgando um céu de azul cetim.
Quero a gamma
da musica
inteira, o som
inteiro,
desde a viola tremula,
em surdina,
até a epilepsia
do pandeiro.
Musica, tu és a
única evocadora
que não precisa
de outra evocação,
a arte
completa.... A vida sem ti fôra
sem expressão.
Quanta cousa
revelas num harpejo!
Tudo resumes,
soberana Arte,
desde a delicia
do primeiro beijo
até o adeus do
ultimo olhar que parte....
Como o passado
em tuas notas falla,
nessas valsas
de vinte ou trinta annos talvez,
que os nossos
paes dançaram numa sala
em que se viram
a primeira vez!
Quem não
conhece a musica das águas
e a do vento
sentida como um choro
cheio de
estranhas magoas?
Quem nunca
ouviu a voz do silencio sonoro?
Ha musica em
cada uma
vibração, seja
da alma ou da matéria. Assim
ha rythmo na
vaga a abrir-se em branca espuma
e no
desabrochar dum calix de jasmim.
Ha uma canção
azul no céu, antes do dia,
linda como um
desejo adolescente,
e uma outra
cheia de melancolia
no céu poente.
A paisagem é um
canto. O dia é um hymno:
partitura do
céu, inda incerto a clarear,
vivíssimo do
azul, á hora do sol á pino,
smorzando da
luz crepuscular....
Trêmulos de
água ao luar, cheia de vagos frisos....
Serenatas de
velas no mar largo
Até as serpes
têm a musica dos guizos.
Só o paul é
sempre abandono e lethargo.
Nada
é mudo sob o
céu.... Tudo-aza, chilro, flor,
traduz uma
emoção contida ou extravasada.
A alma tem a
musica do amor.
Musica, tu, por
certo,
és a melhor
amiga,
que nos embala
o berço, e longe ou perto,
nos cerra os
olhos cheios de fadiga....
Lembro-me que,
um dia,
pequenino que
eu era, ao lado meu, alguém
me embalava a
cantar quando eu dormia....
Ai! hoje não me
embala mais ninguém!
Mas, me ficou
daquelle tempo antigo
pela musica um
culto
tão grande que
trazel-o não consigo
occulto.
E amo-a tanto
que a pena mais doida
que tenho de
deixar a vida é não poder
alem da vida,
quando morrer,
ouvir ainda o
eco plangente e fundo
do canto-chão
funéreo
que, como o
ultimo rythmo do Mundo,
ha de levar-me
para o cemitério....
- José de Mesquita, Lavôres, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Necropolitana
[A Cruce salus]
Inútil é buscar
a salvação no gozo,
Na gloria ou na
riqueza esplendida e dourada.
Nossa vida se
esfaz, qual fumo vaporoso,
E do tudo que
foi, com pouco resta o nada.
O viver mais
feliz, como o mais desditoso,
vem aqui
terminar sua fallaz jornada.
E, mais cedo ou
mais tarde, o dia temeroso
nos leva a
adormecer sob a argilla gelada.
Que resta alli
á flor de tanta sepultura,
da que formosa
foi, do que teve riqueza ?
Nada mais que
uma Cruz bem solitária e obscura.
Esta é a grande
lição: só a Cruz invencida,
symbolo do
soffrer, que vence a natureza,
nos salva e,
mesmo após a morte, nos dá vida !
- José de Mesquita (Maio MCMXXXVII), em
"Revista de Cultura". Rio de Janeiro. Ano XI, (janeiro – junho de
1937), nº 21, p. 348.
Nel mezzo del
camin...
Si, quasi ao
fim da vida ou della em meio,
permittido nos
fosse reencetal-a,
percorrer
novamente toda a escala
dos dias mil
desse passado cheio;
recuperar a
flor o viço e a gala
de quando
desatou ao sol seu seio;
volver o rio á
fonte donde veio,
em meio á matta
virgem que trescala;
buscar a ave
cansada o antigo ninho;
tornar o homem
ás graças descuidadas
da infância
doce, do primeiro lar, —
— soffrendo,
embora, as urzes do caminho,
revivendo
afflicções, magoas passadas,
quem não
desejaria reencetar?
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Nocturno
Eil-a que
dorme. Branda e suavemente
arfam-lhe os
seios sob a camiseta
muito alva, de
fina cambraieta
leve, macia,
quasi transparente.
Pelo collo se
espalha a cabelleira
escura e o
rosto virgem resplandece
num halo de
pureza que parece
uns ares lhe
imprimir de linda freira.
Olhos cerrados,
bocca entrefechada
— essa boca
ideal que tanto aspiro!
Passa a mão
pelo seio e, num suspiro,
estremece, de
súbito, assustada.
Sonha, talvez?
Que sonhos terá ella?
Eil-a a dormir,
tão pallida e serena....
Um suave
perfume de açucena
entra por entre
as frestas da janella.
E em quanto o
albente luar pelo telhado
vem lhe beijar
a face linda e calma,
meu coração
inquire de minha alma
porquê lhe
arfou o seio alvoroçado?
A alma,
entanto, fitando a noite bella
interroga dos
céus a immensidade:
— porque fez
Deus a luz, a claridade,
quando bastava
a luz dos olhos della?
O coração,
porem — mas que curioso!
perscruta,
inquieto, a causa do suspiro....
Sobra lua no
céu fazendo o giro
do plenilúnio
lento e vagaroso.
E minha alma
pergunta, ansiosa e louca,
aos resedás e
às rosas perfumosas:
— para que
existem resedás e rosas
diante da linda
flor daquella bocca?
Na sua teima, o
coração ainda
procura a causa
do estremecimento,
do sobressalto
súbito e violento
que, em sonhos,
lhe turbou a face linda.
E a alma,
levada agora em doido anseio,
pensa em ser um
pequeno passarinho
e ir se
esconder no perfumoso ninho
quente e
sensual do seu moreno seio.
Mas eil-a que
desperta. A trança preta
lhe cai aos
hombros e ella, bocejando,
se ergue do
leito puro, a rir, mostrando
os pesinhos por
sob a camiseta....
Ha como o
despertar de uma alvorada
quando elle se
ergue e vêm se, de repente,
as graças do
seu corpo adolescente
sob a camisa
curta e decotada.
E, num sonho de
amor que continua,
ella, de pé, no
quarto pequenino,
fica a se olhar
no espelho byzantino
que lhe
reflecte a linda espádua nua.
Fica a se olhar
dos pés ao collo e ao seio,
a analysar-se
assim, linha por linha,
e no rosto
gentil uma covinha
se abre, num
mixto de prazer e enleio.
Um riso de
criança satisfeita....
Mas, de
repente, cora e treme, vendo
que a luz do
dia vem apparecendo
e, através da
cortina, o sol a espreita.
Esconde-se no
oriente a ultima estrella
quando ella
abre a persiana cor de creme
e no horizonte
vago, ao longe, treme
a própria luz
do sol, ciosa de vel-a....
- José de Mesquita, Primeiros tempos - Do Amor, em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
O ângelus do
sertão
Tarde. Pleno
sertão. No immenso descortino
do horizonte em
que a serra ao longe se perfila,
num mixto de
violeta e ce. azul turquezino,
desce a sombra
por sobre a paisagem tranquilla.
Na suggestão do
calmo ambiente vespertino
urna angustia
sem nome em nossa alma se instilla.
Fecha da várzea
o amplo tapete esmeraldino
a linha
senhorial dos buritys em fila.
Aves passam pelo
ar ruflando azas ligeiras.
Sob a rústica
ponte o córrego adormece.
E emquanto a
noite negra envolve a solidão
vem dos
cerrados, das baixadas e capoeiras,
o piar das
nhambus tão triste que parece
o ângelus
merencório e doce do sertão.
- José de Mesquita, ‘Imprressões e Paisagens,
Matto--Grrosso pinturrescco’ - em "Terra do Berço". Cuiabá: Escolas
Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).
Ode á Arte
Arte immortal,
perenne e eterno fluido
que promanas de
fontes mysteriosas,
os teus louvores
nestes rudes versos
a cantar me
proponho.
És tu que,
desde as épocas primevas,
nessa lenta
ascensão da humanidade
para o
progresso e a perfeição suprema
nos guias e
confortas.
Arte,
consoladora e doce amiga,
que de mil
formas a minha alma encantas,
e que da vida
no árido deserto
abres risonho
oásis,
tu és a eterna
deusa, o eterno nume,
quer Athene te
chames, quer Minerva,
quer na florida
Hellade te adorem,
quer no Lácio
glorioso.
Estruja os ares
épica fanfarra
ou, doce, no
silencio, chore a avena,
és sempre a
mesma, em rythmos variados,
em multiplices
formas.
Envolva-te, num
halo, a espádua nua
a loura coma e
em teu olhar espreite
o gênio da
Victoria, á mão sustendo
o flammivomo
gládio,
e em teu olhar
sinta eu passar os bellos
e fulgidos
relâmpagos de gloria
que nas antigas
citadellas guiavam
os illicos
guerreiros.
ou de outro
aspecto calmo, te revistas,
grácil e puro,
cheio da belleza
feminil, que
não tem marciaes ardores
mas um suave
encanto,
e exsurjas,
radiosa e triumphante,
da equorea
espuma que a alvorada tinge,
como Aphrodite
as formas ostentando
do seu corpo
divino,
quer na festiva
embriaguez das praças
as multidões te
acclamem desvairadas,
quer do
Pantheon na meia luz saudosa
meus olhos te
descubram,
és sempre a
Arte, a eterna suggestiva
da Belleza por
quem nossa alma anseia
nesse anhelo
sublime, indefinido,
que em nosso
imo palpita.
És sempre a
Arte, quer no mármor branco
do estatuário o
escopro te modele,
quer vibres nas
esplendidas estrophes
de um poema
parnasiano...
És sempre a
Arte divina, quer refuljas
no perystilo de
um palácio antigo,
ou nos vitraes
dum templo ou das pyramides
que a areia
adusta beija.
Seja o céu que
te envolva o céu sombrio
dessas regiões
phantasticas do Norte
ou seja o lindo
céu vivido e claro
do azul
Mediterrâneo;
abriguem-te em
seus muros as immensas
cathedraes
byzantinas ou medievas,
onde um sol
melancólico se côa
através das
ogivas,
ou durmas,
entre a lânguida doçura
dos sombrios
castellos silenciosos
que, das tílias
á sombra merencórea,
o velho Rheno
embala,
ou, ainda, do
sol da bella Itália
beijem-te os
raios, numa galeria
de museu ou num
tépido villino
sossegado e
dormente...
E, assim, não
reconheces os limites
convencionaes
de pátria: o mundo inteiro
por pátria tens
e em toda a parte existes,
ó Arte
immorredoura!
Acima das
pequenas contingências
que nós,
míseros seres, veneramos,
pairas, com a
solemne affirmativa
desse algo mais
que humano.
E passam como
as ondas, como as nuvens,
as gerações, os
povos e as idades,
e tu, sempre
grandiosa, imperecível,
subsistes no
teu sólio....
Pouco importa
que os Bárbaros te insultem,
buscando nodoar
o teu renome....
Vingas-te,
revivendo, victoriosa,
em novas
Renascenças,
e, impassível,
serena, a tua effigie
surge
consoladora aos nossos olhos,
a chlamide
cruzada, o olhar sereno,
e o sorriso
divino.
Ó Arte, eu que
te adoro e te venero,
quer Esthetica
ou Rythmo te chames,
quer em luz,
quer em forma ou harmonia
meus sentidos
affectes,
propus-me, na
rudeza destes versos,
a cantar teus
louvores sempiternos,
mas não o pude,
e nesse caso, baste-me
este prazer de
amar-te.
- José de Mesquita, Lavôres, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Palmeira Real
Só, no ermo, a
fitar o firmamento mudo,
erecta e
sobranceira, abrindo no ar, altiva,
as palmas
verdes como um heráldico escudo,
ha uma palmeira
pensativa.
Ou ruja a
trovoada em bramidos de hyena
ou brilhe a
primavera esplendida e festiva,
seja tarde de
outono ou de verão, serena,
scisma a
palmeira pensativa.
Ás vezes, o
luar, pelas noites de outono,
banha-a de sua
luz magoada e suggestiva
e, lânguida, a
scismar, num torpor de abandono,
sonha a
palmeira pensativa.
Outras vezes o
sol, na sua gloria de ouro,
beija-a,
morde-a, incendeia-a em sua chamma viva,
e ella
impassível, fita o sol formoso e louro,
numa attitude
pensativa....
Ah! talvez este
anseio infindável cessasse,
si a doce
Natureza, um dia, compassiva,
esta alma
torturada e triste transformasse
numa palmeira
pensativa!
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Perfeição
Non sit pax tua in ore hominum . . .
(Imitação, III, XXVIII, 2)
Segue a vida
real, bem ampla e illuminada,
surdo ás
acclamações e aos apupos cruéis,
olhos postos no
azul, vai pela tua estrada,
brotem rosas em
flor ou espinhos a teus pés.
Pobre do que
sentir sua alma perturbada
pelos ápodos
vis ou pelos ouropeis!
Vai,
tranquillo, a fluir . . . Lembra que a água parada
não tarda em
transformar-se em pântano, em marneis.
Quando a alma
se eleva á virtude mais alta,
indifferente á
dor e ao gozo que inebria,
e a chacota,
que fere e ao encômio, que exalta
é que da
Perfeição o vértice attingiu:
— nem já lhe doe
o mal, que a cerca, noite e dia,
nem o bem que
buscou e não conseguiu !
- José de Mesquita (Maio MCMXXXVII), em
"Revista de Cultura". Rio de Janeiro. Ano IX, (Janeiro – Junho),
1935, Vol. 17, p. 109.
Phrases Lyricas
Ás vezes, alta
noite, o lasso pensamento
entregue á doce
scisma, ao meigo devanear,
eu sinto que um
estranho e suave sentimento
o coração me
invade aos poucos, lento e lento,
que eu não sei
bem dizer si é gozo , si é penar.
Na solidão do
céu a colméia brilhante
das estrellas
dardeja um dulcido clarão.
É tudo calma e
paz, do verme rastejante
as alturas, do
musgo ao carvalho gigante,
da myosotis
azul aos astros da amplidão.
Tudo dorme e
repousa. A idéa apenas vela,
porquê ella é
como o fogo eterno das vestaes,
porquê ella é
como um astro em meio da procella,
a abrir, no
alto do céu, a sua luz tão bella,
zombando do
tufão, rindo dos vendavaes.
É doce
recordar-se, a noite, bem sozinho....
recordar-se é
viver o que se já viveu.
Assim a um
viajar, na curva do caminho,
apraz olhar
atraz, lembrar o doce ninho,
a antiga
placidez da terra em que nasceu.
A vida se
condensa inteira no que amamos,
seja realidade
ou chimera esse amor,
seja um ente
real ou um sonho que ideamos,
seja um pouco
de céu, seja um ninho, entre ramos,
seja um rio,
uma planta, uma estrella, uma flor....
E eu que todo o
ideal, todo o sonho dourado
ponho em ti,
doce amor, que és tudo para mim,
apraz-me
recordar o teu perfil amado,
vendo, na
evocação, o teu rosto adorado
cheio de graça
meiga e de encanto sem fim.
Das horas de
prazer e enlevo em que te vejo
faço momentos
bons dum êxtase ideal
e daquellas em
que, curto, longe, o desejo,
á espera dum
feliz e encantador ensejo,
séculos de
tortura e angustia sem igual;
eu que vivo de
ti, ó minha flor singela,
penso, longe de
ti, que não posso viver....
E enquanto
corre a noite, enluarada e bella,
fico triste, a
scismar, debruçado á janella,
conto as horas
da noite, a espera de te ver.
- José de Mesquita, Primeiros tempos - Do Amor, em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Prelúdio
Eu imagino uma
mulher
que eu hei de
amar e me ha de amar,
e que eu,
esteja onde estiver,
a todo tempo,
hei de encontrar.
Á força já de
imaginal-a
sinto-a real
diante de mim:
vejo-lhe o
riso, ouço-lhe a falla....
Já se viu caso
extranho assim?
Constantemente
eu imagino
a hora ditosa
della vir
e, entanto, o
meu cruel destino
não m’a fez
inda descobrir.
Em quantas
outras julguei della
ver as feições
e me enganei!
Nenhuma era tão
meiga e bella
Como essa que
eu imaginei!
Ás vezes cuido
vel-a andando
nas ruas, entre
a multidão,
e vivo sempre
me enganando
nessa
dulcíssima illusão.
Já a vi nos
templos e nas praças,
nas rezas e nos
carnavaes,
e, a rir, por
dentro das vidraças,
como nas telas
medievaes.
E nunca a
vi.... E sempre a vejo....
E ando a
buscal-a sem siquer
saber quem
busco em meu desejo,
sem conhecer
essa mulher....
Quando a
encontrar como hei de amal-a!
Que immenso,
allucinado amor!
Mas quando,
como hei de encontral-a?
Ha tanto sonho
enganador....
Não obstante eu
imagino
que hei de
encontral-a, onde estiver,
a esphinge
atroz do meu destino,
essa fantástica
mulher....
É uma mulher
que tem da onda
a mysteriosa
alma no olhar
e um riso, como
o da Gioconda,
de uma belleza
singular.
É uma mulher? É
uma menina?
Precisamente eu
não o sei.
Minha alma
apenas a imagina
mas não sei
mesmo si a verei....
Mas hei de
vel-a, onde estiver....
Ha de o destino
m’a indicar,
porquê ella é a
única mulher
que eu hei de
amar e me ha de amar.
- José de Mesquita, Primeiros tempos - Do Amor, em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Redençâo
Da vida, muita
vez, semeamos nas estradas
urzes que vão
ferir incautos pés alheios
e vêmos, com
piedade e de ternura cheios,
duma palavra só
mil dores germinadas.
E buscamos,
então, entre ânsias e receios,
resgatar toda
angústia e tristeza causadas,
sentindo esse
travor de lágrimas jorradas
como linfa a
brotar de cristalinos veios.
Mas o mal que
se fez um dia não se esquece
e sómente se
póde encontrar lenitivo
partilhando da
dôr daquele que o padece,
pois para
redimir os gravames passados,
o mais que se
consegue é, entre pezares vivos,
fazer, em vez
de um só, dois desaventurados.
- José de Mesquita, (Setembro 1938), em "Escada
de Jacó". Cuiabá: Escola Industrial
Salesiana, 1945. (grafia original)
Saudade
Muitas vezes
minha alma, em largo vôo
abrindo as
azas, infinito a fora,
é como uma ave
em plácido revôo,
rompendo o
espaço quando nasce a aurora.
É assim quando
o passado, a sós, remôo,
— esse passado
tão distante agora —
e ao coração de
corda em corda, echôo
todas as notas
que vibrei outrora.
A saudade é uma
viajem que fazemos
a outros céus,
a outras terras, a outras vidas,
que nunca mais
— pobres de nós — veremos.
E que bom
esquecer a realidade
e, como uma
águia da azas estendidas,
mergulhar no
infinito da saudade!
- José de Mesquita, Do Sonho - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Semeador
O Poeta é
lavrador de uma gleba abençoada
que o
ante-verão flori e o inverno não destouca.
O prazer de
semear lhe é tarefa sagrada
e diante dele
toda a glória humana é pouca.
Cirano, muita
vez, celebra a sua Amada,
a qual nem lhe
percebe a paixão alta e louca,
e vê, com que
pesar ! de baixo da sacada,
o beijo de Roxana
abotoar noutra bôca.
Mas — e é a
compensação que sorri aos Poetas —
quanta vez sua
lira, em sonânsias secretas,
num coração
discreto a paixão despertou
— Margarida
gentil, de alma e de corpo lindo —
e, como Alain
Chartier, é beijado, dormindo,
sem nem siquer
saber o lábio que o beijou!
- José de Mesquita, (Setembro 1936), em
"Escada de Jacó". Cuiabá:
Escola Industrial Salesiana, 1945. (grafia original)
Solidão
Noite bella e
enluarada.
Ha uns aromas
de cecêm
no ar. Dorme a
branca estrada.
Dum lado e
doutro ninguém...
A alta esphera
constellada
é como formoso
harém
de estrellas...
Boceja a estrada
sozinha á
lua... Ninguém....
A lua grande e
prateada
sobe e sobe
mais alem....
Cantam... E, á
cantiga, a estrada
parece dormir.
Ninguém....
É uma saudosa
ballada
que muito
enlevo contem.
Tristonha e
deserta, a estrada
dormita.... E,
em torno, ninguém...
Que solidão!
Isolada,
nem um
transeunte vem
e, ao luar, a
triste estrada
parece dizer:
ninguém....
A noite, lenta
e pausada,
faz sua
rota.... porem
ninguém vem e
dorme a estrada
toda a noite,
sem ninguém....
Ao raiar da
madrugada
ouvem-se
passos.... Alguém?
É o vento,
apenas, na estrada
erguendo as
folhas.... Ninguém.
Alma que vives
— coitada!
á procura de
teu bem,
és tal e qual
essa estrada
onde não passa
ninguém.
- José de Mesquita, Illuminuras, Da Arte - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Teu olhar
Quanta luz
nesse olhar vejo, querida,
quando o
repousas docemente em mim!
É elle que
alumia a minha vida....
Quanta luz
nesse olhar vejo, querida!
O sol do estio
não rebrilha assim!
Nelle do amor
todo o clarão refulge
e que doçura
tem meiga e sem fim!
Toda, a tua
alma á flor dos olhos fulge.
Nelle do amor
todo o clarão refulge.
Nem o luar é
tão suave assim!
Teus olhos são
dois astros rutilantes;
deixa que a sua
luz se esparza em mim,
agora e sempre,
agora como dantes....
Teus olhos são
dois astros rutilantes....
Que o teu olhar
me siga sempre assim!
Á hora da morte
quero-o como círio,
perto, quando
sentir próximo o fim,
no ultimo
instante, no final delírio....
Á hora da morte
quero-o como cirio,
pois não ha
cirio que illumine assim!
Deixal-o em mim
pousar-se docemente,
illuminando
este caminho ruim
por onde vou
tão só, tão tristemente....
Deixal-o em mim
pousar-se docemente,
como um sonho
de amor que não tem fim.
- José de Mesquita, em "Poesias". Cuiabá,
1919. (grafia original).
Trilogia das
horas
I - A Hora Rosa
Setembro. Eis a
sazão feliz de rizo e flores.
A primavera
andou a disparzir em tudo
a alegria e do
céu azul ao triste e mudo
ádyto da
floresta ha festivos tumores.
O prado se
vestiu dum manto de velludo;
rivalizam-se o
mar e o céu nas suas cores.
No matinal
concerto alígeros cantores
accordam a
soidão do grande bosque rudo.
Viça, pelos
jardins, a alegria das rosas.
Ás luzes da
manhan, álacres e ruidosas,
avesinhas, ás
mil, revoam, aos casaes....
E em quanto
tudo ri, canta, viça e fulgura,
da primavera eu
colho a flor mais bella e pura
nos teus lábios
gentis, doces e virginaes.
II - A Hora Purpura
Meio dia. Ha um
torpor em toda a natureza,
um silencio
profundo, um grande desalento.
Fulge,
esplendido, o sol no alto do firmamento
sem nuvens, de
uma estranha e lânguida belleza.
A luz desce, em
caudaes, como a jorrar, violento,
salto d’água se
espalha em toda a redondeza
e, á luz,
refulge o valle e reverbera, accesa
em arco-íris,
dum rio a água no curso lento.
Aves, dentre o
sombrio e plácido arvoredo,
pipilam
docemente e, lânguida e sentida,
uma voz de
mulher vibra no ambiente quedo
e, naquella
hora triste, aquella voz dorida
como que nos
incute ao espírito, em segredo,
a anciã da
Morte e o tédio infinito da Vida....
III - A Hora Violeta
Surge A
primeira estrella.... Um tom brando e macio
de violeta e de
cinza encobre o espaço de onde
desce a ultima
luz do sol que já se esconde
no cabeço do
monte escarpado e sombrio.
Começa a
apparecer, por sob a verde fronde,
a estranha
procissão dos lampeiros.... O rio,
indômito e
feroz, selvático e bravio,
ruge como uma
voz que, em plena selva, estronde.
Nas alamedas
vão de braços, mão unidas,
pares a
conversar — namorados, amantes —
presos de vago
enleio amoroso e sensual....
E enquanto a
Noite envolve as amplas avenidas
ha um sussurro
de prece e beijos delirantes
na suave emoção
da doce hora nupcial....
- José de Mesquita, Da Natureza - em
"Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
FORTUNA CRÍTICA DE JOSÉ DE MESQUITA
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Roteiro da Felicidade. (sonetos). Cuiabá, 1946. Disponível no link.
Poemas do Guaporé. (poemas), Cuiabá, 1949. Disponível no link.
OBRAS ONLINE: (ROMANCE, CONTOS E CRÔNICAS)
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Espelho de Almas. (contos), Prêmio da ABL. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1932. Disponível no link.
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Gente e Coisas de Antanho. (Crônicas 1924-1934). Cuiabá, 1978. Disponível no link.
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José de Mesquita |
REFERÊNCIAS E OUTRAS
FONTES DE PESQUISA
Biblioteca Digital José de Mesquita
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). José de Mesquita - e a cultura matogrossense. Templo Cultural Delfos, setembro/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). José de Mesquita - e a cultura matogrossense. Templo Cultural Delfos, setembro/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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