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Mario Quintana - entrevistado por Ivete Brandalise

Entrevista de Mario Quintana no programa “As músicas que fizeram a sua cabeça”.
Entrevistadora: Ivete Brandalise
Data: 2 de janeiro de 1990
Rádio FM Cultura

Mario Quintana (Foto: Dulce Helfer)
Ivete – Ele nasceu no Alegrete e vive em Porto Alegre, felizmente. É o homem que escolhemos para iniciar este ano de 1990 e esta década de 90. O grande poeta do Rio Grande do Sul. "Eu faço versos como Saltimbancos. Desconjuntam os ossos doloridos. A entrada é livre para os conhecidos... Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!" Nós vamos conhecer as músicas que fizeram a cabeça de Mario Quintana. Mario, este homem de 83 anos, e que faz poema, e que faz música com suas palavras, que músicas têm incorporadas ao seu patrimônio afetivo?
Quintana – Eu não gosto de músicas só com açúcar. Eu não gosto de música de ópera.

Ivete – Por que não?
Quintana – Porque parece namoro de gato, não termina nunca e não deixa a gente dormir.

Ivete – Que músicas fazem a tua cabeça?
Quintana – A 4ª sinfonia de Maler, pois ela é uma música angustiada e eu como todos neste fim-de-século estamos angustiados. Gosto também de Cânticos Peregrinos de Wagner e a Canção dos Barqueiros do Wolga.

Ivete – Tu falaste na angústia de Maler. Tu achas que a angústia de ajuda a criar?
Quintana – A angústia ajuda a criar porque um poema sempre se faz num estado de inquietação, que não deixa de ser angústia. Embora não seja uma angústia de desespero, mas uma angústia que traz esperança.

Ivete – Um poema é como uma gota d’água bebida no escuro?
Quintana – Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.

Ivete – Em termos de música, o que mais te impressiona na música?
Quintana – É a força.

Ivete – E a música que tu fazes com as palavras? Como tu classificas?
Quintana – O pessoal sempre me tem como um poeta suave. Cheguei a ser chamado de anjo poeta. Eu tenho todos os sons, desde as coisas mais amorosas, as mais suaves até as coisas mais violentas. Eu tenho um poema, por exemplo, que começa assim: “Estou triste. Não dessa tristeza envergonhada dos que ao invés de se matarem, fazem poemas. Estou triste porque vocês são burros e feios, e não morrem nunca”.

Ivete – Foi feito para os imortais da Academia de Letras?
Quintana – Não, eu simpatizo muito com os imortais da Academia de Letras. Me lembro quando eu fui pedir o voto para eles. Quase todos moravam em ipanema. Eram tão amáveis, pareciam uns garotos.

Mario Quintana (Foto: Daniel de Andrade Simões)
Ivete – E aquele garoto que morava em Alegrete e ajudava a aviar receitas médicas. Aquele garoto gostava de música?
Quintana – Sim, gostava de música. Não havia TV, só rádio. Eu fui para Alegrete porque fui reprovado. E para não repetir o ano, o meu pai (Celso) me disse: "- Olha, já que você não ser se formar, eu pra vagabundo não te quero. Vem trabalhar aqui comigo na farmácia”.

Ivete – Tu fazias poesia nesta época?
Quintana – Desde que eu me entendia por gente, eu começava a escrever umas coisas que achava a ser poesia. O primeiro poema é sempre o mais belo do mundo, porque a sua descoberta no mundo da poesia é o seu encontro com a poesia.

Ivete – E estes primeiros poemas, estão guardados, foram editados ou estão perdidos?
Quintana – Não, estão perdidos, espalhados. Sabe como é.

Ivete – Quando é que tu deixaste o balcão da farmácia e viste para Porto Alegre?
Quintana – Depois que o meu pai faleceu, em 1928. Comecei e trabalhar no Estado do Rio Grande do Sul, dirigido por Raul Pilla.

Ivete – Foi fácil o começo?
Quintana – Como o que eu gostava de fazer era escrever, não foi difícil. Minha profissão é jornalista. Poeta é o estado, assim como o estado de graça ou estado de coma, conforme o poeta.

Ivete – Onde é que surgia a poesia?
Quintana – Quando a gente escreve um poema, a gente fica dentro de uma redoma de silêncio, por mais barulho que haja entorno.

Ivete – E o sucesso com as mulheres?
Quintana – Ora, era uma coisa natural. As minhas namoradas sempre foram formidáveis. A bem amada era um pretexto para a poesia. A bem amada é um ponto de partida para a poesia, por isso é a musa e não um ponto de chegada.

Ivete – Quais foram as tuas musas?
Quintana – Eu não posso dizer, porque dá dor de cotovelo nas outras.

Ivete: – E quem inspirou àquela poesia: “Senhora, eu vos amo tanto/ Que até por vosso marido/ Me dá um certo quebranto”?
Quintana: – Foi a Cecília Meireles, ela era muito bonita, todo mundo era apaixonado por ela, todos nós. Ela é muito minha amiga, foi quem publicou meus sonetos e poemas lá no Rio.

Mario Quintana
Ivete – No jornal, tu sempre pudeste escrever aquilo que tu quiseste ou tiveste de seguir ordem do patrão?
Quintana – Não, eu não seguia ordem de patrão. Por exemplo, lá no Estado do Rio Grande, eu botava título nas coisas, mas o pessoal gostava de botar o número exato de letras na manchete. Eu achava aquilo bobagem e não seguia esta norma. Eu fazia a coisa ao inverso. Nos títulos em 3 colunas, eu botava 12 sílabas, no segundo título decassílabo, no terceiro título, um setissílabo.
Uma vez eu fiz um título que parecia um poema. Fiquei contentíssimo. O meu chefe Raul Pilla chegou lá e perguntou: “- Quem foi que escreveu este título? Eu me levantei muito (...) anjo e disse: - Fui eu Dr.Pilla. E ele disse: - Seu Mario o seu título está em pleno desacordo com a orientação dos jornais, o senhor precisa ler os meus editoriais. Aí eu disse para ele: - Mas eu escrevo aqui uma seção onde faço o resumo dos jornais do Rio, para que fazer o resumo do seu.” Mas o Pilla era o patrão, ele disse aquilo de uma maneira jocosa (engraçada), se não ele podia me botar na rua.

Ivete: – Mario, tu costumas escrever ouvindo música ou no silêncio?
Quintana – Em qualquer parte. Não para nunca de escrever. Preparo o diário poético. Já estou fazendo o diário poético de 1991.

Ivete – Que frase tem no diário poético de 1990 para o primeiro de janeiro?
Quintana – “O dia da mais antiga esperança do mundo”.

Ivete – O que mais tu estás fazendo? Alguma coisa para editar neste ano de 90?
Quintana – Vai ser editado uma tradução. Eu acho que vai sair em 91. Tenho livros traduzidos em inglês, chinês, russo, italiano, francês e para vários países da América Latina.

Ivete – Tu achas que as traduções têm respeitado a tua poesia?
Quintana – Uma tradução é uma coisa muito difícil, uma tradução não pode ser literal, tem que ser uma tradução literária.

Ivete – E a tua poesia está bem traduzida, para o francês, por exemplo?
Quintana – Vou dizer que está (risos).

Ivete - Como é que um poeta sobrevive?
Quintana – Olha, eu tenho conseguido ganhar dinheiro com os meus livros e com a minha aposentadoria.

Ivete – Eu vou roubar um poema teu pra te fazer uma pergunta. Será que o Brasil é uma verdade que esqueceu de acontecer?
Quintana – O Brasil é uma verdade que acontece e continuará acontecendo e sempre que não for interrompido por uma revolução.

Mario Quintana (Foto: Dulce Helfer)
Ivete – Você teve um contato muito estreito com grandes poetas brasileiros, Bandeira, Vinícius, 
Drummond. Que poeta te parece mais representativo da poesia brasileira, incluindo a Cecília.
Quintana – Eu acho que a Cecília Meireles é a maior poeta brasileira da primeira metade do século, porque para nós outro, para disfarçar um pudor de sentimentalismo, a gente se refugia no humor, e ela nunca. Ela sempre foi poeta puro.

Ivete – E a poesia que se faz na música. Neste momento, por exemplo, há quem considere o Chico Buarque um grande poeta. Tu entendes assim também?
Quintana – O Chico é um bom poeta.

Ivete – O que te encanta no ser humano?
Quintana – É o simples fato de ser humano.

Ivete – E o que te desencanta no ser humano?
Quintana – Quando ele é desumano (risos).

Ivete – Tu achas que a vida ainda é poesia ou está faltando poesia na vida?
Quintana – A poesia sempre existiu. Não pode deixar de existir a poesia. Enquanto há esperança, há vida. E a gente nunca perde a esperança.

Ivete – Tu achas que neste momento aqui no Brasil estamos fazendo poesia? Boa ou má poesia?
Quintana – Acho que estão fazendo uma coisa que não tem nada a ver com poesia. Estão fazendo prosa mal escrita.

Ivete – Mario, estamos chegando ao final deste programa. Alguma coisa que tu queiras acrescentar?
Quintana – Estou muito contente com os meus 83 anos. Viajei bastante e felizmente a minha saúde está ótima graças a Deus.

Ivete – Mario, achei que tu ias dizer que tinhas a acrescentar o fato que tu me amas.
Quintana – Há, mas isto é uma coisa que está na cara.

Ivete – Mario, quando começamos este programa, tu disseste que não gostava de recordar. Por quê?
Quintana – Porque dá saudade de mim mesmo.

Mario Quintana (Foto: Liane Neves)
Ivete - Nós vamos encerrar Mario com uma das músicas que fizeram a tua cabeça. Tu falaste em Milton Nascimento. O que te encanta no Milton, a música ou a letra?
Quintana – A voz.

Ivete – O que tu desejas deste ano de 90?
Quintana – Que termine da melhor maneira possível.

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Fonte: Entrevista retirada do site comemorativo do centenário de Mario Quintana.


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Pagina atualizada Maio 2013.




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5 comentários:

  1. Entrevista em formato de poesia... adorei!

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    1. Realmente Bruna, é uma entrevista maravilhosa!
      Agradeço a visita e o comentário, volte sempre.
      Há sempre novidades,
      abraços

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  2. Gostei muito. Quintana fica sempre no meu imaginário como um anjo. Vcs gaúchos falam (sotaque) muito bonitinho.

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    Respostas
    1. Obrigada Claudio!
      Eu, particularmente, amo sotaque gaúcho, mas sou suspeita para falar, sou do sul! ahahaha
      Volte sempre, abraços

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  3. Vou fazer um comentário impertinente. Pero como também sou poeta (salvando as distâncias abismais com o maestro Mário) o tenho permitido. Um poeta que fala da sua poesia, por mais que seja numa entrevista, se está traindo. A palavra do poeta é só para a poesia, a sua. Porque falar da poesia dos outros e ser crítico de poesia, e os críticos, já sabemos desde Oscar Wilde, não sabem nada de poesia e de nenhuma outra coisa além de serem críticos. O humor pode perfeitamente ser poético, e Quintana tinha humor dos melhores. E a poesia não pode ser traduzida (como ele bem disse), por isso os italianos dizem "Traduttore tradittore" (tradutor traidor). Também bem disse que um poema se traduce com outro poema, ou seja que já não é tradução mas uma obra diferente. Bom, me fui pelas ramas e já esqueci o que queria dizer. Então, fim.

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