Auto-retrato
Oh não passar
somente sugerido!
Desespero de
nunca ver o anjo
Não conhecer
nem mesmo a rosa e o lírio
Ter medo e ter
vergonha ajoelhado
Querer ser puro
e sempre ver-se impuro
A espera da
morte a incerteza
A secreta
esperança de ficar
A pétala da
rosa sob a cota
O endereço
guardado sobre o peito
Ver navios que
chegam e vão sozinhos
E depois de
tanta dor e tanta angústia
Pensar ter dado
a luz a algo vivo
E levantar-se
apenas com o poema.
- Mário Faustino (18 abr. 1948)
Mário Faustino dos Santos e Silva (Teresina/PI,
22 de outubro de 1930 — Lima/Perú, 27 de novembro de 1962). Poeta, jornalista,
crítico literário e tradutor. Realiza a maior parte de seus estudos em Belém,
onde se torna redator e cronista de A Província do Pará, de 1947 a 1949, e, em
seguida, de A Folha do Norte, de 1949 a 1956. No suplemento literário de A
Folha do Norte, reúne uma geração de jovens escritores, poetas e críticos, como
Haroldo Maranhão (1927-2004), Oliveira Bastos (1933-2006), Benedito Nunes
(1929- ), Max Martins (1926 - ?), Rui Barata (1920-1990) e o norte-americano
Robert Stock (1923-1981), então residente na capital paraense. Clarice
Lispector (1925-1977) que, nessa época, mora na cidade, também colabora no
suplemento, que mantém intensa conexão com os intelectuais do eixo Rio-São
Paulo. Em paralelo à atividade jornalística, Faustino cursa a faculdade de
direito, que, todavia, abandona no terceiro ano. Nesse período, recebe uma
bolsa do Institute of International Education para estudar teoria literária e literatura
norte-americana no Pomona College, Claremont, Estados Unidos, onde vive de 1951
a 1953. Em 1955, publica seu primeiro e único volume de poemas, O Homem e sua
Hora. Muda-se definitivamente para o Rio de Janeiro em 1956 e começa a
trabalhar como professor-assistente na Escola de Administração da Fundação
Getulio Vargas (FGV). Torna-se editorialista do Jornal do Brasil (JB) e
colabora no Suplemento Dominical (SDJB), criado com base em um programa
radiofônico, na Rádio Jornal do Brasil. Entre 1956 e 1959, assina nesse
suplemento a página "Poesia-Experiência", dedicada exclusivamente à
reflexão sobre a tradição, a teoria e a prática poéticas. Em fins de 1959,
decepcionado com os rumos tomados pelo suplemento, desiste da militância
literária e dedica-se exclusivamente à redação e ao editorial do jornal. Com a
interrupção da página, surgem várias propostas de trabalho no país, mas opta
pelo posto de jornalista no Departamento de Informação da Organização das
Nações Unidas (ONU), em Nova York, entre 1960 e 1962. Ao retornar ao Brasil,
assume, por curto período, o cargo de editor-chefe da Tribuna da Imprensa, que
é comprado pelo JB. Em novembro de 1962, tem de viajar novamente a Nova York,
como correspondente internacional do JB. Não chega, no entanto, ao seu destino,
pois morre num acidente aéreo nos arredores de Lima.
Mário Faustino |
Comentário crítico
O Homem e sua Hora (1955), uma das principais obras de
Mário Faustino, se caracteriza pela complexidade de metros, ritmos, formas
poéticas e símbolos empregados nos 22 poemas que o compõem, bem como pelo
diálogo vivo com uma ampla tradição poética que remonta a Homero (IX-VII a.C.)
e Horácio (65-8 a.C.), chegando até Ezra Pound (1885-1972) e Dylan Thomas
(1914-1955). Na tradição brasileira, dialoga de perto com poetas como Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987), Cecília Meireles (1901-1964) e, sobretudo,
Jorge de Lima (1895-1953), a quem Faustino dedica um dos mais aprofundados
estudos críticos.
Benedito Nunes (1929) fala do caráter politonal dessa
poesia. Nela, a ode, o hino, a elegia e a canção se combinam com recursos
dramáticos (apóstrofe, diálogo) e com formas narrativas como a parábola, o
relato mítico e o heroico das epopeias. Os temas prediletos são universais,
como o amor, o tempo e o senso da transitoriedade, a morte e a própria poesia.
A arte poética que define a concepção do livro de 1955 é expressa nos versos de
Vida Toda Linguagem. O título do poema já evidencia a função vital da palavra
e, portanto, da poesia, como meio de apreensão, ordenação e conhecimento do mundo.
Os poemas escritos de 1956 a 1959 e divulgados na
imprensa carioca revelam uma nova concepção poética, marcada por grande
experimentação linguística inspirada pelas propostas dos poetas concretistas de
São Paulo, com os quais mantém intenso diálogo, embora sem jamais integrar o
grupo. Recorre, assim, à visualidade, à dimensão gráfica da página e à
disposição espacial dos vocábulos, desmontando as palavras e explorando seu
potencial sonoro-semântico, entre outros procedimentos marcantes do concretismo.
É o que se verifica em poemas como Cavossonante Escudo Nosso e Ariazul.
A partir de 1959, a poesia de Faustino entra numa fase de
pesquisa expressional, indicando a maturidade espiritual do poeta. Essa fase é
representada pelo projeto não concluído de um poema longo, biográfico e ao
mesmo tempo cósmico. Para esse poema total, planeja compor fragmentos altamente
elaborados e integráveis, instantes lírico-épicos de uma Obra-em-Progresso, que
exprimiria o fluxo incessante de sua consciência mitopoética.
Mário Faustino |
Como exemplo de poeta-crítico, Faustino sempre alia
intimamente a criação à intensa reflexão sobre a tradição e o fazer poéticos,
chegando mesmo a cobrar de grandes nomes da poesia modernista que atuem do
mesmo modo, no sentido de promover a atualização e o aprofundamento da pesquisa
estética. É o que ele busca realizar como crítico de poesia do SDJB.
A projeção alcançada por Faustino na cena literária dos
anos 1950 talvez se deva mais a essa atuação como crítico do que como poeta,
assinando a página "Poesia-Experiência" nesse suplemento que marca
época pelo seu projeto gráfico ousado e pela competência dos profissionais que
arregimenta, sob a direção do poeta Reynaldo Jardim (1926- ) e com o apoio da
proprietária do jornal, condessa Pereira Carneiro (1899-1983). Entre os
principais nomes que colaboram no suplemento, destacam-se Mário Pedrosa
(1900-1981), Ferreira Gullar (1930), Antônio Houaiss (1915-1999), Barbara
Heliodora (1923- ), Assis Brasil (1945) e Judith Grossmann (1931). Graças a
Faustino e Jardim, o SDJB dá ao movimento concretista um apoio fundamental,
pela divulgação ampla que faz o grupo paulista alcançar no Rio uma ressonância
não encontrada em São Paulo. É também na página-seção "Livro de
Ensaios" que os concretistas Augusto de Campos (1931) e Haroldo de Campos
(1929 - 2003), ao lado de José Lino Grünewald (1931 - 2000), são revelados como
críticos literários. O compromisso do SDJB com a vanguarda concretista vai
orientar até mesmo o projeto de reforma gráfica do jornal, de autoria do
artista plástico Amilcar de Castro (1920-2002), que dá um tratamento novo à
página, explorando os aspectos visuais da palavra e da colocação espacial do
texto na página.
** Caricatura: Mário Faustino, por Chico Marinho.
“O poeta sabe, contudo, que é essa a sua condição
trágica, sua condição de homem, que o seu destino
e a sua fatalidade é saber-se feito do efêmero e do
eterno, do terreno e do divino. E compreende. Não
há mais o gesto esboçado de desespero e revolta
e sim o de aceitação.”
- Mário Faustino
Mário Faustino, por Netto |
CRONOLOGIA
1930 - Nasce
Mário Faustino em Teresina, Piauí, em 22 de outubro. Era o mais novo de uma
família de 20 filhos.
1938 - Adotado
pelo irmão mais velho, aos oito anos mudou-se para Belém, no Pará.
1947-1949 -
Atua como redator e cronista de A Província do Pará.
1948 - Estréia
como poeta no jornal Folha do Norte (Belém PA), de propriedade da família do
jornalista e escritor Haroldo Maranhão (1923 - 2004). O poema de estréia, O
Poeta e a Rosa, é publicado em 25 de abril.
1949-1956 -
Atua como redator e cronista no suplemento literário da Folha do
Norte,concebido por Haroldo Maranhão e para o qual colaboram não apenas
escritores da região, mas também poetas nacionalmente reconhecidos, como Manuel
Bandeira (1886 - 1968), Cecília Meireles (1901 - 1964) e Carlos Drummond de
Andrade (1902 - 1987).
1951-1952 -
Publica os três números da revista Norte, ao lado dos amigos Haroldo Maranhão e
Benedito Nunes (1929).
1951-1953 -
Estuda Teoria Literária e Literatura Norte-americana no Pomona College
(Claremont, Califórnia), Estados Unidos.
1953 - Retorna
a Belém e passa a trabalhar como redator na Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia - SPEVEA, hierarquicamente subordinado a seu
grande amigo e, posteriormente, principal divulgador e intérprete de sua obra
poética e crítica: o filósofo e ensaísta Benedito Nunes.
1956 - Muda-se
para o Rio de Janeiro e começa a lecionar na Fundação Getúlio Vargas, onde
fizera cursos de atualização um ano antes.
1956-1959 -
Publica semanalmente a página Poesia-Experiência no Suplemento Dominical do
Jornal do Brasil (SDJB).
1960-1962 -
Trabalha como jornalista no Departamento de Informação da Organização das
Nações Unidas (ONU) em Nova York.
1962 - Retorna
ao Brasil e se torna, por um curto período, editor-chefe da Tribuna da
Imprensa, que passara a ser propriedade do Jornal do Brasil. É enviado em
missão jornalística para Nova York, mas não chega a seu destino, pois morre em
acidente aéreo nos arredores de Lima, Peru.
OBRA DE MÁRIO FAUSTINO
[Primeiras edições]
Poesia
Capa do livro "Poesia completa/poesia traduzida" |
O Homem e sua Hora. Rio de Janeiro:
editora Livros de Portugal, 1955. [única obra publicada pelo autor em vida].
Poesia de Mário Faustino [Antologia
Poética]. (Organização e introdução de Benedito Nunes), 1ª ed., São
Paulo: Civilização Brasileira, 1966, 180p.
Poesia Completa/Poesia Traduzida. (Organização, introdução e notas de Benedito
Nunes). 1ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1985, Ilustrado. 328p.
Mário Faustino: O homem e sua hora e outros poemas.
(Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias). 1ª ed., São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. 264p.
Mário Faustino. O homem e sua hora.
[Edição de bolso].. (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Crítica literária
Poesia-Experiência. [Reúne os textos
publicados no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil entre Setembro de 1956 e
janeiro de 1959].. (organização Benedito Nunes). São Paulo: Perspectiva, 1977, 281p.
Evolução da Poesia Brasileira. [Reúne ensaios
sobre literatura brasileira, publicados no Caderno Literário do Jornal do
Brasil].. (organização Benedito Nunes). Salvador: Fundação Casa de Jorge
Amado, 1993.
De Anchieta aos Concretos: Poesia Brasileira no Jornal*.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Artesanatos de Poesia: Fontes e Correntes da Poesia
Ocidental. (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura
Dias). São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 587p. [Prêmio Jabuti 2005, categoria Teoria/Crítica
Literária - 1º lugar].
Antologia (participação)
BRASIL,
Emanuel (org.). Brazilian Poetry
(1950-1980). Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, EUA, 1972.
Traduções realizadas
POUND, Ezra. Poesia. [Tradução Augusto de Campos,
Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Mário Faustino]. São
Paulo: Editora Hucitec; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983.
[...]
POEMAS
ESCOLHIDOS
Alma que foste
minha
Alma que foste
minha,
desprendida de
meu corpo e de meu espírito,
leque de palma
sem raízes, sem tormentas,
que género esta
noite te distingue,
que metro te
organiza, por que dogmas,
que signos te
orientam – rumo a quê?
- Mestre, qual
é o sexo das almas?
Desmarcada e
sem cordas
alma que foste
minha
sem cravos e
sem espinhos
que trigo
milenar te mata a fome
divina
que pirâmide
encerra tua essência
nudíssima
que corpo te
defende de ti mesma
do espaço
que idade,
quantas eras, contra o tempo
alma anárquica
desmarcada e
sem cravos
sem precisão de
estar
ou de ficar
- Que te vale
Bizâncio?
ou de mudar
ou de fazer, ou
de ostentar
- Que te vale
este verso?
apoética,
absurda
como chamar-te
alma, de quê, quando,
para quê, alma
de morto, para onde?
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
A Reconstrução
(...)
E nos irados
olhos das bacantes
Finalmente
descubro quem procuro.
Não eras tu,
Poesia, meras armas,
Pura consolação
de minha luta.
Nem eras tu,
Amor, meu camarada,
Às costas me
levando, após a luta.
Procurava-me a
mim, e ora me encontro
Em meu reflexo,
nos olhares duros
De ébrios que
me fuzilam contra o muro
E o perdão de
meu canto. Sobre as nuvens
Defronte mãos
escrevem numa estranha,
Antiquíssima
língua estas palavras
Que afinal
compreendo: toda vida
É perfeita. E
pungente, e raro, e breve
É o tempo que
me dão para viver-me,
Achado e
precioso. Mas saúdo
Em mim a minha
paz final. Metade
Infame de homem
beija os pés da outra
Diva metade,
enquanto esta se curva
E retribui,
humilde, a reverência.
A serpente
tritura a própria cauda,
O círculo de
fogo se devora,
Arrasta-se o
cadáver bem ferido
Para fora do
palco:
este cevado
Bezerro
justifica minha vida.
- Mário Faustino, em "Os melhores
poemas". (organização Benedito Nunes). 2ª ed., São Paulo: Global, 1988.
Balada
(Em memória de uma poeta suicida)
Não conseguiu
firmar o nobre pacto
Entre o cosmos
sangrento e a alma pura.
Porém, não se dobrou
perante o fato
Da vitória do
caos sobre a vontade
Augusta de
ordenar a criatura
Ao menos: luz
ao sul da tempestade.
Gladiador
defunto mais intacto
(Tanta
violência, mas tanta ternura),
Jogou-se contra
um mar de sofrimentos
Não para
pôr-lhes fim, Hamlet, e sim
Para afirma-se
além de seus tormentos
De monstros
cegos contra só um delfim,
Frágil porém
vidente, morto ao som
De vagas de
verdade e de loucura.
Bateu-se
delicado e fino, com
Tanta
violência, mas tanta ternura!
Cruel foi teu
triunfo, torpe mar.
Celebrara-te
tanto, te adorava
De fundo atroz
à superfície, altar
De seus deuses
solares - tanto amava
Teu dorso
cavalgado de tortura!
Com que fervor
enfim te penetrou
No mergulho
fatal com que mostrou
Tanta
violência, mas tanta ternura!
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Carpe diem
Que faço deste
dia, que me adora?
Pega-lo pela
cauda, antes da hora
Vermelha de
furtar-se ao meu festim?
Ou colocá-lo em
música, em palavra,
Ou grava-lo na
pedra, que o sol lavra?
Força é
guarda-lo em mim, que um dia assim
Tremenda noite
deixa se ela ao leito
Da noite
precedente o leva, feito
Escravo dessa
fêmea a quem fugira
Por mim, por
minha voz e minha lira.
(Mas
já se sombras vejo que se cobre
Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.
Já nele a luz da lua – a morte – mora,
De traição foi feito: vai-se embora.)
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Ego de Mona
Kateudo
Dor, dor de
minha alma, é madrugada
E aportam-me
lembranças de quem amo.
E dobram sonhos
na mal-estrelada
Memória arfante
donde alguém que chamo
Para outros
braços cardiais me nega
Restos de rosa
entre lençóis de olvido.
Ao longe ladra
um coração na cega
Noite
ambulante. E escuto-te o mugido,
Oh vento que
meu cérebro aleitaste,
Tempo que meu
destino ruminaste.
Amor, amor,
enquanto luzes, puro,
Dormido e
claro, eu velo em vasto escuro,
Ouvindo as asas
roucas de outro dia
Cantar sem
despertar minha alegria.
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
[Gaivota, vais
e voltas,
...
Gaivota, vais e
voltas,
gaivota, vais —
e não voltas.
Somem-se os
homens, deixam-se os peixes
ir à deriva —
mal se respira
o ar do mundo
e
experimenta-se a voracidade
do mar, do
fundo
envenenado:
esperma — e
mente,
ira — e
sorriso,
esperança — e
dança.
Alguém traz a
mirra,
traz açafrão,
azeite, vinagre:
eis o homem
disposto, com suas faixas,
ei-lo em templo
deposto, entre seus panos.
Maresia, santidade
— que perfume!
Exaure-se a
vela de ouro, esgota-se o pavio,
cala-se alguém
que não quis beber seu cálice,
alguém que não
quis beber,
alguém que não
quis
o mar, em vão e
nada, o árduo mundo,
gota após gota,
anos e anos.
Contemplando o
poente, os albatrozes
refletem-se nos
elmos derrotados.
Alguém canta o
refrão. As algas dançam
no mar de vinho
amargo. Xerxes, Xerxes,
açoite após
açoite,
agora, enfim, é
noite
e esvaem-se os
navios.
— É esta,
então, a Vera Cidade?
— É essa, Adão,
a tua verdade?
Alguém não quis
viver,
alguém não quis
seu fardo, suas rotas,
alguém entre
alcatrazes,
entre peixes
vorazes, ser disforme —
santo lume
nascente, ou heresia?
Um rei entre
santelmos —
(pássaro,
pássaro, cala-te, dorme,
Lázaro, Lázaro,
vai-te, não voltes.)
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias). 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
[Inferno,
eterno inverno, quero dar
Inferno, eterno
inverno, quero dar
Teu nome à dor
sem nome deste dia
Sem sol, céu
sem furor, praia sem mar,
Escuma de alma
à beira da agonia.
Inferno, eterno
inverno, quero olhar
De frente a
gorja em fogo da elegia,
Outono e
purgatório, clima e lar
De silente
quimera, quieta e fria.
Inverno, teu
inferno a mim não traz
Mais do que a
dura imagem do juízo
Final com que
me aturde essa falaz
Beleza de teus
verbos de granizo;
Carátula
celeste, onde o fugaz
Estio de teu
riso – paraíso?
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Juventude
Juventude –
a jusante a
maré entrega tudo –
maravilha do
vento soprando sobre a maravilha
de estar vivo e
capaz de sentir
maravilhas no
vento –
amar a ilha,
amar o vento, amar o sopro, o rasto –
maravilha de
estar ensimesmado
(a maravilha:
vivo!)
tragado pelo
vento, assinalado
nos pélagos do
vento, recomposto
nos pósteros do
tempo, assassinado
na pletora do
vento –
maravilha de
ser capaz,
maravilha de
estar a postos,
maravilha de em
paz sentir
maravilhas no
vento
e apascentar o
vento,
encapelado
vento –
mar à vista da
ilha,
eternidade à
vista
do tempo –
o tempo: sempre
o sopro
etéreo sobre os
pagos, sobre as régias do vento,
do montuoso
vento –
e a terna idade
amarga – juventude –
êxtase ao vivo,
ergue-se o vento lívido,
vento salgado,
paz de sentinela
maravilhada à
vista
de si mesma nas
algas
do tumultuoso
vento,
de seus restos
na mágoa
do tumulário
tempo,
de seu pranto
nas águas do mar justo –
maravilha de
estar assimilado
pelo vento
repleto e pelo mar completo – juventude –
a montante a
maré apaga tudo –
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias). 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Legenda
No princípio
Houve treva
bastante para o espírito
Mover-se
livremente à flor do sol
Oculto em pleno
dia.
No princípio
Houve silêncio
até para escutar-se
O germinar
atroz de uma desgraça
Maquinada no
horror do meio-dia.
E havia, no
princípio,
Tão vegetal
quietude, tão severa
Que se estendia
a queda de uma lágrima
Das frondes dos
heróis de cada dia.
Havia então
mais sombra em nossa via.
Menos fragor na
farsa da agonia,
Mais êxtase no
mito da alegria.
Agora o
bandoleiro brada e atira
Jorros de luz
na fuga de meu dia —
e mudo sou para
contar-te, amigo,
O reino, a
lenda, a glória desse dia.
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Mensagem
Em marcha,
heróico, alado pé de verso,
busca-me o gral
onde sangrei meus deuses;
conta às suas
relíquias, ontem de ouro,
hoje de obscura
cinza, pó de tempo,
que ele os
venera ainda, o jogral verde
que outrora
celebrou seus milagres mais fecundos.
Dize a eles que
vinham
tecer silentes
minha eternidade
que a lava
antiga é pura cal agora
e queima-lhes
incenso, e rouba-me farrapos
de seus mantos
desertos de oferendas
onde possa
chorar meu disfarce ferido.
Dize a eles que
tombam
como chuvas de
sêmen sobre campos de sal
sem mancha, mas
terríveis
que desçam sobre
a urna deste olvido
e engendrem
rosas rubras
do estrume em
que tornei seus dons de trigo e vinho.
Segue, elegia,
busca-me nos portos
e nas praias de
Antanho, e nas rochas de Algures
os deuses que
afoguei no mar absurdo
de um casto
sacrifício.
Apanha estas
palavras do chão túmido
onde as deixo
cair, findo o dilúvio:
forma delas um
palco, um absoluto
onde possa
dançar de novo, nu
contra o peso
do mundo e a pureza dos anjos,
até que a
lucidez venha construir
um tempo justo,
exato, onde cantemos.
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Mito
Os cães do sono
ladram
Mas dorme a
caravana do meu ser;
Ser em forma de
pássaro,
Sonora
envergadura
Ruflando asas
de ferro sobre o fim
Dos êxtases do
espaço,
Cantando um
canto de aço nos pomares
Onde o tempo
não treme,
Onde frutos
mecânicos
Rolam sobre
sepulcros sem cadáver;
E sonho outros
planaltos
Por mim
sobrevoados na procela;
E sonho outras
legendas
Em mim
argamassadas pelo vento,
Trabalhadas em
mim por mãos sem tato;
E sonho o que
foi parco
Mas meu e por
que raro perdido;
E sonho o que
foi vasto
Mas de alheio
me pesa sobre os ombros,
Globo de
ásperos polos,
Continentes de
medo
E mares onde o
sangue é trilha e nódoa;
Deitado no
vitral
Da noite
intensa, exata,
Assim um
Fazedor empunha o cetro
Ornado de
serpentes;
Assim refaz o
que foi feito à sua
Augusta
semelhança
Contrafação de
um gesto mais difícil
Sonâmbulo e
remoto ― contundente;
E enquanto
nuvens quedam
De incenso
carregadas, de semente,
Levanto-me e
estrangulo
O ato de nascer
que me divide
Em morna
derrisão
Disforme
difidência de um presságio;
O Fazedor anula
O inferno que o
refina
E alçando-se ao
poente mais seguro
Mergulha na
verdade
Acesa que o
derrota e reduz ao
Dormente ser de
vidro e cor que sonha;
Os cães do sono
calam
E cai da
caravana um corpo alado
E o verbo ruge
em plena
Madrugada cruel
de um albatroz
Zombado pelo
sol ―
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Nam sibyllam
Lá onde um
velho corpo desfraldava
As trêmulas
imagens de seus anos;
Onde imaturo
corpo condenava
Ao canibal
solar seus tenros anos;
Lá onde em cada
corpo vi gravadas
Lápides
eloqüentes de um passado
Ou de um futuro
argüido pelos anos;
Lá cândidos
leões alvijubados
Às brisas
temporais se espedaçavam
Contra as
salsas areias sibilantes;
Lá vi o pó do
espaço em enrolando
Em turbilhões
de peixes e presságios —
Pois na orla do
mundo as delatantes
Sombras
marinhas, vagas, me apontavam.
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Noturno
Nem uma só
verdade resplandece
Neste verão
sonhado por abutres.
O ano inteiro,
o outro ano, e o outro,
Mentidos pela
mímica de um bufo,
Contam falsas
proezas de funâmbulo.
E os saltos já
não podem mais traçar
O mito que
exercemos, a parábola.
Alardes, fugas,
flâmulas. Palmeiras
Partilhando o
resgate da beleza
Das nuvens
criadoras de uma estrela,
De nada mais
que uma. O saltimbanco,
Mirando-se nas
poças, rejubila.
E ressoa na
flauta de anteontem
O repouso de um
pântano...
Quanto foste
traído! O luar torto
Raiva no campo
aberto onde esta noite
Um profeta
estremece no seu túmulo.
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e
outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias).
1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
No trem, pelo deserto
As vozes frias
Anulam toda chance de existência.
Jogam cartas terríveis
Batem fotografias perigosas
Não temem. Falam. Passam,
Na chacina do raro ostentam sua miséria.
Ninguém veste de verde. Um só
Parece vivo, aberto - e esse dorme.
As aves lentas voam seus presságios
E a brisa morna engendra flores duras
Na secura dos cactos.
Alguém pergunta: "Estamos perto?" E estamos longe
E nem rastro de chuva. E nada pode
Salvar a tarde.
(Só se um milagre, um touro
Surgisse dentre os trilhos para enfrentar a fera
Se algo fértil enorme aqui brotasse
Se liberto quem dorme se acordasse).
- Mário Faustino, em "Poesia Completa - Poesia Traduzida". (organização Benedito Nunes). São Paulo: Max Limonad, 1985, p.193.
[o eixo: a
envergadura: a tempestade: o todo
...
o eixo: a
envergadura: a tempestade: o todo-
ária de pranto,
advento de borrasca,
o mar sem remo
tolda os horizontes,
Bóreas tem asco
deste canto e vai-se —
a este, o meio.
O mar, alto e bifronte,
o mastro verga
ao peso de seus astros,
tudo perdura e
passa, Vasco e pano,
a hora
atordoada, a ponte, o gado —
estado, tempo
insone, maremoto
o peixe em seu
sepulcro, o céu doloso,
piso estelado,
fulcro de tormentos,
nasce de baixo
um feixe, um arco, um pasto —
inviolável ave,
procelária,
próxima de seu
cume, vela e prumo,
alemar,
terraquem, céu soto e supra,
solto esqueleto
alado, escuma e sulco,
protelado
corcel e corolário
do mar e dor do
ar e surto e fumo,
esquálido
estilete, flecha e rumo,
esquálido
estilete flecho e rumo.
- Mário Faustino, em "Os melhores
poemas". (organização Benedito Nunes). 2ª ed., São Paulo: Global, 1988.
O homem e a sua
hora
Et in saecula
saeculorum: mas
Que século,
este século - que ano
Mais-que-bissexto,
este -
Ai, estações -
Esta estação
não é das chuvas, quando
Os frutos se
preparam, nem das secas,
Quando os pomos
preclaros se oferecem.
(Nem podemos
chamá-la primavera,
Verão, outono,
inverno, coisas que
Profundamente,
Herói, desconhecemos...)
Esta é outra
estação, é quando os frutos
Apodrecem e com
eles quem os come.
Eis a Quinta
estação, quando um mês tomba,
O
décimo-terceiro, o Mais-Que-Agosto,
Como este dia é
mais que Sexta-feira
E a Hora mais
que Sexta e roxa.
Aqui,
Mário Faustino |
Sábia sombra de
João, fumo sacro de Febo,
Venho a Delfos e
Patmos consultar-vos,
Vós que sabeis
que conjunções de agouros
E astros forma
esta Hora, que soturnos
Vôos de asas
pressagas este instante.
Nox ruit,
Aenea, tudo se acumula
Contra nós, no
horizonte. As velas que ontem
Acendemos ou
brancas enfunamos
O vento apaga e
empurra para o abismo.
As cidades que
erguemos, nós e nossos
Serenos
ascendentes se arruinam
(Muros que
escravos levantamos, campos
Ubi Troja -
Nossa Tróia, Tróia! - fruit ...)
E no céu onde a
noite rui só vemos
Pálidos anjos,
livros e balanças,
Candelabros,
cavalos, crocodilos
Vomitando
tranqüilos cogumelos
Róseos de
sangue e lava - bestas, bestas
Aladas pairam,
à hora de o futuro
Fazer-se flama,
e a nuvem derreter-se
Em cinza
presente.- Vê, em torno
De mesas tortas
jogam meus sonâmbulos,
Meus líderes,
meus deuses. Como ocultam
As cartas
limpas, como atiram negros
Naipes no vale
glauco de meu sonho!
Erza, trazem
mais putas para Elêusis
E hoje Amatonte
é todo o vasto mundo:
Prostitutas
sagradas! - Se esta carne
Demais sólida
pudesse dissolver-se,
Derreter-se e
em rocio transformar-se!
Príncipe louro,
oh náusea, proibição
Do mais ilustre
amor, oh permissão,
Oh propaganda
santa do mais rude!
L'amor che move il sole e l'altre stelle
Aqui parou, em
ponto morto. Nem
Cometas hoje
aciona, ou gestos de
Ternura move
rumo aos eixos trêmulos
De seres
enlaçados; nem desperta
Encantados
centauros de seu sono.
Amor represo em
ritos e remorsos,
Eros defunto e
desalado. Eros!
(...)
Aqui devo
deixar-te, Herói. Retiro-me
Para uma ilha,
Chipre, onde nascido
Outrora fui,
onde erguerei não uma
Turris ebúrnea,
torre inversa, torre
Subterrânea,
defesa contra as pombas
Cobálticas,
columbas de outro Espírito -
Torre abolida!
No marfim que leves
Lunares
unicórnios cumularam
Em cemitérios
amorosos, eu,
Pigmalion,
talharei a nova estátua:
Estátua de
marfim, cândida estátua,
Mulher
primeira, fêmea de ar, de terra,
De água, de
fogo - Hephaistos, sobe, ajuda-me
A compor essa
estátua; fácil corpo
Difícil Face,
Santa Face - falta
O sopro
acendedor de tua esperta
Inspiração... à
noite, enquanto durmo,
128 Cava-lhe,
oh coxo, o gesto e o peito, pede
À deusa tua
esposa dê-lhe quantos
Encantos pendem
de seu cinto. Phanos,
Phanos, imagens
de beleza, chagas
Na memória dos
homens... pede a Hermes
Idéias que asas
gerem nos tendões
Das palavras
certeiras - logos, logos
Carregando de
força os sons vazios -
Dá-lhe tu
mesmo, Fabro, o mel, a voz
Densa, eficaz,
dourada, melopaico
Néctar de sete
cordas, musical
Pandora de
salvar, não de perder...
Orfeu retesa a
lira e solta o pássaro.
Pronta esta
estátua, agora, os deuses e eu
Miramos o
milagre: branca estátua
De leite, gala,
Galatéia, límpida
Contrafação de
canto e eternidade ...
(...)
Vai, estátua,
levar ao dicionário
A paz entre as
palavras conflagradas.
Ensina cada
infante a discursar
Exata, ardente,
claramente: nomes
Em paz com suas
coisas, verbos em
Paz com o baile
das coisas, oradores
Em paz com seus
ouvintes, alvas páginas
Em paz com os
planos atros do universo -
(...)
Vênus fará de
teu marfim fecunda
Carne que
tomarei por fêmea, carne
Feita de verbo,
cara carne, mãe
de Paphos,
filho nosso, que outra ilha
Fundará,
consagrada a tua música,
Teu pensamento,
paisagem tua.
Ilha sonora e
redolente, cheia
De pios
templos, cujos sacerdotes
Repetirão a
cada aurora (hrodo,
Hrododaktulos
Eos, brododaktulos!)
Que Santo,
Santo, Santo é o Ser Humano
Flecha partindo
atrás de flecha eterna -
Agora e sempre,
sempre, nunc et semper...
- Mário Faustino, em "O homem e sua hora e outros poemas". (Organização Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura Dias). 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
O som desta
paixão esgota a seiva
O som desta
paixão esgota a seiva
Que ferve ao pé
do torso; abole o gesto
De amor que
suscitava torre e gruta,
Espada e chaga
à luz do olhar blasfemo;
O som desta
paixão expulsa a cor
Dos lábios da
alegria e corta o passo
Ao gamo da
aventura que fugia;
O som desta
paixão desmente o verbo
Mais santo e
mais preciso e enxuga a lágrima
Ao rosto
suicida, anula o riso;
O som desta
paixão detém o sol,
O som desta
paixão apaga a lua.
O som desta
paixão acende o fogo
Eterno que
roubei, que te ilumina
A face
zombeteira e me arruína.
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Prefácio
Quem fez esta
manhã, quem penetrou
à noite os
labirintos do tesouro,
quem fez esta
manhã predestinou
seus temas a
paráfrases do touro,
a traduções do
cisne: fê-la para
abandonar-se a
mitos essenciais,
desflorada por
ímpetos de rara
metamorfose
alada, onde jamais
se exaure o
deus que muda, que transvive.
quem fez esta
manhã fê-la por ser
um raio a
fecundá-la, não por lívida
ausência sem
pecado e fê-la ter
em si princípio
e fim: ter entre aurora
e meio-dia um
homem e sua hora.
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Soneto antigo
Esse estoque de
amor que acumulei
Ninguém veio
comprar a preço justo.
Preparei meu
castelo para um rei
Que mal me
olhou, passando, e a quanto custo.
Meu tesouro
amoroso há muito as traças
Comeram,
secundadas por ladrões.
A luz abandonou
as ondas lassas
De refletir um
sol que só se põe
Sozinho. Agora
vou por meus infernos
Sem fantasma
buscar entre fantasmas.
E marcho contra
o vento, sobre eternos
Desertos sem
retorno, onde olharás
Mas sem o ver,
estrela cega, o rastro
Que até aqui
deixei, seguindo um astro.
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Soneto II
Necessito de um
ser, um ser humano
Que me envolva
de ser
Contra o não
ser universal, arcano
Impossível de
ler
A luz da lua
que ressarce o dano
Cruel de
adormecer
A sós, à note,
ao pé do desumano
Desejo de
morrer.
Necessito de um
ser, de seu abraço
Escuro e
palpitante
Necessito de um
ser dormente e lasso
Contra meu ser
arfante:
Necessito de um
ser ao meu lado
Um ser profundo
e aberto, um ser amado.
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Vida toda
linguagem
Vida toda
linguagem,
frase perfeita
sempre, talvez verso,
geralmente sem
qualquer adjetivo,
coluna sem
ornamento, geralmente partida.
Vida toda
linguagem,
há entretanto
um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali,
assegurando a perfeição
eterna do
período, talvez verso,
talvez interjetivo,
verso, verso.
Vida toda
linguagem,
feto sugando em
língua compassiva
o sangue que
criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado
em fonte adolescente,
sêmen de homens
maduros, verbo, verbo.
Vida toda
linguagem,
bem o conhecem
velhos que repetem,
contra negras
janelas, cintilantes imagens
que lhes
estrelam turvas trajetórias
Vida toda
linguagem –
como todos
sabemos
conjugar esses
verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e
besta, diabo e anjo
e deus talvez,
e nada.
Vida toda
linguagem,
vida sempre
perfeita,
imperfeitos
somente os vocábulos mortos
com que um
homem jovem, nos terraços do inverno,
/ contra a chuva,
tenta fazê-la
eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal
sintaxe
à vida que é
perfeita
língua
eterna.
- Mário Faustino, em "Poesia completa e
traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São
Paulo: Editora Max Limonad, 1985.
Mário Faustino - foto: (...) |
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Capa do livro Poesia de Mário Faustino" |
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Mário Faustino - o lapidador de palavras. Templo Cultural Delfos, agosto/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Mário Faustino - o lapidador de palavras. Templo Cultural Delfos, agosto/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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