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Zélia Gattai - contadora de histórias

Zélia Gattai - foto: (...)


"Muito cedo, comecei a entender que uma leitura ou uma história só prestam, empolgam e nos fazem sonhar quando transmitidas com prazer e emoção. Eu reforçaria esse conceito agora, valendo-me de experiência própria..."
- Zélia Gattai, em 'Discurso de posse na ABL'. 21 de maio de 2002. 


Zélia Gattai Amado (escritora, memorialista e fotógrafa). Filha de imigrante italianos a escritora nasceu em São Paulo (SP), em 2 de julho de 1916 e faleceu no dia 17 de maio de 2008, em Salvador (BA).
Seus pais Angelina Da Col e Ernesto Gattai, faziam parte do grupo de imigrantes políticos que chegou ao Brasil no fim do século XIX, para fundar a célebre “Colônia Cecília” — ­tentativa de criar uma comunidade anarquista na selva brasileira.
Zélia Gattai – foto: (...)
Na década de 1930, Zélia convivia amigavelmente com diversos artistas e intelectuais como Oswald de Andrade, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Rubem Braga, Zora Seljan, Aparecida e Paulo Mendes de Almeida, Letícia e Carlos Lacerda, Aldo Bonadei, Vinicius de Moraes e outros. Aos 17 anos, emprestado por um italiano, amigo de seu avô, o velho Ristori, recebe um livro de “um tal Jorge Amado, giovanotto inteligente, jornalista, escritor”, que fora a São Paulo vindo do Rio de Janeiro.
Em 1942, no dia 12 de agosto, nasce seu primeiro filho, Luís Carlos Veiga,  de seu casamento com o intelectual e militante comunista Aldo Veiga.
No início de 1945, Jorge Amado, membro do Partido Comunista, se encontrava em São Paulo para participar de movimentos reivindicativos e comandar a organização de um comício para Luís Carlos Prestes, recém-saído da prisão. Zélia, que já lera os primeiros romances de Jorge Amado e o admirava, conhece-o pessoalmente na abertura do Congresso Brasileiro de Escritores, que se realizava no Teatro Municipal de São Paulo. Registrou Zélia em seu discurso de posse na ABL: “De mim ele não sabia nada, nem podia saber porque eu era apenas uma simples desconhecida, sem nenhuma credencial. Ele também não sabia que eu possuía uma estrela que o pusera em meu caminho.” Em meados de 1945, casaram-se. Dessa união nasceu, em 25 de novembro de 1947, o filho João Jorge Amado, no Rio de Janeiro.
Em fins de 1947 o registro do Partido Comunista foi cancelado e os parlamentares eleitos por essa legenda, entre os quais Jorge Amado, eleito deputado federal por São Paulo, foram expulsos do Parlamento. Sem condições de segurança para permanecer no Brasil, Jorge viajou para a Europa. Em 1948, Zélia viajou ao seu encontro. Permanecem na Europa durante cinco anos, participando intensamente da vida cultural europeia, primeiramente em Paris e depois em Praga, no Castelo da União dos Escritores, em Dobris.
Em 19 de agosto de 1951, nasce sua filha Paloma Jorge Amado, em Praga.
Retornando ao Brasil. em 1952, instala-se com a família no apartamento do sogro, no Rio de Janeiro, morando na cidade durante dez anos. Fixa residência em Salvador, Bahia, no ano de 1963.
Inicia sua produção literária escrevendo seu primeiro livro de memórias, Anarquistas Graças a Deus, lançado em 1979, no Rio de Janeiro. Nesta obra narra a vida de seus pais, a realidade dos imigrantes italianos no Brasil e sua infância em São Paulo.  Um Chapéu para Viagem é seu segundo livro, editado em 1982, onde ela conta sua vida com Jorge Amado e as histórias dos Amado, contadas por Lalu, mãe do escritor. No ano seguinte é lançado, em Salvador, o livro Pássaros Noturnos do Abaeté, com gravuras de Calasans Neto e texto de Zélia Gattai. Em 1987, publica Reportagem Incompleta (fotobiografia), com fotografias de sua autoria. Torna-se membro do Conselho Curador da Fundação Banco do Brasil. Edita Jardim de Inverno, em 1988. O livro é lançado na Fundação Casa de Jorge Amado, trazendo a tona os momentos políticos difíceis, vividos entre 1949 e 1952. É homenageada com uma exposição sobre o tema “Jardim de Inverno”, pela Fundação Casa de Jorge Amado.
Zélia Gattai – foto: Fundação Casa de Jorge Amado
No mundo da ficção, estreia com o livro infantil Pipistrelo das MiI Cores, em 1989, com ilustrações de Pink Wainer. Dois anos depois publica O segredo da Rua 18, também para crianças, ilustrado por Ricardo Leite.
Volta às memórias com Chão de Meninos, lançado em 1992. A obra, que retrata o retomo do exílio, no período de 1952 a 1963, é dedicada a Jorge Amado, em comemoração aos seus oitenta anos. O próximo livro é um romance, Crônica de uma Namorada, de 1995, relatando a época do surgimento da televisão e a descoberta do amor por uma adolescente.
Edita, em 1999, A Casa do Rio Vermelho. No ano de 2000, lança na Bienal do Livro, em São Paulo, Città di Roma, ilustrado com fotografias de época. A obra narra a saga de seus familiares e seus primeiros anos em São Paulo. Publica, também, no mesmo ano, o livro infantil Jonas e a sereia, com ilustrações de Roger Mello.
Em 2001 fica viúva de Jorge Amado. Publica o livro Códigos de Família, livro de memória. Em 2002 lança  Jorge Amado: um Baiano Sensual e Romântico e Sensual. O seu último livro publicado foi Vacina de Sapo no ano de 2005.
Sua obra literária gerou a adaptação de Anarquistas Graças a Deus para minissérie da Rede Globo e a peça de teatro adaptada de seu segundo livro Um Chapéu para Viagem.
:: Fonte: Fundação Jorge Amado - Biografia Zélia Gattai (acessado em 30.6.2016).


"As minhas coisas são muito diretas e muito francas. eu nunca tomei nota de nada, mais vivi intensamente. E essas coisas que vivi, que eu conto, não precisavam ter sido anotadas porque me marcaram profundamente. E quando começo a escrever me desligo do presente e volto a dar gargalhadas. Eu chego a ver as cores, um detalhe assim que havia descoberto. Tudo volta." 
- Zélia Gattai, em "As Memórias tchecas de Zélia Gattai". [entrevista concedida a Albenísio Fonseca]. in: blog de albenisio, 19.5.2008. 



PRÊMIOS E HOMENAGENS
Zélia Gattai - foto: Arquivo Estadão Conteúdo
  • Prêmio Dante Alighieri (1980)
  • Prêmio Revelação Literária, concedido pela Associação de Imprensa (1980)
  • Diploma de Sócia Benemérita da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel
  • Placa “As dez mulheres mais bem sucedidas do Brasil:’ pela Mac Keen (1980)
  • Título de Sócia Benemérita do Clube Baiano da Trova (1981)
  • Título de Cidadã Honorária da Cidade de Salvador, Bahia (1984)
  • Título de Cidadã Honorária da Cidade de Mirabeau (1985)
  • Título no grau de Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique, concedido pelo governo português (1986)
  • Diploma de Madrinha dos Trovadores, concedido pela Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel;
  • Medalha do Mérito Castro Alves, da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia (1987)
  • Diploma de Reconhecimento do Povo Carioca pelos relevantes serviços prestados à Cultura e ao Turismo, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro;
  • Prêmio Destaque do Ano (1988), pelo livro Jardim de Inverno;
  • Eleita a Mulher do Ano pelo Conselho Nacional da Mulher (1989);
  • Diploma de Magnífica Amiga dos Trovadores Capixabas, Espírito Santo;
  • Seu livro de memórias Chão de Meninos recebeu o Prêmio Alejandro José Cabassa, da Uniãp Brasileira de Escritores e ela as Ordens do Mérito da Bahia no grua de Comendadora.
  • Comenda das Artes e das Letras dada pela ministra da França, Caterine Trautmann (1998)
  • Comenda Maria Quitéria pela Câmara Municipal de Salvador (1999);
  • Criação da Fundação de Cultura e Turismo Zélia Gattai, pela Prefeitura de Taperoá (2001).
  • Em 2001, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, para a cadeira 23, anteriormente ocupada por Jorge Amado, que teve Machado de Assis como primeiro ocupante e José de Alencar como EXPECTO PATRONUM. No mesmo ano, foi eleita para a Academia de Letras da Bahia e para a Academia Ilheense de Letras. Em 2002, tomou posse nas três.
  • Em 2004, recebeu da Universidade Federal do Tocantins o título de Dr. Honoris Causa, sendo empossada em uma cerimônia realizada na Fundação Casa de Jorge Amado.
  • Em 2007, recebeu o Gonfalone d´ Argento da região TOSCANA ITÁLIA.
  • Em 2008, recebeu o Grau de Grande Ufficiale della Stella della Solidarietá Italiana (OSSI) pelo presidente da República da Itália, S.E. Giorgio Napolitano.

"Faz aquele espanacéu, parece que o mundo vai se acabar, depois tudo passa, fica manso de novo. Eu já estou tão acostumada, fia, que nem ligo mais. Deixo ele gritar à vontade: ele gritando e eu pensando em outra coisa."
— Zélia Gattai, no livro “Um chapéu para viagem”. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.

Zelia Gattai  - foto: Acervo Fundação Casa de Jorge Amado
OBRAS DE ZÉLIA GATTAI
Romance
:: O segredo da rua 18. [ilustrações Ricardo Leite]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1991São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
:: Crônica de uma namoradaRio de Janeiro: Editora Record, 1995São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Infanto-juvenil
:: Pipistrelo das mil cores. [ilustrações de Pink Wainer]. 1989São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
:: Jonas e a Sereia. [ilustrações de Roger Mello]. 2000; reedição [ilustração Flavio Moraes]. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Memórias
:: Anarquistas graças a DeusRio de Janeiro: Editora Record, 1979; São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
:: Um chapéu para viagemRio de Janeiro: Editora Record, 1982São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
:: Pássaros noturnos do Abaeté. [gravuras de Calasans Neto]. Salvador, 1983.
:: Senhora dona do baile. 1984; São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
:: Reportagem incompleta. [com fotografias de sua autoria]. 1987.
:: Jardim de inverno. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado. 1988São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
:: Chão de meninos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1992; São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
:: A casa do Rio VermelhoRio de Janeiro: Editora Record, 1999; São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
:: Città di Roma. [ilustrado com fotografias de época]. 2000São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
:: Códigos de famíliaRio de Janeiro: Editora Record, 2001São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
:: Jorge Amado: um baiano sensual e românticoRio de Janeiro: Editora Record, 2002.
:: Memorial do amor. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
:: Vacina de sapo e Outras lembrançasRio de Janeiro: Editora Record, 2005.
:: Memorial do amor & Vacina de sapoSão Paulo: Companhia das Letras, 2013.
:: Zélia Gattai MEMORIALE DELL´AMORE. [introduzione Paloma Amado; traduzione Antonella Rita Roscilli]. Roma: Ed. Nova Delphi, 2016.

"Eu nunca lhe falara das saudades curtidas sozinha. Como adivinhara? Como sabia?" 
— Zélia Gattai, no livro “Um chapéu para viagem”. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.


"A crônica — crônica ou declaração de amor? -, que meus olhos devoraram logo cedo, na manhã seguinte, era romântica e apaixonada. Não citava nome, nem era preciso; num certo trecho dizia assim: ‘Eu te darei um pente pra te pentear, colar para teus ombros enfeitar, rede pra te embalar, o céu e o mar eu vou te dar…’" 
— Zélia Gattai, no livro “Um chapéu para viagem”. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.



Zélia Gattai na Casa do Rio Vermelho, 1992

ZÉLIA GATTAI FOTÓGRAFA 

O acervo é composto de cerca de 40.000 fotografias, todas de autoria de Zélia Gattai, cujos negativos encontram-se guardados na Fundação Casa de Jorge Amado.
"Eu comecei a fotografar quando nós chegamos na Europa, exilados, com o João [filho] pequeno, de colo, e eu dizia 'Precisa tirar retrato desse menino pra mandar pros avós, pra mandar pros amigos, para que acompanhem o desenvolvimento dele."

"Então, eu queria dizer apenas que eu não me considero uma fotógrafa fantástica, maravilhosa, cheia de truques nem nada. Eu só me considero uma fotógrafa que sempre tive oportunidades, sempre tive sorte, de estar com Jorge em momentos muito especiais...”
:: Acesse o Acervo Zélia Gattai AQUI!


"Ao contrário do que podia supor, o nascimento de outro filho não me ajudara a atenuar as saudades do ausente. Pensava nele como sempre, com amor e saudades, imensas saudades. Agora, com a perspectiva de uma longa viagem, andava agoniada." 
— Zélia Gattai, no livro “Um chapéu para viagem”. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.


Jorge Amado e Zélia Gattai - foto: (...)

FORTUNA CRÍTICA DE ZÉLIA GATTAI
ADORNO, Camilo Tellaroli.. Morre, aos 91 anos, Zélia Gattai. Revista Real - Revista com conteúdo, Londres, p. 52, 7 jun. 2008.
AMARAL, Glaucy Cristina do.. Narrativa Memorialística - Zélia Gattai. (Dissertação Mestrado em Literatura e Crítica Literária). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, 2010.
BRAGA, Kassiana. A Senhora Dona da Memória: Autobiografia e memorialismo em obras de Zélia Gattai. (Dissertação Mestrado em Historia). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, 2016.
BRAGA, Kassiana. O passado nas obras de Zélia Gattai a partir de sua escritura memorialista. Revista do Programa de Pós Graduação em História - UNB, História, histórias, v. 1, p. 183-199, 2015.
COELHO, Nelly Novaes (org.). Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.
FONSECA, Albenísio. As Memórias tchecas de Zélia Gattai. Entrevista. in: albenisio, 19.5.2008. Disponível no link. (acessado em 30.6.2016).
FRAGA, Myriam. (org.). Zélia Gattai: Gênero e Memória. 1ª ed., Salvador: Casa de Palavras, 2002.
HOMENAGEM. Zélia Gattai é homenageada pela contribuição aos laços entre Brasil e Itália. Academia de Letras da Bahia, 27 de agosto de 2016. Disponível no link. (acessado em 29.10.2016).
PEREIRA, Leonice Rodrigues. Dois espaços dois momento: 'Anarquistas, "Graças a Deus', Zélia Gattai, e "O Berro do Cordeiro em Nova York', de Tereza Albues. Revista Ecos (Cáceres), v. 5, p. 23-29, 2007.
QUINTANA, Suely da Fonseca; BARBOSA, E. M.. As lembranças de Zélia Gattai retratadas em Jardim de Inverno e as memórias que elas envolvem. In: 3Congresso Nacional de Letras, Artes e cultura, 2010, São João del-Rei. 3 Congresso de Letras, Artes & Cultura. São João del-Rei, 2010. v. 1. p. 990-996.
Zelia Gattai  - foto: Epitácio Pessoa|Agência Estado
QUINTANA, Suely da Fonseca; SILVA, S. S.. Zélia Gattai: a construção das memórias de família. In: IX Congresso de Produção Científica, 2010, São João del-Rei. Anais do IX Congresso de Produção científica. São João del-Rei: UFSJ, 2010.
QUINTANA, Suely da Fonseca; NETTO, A. C. R. P.. Zélia Gattai: memórias de um amor. In: IX Congresso de Produção Científica, 2010, São João del-Rei. Anais do IX Congresso de Produção científica. São João del-Rei: UFSJ, 2010.
RAMOS, Ana Rosa Neves. Zélia Gattai: a transformação da intimidade. In: Myriam Fraga. (Org.). Zélia Gattai: Gênero e Memória. 1ª ed., Salvador: Casa de Palavras, 2002, v. 1, p. 39-54.
RAMOS, Ana Rosa Neves. Entre a ficção e o factual: o texto memorialístico de Zélia Gattai. In: VII Seminário Mulher e Literatura, 2001, Salvador. Mulher e Literatura, 1999.
RAMOS, Ana Rosa Neves. Entre a Ficção e o factual: o texto memorialístico de Zélia Gattai. In: VIII Seminário Nacional Mulher e Literatura, 1999, Salvador. Livro de Resumos. Salvador: UFBA, 1999. v. 1. p. 50.
ROSCILLI, Antonella Rita. Memorie d´Amore e di Anarchia: Zélia Gattai. Tese. Universitá Roma La Sapienza, Facoltá Lettere-Scienze Umanistiche. Lingua e Letteratura Brasiliana. A. 2002
ROSCILLI, Antonella Rita. Zélia Gattai - MEMORIALE DELL´AMORE. [introduzione Paloma Amado; traduzione Antonella Rita Roscilli]. Roma: Ed. Nova Delphi, 2016.
ROSCILLI, Antonella Rita. Zélia de Euá rodeada de estrelas. [introdução de Myriam Fraga. Salvador: Editora Casa de Palavras| Fundação Casa Jorge Amado, 2006. com DVD anexo (Zélia de Euá realizado por Maria João Amado e João jorge Amado).
ROSCILLI, Antonella Rita. Da palavra à imagem em Anarquistas Graças a Deus de Zélia Gattai. Salvador: Editora Edufba, 2011.
ROSCILLI, Antonella Rita. Zélia Gattai e a Imigração Italiana no Brasil entre séc. XIX e XX. Salvador: Editora Edufba, 2016.
ROSCILLI, Antonella Rita. A vida da lembrança: Zélia Gattai Amado. em: Revista Academia Letras da Bahia, n. 51, julho 2013, p. 199-205.
ROSCILLI, Antonella Rita. La scrittrice italobrasiliana Zélia Gattai: la signora della memoria. em: Sarapegbe, A. I, n. 1, 2012. Disponível no link. (acessado em 29.10.2016).
ROSCILLI, Antonella Rita. 1916-2016. Il centenario della memorialista Zélia Gattai. em: La macchina sognante, 2016. Disponível no link. (acessado em 29.10.2016).
SILVA, Virgínia de Jesus da.. Cartas à Escritora: o leitor de Zélia Gattai em Cena. (Dissertação Mestrado em Letras e Lingüística). Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2004.
SOUZA, Ana Carolina Cruz de.. Discurso, identidade e gênero em Um chapéu para viagem, de Zélia Gattai. In: II Simpósio Línguas e Culturas no Mundo: Identidades, Representações e Tradução, 2013, Salvador. II Simpósio Línguas e Culturas no Mundo: Identidades, Representações e Tradução, 2013.
SOUZA, Ana Carolina Cruz de.. O 'eu' e os 'outros de si': automemoriografias em Anarquistas, graças a Deus, de Zélia Gattai. In: XIII ABRALIC, 2013, Campina Grande. XIII ABRALIC, 2013.


"A palavra exílio causa mal-estar, lembra desterro, degredo, prisão. Nos quase cinco anos de exilados, sem poder voltar para o Brasil, procuramos tirar o melhor proveito da situação conseguindo viver intensamente e aprendendo muito."
- Zélia Gattai, em 'Discurso de posse na ABL'. 21 de maio de 2002.     


"Eu compreendia perfeitamente a preocupação de meus amigos, porque antes de me decidir a embarcar na aventura (não encontrava outra palavra que definisse o que eu ia fazer), sentira-me temerosa, assustada, confusa, insegura… De repente, deixara de raciocinar; um sentimento que jamais conhecera apoderara-se de mim: o amor. Estava amando, estava apaixonada. Impossibilitada de pensar, de temer… Invadida de alegria, repleta de otimismo e de esperança, decidida a enfrentar o mundo, a derrubar obstáculos, a ser feliz." 
— Zélia Gattai, no livro “Um chapéu para viagem”. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.


AMIZADES 

Fernanda Montenegro, Zélia Gattai e Dona Canô (Claudionor Viana Teles Velloso) - foto: (...)

Zelia Gattai, Jorge Amado e José Saramago, em 1996 na Casa de Caetano Veloso
foto: Acervo Fundação Casa Jorge Amado

O astronauta russo Iuri Alekseievitch Gagarin entre Jorge Amado e Zélia Gattai na União Soviética
em 1961 - Iuri foi o primeiro homem a viajar pelo espaço, em 12 de abril de 1961


Zélia Gattai, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jorge Amado e Mãe Senhora no Axé Opó Afonjá, 1960 .
foto: Acervo Zélia Gattai . Fundação Casa de Jorge


"Jorge Amado foi meu marido, meu mestre, meu amor. Deu-me a mão e conduziu-me por mundos os mais distantes, os mais estranhos, os mais fantásticos. Com Jorge palmilhei as estradas da vida, do mundo. Por céus voamos em aviões que rompiam a barreira do som, atravessamos mares tranqüilos e, por vezes, encapelados; sobrevoamos montanhas de gelo e neve, enfrentamos um vendaval no deserto de Gobi, na Mongólia, deserto de areias escaldantes e, juntos, com nossos filhos e netos, num navio-gaiola, costeamos a Floresta Amazônica."
- Zélia Gattai, em 'Discurso de posse na ABL'. 21 de maio de 2002.  
   

ZÉLIA GATTAI E JORGE AMADO - FAMÍLIA

Jorge Amado e Zélia Gattai na casa de Itapuã - foto: Mauro Akin Nassor

Jorge Amado e Zélia Gattai - foto: Acervo Fundação Casa Jorge Amado


Jorge Amado e Zélia Gattai - foto: (...)


Zelia Gattai e Jorge Amado - foto: Cláudia Guimarães - 1º dez.1994|Folhapress

Zelia Gattai e Jorge Amado - foto:  (...)

Jorge Amado e Zelia Gattai com os filhos João Jorge e Paloma - anos 70


Zélia Gattai Amado, Paloma, João e filhos - foto:  FCJA


EDITORA DA AUTORA
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OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
Jorge Amado e Zélia Gattai - foto: Acervo Fundação
 Casa Jorge Amado
:: Academia Brasileira de Letras

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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Zélia Gattai - contadora de histórias. Templo Cultural Delfos, julho/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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Página atualizada em 29.10.2016.


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Bidu Sayão - entrevista

Bidu Sayão - foto:  acervo editora Francisco Alves

"A ópera está no fim"

De volta ao Brasil, a grande soprano diz que o canto lírico não lhe agrada mais

Por Maria Helena Dutra

Por pouco, um incidente na chegada acabava estragando a festa do retorno. Depois de vinte anos ausente do Brasil, Bidu Sayão voltou, em novembro, para presidir o júri do Concurso Internacional de Canto promovido pelo Museu Villa-Lobos. Na bagagem, a cantora trouxe uma série de gravações não comerciais, editadas por um amigo seu a partir de velhas matrizes de programas de rádio. E a alfândega brasileira a recebeu com a notícia de que os discos só entravam por 15.000 cruzeiros. No final tudo acabou bem, graças ao esforço de funcionários do Theatro Municipal carioca, da Riotur, e à interferência do próprio ministro Delfim Netto, da Fazenda. Com os discos - suas lembranças -, Bidu reencontrou sua terra, da qual saíra em 1937 para uma carreira brilhante de estrela internacional.
Nascia na praça Tiradentes, no Rio, há 67 anos, Balduína de Oliveira Sayão decidiu, aos 13 anos, trocar os bailes e namorados por uma definida ambição: "Queria ser alguém na vida, e resolvi cantar, já que não me permitiram ser atriz". Em 1927, saiu pela primeira vez do Brasil para se apresentar em teatros italianos. E, quando se mudou para os Estados Unidos, em 1937, alcançou logo o Metropolitan Opera House, de Nova York, do qual foi contratada durante dezesseis anos. Apesar de uma voz de pouco volume e extensão, suas performances foram sempre excelentes. "Por causa de sua excepcional clareza e pureza", escreveu em 1970 o crítico George Moshvon, do "High Fidelity Magazin", "atingia todos os cantos da sala. Ninguém jamais teve problemas para ouvir Sayão." Hoje, a ex-"prima donna" é uma mulher só, que enfrenta a velhice e a solidão, com tristeza e insegurança. Mas sem pose de heroína - e uma palpável dose de dignidade.


Maria Helena Dutra - Sua carreira foi toda feita no exterior. Dez anos na Itália e 22 nos Estados Unidos. Aos brasileiros, restaram apenas poucas récitas e alguns discos importados. Isso não lhe parece injusto com seu país?
Bidu - Os brasileiros mais jovens realmente podem reclamar. Os mais velhos, não. Cantei muito por aqui até me despedir fazendo a "Manon" de Massenet, em 1937. E só não voltei ao Brasil porque, depois daquela data, tive uma série de concertos e recitais que não me deram mais um momento livre. Em 1935 e 1936, em todo caso, participei de duas enormes turnês pelo país, indo de Manaus a Santana do Livramento. E não fiquei só nas grandes cidades ou no litoral. Fui a uma infinidade de cidades do interior. Cantei em teatros, em cinemas. E em algumas cidades menores cantei ao ar livre, em cima de um tablado, junto ao piano. Entrava quem podia e quem não podia pagar. Era um negócio muito mais patriótico do que lucrativo. Nas cidades onde não havia hotel, eu ficava em pensão ou em casas de pessoas que gostavam de música. As duas viagens, porém, foram grandes sucessos. Fico ofendida quando dizem que não sou patriota. Sempre represente minha terra com muita dignidade. Todas as minhas colegas do Metropolitan Opera House eram americanas naturalizadas. Menos eu, que vivo há 35 anos nos Estados Unidos.

Maria Helena Dutra -  Os críticos costumam dizer que, embora segura e elaborada, sua voz é pequena. E que você teria feito sucesso porque conseguira compensar tudo com sua ótima presença como atriz. Isso é verdade? E o contrário: uma voz excepcional dispensa um bom ator?
Bidu - Nunca. Qualquer arte, para ser bem realizada, precisa ser estudada com paciência e sacrifício. E a arte lírica pressupõe o aprimoramento dos dois dotes: cantor e ator. No meu caso pessoal, eu queria ser primeiramente uma atriz, apesar da influência do meu tio Alberto Costa, médico de profissão, mas músico instintivo que mais tarde compôs várias canções para eu cantar. Na época, porém, por vários preconceitos, considerava-se uma desonra para a família ter uma atriz entre seus integrantes. Ainda mais eu que não tinha pai. Ele morreu quando fiz 4 anos de idade. E minha mãe e meu irmão, quinze anos mais velho, nem discutiam o assunto. Em todo caso, aos 13 anos acompanhei uma colega, Germana Mallet, a suas aulas de canto. Gostei do que vi e ouvi. E resolvi fazer um teste. Eu não tinha voz alguma quando comecei. Os professores me disseram que eu era muito nova ainda, que minha família ia gastar dinheiro à toa. Mas eu insisti, chorei muito, garanti que não me importava com baile, namorados, festas. E comecei a cantar. De fato, minha voz nunca foi especialmente privilegiada. Mas consegui, primeiro com meus professores, depois com o auxílio de meu segundo marido, o barítono Giuseppe Danise, trabalhar e elaborar minha voz e ser capaz de cantar peças mais difíceis. Acredito que uma atriz precise da mesma elaboração. no meu caso, felizmente, sempre fui uma atriz instintiva. Nunca tive uma lição de cena. Mesmo assim, os maestros quase nunca me corrigiram, porque eu sempre acertava.

Bidu Sayão no Manhattan, New York
Maria Helena Dutra - Você voltou ao Brasil para ser presidente de honra do júri de um concurso de canto, no recentemente encerrado Festival Villa-Lobos de 1973. Chegou a sentir nos jovens concorrentes a mesma perseverança e talento que a levaram ao sucesso?
Bidu - A gente sente o cantor quase na primeira audição. Foi o que aconteceu com a russa Nina Lebedeva, vencedora do Festival, solista de várias óperas no Teatro Bolshoi. Aliás, ela continuou a tradição de artistas socialistas vencerem concursos de canto no Brasil. Sem saber português, falando apenas duas frases de francês, Lebedeva apresentou uma "Bachiana n.º 5" de Villa Lobos, de grande qualidade. Senti que ela tinha escutado minha gravação. Eu me ouvia a mim mesma num estilo que só consegui alcançar ao ser dirigida pelo próprio Villa. O segundo prêmio ficou com a brasileira Marlene Guerra Ulhoa, sem tanto estilo e voz mas com qualidade. E o terceiro com a chilena Mary Ann Fones, a melhor das semifinais, mas muito nervosa nas "Bachianas" da finalíssima.

Maria Helena Dutra - Você conhece outra Bidu Sayão entro os novos brasileiros? E a música brasileira ainda atrai suas atenções?
Bidu - Eu sempre tive esperança de que alguma jovem brasileira viesse a tomar meu lugar. E, quando encontrei Maria Lúcia Godoy, soube que não precisava procurar mais. Sou muito assediada por iniciantes, principalmente brasileiros, e costumo agir impiedosamente porque acho um crime alimentar pretensões. Sem possibilidades, não dou esperança. Exatamente o contrário aconteceu com a Maria Lúcia - e eu fiquei de boca aberta quando a ouvi cantar. Quanto à música brasileira, eu a considero mais espontânea, alegre e variada da América Latina, tanto no campo erudito como no popular. No meu tempo, além de Villa, é lógico, interpretei muitas canções de Francisco Mignone, Ernâni Braga, Lorenzo Fernandes e Barroso Neto. Dos eruditos contemporâneos pouco conheço. Mas existem dois compositores populares brasileiros que, juro, se ainda cantasse, interpretaria com prazer: Antônio Carlos Jobim e Dorival Caymmi.

Maria Helena Dutra - Você se confessa sem mágoas ou ressentimentos do Brasil. Mas sofreu violenta vaia no Municipal em 1937. Logo após Bidu Sayão se despediu dos palcos brasileiros e terminou sua carreira sem sequer fazer um recital por aqui. Coincidência apenas?
Bidu - Apenas isso. As pessoas que fazem sucesso logicamente têm inimizades. E a vaia no Municipal foi causada e dirigida por Gabriela Besanzoni Lage, uma milionária que morreu na miséria na Itália. Tinha sido uma cantora magnífica, a melhor "Carmen" que já vi. Mas, embora não mais trabalhasse, morria de ciúme de todos os que apareciam. Quando fiz o "Guarani", de Carlos Gomes, no Rio, ela organizou um pessoal para me vaiar. O teatro inteiro, porém, começou a aplaudir e a vaia acabou. Gabriela, inclusive, fugiu do camarote em que se encontrava. Isso, em todo caso, foi uma coisa pequena, sem importância, que recordo sem raiva porque nunca tive inveja de ninguém. Depois dessa vaia ainda cantei, no Brasil, "La Bohème", "Romeu e Julieta", "Manon" e "Pelléas et Melisande". E fui contratada pelo Metropolitan de Nova York. Os compromissos me impediram de voltar. Só retornei ao Brasil em 1952, incógnita, para acompanhar os últimos momentos de vida de meu irmão. Depois, nos Estados Unidos, continuei minha carreira. Sempre pensei em voltar ao Brasil para me retirar. Em 1953, no entanto, deixei o Metropolitan aproveitando o ensejo de cantar novamente a "Manon". Sempre achei que dava sorte começar e terminar uma etapa com a mesma música - e eu tinha estreado no Met com a "Manon". Depois apenas dei concertos até 1958, quando me senti cansadíssima apesar de continuar em boas condições vocais. E numa inspiração de momento decidi acabar com minha carreira em três concertos no Carnegie Hall, onde cantei a "Demoiselle Elue", de Claude Debussy, a primeira peça que havia cantado nos Estados Unidos. Esta decisão foi causada, também, porque minha mãe já estava muito doente e com 90 anos. E meu marido se queixava muito de solidão, porque eu tinha uma vida de cigana. Considerei, então, que minha família valia mais. Compramos uma casa no Maine e encerrei a vida profissional. Por isso não pude fazer uma programação maior que incluísse o Brasil. Passei então a fumar, a tomar coquetéis, o que a profissão antes me impedia - mas foi muito duro parar. Eu vivia cheia de glórias, circundada de jornalistas. Na hora de me retirar, contudo, de repente ficou tudo vazio. Foi duro, mas escolhi essa solução.

Maria Helena Dutra - Um ano depois de tão súbita decisão você voltou a cantar e chegou mesmo a gravar com Villa-Lobos "A Floresta Amazônica". Saudades?
Bidu - Fiquei um ano sem cantar, sem abrir a boca, sem vocalizar. Até que me amigo Villa e sua mulher, a Mindinha, chegaram aos Estados Unidos. Villa tinha ido compor a trilha sonora do filme "Green Mansions", com Audrey Hepburn. A fita foi um fiasco. E, da música do Villa, sobraram só uns 10 minutos. Ele ficou indignado, eu nunca o vi tão amolado. Decidiu, então, gravar a obra, e me pediu que o ajudasse. Eu estava há um ano afastada. E só aceitei porque tive o pressentimento de que aquela seria a última gravação do Villa. E foi.

Bidu Sayão
Maria Helena Dutra - O fato de seu primeiro marido, Walter Mocchi, ter sido empresário, segundo, Giuseppe Danise, ter sido um barítono de fama, não foi fundamental para o sucesso de sua carreira?
Bidu - Para se fazer uma carreira internacional é preciso ter perseverança, sorte e alguém que dê o impulso inicial, pois os empresários nunca querem principiantes. O fato de meu primeiro marido ter sido empresário, contudo, em nada contribuiu para o início da minha carreira internacional. Eu estreei, em 1927, no Teatro Constanza, de Roma, após ter feito uma série de audições para seus responsáveis. Consegui a chance porque tinha sido aluno de Jean De Rezky, em Nice, França, a única sul-americana que ele aceitou ensinar. Só dois anos depois, 1929, é que me casei com Walter, um sonhador, homem riquíssimo, que botava tudo que tinha no teatro. Quanto aos Estados Unidos, foi o maestro Arturo Toscanini, que conheci no Scala de Milão, quem me abriu as portas do Metropolitan. Ele queria uma voz especial e etérea para interpretar a "Demoiselle Elue" de Debussy. Tinha escutado todas as sopranos da América sem encontrar o que pretendia. Eu nem sabia disso, até que tivemos uma conversa sem compromissos. Aí, ele me levou para cantar o poema no Metropolitan, num concerto do qual participara todas as pessoas importantes da cidade. Afinal, apesar de desconhecida, e de nome exótico, eu era apresentada por Toscanini. Mas ainda, tive a sorte de cantar no ano do afastamento da soprano Lucrezia Bori, que tinha quase as mesmas características de voz. Assim mesmo, porém, até ser contratada pelo Metropolitan, ainda fiz mais duas audições. Seus responsáveis achavam que minha voz era pequena para o teatro e eu tive de demonstrar que podia atingir até as últimas poltronas. Dois anos depois, em 1939, separei-me de Walter e pouco tempo depois casei-me com Danise que, durante quinze anos, foi barítono do Metropolitan e depois se tornou, até morrer, em 1963, um grande professor. Através de estudo e muito exercício, ele foi o responsável pelo desenvolvimento de minha voz.

Maria Helena Dutra - Mas por que mesmo depois de se retirar você preferiu os Estados Unidos ao Brasil?
Bidu - Preferi não é bem o termo. Tanta coisa aconteceu comigo, nesta visita, depois de informados dos meus azares, passaram apenas a me dar figas como presente. Ao abandonar o canto, fiquei vivendo em Nova York, junto a meu marido, que dava aulas. Passávamos o tempo livre em nossa ampla casa no Maine, no norte do país, perto do Canadá. Em 1963, Danise morreu e fiquei desorientada. Percebi que não tinha a menor experiência com relação a nenhum problema prático. Não sabia fazer nada, só assinava cheques. Tive só duas fraquezas: uma com peles e a outra com jóias. Pensando assim, vivíamos nossos calmos e tranquilos dias quando ele morreu. O choque foi tanto que perdi 18 quilos em um mês. Mas sobrevivi por causa da minha mãe. Até que em 1966 ela morreu aos 94 anos. Senti-me abandonada no mundo. Horrível. Tinha dinheiro mas nenhuma felicidade. Passei a ter taquicardia, palpitações, suor frio e pulso irregular. Mas meu cardiologista não constatou nenhum problema mais grave. Era tudo angústia, nervosismo e preocupação. Fiquei com medo de vir ao Brasil e morrer de uma emoção mais forte. Depois fui me habituando a viver sozinha. E passei a dedicar carinho especial à minha casa, às minhas lembranças e saudades. Mas, certo dia, em junho de 1969, saí para fazer umas compras, com o meu empregado, misto de caseiro, jardineiro, chofer, tudo enfim, que me serve há 22 anos. Estava apenas com um slack, sem jóias, sem nada. Na volta, vimos de longe uma densa neblina. Mas quando cheguei perto não pude mais me enganar. O fogo estava destruindo minha casa. Nada foi possível fazer. Perdi tudo. As jóias que minha mãe tinha me dado, uma medalha feita pelo próprio Caruso com uma caricatura sua, minhas tapeçarias, móveis, lembranças, diplomas, placas, tudo. Provocado por um curto-circuito, o fogo acabou com as recordações de toda minha vida. Só se salvou um anel de água-marinha brasileira. Mas reconstruí tudo, a casa estava no seguro e o prejuízo financeiro não foi tão grande assim.

Maria Helena Dutra - — E então conseguiu um pouco de tranquilidade?
Bidu - Minha filha, quando me dão figas é porque têm razão. Ainda não acabou, não. A casa ficou pronta em 1970. Dois anos depois ladrões estiveram lá e levaram tudo. Só não tocaram no que tinha as iniciais B.S. Mas de resto fizeram um limpíssimo trabalho profissional. Como podia vir para o Brasil e me divertir?

Bidu Sayão
Maria Helena Dutra - Mesmo no seu retiro você ainda acompanha a vida musical dos Estados Unidos? E a ópera, seria um gênero em decadência?
Bidu - Hoje, a ópera não mais me diverte. Ainda existem espetáculos bonitos. Mas o teatro lírico está realmente um pouco decadente e fora de moda. Não por culpa do gênero que é eterno, mas pela insistência nos erros. O principal na ópera é o canto. Mal cantada vira uma caricatura. Os jovens de hoje, porém, mesmo alguns mais antigos, não têm paciência de estudar muito ou a modéstia de se guardarem apenas para os papéis que sejam adequados à sua voz e sensibilidade. Querem fazer tudo rápido e aparecer muito para ficarem ricos e famosos depressa. Isto mata a ópera e seus melhores talentos. Montserrat Caballé, minha cantora preferida, e Joan Sutherland são exceções nestas comédias de erros. Duas vítimas do mal de que falei antes são Maria Callas e Renata Tebaldi. Cantaram demais e em todos os gêneros de ópera: dramática, lírica, ligeira. Dizem que o problema de Callas foi sua gordura e o tratamento rigoroso a que se submeteu. Mas não é verdade. Foi a pressa. Aliás, outra mentira histórica da ópera é se dizer que os gordos têm a melhor voz. Bobagem. Mas insistem nesta mentira e o resultado são feias figuras no palco numa hora em que os jovens estão habituados a outra estética. Se a ópera insistir nessa tecla e nas montagens ultrapassadas vai realmente acabar.

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:: Entrevista publicada originalmente na revista Veja, 12 de dezembro de 1973 - Edição 275




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Claude Lévi-Strauss - entrevista: a reintegração do homem

Claude Lévi-Strauss - foto: Joel Robine
"Esta é a única fórmula que resta para o ser humano, que se destrói desde seu princípio."


Para o "The Times" londrino, ele é o "pai do estruturalismo". Para seus antigos alunos na Universidade de São Paulo, é o grande pesquisador das culturas indígenas da bacia amazônica que elaborou, em sua permanência no Brasil, há mais de trinta anos, o importante "Triste tropiques", que anunciava o crepúsculo irremediável das tribos aborígines, exterminadas pelo progresso ou pela cobiça da civilização branca. Claude Lévi-Strauss, aos 63 anos de idade, acaba de publicar em Paris o quarto e último volume de sua série intitulada "Mythologique": "L'Homme Nu". É um livro fascinante, que aparenta a etnologia com a música e vê no mito dos deuses em ruínas uma alegoria da nossa própria civilização. Os fatores de excesso de população, o extermínio das sociedades primitivas, o racismo e a intolerância que não decrescem no decurso da história do homem - só a tecnologia evolui, a história moral do homem é imutável na sua injustiça: "Nossa civilização se caracteriza por dispensar, como nenhuma outra, modificações importantes". Para o belga Lévi-Strauss, o estruturalismo é "uma forma de reintegrar o homem na natureza", através do estudo dos mitos e da confluência de culturas: o ocidente aprendendo a respeitar a vida alheia e as civilizações exóticas como o budismo do extremo ocidente. Sem amigos, sem levar uma vida social, em seu refúgio em Lignerolles, na França, Lévi-Strauss é um pessimista que diagnostica o fim do homem se ele não souber modificar suas formas suicidas de convívio com o seu próximo.

— Sr. Lévi-Strauss, corre a seu respeito que o senhor encontrou refúgio, com suas pesquisas sobre povos primitivos, num mundo sadio e que o senhor prevê, para as sociedades modernas, uma espécie de crepúsculo dos deuses. O senhor é pessimista com relação ao futuro do homem e da sua cultura?
Lévi-Strauss - Não tenho medo de confessar, logo de princípio, que sou muito pessimista. Se me dediquei ao estudo de sociedades exóticas, que se diferenciam ao máximo da nossa, foi porque não sinto a mínima atração pelo século em que nasci. De fato, não estou otimista com relação ao futuro de uma humanidade que se reproduz tão rapidamente, que constitui uma ameaça a sua própria sobrevivência, antes mesmo que lhe comecem a faltar os elementos mais essenciais como o ar, a água e o espaço.

— Alguns filósofos contemporâneos criticam a sua afirmação de que as estruturas sociais modernas são menos humanas do que as primitivas.
Lévi-Strauss - Bem, eu não sou nenhum filósofo. O fato é que, seja como for, acidentes da minha carreira fizeram de mim e de outros etnólogos testemunhas de um estilo de vida extremamente diverso do nosso e que por isso foi em grande parte liquidado por nós. Senti-me moralmente comprometido a dar meu testemunho: o de defender esse tipo de sociedades, que permitiram à humanidade viver e desenvolver-se e que agora devem desaparecer só porque nós assim decretamos.

— Mas o senhor compara sociedades primitivas que estudou com sociedades modernas.
Lévi-Strauss - Essas estruturas sociais realmente não podem mais ser comparadas entre si, porque é absolutamente inimaginável que possamos revivê-la quando se torna impossível, atualmente, a sobrevivência dessas sociedades "exóticas".

— Então não se pode dizer que as sociedades primitivas eram mais humanas e talvez até mais "progressistas" do que as atuais?
Lévi-Strauss - Que eram sociedades progressistas me parece fora de dúvida. Afinal, foram elas que descobriram uma série de formas artísticas civilizadoras sobre as quais nós mesmos ainda nos baseamos. No fim das contas, a utilização do fogo, a cerâmica, a tecelagem, a domesticação dos animais pelo homem surgiram numa época que é comparável à sociedades "exóticas" ainda hoje existentes.

— Trata-se de uma evolução técnica, porém. Mas a discussão filosófica entre o senhor e alguns marxistas parte do fato de o senhor ter comparado as sociedades primitivas e modernas sob o ponto de vista do papel que nelas desempenham o humanitarismo e a consciência histórica. Criticam a sua maneira conservadora de julgá-las ou, mais exatamente, sua afirmativa de que não existe progresso humanitário na história da humanidade.
Lévi-Strauss - São muitas questões apresentadas todas ao mesmo tempo. Tomemos a última, a questão do progresso. É tão óbvia a existência de um progresso tecnológico, que não precisamos nem abordar esse aspecto. Mas também me parece igualmente certo que esse progresso tecnológico levou ao abandono de uma série de valores aos quais as sociedades "exóticas" ainda aderem.

— Sartre e outros marxistas o acusam, dizendo que o estruturalismo é um desvio do humanismo. É uma acusação que o senhor já conhece.
Lévi-Strauss - Eu sou da opinião que a acusação parte de um duplo mal-entendido: de um teórico e de um prático. O mal-entendido teórico consiste no fato de eu nunca ter discutido sequer o direito de quem quer que seja de estudar o ser humano da perspectiva que bem entender. O que eu discuto é a afirmação digamos monopolística segundo a qual o ser humano só pode ser definido e estudado sob um único ângulo.

— Mas a escolha de um determinado ângulo, por si, já constitui a pré-escolha do resultado de uma análise.
Lévi-Strauss - Se olharmos para uma gota de água a olho nu não veremos absolutamente nada. Mas, se a colocarmos debaixo de um microscópio que a aumente trezentas vezes e em seguida debaixo de um microscópio eletrônico, que é capaz de aumentá-la 50.000 vezes, aí veremos coisas completamente diferentes. O mesmo acontece quando se estuda o ser humano. Os humanistas examinam o ser humano sob o mesmo ângulo no qual se tornam visíveis, na gota de água pouco aumentada, animaizinhos que existem como indivíduos e como tais só combatem e se amam. Mas nós sabemos que a ciência deve a sua existência ao fato de termos compreendido que uma série de fenômenos não pode ser observada apenas de um ponto de vista único. Aumentando-se o ângulo de visão, constatamos que esses seres vivos desaparecem por completo, só permanecem visíveis as moléculas. Aumentando-se mais ainda, distinguimos, por detrás das moléculas, os átomos. O estruturalismo tenta demonstrar que, mesmo para analisarmos fenômenos humanos, não basta um só nível de investigação, mas que, ao contrário, existem muitos. Nós nos colocamos num dado ângulo de fenômenos inconscientes ou semiconscientes no qual os problemas tradicionais da humanidade desaparecem. Com isso não quero dizer que os problemas não existam. É perfeitamente justificado estudá-los. Mas é insuportável que nos proíbam outras pesquisas baseando-se na suposição de que o homem só pode ser definido sob um único ponto de vista.

— Isso significa que o estruturalismo é somente um método de análise e de pesquisa sem teoria própria?
Lévi-Strauss - De modo algum. No fundo trata-se apenas de uma determinada tomada de posição científica. Nisso se resume o mal-entendido teórico. Mas há ainda o segundo aspecto, o aspecto prático. Já é hora de finalmente levarmos em conta que a atitude absolutista e humanista, que predomina entre nós desde a Renascença e que se originou provavelmente das grandes religiões do mundo ocidental acarretou consequências extremamente catastróficas. Alguns séculos de humanismo nos levaram às grandes guerras, aos massacres, aos campos de concentração e à destruição de todos os tipos de seres vivos. E empobrecemos a natureza.

— E como seria então uma atitude humanista que o senhor considera aceitável?
Lévi-Strauss - Um humanismo na verdadeira acepção do termo deveria, paradoxalmente, estimular a humanidade a moderar seu humanismo e aprender com as grandes religiões do extremo oriente - com o budismo, por exemplo - que o ser humano, em última análise, é apenas um ser vivo entre outros seres vivos e que só poderá sobreviver se souber respeitar a vida dos demais.

— O senhor se interessou muito por Marx. Na sua opinião, o marxismo é um humanismo ou um métodos de análise?
Lévi-Strauss - Quando eu tinha uns dezesseis anos, o marxismo teve um papel importante na minha evolução. É um fato que Marx constituiu minha primeira leitura filosófica e ao ler Marx fui adiante, passando dele para Hegel e para Kant. Foi pela leitura de Marx que assimilei a primeira lição fundamental dos estudos humanísticos: a de que o homem não pode ser analisado sob seu mero aspecto exterior, aparente, porque as aparências enganam.

Claude Lévi-Strauss - foto: Joel Robine
— É verdade que existem várias interpretações do marxismo. O senhor tende para qual interpretação?
Lévi-Strauss - Prefiro não responder a essa pergunta, porque até certo ponto eu pouco me interesso pelos marxistas.

— De qualquer modo, Marx estudos as infra-estruturas, como o senhor.
Lévi-Strauss - Eu tento fazer o que Marx talvez tenha considerado necessário mas não tenha tido talvez ou tenha querido fazer pessoalmente, ou seja: comparar a superestrutura em sua coesão com a infra-estrutura. Para isso limito-me a coisas bem elementares. Meu catecismo marxista reduz-se a duas ou três regras, o que não me capacita, de forma alguma, a emitir um juízo sobre a obra de Marx.

— Então o estruturalismo é um mito inventado pelos seus adversários?
Lévi-Strauss - Às vezes até pelos meus próprios amigos.

— As conclusões que se tiraram de suas pesquisas, no entanto, não são tão insignificantes assim. Como filósofo o senhor teve muito mais influência do que como etnólogo.
Lévi-Strauss - Na França, onde pessoas brincam com as ideias, muita gente acredita que o estruturalismo é a filosofia do mundo moderno. Mas isso foi uma moda que passou depois de maio de 1968. Assim que se descobriu que os jovens que protestavam em maio de 1968 não eram de forma alguma estruturalistas, mas meros adeptos de velho existencialismo de guerra, segundo a moda vigente em 1944, 1945, todos perderam o interesse pela questão, o que é ótimo, aliás.

— Alguns de seus discípulos aplicam o método do estruturalismo ao estudo sociológico de sociedades modernas - o senhor vê algum sentido nisso?
Lévi-Strauss - O estruturalismo pretende insistir apenas numa constatação já feita muito antes de nós pelos físicos e pelos estudiosos de ciências naturais: a de que só aprendemos a realidade simplificando-a. Dentro da multiplicidade de fenômenos devemos isolar pequenas áreas nas quais por sua vez é possível pesquisarmos um pequeno número de variáveis. Primeiro isso se deu no território claramente delimitável da linguística. Em seguida eu me propus a ampliar esses mesmos métodos de estudo a outros campos. Mas, se se tentar aplica o método estruturalista às estruturas sociais contemporâneas, então me cabe perguntar de que forma se fará a análise dessas concentrações complexíssimas com um número já quase infinito de variáveis incluídas. Creio que não existe a possibilidade de se aplicar o estruturalismo a sistemas intelectuais ou a sistemas sociais de grande porte.

— Sr. Lévi-Strauss, em seu livro "Tristes trópicos" o senhor fez uma menção - espantosa - a Richard Wagner. O senhor se interessa por ele sobretudo sob o aspecto do "crepúsculo dos deuses"?
Lévi-Strauss - Muitas vezes passo uma semana inteira ouvindo as transmissões diretas das óperas de Wagner levadas em Bayreuth. No quarto e último volume da minha coleção intitulada "Mitológica", que foi publicado recentemente sob o título de "O homem nu", eu falo mais a esse respeito. Nele afirmo que, no momento do desmoronamento da mitologia como estilo literário predominante, as estruturas do pensamento mítico foram absorvidas pela música. A mensagem do mito passou para o romance, mas a música se apoderou de sua forma.

— E quando se deu isso?
Lévi-Strauss - É um fenômeno que começa com Bach, desenvolve-se com seus sucessores e atinge com Wagner sua forma consciente. Foi Wagner quem compreendeu que o mito e a música, se posso me exprimir assim, caminharam um ao encontro do outro e estavam destinados a se fundirem. Wagner expressou essa espécie de aliança de forma extraordinária.

— Do que se deduz que Wagner é um compositor estruturalista?
Lévi-Strauss - Toda a teoria do Leitmotiv é por si mesma estruturalista. O estruturalismo em si originou-se na Alemanha.

— O senhor pode especificar melhor?
Lévi-Strauss - Sempre me disseram que na Alemanha havia uma grande repulsa pelo estruturalismo. Mas, se investigarmos o estruturalismo até a sua origem, onde é que ele começa no mundo moderno? Na Europa, com Dürer. Com seus "Quatro livros sobre a proporção humana" e a ideia de que se pode passar de uma forma de rosto a outro por meio da transformação geométrica, inicia-se o estruturalismo. Em seguida Goethe e a sua morfologia das plantas: o conceito de que a folha e o botão mutuamente se transformam é estruturalista. Portanto não é nada surpreendente que Wagner faça parte dessa genealogia.

— Achamos surpreendente que nessa genealogia o senhor inclua tantos grandes artistas e ao mesmo tempo negue que o estruturalismo seguido conscientemente possa trazer quaisquer consequências para a situação intelectual da nossa sociedade.
Lévi-Strauss - Não gosto de profecias. Imaginaram que o estruturalistas fossem os grandes sábios da época moderna. Lamento dizê-lo, mas isso está errado. É pura imaginação, forjada nos salões entre 1953 e 1968.

— Sr. Lévi-Strauss, talvez sua recusa em discutir as consequências filosóficas da sua obra seja o motivo pelo qual o senhor às vezes é chamado de "o filósofo do status quo". O senhor é o primeiro a reconhecer que o estruturalismo não é capaz de alterar dados históricos. Então, que explicação o senhor dá para o fascínio que o estruturalismo desperta nas pessoas?
Lévi-Strauss - Isso se deve ao fato de que em nossa sociedade a ciência está completamente separada da arte, separada portanto daquilo que para nós está associado com a sensibilidade. O estruturalismo não separa esses dois pólos. Ao estudar fenômenos muito concretos, que tocam a sensibilidade, ele põe em prática o que eu chamo de "teoria do pensamento selvagem". Essa "teoria do pensamento selvagem" pode exercer uma certa fascinação sobre os homens contemporâneos, que se sentem dilacerados entre a ciência e a sensibilidade.

— Gostaríamos de voltar a falar do seu pessimismo. Na França constitui uma velha tradição o fato de os intelectuais serem "engajados", para usar uma definição de Sartre. O senhor dá alguma importância ao protesto intelectual?
Lévi-Strauss - Já tomei partido algumas vezes anteriormente. O "engajamento" do intelectual é um mal-entendido que considero insuportável, pois minha assinatura só tem valor graças aos trabalhos que publiquei. Se eu tomar atitudes com relação a fatos que desconheço, ponho em risco então o crédito que minha obra possa me ter granjeado.

— Mas nem sempre é indispensável apresentar estudos exaustivos para se saber o que é justo e o que é injusto.
Lévi-Strauss - Mas é indispensável conhecer o assunto de que se fala.

— E que reações lhe provoca a guerra do Vietnã?
Lévi-Strauss - Reações de profunda repulsa, mas baseadas na mesma base de conhecimentos do meu porteiro, da minha faxineira ou do quitandeiro da esquina. Não acho que neste ano meu veredicto valha mais do que o deles.

— Com isso o senhor não estará julgando de maneira severa demais todos os intelectuais engajados?
Lévi-Strauss - De forma alguma.

— Então o senhor não acha que um intelectual tão famoso quanto o senhor tem no plano político mais responsabilidade do que um porteiro de edifício?
Lévi-Strauss - Um intelectual famoso é responsável pela especialidade que lhe trouxe renome. Se ele for examinar um por um todos os assuntos a respeito dos quais é chamado a se pronunciar, terá que perder um tempo imenso para poder tomar partido com conhecimento de causa. Consequentemente, não se dedicaria à pesquisa e não mereceria mais o renome conquistado.

— O senhor diria que Sartre assinou manifestos demais?
Lévi-Strauss - De forma alguma. Absolutamente não me comparei com Sartre. Sartre expressou-se pelos meios mais diversos - romance, teatro, filosofia, política. É uma capacidade que eu não tenho. Nem briguei com Sartre, ao contrário do que afirma o antropólogo inglês Edmund Leach, ao "trabalhar estreitamente com Sartre na elaboração do trabalho sobre o 'pensamento selvagem'". Na realidade eu só me encontrei com Sartre umas quatro vezes na minha vida.

— Numa conferência que proferiu recentemente na Unesco, o senhor tirou conclusões políticas de suas concepções ao afirmar: "Não se pode admitir que os preconceitos raciais tenham diminuído".
Lévi-Strauss - É uma conclusão que não transcende certos limites e que me parece suficientemente clara.

Claude Lévi-Strauss - foto: Joel Robine
— O senhor também afirmou que não basta, para diminuir a intolerância, mudar as ideias. Seria necessário alterar também as condições naturais nas relações entre o homem contemporâneo e a natureza.
Lévi-Strauss - Eu não disse que elas deviam ser alteradas. Eu disse que elas deviam se alterar, o que não é a mesma coisa. E isso não quer dizer que eu ache que elas iriam se alterar. Como já foi dito: o estruturalismo trata de temas que não têm aplicação prática alguma. O que se define como racismo ou intolerância sempre existiu nas sociedades humanas.

— E como o senhor encara o futuro das esparsas sociedades primitivas remanescentes?
Lévi-Strauss - Estão todas condenadas a desaparecer, o que me entristece profundamente.


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:: Entrevista publicada originalmente na revista Veja, 19 de janeiro de 1972 - Edição 176


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