Casimiro de Abreu [gravura], (autoria não identificada) |
O Quê ?
Em que cismas, poeta? Que saudades
Te adormecem na mágica fragrância
Das rosas do passado já pendidas?
Nos sonhos d’alma que te lembras?
- A infância!
Que sombra, que fantasma vem banhado
No doce aflúvio dessa quadra linda?
E a mente a folhar os dias idos
Que nome te recorda agora?
- Arinda!
Mas se passa essa quadra, fugitiva,
Qual no horizonte solitária vela,
Por que cismar na vida e no passado?
E de quem são essas saudades?
- Dela!
E se a virgem viesse agora mesmo
Surgindo bela qual visão de amores,
Tu, p’ra saudá-la bem do imo d’alma,
Diz-me, poeta - o que escolhias?
- Flores.
E se ela, farta dos aromas doces
Que tem achado nos jardins divinos,
Tão caprichosa machucasse as rosas...
Diz-me, meu louco, o que mais tinhas?
- Hinos!
E se, teimosa, rejeitando a lira,
a fronte virgem para ti pendida,
Dum beijo a paga te pedisse altiva...
O que lhe davas, meu poeta?
- A vida!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As primaveras”, 1859.
Casimiro de Abreu (Casimiro José Marques de Abreu),
poeta, nasceu em Barra de São João, RJ, em 4 de janeiro de 1839, e faleceu em
Nova Friburgo, RJ, em 18 de outubro de 1860. É o patrono da Cadeira n. 6 da
Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Teixeira de Melo.
Casimiro de Abreu -
aos 15 anos
|
Era filho natural do abastado comerciante e fazendeiro
português José Joaquim Marques Abreu e de Luísa Joaquina das Neves. O pai nunca
residiu com a mãe de modo permanente, acentuando assim o caráter ilegal de uma
origem que pode ter causado bastante humilhação ao poeta. Passou a infância
sobretudo na propriedade materna, Fazenda da Prata, em Correntezas. Recebeu
apenas instrução primária, estudando dos 11 aos 13 anos no Instituto Freeze, em
Nova Friburgo (1849-1852), onde foi colega de Pedro Luís, seu grande amigo para
o resto da vida. Em 52 foi para o Rio de Janeiro praticar o comércio, atividade
que lhe desagradava, e a que se submeteu por vontade do pai, com o qual viajou
para Portugal no ano seguinte. Em Lisboa iniciou a atividade literária,
publicando um conto e escrevendo a maior parte de suas poesias, exaltando as
belezas do Brasil e cantando, com inocente ternura e sensibilidade quase
infantil, suas saudades do país. Lá compôs também o drama Camões e o Jau,
representado no teatro D. Fernando (1856). Ele só tinha dezessete anos, e já
colaborava na imprensa portuguesa, ao lado de Alexandre Herculano, Rebelo da
Silva e outros. Não escrevia apenas versos. No mesmo ano de 1856, o jornal O
Progresso imprimiu o folhetim Carolina, e na revista Ilustração Luso-Brasileira
saíram os primeiros capítulos de Camila, recriação ficcional de uma visita ao
Minho, terra de seu pai.
Em 1857, voltou ao Rio, onde continuou residindo a
pretexto de continuar os estudos comerciais. Animava-se em festas carnavalescas
e bailes e freqüentava as rodas literárias, nas quais era bem relacionado.
Colaborou em A Marmota, O Espelho, Revista Popular e no jornal Correio
Mercantil, de Francisco Otaviano. Nesse jornal, trabalhavam dois moços
igualmente brilhantes: o jornalista Manuel Antônio de Almeida e o revisor
Machado de Assis, seus companheiros em rodas literárias. Publicou As primaveras
em 1859. Em 60, morreu o pai, que sempre o amparou e custeou de bom grado as
despesas da sua vida literária, apesar das queixas românticas feitas contra a
imposição da carreira. A paixão absorvente que consagrou à poesia justifica a
reação contra a visão limitada com que o velho Abreu procurava encaminhá-lo na
vida prática.
Doente de tuberculose, buscou alívio no clima de Nova
Friburgo. Sem obter melhora, recolhe-se à fazenda de Indaiaçu, em São João,
onde veio a falecer, seis meses depois do pai, faltando três meses para
completar vinte e dois anos.
O Poeta Casimiro de Abreu (gravura) |
Em As primaveras
acham-se os temas prediletos do poeta e que o identificam como
lírico-romântico: a nostalgia da infância, a saudade da terra natal, o gosto da
natureza, a religiosidade ingênua, o pressentimento da morte, a exaltação da
juventude, a devoção pela pátria e a idealização da mulher amada. A sua visão
do mundo externo está condicionada estreitamente pelo universo do burguês
brasileiro da época imperial, das chácaras e jardins. Trata de uma natureza
onde se caça passarinho quando criança, onde se arma a rede para o devaneio ou
se vai namorar quando rapaz.
À simplicidade da matéria poética corresponde
amaneiramento paralelo da forma. Casimiro de Abreu desdenha o verso branco e o
soneto, prefere a estrofe regular, que melhor transmite a cadência da
inspiração “doce e meiga” e o ritmo mais cantante. Colocado entre os poetas da
segunda geração romântica, expressa, através de um estilo espontâneo, emoções
simples e ingênuas. Estão ausentes na sua poesia a surda paixão carnal de
Junqueira Freire, ou os desejos irritados, macerados, do insone Álvares de
Azevedo. Ele pôde sublimar em lânguida ternura a sensualidade robusta, embora
quase sempre bem disfarçada, dos seus poemas essencialmente diurnos, nos quais
não se sente a tensão das vigílias. No poema “Violeta” configura a teoria do
amor romântico, segundo a qual devem ficar subentendidos os aspectos sensuais
mais diretos, devendo, ao contrário, ser manifestado com o maior brilho e
delicadeza possível o que for idealização de conduta. O meu livro negro, em
toda a sua obra, é o único momento de amargura violenta e rebeldia mais
acentuada; noutros o drama apenas se infiltra, menos compacto. Em sua poesia,
talvez exagerada no sentimentalismo e repleta de amor pela natureza, pela mãe e
pela irmã, as emoções se sucedem sem violência, envolvidas num misto de saudade
e de tristeza.
:: Fonte: Academia Brasileira de Letras
CRONOLOGIA
Casimiro de Abreu - foto: Joaquim José 'Insley' Pacheco [Coleção Dr. Waldyr da Fontoura Cordovil Pires] |
1839 - Nasce
na Fazenda Indaiaçu, em Barra de São João, atual distrito da cidade de Casimiro
de Abreu, Rio de Janeiro, no dia 4 de janeiro. Filho de José Marques de Abreu
um abastado comerciante português e de Luísa Joaquina das Neves;
1845/48 - Faz
os primeiros estudos em Cabo Frio, Rio de Janeiro;
1849/1852 -
Freqüenta o curso de humanidades no Instituto Freese em Nova Friburgo, Rio de
Janeiro, sem no entanto concluí-lo;
1850 - Temendo
a morte por problemas de saúde, José Marques de Abreu faz o reconhecimento
oficial da paternidade de seus filhos: Maria, Casimiro e Albina
1852 - Muda-se
para o Rio de Janeiro, para trabalhar em casa comercial de um amigo da família;
1853 - Vai com
o pai para Lisboa, para trabalhar num escritório fazendo cópias de cartas
comerciais;
1856 - Em 18
de janeiro, é encenada no Teatro D. Fernando, em Lisboa, sua peça Camões e Jaú;
1856/1857 - Em
Lisboa, colabora com publicações literárias como A Ilustração Luso-Brasileira,
O Panorama, O Progresso e o Almanaque de Lembranças. Mantém contatos com os
escritores Alexandre Herculano (1810 - 1867) e Camilo Castelo Branco (1825 -
1890);
1856 - Em
março, o jornal lisboeta O Progresso publica o folhetim Carolina. Viaja pelas
regiões do Minho, Tejo e Douro, retratados em Camila - Memórias duma Viagem,
publicado no mesmo ano na revista Ilustração Luso-Brasileira;
1857 - Doente,
retorna ao Brasil e segue para a Fazenda Indaiaçu. Em agosto, volta ao Rio de
Janeiro para a trabalhar no comércio;
1858 -
Participa de reuniões no escritório do advogado e poeta Caetano Alves de Sousa
Figueiras, com os escritores Augusto Emílio Zaluar (1825 - 1882), José Joaquim
Cândido de Macedo Júnior (1842 - 1860) e Machado de Assis (1839 - 1908).
Colabora em publicações como Correio Mercantil, A Marmota, O Espelho e Revista
Popular e convive com o escritor Manuel
Antônio de Almeida (1831 - 1861) e
jornalista e político Quintino Bocaiúva (1836 - 1912);
ca.1859 -
Escreve A Revista do Ano, texto para o teatro de revista que deixa incompleto,
só publicado em 1956, na Revista da Academia Fluminense de Letras;
1860 - É
encenada pela primeira vez, no Rio de Janeiro, Camões e Jaú;
1860 - Morre
em 18 de outubro na Fazenda Indaiaçu, vítima de tuberculose, 6 meses após a
morte de seu pai.
1ª edição As primaveras, de Casimiro de Abreu (1859) |
OBRA DE CASIMIRO DE ABREU
Poesia
Canções do exílio. 1854.
As primaveras. Porto Alegre: Typographia de Paula Brito,1859.
Teatro
Camões e Jaú. 1856.
Revista do Ano. [inacabado]. ca.1859.
Romance
Carolina. 1856.
Camila - Memórias duma Viagem. [romance
inacabado]. 1856.
A virgem loura. Páginas do Coração,
prosa poética 1857.
Correspondência
Correspondência completa de Casimiro de Abreu.
[reunida, organizada e comentada por Mário Alves de Oliveira].. (Coleção Afrânio
Peixoto). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2007. Disponível no
link. (acessado em 19.4.2014).
Manuscritos
Casimiro de Abreu através de seus manuscritos.
[Organização Mário Alves de Oliveira]. Rio de Janeiro: Joséphine Edições;
Academia Brasileira de Letras, 2014.
Casimiro de Abreu |
Antologias/obra completa
Obras completas de Casimiro J. M. de Abreu.
(Organização J. Norberto de Souza e Silva). Rio de Janeiro; Paris: Garnier,
1918.
Obras de Casimiro de Abreu. [organização,
apuração do texto, biografia e notas de Sousa da Silveira]. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1940.
Obras de Casimiro de Abreu.
[organização, biografia e notas de Sousa
da Silveira]... Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1999.
Casimiro de Abreu: obra completa. [Organização
Mário Alves de Oliveira]. Rio de
Janeiro: G. Ermakoff; Academia Brasileira de Letras, 2010.
Paulo Autran recita "Meus oito anos", de Casimiro de Abreu
FORTUNA CRÍTICA
AMORA, Antônio
Soares. A Literatura Brasileira. O
Romantismo (1833-1838/1878-1881). São Paulo: Ed. Cultrix, 1967, v.II, pp.
161-174.
ANDRADE,
Carlos Drummond de. No Jardim Público de
Casimiro de Abreu. In: ______. Confissões de Minas. Rio de Janeiro:
Americ-editora, 1945.
ANDRADE, Mário
de. Amor e Medo. In: ______. Aspectos
da Literatura Brasileira. São Paulo: Livraria Martins Ed., s/d.
Casimiro de Abreu , por Laerti imagens |
BREUNIG, Tiago
Hermano. Um passo em falso: A Valsa de
Casimiro de Abreu. REPOM: Revista de Estudos Poético-Musicais (UFSC), v. 4,
p. 1, 2007.
BRUZZI, Nilo. Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro:
Editora Aurora, 1949.
CAMILO, Vagner
(Org.) . A Flauta Singela de Casimiro de
Abreu. São Paulo: Ática, 2003.
CAMILO,
Vagner. "Em Tom Menor" -
Introdução ao volume de poesias de Casimiro de Abreu, As Primaveras. 1ª ed.,
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CANDIDO,
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CARVALHO, M.
E. F.; CARNEIRO, L. S.; COSTA, M. E.; SARAIVA, M. M.. Mulher:
criação extremamente sublime e interdita em amor e Medo de Casimiro de Abreu.
In: VI Semana de Estudos Linguísticos e Literários de Pau dos Ferros - VI
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Literários de Pau dos Ferros - VI SELLP. Mossoró - RN: Queima-bucha, 2008. p.
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COLEÇÃO Casimiro de Abreu (PC).. [Inventário].
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MAGALHÃES JÚNIOR,
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MAGALHAES, Hilda Gomes Dutra. Casimiro de Abreu- As primaveras.(Comentário ao texto de Pedro Luiz Souza). REEL – Revista Eletrônica de Estudos Literários, Vitória, a. 3, n. 3, 2007, p. 29-32.
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Litografia de Casimiro de Abreu (rótulo de cigarro) |
MAUL, Carlos. Casimiro de Abreu, poeta do amor. Rio de
Janeiro: A. Coelho Branco F., 1939.
MOREIRA, Maria
Eunice. (Org.). Narrativas de Casimiro de
Abreu. 1ª ed., Lisboa - Portugal: CLEPUL, 2012. v. 1. 72p.
PEDRAZZI, Ana
Lucia. O diálogo entre o poema Meus oito
anos, de Casimiro de Abreu, e a música de Chico Buarque de Hollanda, Doze anos..
In: XI Congresso Internacional da ABRALIC: Tessituras, Interações,
Convergências, 2008, São Paulo. Tessituras, Interações, Convergências. São
Paulo: Abralic, 2008.
PESSANHA,
Márcia Maria de Jesus (Org.). Casimiro de
Abreu: o poeta das primaveras. Niterói: Nitpress, 2008. v. 1.
REIS, Célia
Maria Domingues da Rocha; CAMPOS, M.
D.. Entre o Poema e a Partitura: A Valsa,
de Casimiro de Abreu. Per Musi (UFMG), v. 15, p. 55/06, 2008.
SANT'ANNA,
Benedita de Cássia Lima. Casimiro de
Abreu: Colaborador d'A Ilustração Luso-Brasileira (1856). In.: Revista
Crioula (USP), nº 3; v. 1, p. 1-8, 2008. Disponível no link. (acessado em 19.4.2014).
Brasilianas 1955: Meus Oito Anos,
filme de Humberto Mauro
Lembrança num álbum
Como o triste marinheiro
Deixa em terra uma lembrança,
Levando n’alma a esperança
E a saudade que consome,
Assim nas folhas do álbum
Eu deixo meu pobre nome.
E se na ondas da vida
Minha barca for fendida
E meu corpo espedaçado,
Ao ler o canto sentido
Do pobre nauta perdido
Teus lábios dirão: - coitado!
- Casimiro de Abreu (Junho, 1858), em “As primaveras”, 1859.
Estátua de Casimiro de Abreu, obra de Christina Motta - no pátio da Casa Museu Casimiro de Abreu |
POEMAS ESCOLHIDOS
Amor e medo
I
Quando eu te
fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo
que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes,
suspirando amores:
" Meu
Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te
enganas! meu amor é chama
Que se alimenta
no voraz segredo,
E se te fujo é
que te adoro louco...
És bela eu
moço; tens amor eu medo!...
Tenho medo de
mim, de ti, de tudo,
Da luz da
sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas
secas, do chorar das fontes,
Das horas
longas a correr velozes.
O véu da noite
me atormenta em dores,
A luz da aurora
me intumesce os seios,
E ao vento
fresco do cair das tardes
Eu me estremeço
de cruéis receios.
É que esse
vento que na várzea ao longe,
Do colmo o fumo
caprichoso ondeia,
Soprando um dia
tornaria incêndio
A chama viva
que teu riso ateia!
Ai! se abrasado
crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio
que a tormenta envia,
Diz: que seria
da plantinha humilde
Que à sombra
dele tão feliz crescia?
A labareda que
se enrosca ao tronco
Torrara a
planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca
reviver pudera,
Chovesse embora
paternal orvalho!
II
Ai! se eu te
visse no calor da sesta,
A mão tremente
no calor das tuas,
Amarrotado o
teu vestido branco,
Soltos cabelos
nas espáduas nuas!...
Ai! se eu te
visse, Madalena pura,
Sobre o veludo
reclinada a meio,
Olhos cerrados
na volúpia doce,
Os braços
frouxos palpitante o seio!...
Ai! se eu te
visse em languidez sublime,
Na face as
rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala
a protestar baixinho...
Vermelha a
boca, soluçando um beijo!...
Diz: que seria
da pureza d’anjo,
Das vestes
alvas, do cantor das asas?
Tu te
queimaras, a pisar descalça,
Criança louca,
sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu
me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento
na fugaz vertigem
Vil, machucara
com meu dedo impuro
As pobres
flores da grinalda virgem!
Vampiro infame,
eu sorveria em beijos
Toda a
inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no
lascivo abraço
Anjo enlodado
nos pauís da terra.
Depois...
desperta no febril delírio,
Olhos pisados
como um vão lamento,
Tu perguntaras:
qu’é da minha c’roa?...
Eu te diria:
desfolhou - a o vento!...
..............................
Oh! não me
chames coração de gelo!
Bem vês: traí -
me no fatal segredo.
Se de ti fujo é
que te adoro e muito,
És bela eu
moço; tens amor, eu medo!...
- Casimiro de Abreu (Outubro, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
A Voz do rio –
num álbum
Nosso sol é de
fogo, o campo é verde,
O mar é manso,
nosso céu azul!
- Ai! porque
deixas este pátrio ninho
Pelas friezas
dos vergéis do sul?
Lá nessa terra
onde o Guaíba chora
Não são as noites,
como aqui, formosas
E as duras asas
do Pampeiro iroso
Quebra as
tulipas e desfolha as rosas.
A lua é doce,
nosso mar tranqüilo,
Mais leve a
brisa, nosso céu azul!...
- Tupá! Quem
troca pelo pátrio ninho
As ventanias
dos vergéis do sul?
Lá novos campos
outros campos ligam
E a vista fraca
na extensão se perde!
E tu sozinha
viverás no exílio
- Garça perdida
nesse mar que é verde! -
Nossas campinas
como doces noivas
Vivem c’os
montes sob o céu azul!
- Há vida e
amores neste pátrio ninho
Mais rico e
belo que os vergéis do sul!
Essas palmeiras
não têm tantos leques,
O sol dos
Pampas mareou seu brilho,
Nem cresce o
tronco que susteve um dia
O berço lindo
em que dormiu teu filho!
Nossas
florestas sacudindo os galhos
Tocam c’os
braços este céu azul!...
- Se tudo é
grande neste pátrio ninho
Porque deixá-lo
p’ra viver no sul?!
Embora digas: -
essa terra fria
Merece amores,
é irmã da minha -
quem dar-te
pode este calor do ninho,
A luz suave que
o teu berço tinha?!
Eu - Guanabara
- no meu longo espelho
Reflito as
nuvens deste céu azul;
- Ó minha
filha! acalentei-te o sono,
Porque me
deixas p’ra viver no sul?!...
Lá, quando a
terra s’embuçar nas sombras
E o medroso sol
s’esconder nas águas,
Teu pensamento,
como o sol que morre,
Há de cismando
mergulhar-se em mágoas!
Mas se forçoso
t’é deixar a pátria
Pelas friezas
dos vergéis do sul,
Ó minha filha!
não t’esqueças nunca
Destas
montanhas, deste céu azul.
Tupá bondoso te
derrame graças,
Doce ventura te
bafeje e siga,
E nos meus
braços - ao voltar do exílio -
Saudando o
berço que teu lábio diga:
“Volvo contente
para o pátrio ninho,
“Deixei
sorrindo esses vergéis do sul;
“Tinha saudades
deste sol de fogo...
“Não deixo mais
este meu céu azul!...”
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Bálsamo
Eu vi-a
lacrimosa sobre as pedras
Rojar-se essa
mulher que a dor ferira!
A morte lhe
roubara de um só golpe
Marido e filho,
encaneceu-lhe a fronte,
E deixou-a
sozinha e desgrenhada
- Estátua da
aflição aos pés dum túmulo!
O esquálido
coveiro p’ra dois corpos
Ergueu a mesma
enxada, e nessa noite
A mesma cova os
teve!
E a mãe
chorava,
E mais alto que
o choro erguia as vozes!
.....................
No entanto o
sacerdote - fronte branca
Pelo gelo dos
anos - a seu lado
Tentava
consolá-la.
A mãe aflita
Sublime desse
belo desespero
As vozes não
lhe ouvia; a dor suprema
Toldava-lhe a
razão no duro transe.
“Oh! padre! -
disse a pobre s’estorcendo
Co’a voz
cortada dos soluços d’alma -
“Onde o
bálsamo, as falas d’esperança,
“O alívio à
minha dor?!”
Grave e solene,
O padre não
falou - mostrou-lhe o céu!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Borboleta
Borboleta dos
amores,
Como a outra
sobre as flores,
Porque és
volúvel assim?
Porque deixas,
caprichosa,
Porque deixas
tu a rosa
E vais beijar o
jasmim?
Pois essa alma
é tão sedenta
Que um só amor
não contenta
E louca quer
variar?
Se já tens
amores belos,
P’ra que vais
dar teus desvelos
Aos goivos da
beira-mar?
Não sabes que a
flor traída
Na débil haste
pendida
Em breve murcha
será?
Que de ciúme
fenece
E nunca mais
estremece
Aos beijos que
a brisa dá?...
Borboleta dos
amores,
Como a outra
sobre as flores,
Porque és
volúvel assim?
Porque deixas,
caprichosa,
Porque deixas
tua a rosa
E vais beijar o
jasmim?!
Tu vês a flor
da campina,
E bela e terna
e divina,
Tu dá-lhe o que
essa alma tem;
Depois, passado
o delírio,
Esqueces o
pobre lírio
Em troca duma
cecém!
Mas tu não
sabes, louquinha
Que a flor que
pobre definha
Merece mais
compaixão?
Que a desgraça
precisa,
Como sopro da
brisa,
Os ais do teu
coração?
Borboleta dos
amores,
Como a outra
sobre as flores,
Porque és
volúvel assim?
Porque deixas,
caprichosa,
Porque deixas
tua a rosa
E vais beijar o
jasmim?!
Se a borboleta
dourada
Esquece a rosa
encarnada
Em troca duma
outra flor;
Ela - a triste,
molemente
Pendida sobre a
corrente,
Falece à míngua
d’amor.
Tu também,
minha inconstante,
Tens tido mais
dum amante
E nunca amaste
a um só!
Eles morrem de
saudade
Mas tu na
variedade
Vais vivendo e
não tens dó!
Ai! és muito
caprichosa!
Sem pena deixas
a rosa
E vais beijar
outras flores;
Esqueces os que
te amam...
Por isso todos
te chamam:
- Borboleta dos
amores!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Canto de amor -
A M***
Eu vi-a a minha
alma antes a vê-la
Sonhara-a linda
como agora a vi;
Nos puros olhos
e na face bela,
Dos meus sonhos
a virgem conheci.
Era a mesma
expressão, o mesmo rosto,
Os mesmos olhos
só nadando em luz,
Em uns doces
longes, como dum desgosto,
Toldando a
fronte que de amor seduz!
E seu talhe era
o mesmo, esbelto, airoso
Como a palmeira
que se ergue ao ar,
Como a tulipa
ao por-do-sol ! saudoso,
Mole vergando à
variação do mar.
Era a mesma
visão que eu dantes via,
Quando a minha
alma transbordava em fé;
E nesta eu
creio como na outra cria,
Porque é a
mesma visão, bem sei que é!
No silencio da
noite a virgem minha
Soltas as
tranças junto a mim dormir;
E era bela, meu
Deus, assim sozinha
No seu sono
d’infante inda a sorrir!...
Via-a e não
via-a! Foi num só segundo,
Tal como a
brisa ao perpassar na flor,
Mas nesse
instante resumi um mundo
De sonhos de
ouro e de encantado amor.
O seu olhar não
me cobriu d’afago,
E minha imagem
nem sequer guardou,
Qual se reflete
sobre a flor dum lago
A branca nuvem
que no céu passou.
A sua vista
espairecendo vaga,
Quase
indolente, não me viu, ai, não!
Mas eu que
sinto tão profunda chaga
Ainda a vejo
como a vi então.
Que rosto
d’anjo, qual estátua antiga
No altar
erguida, já caído o véu!
Que olhar de
fogo, que a paixão instiga!
Que níveo colo
prometendo um céu!
Vi-a e amei-a,
que minha alma ardente
Em longos
sonhos a sonhara assim;
O ideal
sublime, que eu criei na mente,
Que em vão
busca e que encontrei por fim!
P’ra ti,
formosa, o meu sonhar de louco
E o dom fatal,
que desde o berço é meu;
Mas se os cantos
da lira achares pouco,
Pede-me a vida,
porque tudo é teu.
Se queres culto
- como um crente adoro,
Se preito
queres - eu te caio aos pés,
Se rires - rio,
se chorares - choro,
E bebo o pranto
que banhar-te a tez.
Dá-me em teus
lábios, um sorrir fagueiro,
E desses olhos
um volver, um só,
E verás que meu
estro, hoje rasteiro,
Cantando amores
s’erguerá do pó!
Vem
reclinar-te, como a flor pendida,
Sobre este
peito cuja voz calei:
Pede-me um
beijo... e tu terás, querida,
Toda paixão que
para ti guardei.
Do morto peito
vem turbar a calma,
Virgem, terás o
que ninguém te dá;
Em delírios
d’amor dou-te minha alma,
Na terra, a
vida, a eternidade - lá!
Se tu, oh
linda, em chama igual te abrasas,
Oh! não me
tardes, não me tardes, - vem!
Da fantasia nas
douradas asas
Nós viveremos
noutro mundo - além!
De belos sonhos
nosso amor povôo,
Vida bebendo
nos olhares teus;
E como a garça
que levanta o vôo,
Minha alma em
hinos falará com Deus!
Juntas, unidas
num estreito abraço,
As nossas almas
uma só serão;
E a fronte
enferma sobre o teu regaço
Criará poemas
d’imortal paixão!
Oh ! vem,
formosa, meu amor é santo,
É grande e belo
como é grande o mar,
É doce e triste
como d’harpa um canto
Na corda extrema
que já vai quebrar!
Oh! vem
depressa, minha vida foge...
Sou como o
lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio
que inda é tempo hoje!
Orvalha o lírio
que morrendo vai!...
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Clara
Não sabes,
Clara, que pena
eu teria se —
morena
tu fosses em
vez de clara!
Talvez... quem
sabe... não digo...
mas refletindo
comigo
talvez nem
tanto te amara!
A tua cor é
mimosa,
brilha mais da
face a rosa
tem mais graça
a boca breve.
O teu sorriso é
delírio...
És alva da cor
do lírio,
és clara da cor
da neve!
A morena é
predileta,
mas a clara é
do poeta:
assim se pintam
arcanjos.
Qualquer,
encantos encerra,
mas a morena é
da terra
enquanto a
clara é dos anjos!
Mulher morena é
ardente:
prende o amante
demente
nos fios do seu
cabelo;
— A clara é
sempre mais fria,
mas dá-me
licença um dia
que eu vou
arder no teu gelo!
A cor morena é
bonita,
mas nada, nada
te imita
nem mesmo
sequer de leve.
— O teu sorriso
é delírio...
És alva da cor
do lírio,
és clara da cor
da neve!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1857), em “As
primaveras”, 1859.
Fragmento
IV
O mundo é uma mentira, a glória - fumo,
A morte - um beijo, e esta vida um sonho
Pesado ou doce, que s’esvai na campa!
O homem nasce, cresce, alegre e crente
Entra no mundo c’o sorrir nos lábios,
Traz os perfumes que lhe dera o berço,
Veste-se belo d’ilusões douradas,
Canta, suspira, crê, sente esperanças,
E um dia o vendaval do desengano
Varre-lhe as flores do jardim da vida
E nu das vestes que lhe dera o berço
Treme de frio ao vento do infortúnio!
Depois - louco sublime - ele se engana,
Tanta enganar-se p’ra curar as mágoas,
Cria fantasmas na cabeça em fogo,
De novo atira o seu batel nas ondas,
Trabalha, luta e se afadiga embalde
Até que a morte lhe desmancha os sonhos
Pobre insensato - quer achar por força
Pérola fina em lodaçal imundo!
- Menino louco que se cansa e mata
Através da borboleta que travessa
Nas moitas do mangal voa e se perde!...
- Casimiro de Abreu (Dezembro, 1858 ), em “As primaveras”, 1859.
Juriti
Na minha terra,
no bulir do mato,
A juriti
suspira;
E como o arrulo
dos gentis amores,
São os meus
cantos de secretas dores
No chorar da
lira.
De tarde a
pomba vem gemer sentida
À beira do
caminho;
- Talvez
perdida na floresta ingente -
A triste geme
nessa voz plangente
Saudades do seu
ninho.
Sou como a
pomba e como as vozes dela
É triste o meu
cantar;
- Flor dos
trópicos - cá na Europa fria
Eu definho,
chorando noite e dia
Saudades do meu
lar.
A juriti
suspira sobre as folhas secas
Seu canto de
saudade;
Hino de
angústia, férvido lamento,
Um poema de
amor e sentimento,
Um grito
d’orfandade !
Depois...o
caçador chega cantando
À pomba faz o
tiro...
A bala acerta e
ela cai de bruços,
E a voz lhe
morre nos gentis soluços,
No final
suspiro.
E como o
caçador, a morte em breve
Levar-me-á
consigo;
E descuidado,
no sorrir da vida,
irei sozinho, a
voz desfalecida,
Dormir no meu
jazigo.
E - morta - a
pomba nunca mais suspira
À beira do
caminho;
E como a juriti
- longe dos lares -
Nunca mais
chorarei nos meus cantares
Saudades do meu
ninho!
- Casimiro de Abreu (Lisboa, 1857), em “As
primaveras”, 1859.
Meus oito anos
Oh! souvenirs!
printemps! aurores!
- Victor Hugo
Oh! que
saudades que tenho
Da aurora da
minha vida,
Da minha
infância querida
Que os anos não
trazem mais!
Que amor, que
sonhos, que flores,
Naquelas tardes
fagueiras
À sombra das
bananeiras,
Debaixo dos
laranjais!
Como são belos
os dias
Do despontar da
existência!
- Respira a
alma inocência
Como perfumes a
flor;
O mar é - lago
sereno,
O céu - um
manto azulado,
O mundo - um
sonho dourado,
A vida - um
hino d'amor!
Que auroras,
que sol, que vida,
Que noites de
melodia
Naquela doce
alegria,
Naquele ingênuo
folgar!
O céu bordado
d'estrelas,
A terra de
aromas cheia,
As ondas
beijando a areia
E a lua
beijando o mar!
Oh! dias da
minha infância!
Oh! meu céu de
primavera!
Que doce a vida
não era
Nessa risonha
manhã!
Em vez das
mágoas de agora,
Eu tinha nessas
delícias
De minha mãe as
carícias
E beijos de
minha irmã!
Livre filho das
montanhas,
Eu ia bem
satisfeito,
Da camisa
aberto o peito,
- Pés
descalços, braços nus -
Correndo pelas
campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas
ligeiras
Das borboletas
azuis!
Naqueles tempos
ditosos
Ia colher as
pitangas,
Trepava a tirar
as mangas,
Brincava à
beira do mar;
Rezava às
Ave-Marias,
Achava o céu
sempre lindo,
Adormecia
sorrindo
E despertava a
cantar!
..............................
Oh! que
saudades que tenho
Da aurora da
minha vida,
Da minha
infância querida
Que os anos não
trazem mais!
- Que amor, que
sonhos, que flores,
Naquelas tardes
fagueiras
À sombra das
bananeiras,
Debaixo dos
laranjais!
- Casimiro de Abreu (Lisboa, 1857), em “As
primaveras”, 1859.
Minh’alma é
triste
I
Minh’alma é
triste como a rola aflita
Que o bosque
acorda desde o albor da aurora
E em doce
arrulo que o soluço imita
O morto esposo
gemedora chora.
E, como a rola
que perdeu o esposo,
Minh’alma chora
as ilusões perdidas,
E no seu livro
de fanado gozo
Relê as folhas
que já foram lidas.
E como as notas
de chorosa endeixa
Seu pobre canto
com a dor desmaia,
E seus gemidos
são iguais à queixa
Que a vaga
solta quando beija a praia.
Como a criança
que banhada em prantos
Procura o
brinco que levou-lhe o rio,
Minh’alma quer
ressuscitar nos cantos
Um só dos
lírios que murchou no estio.
Dizem que há
gozos nas mundanas galas
Mas eu não sei
em que o prazer consiste.
- Ou só no
campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque
- mas a minh’alma é triste!
II
Minh’alma é
triste como a voz do sino
Carpindo o
morto sobre a laje fria:
E doce e grave
qual num templo um hino,
Ou como a prece
ao desmaiar do dia.
Se passa um
bote com as velas soltas,
Minh’alma o
segue n’amplidão dos mares;
E longas horas
acompanha as voltas
Das andorinhas
recortando os ares.
Às vezes,
louca, num cismar perdida,
Minh’alma
triste vai vagando à toa,
Bem como a
folha que do sul batida
Bóia nas águas
de gentil lagoa!
E como a rola
que em sentido queixa
O bosque acorda
desde o albor da aurora,
Minh’alma em
notas de chorosa endeixa
Lamenta os
sonhos que já tive aoutrora.
Dizem que há
gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei
em que o prazer consiste.
- Pobre
ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos
- a minh’alma é triste!
III
Minh’alma é
triste como a flor que morre
Pendida à beira
do riacho ingrato;
Nem beijos
dá-lhe a viração que corre,
Nem doce cant o
sabiá do mato!
E como a flor
que solitária pende
Sem ter
carícias no voar da brisa,
Minh’alma
murcha, mas ninguém entende
Que a
pobrezinha só de amor precisa!
Amei outrora
com amor bem santo
Os negros olhos
de gentil donzela,
Mas dessa
fronte de sublime encanto
Outro tirou a
virginal capela.
Oh! quantas
vezes a prendi nos braços!
Que o diga e
fale o laranjal florido!
Se mão de ferro
espedaçou dois laços
Ambos choramos
mas num só gemido!
Dizem que há
gozos no viver d’amores,
Só eu não sei
em que prazer consiste!
- Eu vejo o
mundo na estação das flores...
Tudo sorri -
mas minh’alma é triste!
IV
Minh’alma é
triste como o grito agudo
Das arapongas
no sertão deserto;
E como o nauta
sobre o mar sanhudo,
Longe da praia
que julgou tão perto!
A mocidade no
sonhar florida
Em mim foi
beijo de lasciva virgem:
- Pulava o
sangue e me fervia a vida,
Ardendo a
fronte em bacanal vertigem.
De tanto fogo
tinha a mente cheia!...
No afã da glória
me atirei com ânsia...
E, perto ou
longe, quis beijar a s’reia
Que em doce
canto me atraiu na infância.
Ai! loucos
sonhos de mancebo ardente!
Esp’ranças
altas... Ei-las já tão rasas!...
- Pombo
selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala
no bater das asas!
Dizem que há
gozos no correr da vida...
Só eu não sei
em que o prazer consiste
- No amor, na
glória, na mundana lida,
Foram-se as
flores - a minh’alma é triste!
- Casimiro de Abreu (Março 12 – 1858), em “As primaveras”,
1859.
Minha terra
Minha terra tem
palmeiras
Onde canta o
sabiá.
- Gonçalves Dias
Todos cantam
sua terra,
Também vou
cantar a minha,
Nas débeis
cordas da lira
Hei de faze-la
rainha;
- Hei de
dar-lhe a realeza
Nesse trono de
beleza
Em que a mão da
natureza
Esmerou-se
enquanto tinha.
Correi pr’as
bandas do sul:
Debaixo de um
céu de anil
Encontrareis o
gigante
Santa Cruz,
hoje Brasil;
- É uma terra
de amores
Alcatifada de
flores
Onde a brisa
fala amores
Nas belas
tardes de abril.
Tem tantas
belezas, tantas,
A minha terra
natal.
Que nem as
sonha um poeta
E nem as canta
um mortal!
- É uma terra
encantada
- Mimoso jardim
de fada -
Do mundo todo
invejada
Que o mundo não
tem igual.
Não, não tem,
que Deus fadou-a:
Dentre todas -
a primeira:
Deu-lhe esses
campos bordados,
Deu-lhe os
leques da palmeira.
E a borboleta
que adeja
Sobre as flores
que ela beija,
Quando o vento
rumoreja
Nas folhagens
da mangueira.
É um país
majestoso
Essa terra de
Tupã,
Desde o
Amazonas ao Prata,
Do Rio Grande
ao Pará!
- Tem serranias
gigantes
E tem bosques
verdejantes
Que repetem
incessantes
Os cantos do
sabiá.
Ao lado da
cachoeira,
Que se despenha
fremente,
Dos galhos da
sapucaia
Nas horas do
sol ardente,
Sobre um solo
d’açucenas,
Suspensa a rede
de penas,
Ali nas tardes
amenas
Se embala o
índio indolente.
Foi ali que
noutro tempo
À sombra do
cajazeiro
Soltava seus
doces carmes
O Petrarca
brasileiro;
E a bela que o
escutava
Um sorriso
deslizava
Para o bardo
que pulsava
Seu alaúde
fagueiro.
Quando Dirceu e
Marília
Em terníssimos
enleios
Se beijavam com
ternura
Em celestes
devaneios;
Da selva o vate
inspirado,
O sabiá
namorado,
Na laranjeira
pousado
Soltava ternos
gorjeios.
Foi ali, foi no
Ipiranga,
Que com toda
majestade
Rompeu de
lábios augustos
O brado da
liberdade;
Aquela voz
soberana
Voou na plaga
indiana
Desde o palácio
à choupana,
Desde a
floresta à cidade!
Um povo
ergueu-se cantando
- Mancebos e
anciãos -
E, filhos da
mesma terra,
Alegres
deram-se as mãos:
Foi belo ver
esse povo
Em suas glórias
tão novo,
Bradando cheio
de fogo:
Portugal !
somos irmãos!
Quando nasci,
esse brado
Já não soava na
serra
Nem os ecos da
montanha
Ao longe diziam
- guerra!
Mas não sei o
que sentia
Quando, a sós,
eu repetia
Cheio de nobre
ousadia
O nome da minha
terra!
Se brasileiro
eu nasci
Brasileiro hei
de morrer,
Que um filho
daquelas matas
Ama o céu que o
viu nascer;
Chora, sim,
porque tem prantos,
E são sentidos
e santos
Se chora pelos
encantos
Que nunca mais
há de ver.
Chora, sim,
como suspiro
Por esses
campos que eu amo,
Pelas
mangueiras copadas
E o canto do
gaturamo;
Pelo rio
caudaloso,
Pelo prado tão
relvoso,
E pelo tiê
formoso
Da goiabeira no
ramo!
Quis cantar a
minha terra,
Mas não pode
mais a lira;
Que outro filho
das montanhas
O mesmo canto
desfira,
Que o
proscrito, o desterrado,
De ternos
prantos banhados,
De saudades
torturado,
Em vez de
cantar - suspira!
Tem tantas
belezas, tantas,
A minha terra
natal,
Que nem as
sonha um poeta
E nem as canta
um mortal!
- É uma terra
de amores
Alcatifada de
flores
Onde a brisa em
seus rumores
Murmura: - não
tem rival!
- Casimiro de Abreu (Lisboa, 1856), em “As
primaveras”, 1859.
Na rede
Nas horas
ardentes do pino do dia
Aos bosques
corri;
E qual linda
imagem dos castos amores,
Dormindo e
sonhando cercada de flores
Nos bosques a
vi!
Dormia deitada
na rede de penas
- O céu por
dossel,
De leve
embalada no quieto balanço
Qual nauta
cismando num lago bem manso
Num leve batel!
Dormia e
sonhava - no rosto serena
Qual um
serafim;
Os cílios
pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa
brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
Dormia e
sonhava - formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno
num mágico anseio
Debaixo das
roupas batia -lhe o seio
No seu
palpitar!
Dormia e
sonhava - a boca entreaberta,
O lábio a
sorrir;
No peito
cruzados os braços dormentes,
Compridos e
lisos quais brancas serpentes
No colo a
dormir!
Dormia e
sonhava - no sonho de amores
Chamava por
mim,
E a voz
suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão
meiga qual vaga harmonia
De algum
bandolim!
Dormia e
sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me
tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da
brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de
amor!
Ao hálito
ardente o peito palpita...
Mas sem
despertar;
E como nas
ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na
rede corando e sorrindo...
Beijou-me - a
sonhar!
- Casimiro de Abreu (Junho, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Orações - A***
A alma, como o
incenso, ao céu s’eleva
Da férvida
oração nas asas puras,
E Deus recebe
como um longo hosana
O cântico de
amor, das criaturas.
Do trono
d’ouro, que circundam os anjos
Sorrindo ao
mundo a Virgem-Mãe s’inclina
Ouvindo as
vozes d’inocência bela
Dos lábios
virginais duma menina.
Da tarde morta
o murmurar se cala
Ante a prece
infantil, que sobe e voa
Fresca e serena
qual perfume doce
Das frescas
rosas de gentil coroa.
As doces falas
de tua alma santa
Valem mais do
que eu valho, oh! querubim!
Quando rezares
por teu mano, à noite,
Não t’esqueças
- também reza por mim!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Perfumes e amor
– na primeira folha dum álbum
A flor mimosa
que abrilhanta o prado
ao sol nascente
vai pedir fulgor;
E o sol,
abrindo da açucena as folhas,
Dá-lhe perfumes
- e não nega amor.
Eu que não
tenho, como o sol, seus raios,
Embora sinta
nesta fronte ardor,
Sempre quisera
ao encetar teu álbum
Dar-lhe
perfumes - desejar-lhe amor.
Meu Deus! nas
folhas deste livro puro
Não manche o
pranto da inocência o alvor,
Mas cada canto
que cair dos lábios
Traga perfumes
- e murmure amor.
Aqui se junte,
qual num ramo santo,
Do nardo o
aroma e da camélia a cor,
E possa a
virgem, percorrendo as folhas,
Sorver
perfumes, respirar amor.
Encontre bela,
caprichosa sempre,
Nos ternos
hinos d’infantil frescor
Entrelaçados na
grinalda amiga
Doces perfumes
- e celeste amor.
Talvez que
diga, recordando tarde
O doce anelo do
feliz cantor:
- “Meu Deus!
nas folhas do meu livro d’alma
Sobram perfumes
- e não falta amor!”
- Casimiro de Abreu (Junho, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Primaveras
Primavera!
juventud del anno,
Mocidad!
primavera della vita.
- Metatasio
I
A primavera é a
estação dos risos,
Deus fita o
mundo com celeste afago,
Tremem as
folhas e palpita o lago
Da brisa louca
aos amorosos frisos.
Na primavera
tudo é viço e gala,
Trinam as aves
a canção de amores,
E doce e bela
no tapiz das flores
Melhor perfume
a violeta exala.
Na primavera
tudo é riso e festa,
Brotam aromas
do vergel florido,
E o ramo verde
de manhã colhido
Enfeita a
fronte da aldeã modesta.
A natureza se
desperta rindo,
Um hino imenso
a criação modula,
Canta a
calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo
porque o céu é lindo.
Alegre e verde
se balança o galho,
Suspira a fonte
na linguagem meiga,
Murmura a
brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a
rosa: - Como é doce o orvalho!
II
Mas como às
vezes sobre o céu sereno
Corre uma nuvem
que a tormenta guia,
Também a lira
alguma vez sombria
Solta gemendo
de amargura um treno.
São flores
murchas; - o jasmim fenece,
Mas bafejado
s’erguerá de novo
Bem como o
galho do gentil renovo
Durante a
noite, quando o orvalho desce.
Se um amargo de
ironia cheio
Treme nos
lábios do cantor mancebo,
Em breve a
virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um
sorriso e lhe intumesce o seio.
Na primavera -
na manhã da vida -
Deus às
tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade
se dissipa e passa
À voz mimosa da
mulher querida.
Na mocidade, na
estação fogosa,
Ama-se a vida a
mocidade é crença,
E a alma virgem
nesta festa imensa
Canta, palpita,
s’extasia e goza.
- Casimiro de Abreu (1º de julho de 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Quando tu
choras
Quando tu choras, meu amor, teu rosto
Brilha formoso
com mais doce encanto,
E as leves
sombras de infantil desgosto
Tornam mais
belo o cristalino pranto.
Oh! nessa idade
da paixão lasciva,
Como o prazer,
é o chorar preciso:
Mas breve passa
- qual a chuva estiva -
E quase ao
pranto se mistura o riso.
É doce o pranto
de gentil donzela,
É sempre belo
quando a virgem chora:
- Semelha a
rosa pudibunda e bela
Toda banhada do
orvalhar da aurora.
Da noite o
pranto, que tão pouco dura,
Brilha nas
folhas como um rir celeste,
E a mesma gota
transparente e pura
Treme na relva
que a campina veste.
Depois o sol,
como sultão brilhante,
De luz inunda o
seu gentil serralho,
E às flores
todas - tão feliz amante! -
Cioso sorve o
matutino orvalho.
Assim, se
choras, inda és mais formosa,
Brilha teu
rosto com mais doce encanto:
- Serei o sol e
tu serás a rosa...
Chora, meu
anjo, - beberei teu pranto!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Queixumes
Olho e
vejo...tudo é gala,
Tudo canta e
tudo fala,
Só minh’alma
Não se acalma,
Muda e triste
não se ri!
Minha mente já
delira,
E meu peito só
suspira
Por ti! Por ti!
Ai! quem me
dera essa vida
Tão bela e doce
vivida
Nos meus lares
Sem pesares
No sossego só
dali!
Não tinha-te
visto as tranças
Nem rasgado as
esperanças
Por ti! Por ti!
Perdi as flores
da idade,
E a flor na
mocidade
É meu canto
- Todo pranto,
-
Qual a voz do
juriti!
No teu sorriso
embebido
Deixei meu
sonho querido
Por ti! Por ti!
Ai! se eu
pudesse, formosa,
Roçar-te os
lábios de rosa
Como às flores
- Seus amores -
Faz o louco
colibri;
Esta minh’alma
nos hinos
Erguera cantos
divinos
Por ti! Por ti!
Ai! não m’esqueças
já morto!
À minh’alma dá
conforto,
Diz na lousa:
“Coitado!
descansa aqui”
Ai! não te
esqueças, senhora,
Da flor pendida
n’aurora
Por ti! Por ti!
- Casimiro de Abreu (Junho, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Risos
Ri, criança, a
vida é curta,
O sonho dura um
instante.
Depois... o
cipreste esguio
Mostra a cova
ao viandante!
A vida é triste
- quem nega?
- Nem vale a
pena dizê-lo.
Deus a parte
entre seus dedos
Qual um fio de
cabelo!
Como o dia, a
nossa vida
Na aurora é -
toda venturas,
De tarde - doce
tristeza,
De noite -
sombras escuras!
A velhice tem
gemidos,
- A dor das
visões passadas -
A mocidade -
queixumes,
Só a infância
tem risadas!
Ri, criança, a
vida é curta,
O sonho dura um
instante.
Depois... o
cipreste esguio
Mostra a cova
ao viandante!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Saudades
Nas horas
mortas da noite
Como é doce o
meditar
Quando as
estrelas cintilam
Nas ondas
quietas do mar;
Quando a lua
majestosa
Surgindo linda
e formosa,
Como donzela
vaidosa
Nas águas se
vai mirar!
Nessas horas de
silêncio,
De tristezas e
de amor,
Eu gosto de
ouvir ao longe,
Cheio de mágoa
e de dor,
O sino do
campanário
Que fala tão
solitário
Com esse som
mortuário
Que nos enche
de pavor.
Então - proscrito
e sozinho -
Eu solto aos
ecos da serra
Suspiros dessa
saudade
Que no meu
peito se encerra.
Esses prantos
de amargores
São prantos
cheios de dores:
- Saudades -
dos meus amores,
- Saudades - da
minha terra!
- Casimiro de Abreu (1856), em “As primaveras”,
1859.
Segredos
Eu tenho uns
amores - quem é que os não tinha
Nos tempos
antigos! - Amar não faz mal;
As almas que
sentem paixão como a minha
Que digam, que
falem em regra geral.
- A flor dos
meus sonhos é moça e bonita
Qual flor
entreaberta do dia ao raiar,
Mas onde ela
mora, que casa ela habita,
Não quero, não
posso, não devo contar!
Seu rosto é
formoso, seu talhe elegante,
Seus lábios de
rosa, a fala é de mel,
As tranças
compridas, qual livre bacante,
O pé de
criança, cintura de anel;
- Os olhos rasgados
são cor das safiras,
Serenos e
puros, azuis como o mar;
Se falam
sinceros, se pregam mentiras,
Não quero, não
posso, não devo contar!
Oh! ontem no
baile com ela valsando
Senti as
delícias dos anjos do céu!
Na dança
ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do
rosto seu cândido véu!
- Que noite e
que baile! - Seu hálito virgem
Queimava-me as
faces no louco valsar,
As falas
sentidas que os olhos falavam
Não posso, não
quero, não devo contar!
Depois
indolente firmou-se em meu braço,
Fugimos das
salas, do mundo talvez!
Inda era mais
bela rendida ao cansaço,
Morrendo de
amores em tal languidez!
- Que noite e
que festa! e que lânguido rosto
Banhado ao
reflexo do branco luar!
A neve do colo
e as ondas dos seios
Não quero, não
posso, não devo contar!
A noite é sublime!
- Tem longos queixumes,
Mistérios
profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os
gemidos, do prado os perfumes,
De amor me
mataram, de amor suspirei!
- Agora eu vos
juro... Palavra! - não minto!
Ouvi-a formosa
também suspirar;
Os doces
suspiros que os ecos ouviram
Não quero, não
posso, não devo contar!
Então nesse
instante nas águas do rio
Passava uma
barca, e o bom remador
Cantava na
flauta: - "Nas noites d'estio
O céu tem
estrelas, o mar tem amor!" -
- E a voz
maviosa do bom gondoleiro
Repete cantando:
- "viver é amar!" -
Se os peitos
respondem à voz do barqueiro...
Não quero, não
posso, não devo contar!
Trememos de
medo... a boca emudece
Mas sentem-se
os pulos do meu coração!
Seu seio nevado
de amor se entumece...
E os lábios se
tocam no ardor da paixão!
- Depois... mas
já vejo que vós, meus senhores,
Com fina
malícia quereis me enganar.
Aqui faço
ponto; - segredos de amores
Não quero, não
posso, não devo contar!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1857), em “As
primaveras”, 1859.
Três Cantos
Quando se brinca
contente
Ao despontar da
existência
Nos folguedos
de inocência,
Nos delírios de
criança;
A alma, que
desabrocha
Alegre, cândida
e pura -
Nesta contínua
ventura
E' toda um
hino: - esperança!
Depois... na
quadra ditosa,
Nos dias da
juventude,
Quando o peito
é um alaúde,
E que a fronte
tem calor:
A alma que
então se expande
Ardente, fogosa
e bela -
Idolatrando a
donzela
Soletra em
trovas: - amor!
Mas quando a
crença se esgota
Na taça dos
desenganos,
E o lento
correr dos anos
Envenena a
mocidade;
Então a alma
cansada
Dos belos
sonhos despida,
Chorando a
passada vida -
Só tem um
canto: - saudade!
- Casimiro de Abreu (Fevereiro, 1858), em “As
primaveras”, 1859.
Casimiro, o Poeta, um filme de Roland Henze
Ilusão
Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;
Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta afastado;
Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa harmonia;
Quando a terra, da vida cansada.
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;
Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmura as ondas co’a brisa.
É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.
Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado
Entre prantos p’ra mim se sorrindo!
Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!
Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...
E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!
E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!
Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma glória passada,
É carpindo uns amores que eu tive!
- Casimiro de Abreu (Lisboa, 1856), em “As primaveras”, 1859.
A casa, onde o poeta da saudade passou sua infância, hoje é um museu dedicado à sua memória. O acervo conta com peças de mobília originais e edições raras do livro As Primaveras.
Assim! A M.***
Viste o lírio da campina?
Lá s’inclina
E murcho no hastil pendeu!
- Viste o lírio da campina?
Pois, divina,
Como o lírio assim sou eu!
Nunca ouviste a voz da flauta,
A dor do nauta
Suspirando no alto mar?
- Nunca ouviste a voz da flauta?
Como o nauta
É tão triste o meu cantar!
Não viste a rola sem ninho
No caminho
Gemendo, se a noite vêm?
- Não viste a rola sem ninho?
Pois, anjinho
Assim eu gemo, também!
Não viste a barca perdida,
Sacudida
Nas asas dalgum tufão?
Não viste a barca fendida?
Pois, querida,
Assim vai meu coração!
- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As primaveras”, 1859.
MUSEU CASA CASIMIRO DE ABREU
Apresentação/história
O imóvel, localizado na Praça das Primaveras, em Barra de São João, era a residência da família e local de trabalho do pai do poeta, comerciante de madeiras. A casa de um pavimento, construção do período colonial, tem um salão e quatro salas laterais. Passou por obras de recuperação, de 1964 a 1972, com verbas do Governo do Estado e supervisão do IPHAN. Em 2008, foi totalmente restaurada pela Secretaria de Cultura do Estado.
Estátuas de Casimiro de Abreu, por Christina Motta - no pátio da Casa Museu Casimiro de Abreu |
No quintal, às margens do Rio São João, há duas estátuas de Casimiro, assinadas por Christina Motta. Uma do jovem poeta, sentado à beira do rio, com o olhar ao horizonte. A outra dele aos oito anos de idade, sintetizando a imagem de seu mais famoso poema, Meus Oito Anos: "Oh! Que saudades que eu tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais..."
O museu é dividido em duas salas de exposições. Uma abriga mostras temporárias de artistas da região, como Mudinho da Praia Rasa e Chico Tabibuia. E a outra mantém uma exposição permanente sobre o poeta, com curadoria da Stella Kaz. Este espaço pertence à FUNARJ / Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria do Estado de Cultura.
A Exposição Permanente
A história de vida de Casimiro de Abreu é contada por meio de textos cronológicos, a partir de documentação reproduzida do acervo da Biblioteca Nacional e da Academia Brasileira de Letras. Nas paredes, há fragmentos de poemas de Casimiro e a reprodução de pinturas e aquarelas da época, de coleções públicas e privadas.
Além disso, é possível assistir ao filme Brasilianas, Meus Oito anos, de Humberto Mauro, 1955. E, ainda, ouvir o áudio-livro 4 Séculos de Poesias do Brasil, em que ator Paulo Autran recita poesias, incluindo o poema Meus Oito Anos.
O Acervo
O acervo da exposição possui poucos pertences pessoais do poeta, uma vez que grande parte foi queimada, como se fazia na época nos casos de morte por tuberculose.
Museu Casa Casimiro de Abreu |
A Casa Casimiro de Abreu é referência cultural da região e ponto turístico de Barra de São João, distrito do município de Casimiro de Abreu. Antes de ser um museu, a casa já foi sede do governo municipal.
Serviço
Endereço: Praça das Primaveras, s/n Barra de São João - Casimiro de Abreu
Tel: (22) 2771 1562
Horários: De segunda a sexta, das 8h às 17h e - Sábados e domingos, das 9h às 17h
Site Oficial: Museu Casa Casimiro de Abreu
CASIMIRO DE ABREU – OBRAS ONLINE
Casimiro de Abreu |
ABREU,
Casimiro de. As Primaveras. São
Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro,
1972. Rede Memória - Biblioteca Nacional. Disponível no link. (acessado em 19.4.2014).
ABREU,
Casimiro de. Carolina. in SILVEIRA,
Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ministério
da Educação e Cultura -MEC, 1955. Rede Memória - Biblioteca Nacional.
Disponível no link. (acessado em 19.4.2014).
Obra de Casimiro de Abreu. Portal Domínio Público/MEC.
Disponível no link. (acessado em 19.4.2014).
Viveu, cantou, morreu
A Casimiro de Abreu
Viveu como uma flor tão curta vida,
Ou foi uma esperança falecida,
Ou sonho que acabou;
Sem gozar dos festins que o mundo afaga,
Como um batel que a tempestade traga,
Os dias seus passou.
Cantou suas passadas primaveras,
Tendo saudades dessas lindas eras
Em que tudo é sonhar;
Seus pesares gemeu e suas dores,
Esperanças cantou o seu penar.
Morreu inda na flor da mocidade
Entoando uma nênia de saudade
Por sobre os sonhos seus!
Foi saudar nova vida, novo sol;
Subiu ainda da vida no arrebol,
Alegre aos pés de Deus.
- Clímaco Ananias Barbosa de Oliveira, em “Tristes e Íntimas”, F. Waldemar Livreiro-Editor, Rio de Janeiro, 1863.
REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA
Casimiro de Abreu |
:: Brasilianas - USP
:: Enciclopédia de Literatura Brasileira – Itáu Cultural
:: Literatura Digital - Biblioteca de Literatura da Língua Portuguesa (UFSC)
:: Literatura Digital - Biblioteca de Literatura da Língua Portuguesa (UFSC)
© Obra de Casimiro de Abreu, é de domínio público.
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Trabalhos sobre o autor:
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Casimiro de Abreu - o poeta das primaveras. Templo Cultural Delfos, abril/2014. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Casimiro de Abreu - o poeta das primaveras. Templo Cultural Delfos, abril/2014. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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SÃO DESTES HOMENS QUE DEVEMOS SENTIR SAUDADES
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