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Velimir Khlébnikov - poeta futurista russo

Velimir Khlébnikov
Velimir Khlébnikov (Viktor Vladimirovitch Khlébnikov), nascido a 9 de Novembro de 1885, foi um poeta, prosador, pensador, matemático, ornitólogo, pintor russo e uma figura proeminente na arte vanguardista. O Nostradamus russo não reconhecido é um fenômeno único na cultura russa, em muitos aspectos à frente do seu tempo. Ele é um dos mais originais representantes do futurismo russo, o qual, porém, superou as fronteiras dessa corrente, tornando-se uma brilhante e incomparável figura no meio literário da «Era de Prata». As suas experiências nas áreas da língua, do ritmo, da formação de palavras; as suas pesquisas de novos caminhos na lírica, no gênero épico, na prosa e na dramaturgia; a sua visão da vida, história, natureza e sociedade não se enquadram na moldura de nenhuma das correntes literárias do início do séc. XX. Complexos em forma e conteúdo, os versos de Khlébnikov são tema de discussão para os críticos literários até aos nossos dias. Aos olhos de muitos, ele é, ainda hoje, um "poeta para poetas".
Viktor Khlébnikov, que mais tarde substituiu o seu nome latino pelo eslavo Velimir (que significa "grande mundo"), o qual se tornou seu pseudónimo literário, nasceu no seio da família de um ornitólogo, um dos fundadores do horto florestal de Astrakhan. A família Khlébnikov mudava frequentemente de residência e, em 1898, mudou-se para Kazan, onde o poeta se formou no liceu. Lá evidenciaram-se as suas primeiras paixões: matemática, ornitologia, língua e literatura russas. Em 1903, Khlébnikov ingressou na Universidade de Kazan, na Faculdade de Física e Matemática, onde estudou matemática e, mais tarde, se interessou por zoologia. Durante a primeira revolução russa de 1905, Khlébnikov participou em actividades antigovernamentais e foi parar à prisão, período após o qual perde todo o interesse pela política.
Sobre os primeiros trabalhos poéticos de Khlébnikov praticamente nada é conhecido. As primeiras obras datadas são ainda do período em que estudava no liceu (1903-1904) e representam uma imitação do folclore russo. Em 1908, Khlébnikov muda-se para São Petersburgo e ingressa na universidade, na área de ciências naturas, mas depois muda para a Faculdade de História e Filosofia (de onde foi expulso, em 1911, por falta de pagamento), onde começa a dedicar-se à poesia, literatura e pesquisas matemático-filosóficas. Entra no círculo de poetas de São Petersburgo e visita um dos mais conhecidos salões literários daqueles anos: «Bachnia» («Torre») (foi sob este nome que entrou para a historia da «Era de Prata» o apartamento do poeta, dramaturgo e crítico literário Viatcheslav Ivánov), onde se reuniam escritores, filósofos, pintores, músicos e artistas. Durante um breve período, aproximou-se dos simbolistas e acmeístas. Em 1908, o semanário «Vesna» («Primavera») publica a primeira obra de poesia em prosa de Khlébnikov A Tentação de um Pecador (Искушение грешника), sobre a decepção com as possibilidades de conhecimento, um enredo ligado ao drama filosófico de Fleubert La Tentation de Saint Antoine.
Conheceu o grupo de jovens pintores e poetas (os irmãos Burliuk, Aleksei Kruchónykh, Elena Guro, Vassíli Kamiénski, aos quais, mais tarde, se juntaram Vladímir Maiakovski e Benedikt Livshits, Olga Rozanova e Kazimir Malevitch) que resultou na formação do grupo «Guileia» («Гилея»), em 1910-1914, e que, posteriormente, se transformou no movimento dos cubo-futuristas (o cubo-futurismo é considerado o resultado da interacção entre poetas-futuristas e pintores-cubistas). Khlébnikov sugeriu-lhes o nome "arautos do futuro" ou "budetlianes", formado a partir da palavra "budet" ("será" - 3ª forma do singular do futuro do verbo "ser"), na qual combina os conceitos de "futuro" ("будущее") e "terrestre" ("землянин"). A primeira apresentação conjunta dos cubo-futuristas na imprensa foi o almanaque poético Viveiro dos Juízes (Садок судей), de 1910, impresso na parte de trás de um papel de parede. Em Fevereiro de 1913, é publicado (também em papel de parede, mas num formato maior) Viveiro de Juízes II (Садок судей II).
Vielimir Khlébnikov, por V. Mayakovskogo (1916)
Khlébnikov foi inspirador e um dos autores (juntamente com os poetas David Burliuk, Vladímir Maiakovski e Aleksei Kruchónykh) do escandaloso manifesto do futurismo russo, colocado no prefácio da colectânea poética dos cubo-futuristas Uma bofetada no gosto do público (Пощёчина общественному вкусу), que declarou a renúncia à arte do passado e conclamou lançar "Púchkin, Dostoiévski, Tolstoi, etc., para fora do Navio do tempo actual…". No entanto, Khlébnikov, que considerava o movimento dos "budetlianes" um profundo fenómeno nacional, escreveu que "não era preciso inocularmo-nos do exterior, pois nós lançámo-nos para o futuro em 1905"; que "o budetliane é "futurista", mas em russo", que se manifestava contra o academismo sem vida na literatura e a arte dos seus contemporâneos, e que procurava novas formas de auto-expressão; que "o budetliane é Púchkin (...) na capa do novo século", o qual teria rido "sobre o Púchkin do século XIX". Ele viu um enorme potencial na cultura dos séculos passados, na obra popular, na cultura urbana contemporânea. A propósito, quando à Rússia, em Janeiro de 1914, chegou Tommaso Marinetti, fundador e teórico do futurismo, que negou toda a experiência artística anterior e a cultura tradicional com os seus valores morais e artísticos, Khlébnikov e Maiakovski, entre outros futuristas russos, reagiram de forma agressiva à visita do notável italiano, chamando a sua multidão entusiasmada de fãs de "carneirada". O próprio Marinetti pagou na mesma moeda e, quando regressou a casa, chamou os colegas russos de "pseudo-futuristas".
O interesse pelo futuro aproximou Khlébnikov dos futuristas, assim como a ideia de como se tornaria a humanidade e as tentativas de aproximar a chegada do futuro com a ajuda da arte. Os futuristas viam nele um génio e chamavam-lhe "o Presidente do Globo Terrestre"; Vladímir Maiakovski chamava-lhe "o Colombo dos novos continentes poéticos"; Viktor Chklovski dizia "...ele é o Lomonossov da literatura russa de hoje"; Ossip Mandelstam escreveu que "Khlébnikov (...) um cidadão de toda a história, de todo o sistema de língua e poesia"; Yuri Olecha obstinadamente repetia a necessidade de aprender a escrever prosa com a obra poética de Khlébnikov. Viatcheslav Ivánov, um dos prestigiados poetas e teóricos da cultura russa daquele tempo, tinha Khlébnikov em grande consideração como poeta e pensador. No entanto, houve avaliações contrastantes da obra de Velimir Khlébnikov: os seus poemas provocaram a raiva de Ivan Búnin e o riso irascível de Vladislav Khodassevitch, que chamava o poeta de "visionário", cujas alucinações tomava como capacidade de prever o futuro.
O ano de 1909 tornou-se um ponto de referência significativo para o poeta, foi quando Khlébnikov se interessou por pan-eslavismo, panteísmo pagão e pelos mitos de diferentes povos. A consciência da unidade do desenvolvimento da história e cultura da humanidade reflecte-se na sua poesia e prosa, usando enredos mitológicos de diferentes povos (Deus das Donzelas / Девий бог, A Morte da Atlântida / Гибель Атлантиды, A Perun / Перуну, A Herdade à Noite, Genghis Khan!... / Усадьба ночью, чингисхань!...). Nos seus primeiros trabalhos, Khlébnikov afirmava uma unidade panteísta e a igualdade de todos os seres vivos na terra (poema O Lugar Onde se Mantêm os Animais / Зверинец). Uma das ideias constantes na sua obra é a aspiração utópica de transformar o mundo com base nas relações harmoniosas entre natureza, pessoas e animais que, na sua opinião, existiam na era pré-histórica.
Sempre imerso em raciocínios fantásticos, Khlébnikov tentou criar a partir da síntese da ciência e da arte uma "super-língua" mundial, que seria usada por pessoas do futuro. Ao examinar as raízes das palavras, nos seus sons iniciais, o poeta tentava compreender o sentido arcaico das mesmas, para, assim, penetrar na memória da humanidade (artigo "Svoyasi", de 1919). Ao estudar os ninhos de palavras da mesma família, ele revelou a possibilidade e necessidade de criar novas palavras, e assim o fez. As palavras inventadas por si encontram-se nos seus versos juntamente com arcaísmos e o espírito inovador na criação de novas palavras harmoniza com o apego pela sintaxe antiga.
Khlébnikov tentou encontrar diferentes caminhos para a concretização dos seus pensamentos de modo a que as pessoas não só as compreendessem, mas também as sentissem. Para isso, o poeta fez experiências com o ritmo e os sons das palavras, tentando com a sua ajuda transmitir o estado de ânimo que coloca em cada poema concreto. Muitos poetas aprenderam com ele. A capacidade de Khlébnikov de criar uma imagem artística como um mistério e a habilidade de preencher os elementos sonoros de um verso em associações semânticas ecoaram na poesia de Vladímir Maiakovski, Nikolai Asseev, Borís Pasternak, Marina Tsvetaeva, Ossip Mandelstam, Nikolai Zabolotski e muitos outros.
O poeta salientava sempre as possibilidades ilimitadas da língua russa. Interessavam-lhe as experiências na criação de palíndromos – versos que podem ser lidos tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita: "Кони, топот, инок // но не речь, а черен он".
Ao contrário da noção de complexidade indevida das imagens poéticas de Khlébnikov, na sua herança poética há muitos versos claros e acessíveis até para crianças, como por exemplo: Lá, onde viviam os Bombycilla garrulus... (Там, где жили свиристели…), de 1908, Gafanhoto (Кузнечик), de 1909, ou as seguintes estrofes do poema Mulher de Pedra (Каменная баба), de 1919: É-me preciso muito? // Uma fogaça de pão // E uma gota de leite. // E este céu, // E estas nuvens! (Мне много ль надо? // Коврига хлеба // И капля молока. // Да это небо, // Да эти облака!) – ainda ninguém escreveu de modo tão admirável e simples.
Vielimir Khlébnikov, por P.Miturich
Tendo vivido na viragem do século, Khlébnikov sentiu o tempo aguçadamente e fez dele o principal tema da sua poesia. Considerando que tudo o que acontece no mundo não é por acaso, que tudo tem uma relação causa-efeito e uma repetibilidade regular, Khlébnikov tenta compreender os mistérios universais do tempo com a ajuda de análise científica, combinando nas suas buscas a linguística, matemática, história e poesia, e encontrar as leis matemáticas do tempo, as quais ajudariam a prever acontecimentos históricos, influenciá-los e, mais importante, a evitar as guerras("Chega de escrever com corpos, vamos escrever com palavras"). Velimir Khlébnikov considerou e insistiu que o seu sistema de estudo e desenvolvimento do tempo não se baseava na intuição ou conhecimentos misteriosos, mas no conhecimento das leis da natureza e em cálculos precisos, aos quais ele se entregou fanaticamente durante toda a sua vida (Professor e aluno / Учитель и ученик, de 1912, O Tempo – a medida do mundo / Время – мера мира, de 1916, Quadros do destino / Доски судьбы, de 1922).
Pelas páginas das suas obras futuristas está espalhado um conjunto de previsões, cuja grande maioria se mostrou profética. Eis algumas delas:
  1. A proclamação da independência do Egipto – em 1908, Khlébnikov predisse que em 1922 iria ser criado um "grande estado em África";
  2. A Primeira Guerra Mundial – no seu apelo aos estudantes eslavos, em 1908, ele escreveu: "Em 1915, as pessoas vão entrar em guerra e serão testemunhas da queda do estado".
  3. O colapso das Torres Gémeas – no poema Ladomir (Ладомир), de 1920, o poeta escreveu: E os castelos do comércio mundial, // Onde as cadeias da pobreza brilham, // Com um rosto de regozijo e enlevo // Transformas-te um dia em cinzas (И замки мирового торга, // Где бедности сияют цепи, // С лицом злорадства и восторга // Ты обратишь однажды в пепел). Como se costuma dizer, no comments.
  4. A internet e a televisão – no ensaio-utópico Rádio do Futuro (Радио будущего), de 1921, o poeta descreve a internet, apenas lhe dá outro nome, embora o segundo nome da internet, world wide web, tenha sido adivinhado correctamente, bem como a televisão, chamada "rádio para os olhos".
Além disso, Khlebnikov avisou, em 1921, a data da sua morte: recordando Púchkin, o poeta disse que "as pessoas do meu ofício morrem frequentemente aos 37 anos". Ele morreu a 28 de Junho de 1922. Foi ele quem escreveu os mais sublimes versos sobre a morte: Quando morrem os cavalos – respiram, // Quando morrem as ervas – secam, // Quando morrem os sóis – eles apagam-se, // Quando morrem as pessoas – cantam canções (Когда умирают кони — дышат, // Когда умирают травы — сохнут, // Когда умирают солнца — они гаснут, // Когда умирают люди — поют песни).
O poeta também determinou a data exacta da revolução: na última página da colectânea poéticaUma bofetada no gosto do público estava impressa uma tabela compilada por si, Olhar para o ano de 1917 (Взор на 1917 год), na qual expunha as datas da queda dos grandes estados do passado. No mesmo ano, no seu folheto Professor e Aluno, onde apresentou os cálculos das "leis do tempo", ele previu "(…) em 1917 a queda do estado", tendo em vista o fim do Império Russo.
Khlébnikov apoiou a revolução e os bolcheviques não por razões ideológicas, ele achava que um novo sistema estatal levaria ao surgimento de uma nova humanidade com a qual o poeta sonhava. Os acontecimentos revolucionários foram entendidos como uma vingança popular, devido a séculos de opressão, e como um caminho para a humanidade manifestar a sua livre vontade (Outubro no Neva / Октябрь на Неве, Presente / Настоящее, A Noite antes dos Sovietes / Ночь перед Советами). Depois da revolução de Outubro de 1917, trabalhou nos órgãos de propaganda e de educação em Astrakhan, Piatigorsk e Baku, e participou na campanha do Exército Vermelho no norte do Irão. No entanto, os novos poderes da Rússia trataram a obra do poeta com indiferença, considerando-o um representante da arte decadente burguesa.
Em Dezembro de 1921, o poeta regressou a Moscovo. A atmosfera da Nova Política Económica(NEP), à qual ele foi parar, com a sua essência mercantil, parecia profundamente alheia à natureza de Khlébnikov. Este não era, de todo, o mundo do futuro com o qual ele havia sonhado. O futurista Khlébnikov, que dividiu a humanidade em "inventores" e "adquiridores" (declaração O trompete dos marcianos / Труба марсиан, de 1916), considerava que o estado do futuro, que se criaria "em nome da realização em vida de altos princípios 'contra o dinheiro'", exclui a civilização do mercantilismo mundial – "A liberdade vem nua”.
Velimir Khlébnikov viveu os seus últimos anos na miséria, gravemente doente e passando fome. O poeta morreu na aldeia de Santalovo, na província de Novgorod, para onde fora descansar e recuperar força. Khlébnikov foi sepultado no cemitério da aldeia. No seu caixão encontra-se a inscrição "Presidente do Globo Terrestre". Em 1960, os restos mortais de Khlébnikov foram transladados para o cemitério de Novodevitchi, em Moscovo, junto aos restos de sua mãe e irmã.
Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников)
Khlébnikov sempre viveu mal. Era solitário, fechado e pouco prático, vivia na pobreza e não tinha abrigo. Maiakovski admirava sua indiferença para com a riqueza e proveitos materiais, que assumia um carácter de "devoção e martírio pela ideia poética". Os bens de Klébnikov cabiam dentro de um saco, no qual eram colocados os manuscritos acumulados. Além de papéis, o saco continha alguns pedaços de pão e caixas de tabaco partidas. À noite, o saco servia frequentemente de almofada. Khlébnikov escreveu muito, adorava quando o publicavam, mas não fazia nada de especial por isso. Quando lhe davam as suas obras para ele corrigir, o poeta começava a escrever tudo de novo: era aborrecido para ele corrigir o que escrevera, ele conseguia apenas criar coisas novas. Os seus versos eram habitualmente preparados e entregues para publicação pelos amigos. A maior parte das suas obras não foi publicada em vida.
Apenas após a morte de Klébnikov começou o aproveitamento das suas descobertas poéticas, baseadas no pensamento figurativo e associativo. Em 1923, em Moscovo, foi editado um livro de versos do poeta. Em 1925, Kruchónykh editou o Caderno de Notas de Velimir Khlébnikov (Записную книжку Велимира Хлебникова); em 1928-1933, há uma tentativa de publicar toda a sua obra – Colectânea de Obras de Velimir Khlébnikov (Собрание произведений Велимира Хлебникова); em 1936, é publicado o livro Versos Escolhidos (Избранные стихотворения); depois, em 1940, na pequena série da «Biblioteca do Poeta», foi editada a colectânea Velimir Khlébnikov. Poesias (Велимир Хлебников. Стихотворения); e, em 1960,Velimir Khlébnikov. Versos e poemas (Велимир Хлебников. Стихи и поэмы). Desde 1984, a obra de Khlébnikov começou a ser republicada quase todos os anos. Em 1993, foi inaugurado o museu do poeta na cidade de Astrakhan.
- por Vladimir I. Pliassov
:: Fonte: Universidade de Coimbra © 2014


OBRA DE VIELIMIR KHLÉBNIKOV
Vielimir Khlébnikov - auto-retrato 1909
Poesia
:: Poemas de Khlébnikov. [introdução, tradução e notas de Marco Lucchesi; prefácio de Antonio Carlos Villaça; 'orelhas' de Fernando Py]. Edição bilíngue. Niterói: Cromos, 1993.
:: Eu e a Russia: poemas de Khliébnikov. [organização e tradução Marco Lucchesi; ilustrações Rita Solieri]. São Paulo: Editora Bem-Te-Vi, 2004;  2014.


Conto
:: Ka - Velimir Khlebnikov. [tradução Aurora Fornoni Bernardini]. Coleção Signos, 5. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.

Antologias (participação)
:: Poesia russa moderna. [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; São Paulo: Brasiliense, 1985; Edição ampliada. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001; 2012.
:: Folhetim: poemas traduzidos. [apresentação de Matinas Suzuki Jr.; vários tradutores]. São Paulo: Editora da Folha, 1987.
:: Poemas russos. [Organização Mariana Pithon e Nathalia Campos, vários tradutores]. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2011.
.


Vielimir Khlébnikov
poemas de vielimir khlébnikov (edição bilíngue)
Tempos-juncos       
          Na margem do lago, 
Onde as pedras são tempo, 
Onde o tempo é de pedra.        
          No lago da margem, 
Tempos, juncos, 
Na margem do lago,        
          Santos, juntos.

1908 ou 1909

.

Времыши-камыши

      На озера береге,
Где каменья временем,
Где время каменьем.
      На берега озере
Времыши, камыши,
На озера береге
     Священно шумящие.

[1908-1909]

- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§


Encantação pelo riso

Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos - risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!

1910

.

Заклятие смехом

                              Op. 2.

О, рассмейтесь, смехачи!

О, засмейтесь, смехачи!
Что смеются смехами, что смеянствуют смеяльно,
О, засмейтесь усмеяльно!
О, рассмешищ надсмеяльных — смех усмейных смехачей!
О, иссмейся рассмеяльно, смех надсмейных смеячей!
Смейево, смейево!
Усмей, осмей, смешики, смешики!
         Смеюнчики, смеюнчики.
О, рассмейтесь, смехачи!
О, засмейтесь, смехачи!

[1910]

- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

O grilo
Aleteando com a ourografia
Das veias finíssimas
O grilo
Enche o grill do ventre-silo
Com muitas gramas e talos de ribeira.
– Pin, pin, pin! – taramela o zinziber*.
Oh, cisnencanto!
Oh, ilumínios!

1908 ou 1909

.

Кузнечик
Крылышкуя золотописьмом
Тончайших жил,
Кузнечик в кузов пуза уложил
Прибрежных много трав и вер.
"Пинь, пинь, пинь!" - тарарахнул зинзивер.
О, лебедиво!
О, озари!

[1908-1909]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
Do russo zinziver. Segundo nota do autor, passarinho que habita margens de rio.

§


Elefantes batiam-se a golpes de marfim: 

pareciam talhados na pedra branca. 
Cervos entrecruzavam seus galhos: 
pareciam travados por antigas núpcias 
em mútua paixão e mútua infidelidade. 
Rios desaguavam no mar: 
o braço de um afogava o colo do outro.

1911

.

Слоны бились бивнями так,

Что казались белым камнем 
Под рукой художника. 
Олени заплетались рогами так, 
Что казалось, их соединял старинный брак 
С взаимными увлечениями и взаимной неверностью. 
Реки вливались в море так, 
Что казалось: рука одного душит шею другого.

[1911]

- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Bobeóbi cantar de lábios,
Lheeómi cantar de olhos,
Cieeo cantar de cílios,
Stioeei cantar do rosto
Gri-gsi-gseo o grilhão cantante.
Assim no bastidor dessas correspondências
Transespaço vivia o Semblante.

1912
.

Бобэоби пелись губы,
Вээоми пелись взоры,
Пиээо пелись брови,
Лиэээй - пелся облик,
Гзи-гзи-гзэо пелась цепь.
Так на холсте каких-то соответствий
Вне протяжения жило Лицо.

[1912]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

O CAVALO DE PRJEVÁLSKI *
Perseguido - Por alguém? Que sei? Não cuido.
Pela pergunta: uma vida, ... e beijos, quantos?
Pela romena, dileta do Danúbio,
E a polonesa, que os anos circuncantam.
- Fujo pata brenhas, penedias, gretas,
Vivo entre os pássaros, álacre alarido.
Feixe-de-neve é o revérbero de aletas
De asas que brilharam para os inimigos.
Eis que se avistam as rodas dos fadários,
Zunido horrível para a grei sonolenta.
Mas eu voava como roca estelária
Por ígneas, não nossas, ignotas sendas.
E quando eu tombava próximo da aurora
Os homens no espanto mudavam a face,
Estes suplicavam que eu me fosse embora,
Outros me rogando: que eu iluminasse.
Para o sal, para as estepes, onde os touros
Pastam balouçando chifres cor de treva,
E para o norte, para além, onde os troncos
Cantam como arcos de cordas retesas,
Coroado de coriscos o demônio
Voava, gênio branco, retorcendo a barba.
Ele ouve os uivos de hirsutas carantonhas
E o repicar das frigideiras de alarma.
"Sou corvo branco - dizia - e solitário,
Porém tudo, o lastro negro dos dilemas,
A alvinitente coroa de meus raios,
Tudo eu relego por um fantasma apenas:
Voar, voar, para os páramos de prata,
Ser mensageiro do bem, núncio da graça."

Junto ao poço se estilhaça
A água, para que os couros
Do arreio, na poça escassa,
Reflitam-se com seus ouros.
Correndo, cobra solerte,
O olho-d'água e o arroio
Gostariam, pouco a pouco,
De fugir e dissolver-se.
Que assim, tomadas a custo,
As botas de olhos escuros
Dela, ficassem mais verdes.
Arrolos, langor, desmaios,
A vergonha com seu tisne,
Janela, isbá, dos três lados
Ululam rebanhos pingues.
Na vara, baldes e flor,
No rio azul uma balsa.
"Toma este lenço de cor,
Minha algibeira está farta."

"Quem é ele? Que deseja?
Dedos rudes, mãos de fera!
É de mim que ele moteja
Rente à choupana paterna?
Que respondo, que contesto,
Ao moço dos olhos negros?
Cirandam dúvidas lestas!
E ao pai, direi meu segredo?"
'`É minha sina! Me abraso!"
Por que buscamos, com lábios,
O pó, varrido das tumbas,
Apagar nas chamas rubras?

Eis que para os píncaros extremos
Ergo vôo como o abutre, sinistro:
Com mirada senil considero o bulício terreno
Que, naquele instante, eu diviso.

1912
.

КОНЬ ПРЖЕВАЛЬСКОГО
Гонимый кем - почем я знаю?
Вопросом поцелуев в жизни сколько?
Румынкой, дочерью Дуная,
Иль песнью лет про прелесть польки,
Бегу в леса, ущелья, пропасти
И там живу сквозь птичий гам
Как снежный сноп сияют лопасти
Крыла сверкавшего врагам.

Судеб виднеются колеса
С ужасным сонным людям свистом.
И я как камень неба несся
Путем не нашим и огнистым
Люди изумленно изменяли лица
Когда я падал у зари.
Одни просили удалиться
А те молили: озари
Над юга степью, где волы
Качают черные рога,
Туда, на север, где стволы
Поют как с струнами дуга,
С венком из молний белый черт
Летел, крутя власы бородки:
Он слышит вой власатых морд
И слышит бой в сквородки.
Он говорил: "Я белый ворон, я одинок,
Но все и черную сомнений ношу
И белой молнии венок
Я за один лишь призрак брошу,
Взлететь в страну из серебра,
Стать звонким вестником добра".
У колодца расколоться
Так хотела бы вода,
Чтоб в болотце с позолотцей
Отразились повода.

Мчась как узкая змея
Так хотела бы струя,
Так хотела бы водица,
Убегать и расходиться,

Чтоб ценой работы добыты,
Зеленее стали чоботы,
Черноглазые, ея.
Шопот, ропот, неги стон,
Краска темная стыда
Окна, избы, с трех сторон,
Воют сытые стада.
В коромысле есть цветочек,
А на речке синей челн.
"На возьми другой платочек,
 Кошелек мой туго полн".
"Кто он, кто он, что он хочет,
Руки дики и грубы!
Надо мною ли хохочет
Близко тятькиной избы".
"Или? или я отвечу
Чернооку молодцу,
О сомнений быстрых вече,
Что пожалуюсь отцу?
Ах юдоль моя гореть!"

Но зачем устами ищем,
Пыль гонимую кладбищем,
Знойным пламенем стереть?
И в этот миг к пределам горшим
Летел я сумрачный как коршун.
Воззреньем старческим глядя на вид земных шумих.
Тогда в тот миг увидел их.

[1912]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
Este título, que se consagrou, parece que não foi dado pelo poeta, mas pelo seu amigo David Burliuk. Segundo informação da Enciclopédia Britânica, o cavalo de Prjeválski é a única espécie conhecida de cavalo selvagem; foi descoberto por M. M. Prjeválski, explorador russo da Ásia Central.

§

Quando morrem, os cavalos – respiram,
Quando morrem, as ervas – secam,
Quando morrem, os sóis – se apagam,
Quando morrem, os homens – cantam.

1913
.

Когда умирают кони — дышат,
Когда умирают травы — сохнут,
Когда умирают солнца — они гаснут,
Когда умирают люди — поют песни.

[1913]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Eis-me levado em dorso elefantino,
Palanquim no elefante virgem-fúmeo.
Todas-me-amando, novo Vixnu,
Tramam, miragem nívea, o palanquim.

Músculos de elefante, balançai,
Armadilhas de caça, magníficas,
Para que sobre a terra a que descai
Agora tombe em tromba de carícias.

Brancas miragens, vós, com manchas negras,
Mais brancas do que a flor da cerejeira.
Vossas formas fremindo estão retesas
E flexíveis como plantas da treva.

Eu, no elefante branco, Bodhisattva,
Vou como antes, tenro, pensativo.
A virgem que me vê responde grata
Com flamas que são feitas de sorrisos.

Sabei que ser o peso elefantino
Jamais, em parte alguma, foi vergonha.
Trançai-vos em cerrado palanquim
Ó vós, enfeitiçadas pelo sonho.

Difícil imitar a pata larga.
Difícil ser o dente no seu curvo.
Cantos, coroas, santo som da flauta:
Conosco, sobre nós, o Olhiazul.

1913 (?) *
.

Меня проносят <на> <слоно>вых
Носилках — слон девицедымный.
Меня все любят — Вишну новый,
Сплетя носилок призрак зимний.

Вы, мышцы слона, не затем ли
Повиснули в сказочных ловах,
Чтобы ласково лилась на земли,
Та падала, ласковый хобот.

Вы, белые призраки с черным,
Белее, белее вишенья,
Трепещ<е>те станом упорным,
Гибки, как ночные растения.

А я, Бодисатва на белом слоне,
Как раньше, задумчив и гибок.
Увидев то, дева ответ<ила> мне
Огнем благодарных улыбок.

Узнайте, что быть <тяжелым> слоном
Нигде, никогда не бесчестно.
И вы, зачарован<ы> сном,
Сплетайтесь носилками тесно.
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
* Texto encontrado entre os rascunhos do poeta e estabelecido por N. Khárdjiev. Escrito provavelmente em 1913, sob a inspiração de uma miniatura indiana antiga, foi publicado somente em 1940, num livro de inéditos do poeta. O cineasta S. M. Eisenstein, que não poderia ter conhecido esses versos, impressionado com a mesma miniatura, reproduziu-a, com um comentário, em seu ensaio Montagem 1937, editado postumamente em 1964.

§

Hoje de novo sigo a senda
Para a vida, o varejo, a venda,
E guio as hostes da poesia
Contra a maré da mercadoria.

1914
.

Сегодня снова я пойду
Туда, на жизнь, на торг, на рынок,
И войско песен поведу
С прибоем рынка в поединок!

[1914]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Herdades noturnas, gengiscantem!
Crepitai, bétulas azuis!
Albas da noite, zaraturvem
Ao céu cerúleo mozarteante!
Goyam trevas como nuvens!
Roops* é um cirro soturno!
Voa uma tromba de  risos,
Enfrento firme o verdugo,
Gargalham garras de gritos,
E em torno o silêncio escuro.
A mim convoco os valentes,
Saem dos rios os afogados,
O miosótis, estridente,
Declama a velames pardos,
Gira o eixo cotidiano,
Move-se a massa vespertina,
Nas águas da noite vogando
(Sonho) uma carpa-menina.
Mamáj** – pinhos ao vento!
Nuvens nômades de Báti!***
Como cains do silêncio
Palavras santas se abatem.
Passo tardo, cercado de tropas,
Asdrúbal azul vai ao baile das rochas.

1916
.

Усадьба ночью, чингисхань!
Шумите, синие березы.
Заря ночная, заратустрь!
А небо синее, моцарть!
И, сумрак облака, будь Гойя!
Ты ночью, облако, роопсь!
Но смерч улыбок пролетел лишь,
Когтями криков хохоча,
Тогда я видел палача
И озирал ночную, смел, тишь.
И вас я вызвал, смелоликих,
Вернул утопленниц из рек.
"Их незабудка громче крика",-
Ночному парусу изрек.
Еще плеснула сутки ось,
Идет вечерняя громада.
Мне снилась девушка-лосось
В волнах ночного водопада.
Пусть сосны бурей омамаены
И тучи движутся Батыя,
Идут слова, молчаний Каины, -
И эти падают святые.
И тяжкой походкой на каменный бал
С дружиною шел голубой Газдрубал.

[1916]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
O pintor e gravador belga Félicien Roops.
** O cã tártaro Mamáj (ou Mamai), cujo exército foi derrotado pelos russos no campo de Kulikovo. Essa batalha marcou o início da libertação da Rússia do jugo tártaro.
*** Cã mongólico, fundador da Horda de Ouro; invadiu a Rússia em 1236.

§

Anos, países, povos
Fogem no tempo
Como água corrente.
A natureza é espelho móvel,
Estrelas – redes; nós – os peixes;
Visões da treva – os deuses.

1916 (?)

Годы, люди и народы
Убегают навсегда,
Как текучая вода.
В гибком зеркале природы
Звезды - невод, рыбы - мы,
Боги - призраки у тьмы.

[1916]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Neste dia de ursos cerúleos
a correr sobre cílios tranqüilos
transvejo para além da água azul
o acordar na taça das pupilas.

Na colher de prata de olhos latos
vejo a procelária em mar sonoro
e ao largo vai a Rússia dos pássaros
transvoando entrecílios ignotos.

Marventoso em celamor soçobra
a vela de alguém na azul esfera,
e eis que o desespero tudo engolfa
trovão e porvir de primavera.

1918
.

В этот день голубых медведей,
Пробежавших по тихим ресницам,
Я провижу за синей водой
В чаше глаз приказанье проснуться.

На серебряной ложке протянутых глаз
Мне протянуто море и на нем буревестник;
И к шумящему морю, вижу, птичая Русь
Меж ресниц пролетит неизвестных.

Но моряной любес опрокинут
Чей-то парус в воде кругло-синей,
Но зато в безнадежное канут
Первый гром и путь дальше весенний.

[1918]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Uma vez mais, uma vez mais
Sou para você
Uma estrela.
Ai do marujo que tomar
O ângulo errado de marear
Por uma estrela:
Ele se despedaçará nas rochas,
Nos bancos sob o mar.
Ai de você, por tomar
O ângulo errado de amar
Comigo: você
Vai se despedaçar nas rochas
E as rochas hão de rir
Por fim
Como você riu
De mim.

1919-1921
.

Еще раз, еще раз,
Я для вас
Звезда.
Горе моряку, взявшему
Неверный угол своей ладьи
И звезды:
Он разобьется о камни,
О подводные мели.
Горе и вам, взявшим
Неверный угол сердца ко мне:
Вы разобьетесь о камни,
И камни будут надсмехаться
Над вами,
Как вы надсмехались
Надо мной.

[1919-1921]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Vento ― canção.
De quem? De quê?
Tensão
Da espada por ser esfera.
Gente acalenta o dia do fim
Como flor de estufa.
Nas cordas dos gigantes ― creiam ―
Agora rufa o Oriente.
Talvez um orgulho novo
Nos dê o mago das montanhas
E, guia do povo,
Vestirei a razão
Como geleira branca.

1920
.

Ветер — пение.
Кого и о чем?
Нетерпение
Мяча быть мячом.
Люди лелеют день смерти,
Точно любимый цветок.
В струны великих, поверьте,
Ныне играет Восток.
Быть может, нам новую гордость
Волшебник сияющих гор даст,
И, многих людей проводник,
Я разум одену, как белый ледник.

1920
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

O ÚNICO LIVRO
Vi que os negros Vedas,
o Evangelho e o Alcorão,
mais os livros dos mongóis
em suas tábuas de seda
- como as mulheres calmucas todas as manhãs -
ergueram juntos uma pira
de poeira da estepe
e odoroso estrume seco
e sobre ela pousaram.
Viúvas brancas veladas numa nuvem de fumo,
apressavam o advento
do livro único,
cujas páginas maiores que o mar
tremem como asas de borboletas safira,
e há um marcador de seda
no ponto onde o leitor parou os olhos.
Os grandes rios com sua torrente azul:
- o Volga, onde á noite celebram Rázin;
- o Nilo amarelo, onde imprecam ao Sol;
- o Yang-tze-kiang, onde há um denso lodo humano;
- e tu, Mississípi, onde os ianques
trajam calças de céu estrelado,
enrolando as pernas nas estrelas;
- e o Ganges, onde a gente escura são árvores de ciência;
- e o Danúbio, onde em branco homens brancos
de camisa branca pairam sobre a água;
- e o Zambeze, onde a gente é mais negra que uma bota;
- e o fogoso Obi, onde espancam o deus
e o voltam de olhos para a parede
quando comem iguarias gordurosas;
- e o Tâmisa, no seu tédio cinza.
O gênero humano é o leitor do livro.
Na capa, o timbre do artífice -
meu nome, em caracteres azuis.
Porém tu lês levianamente;
presta mais atenção:
és por demais aéreo, nada levas a sério.
Logo estarás lendo com fluência
- lições de uma lei divina -
estas cadeias de montanhas, estes mares imensos,
este livro único,
em cujas folhas salta a baleia
quando a águia dobrando a página no canto
desce sobre as ondas, mamas do mar,
e repousa no leito do falcão marinho.

1920
.

ЕДИНАЯ КНИГА
Я видел, что черные Веды,
Коран и Евангелие
И в шелковых досках
Книги монголов
Сами из праха степей,
Из кизяка благовонного,
Как это делают
Калмычки каждое утро,
Сложили костер
И сами легли на него,
Белые вдовы,
В облаке дыма закрыты,
Чтобы ускорить приход
Книги единой.
Эту единую книгу
Скоро вы, скоро прочтете.
Белым блещут моря
В мертвых ребрах китов.
Священное пение, дикий, но правильный голос.
А синие реки - закладки,
Где читает читатель,
Где остановка читающих глаз.
Это реки великие -
Волга, где Разину ночью поют,
И зажигают на лодках огни,
Желтый Нил, где молятся солнцу,
Янтцекиянг, где жижа густая людей,
И Сена, где продаются темноглазые жены,
И Дунай, где ночами блестят
Белые люди на волнах, на лодках
В белых рубахах,
Темза, где серая скука и здания - боги для толп,
Хмурая Обь, где бога секут по вечерам
И пляшут перед медведем с железным кольцом на белой шее,
Раньше чем сьесть целым племенем,
И Миссисипи, где люди одели штанами звездное небо
И носят лоскут его на палках.
Род человечества - книги читатель,
И на обложке надпись творца,
Имя мое, письмена голубые.
Да, ты небрежно читаешь,
Больше внимания!
Слишком рассеян и смотришь лентяем.
Точно урок Закона Божьего,
Эти снежные горные цепи и большие моря.
Эту единую книгу
Скоро ты, скоро прочтешь.
В этих страницах прыгает кит,
И орел, огибая страницу угла,
Садится на волны морские,
Чтоб отдохнуть на постели орлана

1920
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

LOUVAÇÃO DO ELE
Quando o vasto peso dos barcos
Vazava sobre o peito,
Dizíamos: é o laço
Na cerviz dos barqueiros.
Quando a fúria das pedras rápidas 
Lançava-se, folhas, no vale,
Dizíamos: é o levante
Das lápides, avalancha, 
Quando o baque das ondas espadanava a morsa,
Dizíamos: são látegos.
Quando o caçador, esquis noturnos,
Deixava uma pista sobre o gelo,
Dizíamos: são listras.
Quando a onda lambio o remo
Levando o fardo do homem,
Dizíamos: é o leme.
Quando o alce detinha os cascos
Largos na vaza do pântano,
Dizíamos: é a lama.
Galhos amplos, rena e gamo?
Dizíamos: líquenes, lianas.
Atrás do navio rascante
Vi a hélice – curva lâmina –
Pulsando as águas em ritmo: 
E o raio, caindo n`água, esquecia o abismo.
Quando a placa na cota de malha
Parava as fechas e a lança,
Dizíamos: é a liça.
Quando a folha das flores, lisa,
Leva num lance a luz que libra,
Dizíamos: folha longilínea.
Quando as folhas se multiplicam,
Dizemos: selva, labirinto.
Quando a andorinha, asa longa,
Brilha qual poça lazúli
E toda líquida a ave se alaga
Lábil na folha que a equilibra,
Dizemos: é livre,
E o olho impostor lucila.
Quando no leito me largo,
Verde lençol, leiva ou lomba,
Sou lenho ao léu, levitando,
E o langor meu corpo toma. 
Langue, lasso, lenho ao léu 
– Lento lazer – Quem sou eu?
Quando os dedos nas mãos sem luvas
Fundiam-se à brisa breve,
Dizíamos: o alísio não lufa.
Quando a água virava ardósia,
Chão de espelho, todo gelo,
Dizíamos: é a lousa.
O gelo é uma água de louça.
Quem quando corre não leva
O corpo deitado, mas em pé,
É gente: láurea?  labéu?
Na água a colher, não a língua. 
Vindiço entre as feras, único,
Reta coluna feito olmo,
Não como a dos bichos todos.
Bípede ereto, bicho-homem,
Teu nome a húmus se liga.
Onde os dedos se espalmam em lago,
Dizemos: gesto largo.
Quando somos leves, levitamos.
Quando – flama, ama – somos leves, louvamos.
Humanos, amamos. Libanos, libramos.
ELE – são Lolas, Lélias.
Se elevam pontos, lufando,
ELE – raio na balança,
Mastro de barco, lastro.
Listra de chuva e laguna.
ElE – pênsil ponto que se lança
Detido por um lhamo
Plaino.
No amor flama um nome
E o lema: “ama os homens”.
Homem, lembra: teu nome, teu lema.
Mãe. Lagrimas de chuva.
Criança. Água de lagoa.
Energia motriz que míngua
De encontro à superfície 
Lisa.
Eis o sistema que impele
Caladas.
As forças do ELE.

1920
.

СЛОВО О ЭЛЬ
Когда судов широкий вес
Был пролит на груди,
Мы говорили: видишь, лямка
На шее бурлака.
Когда камней бесился бег,
Листом в долину упадая,
Мы говорили — то лавина.
Когда плеск волн, удар в моржа,
Мы говорили — это ласты.
Когда зимой снега хранили
Шаги ночные зверолова,
Мы говорили — это лыжи.
Когда волна лелеет челн
И носит ношу человека,
Мы говорили — это лодка.
Когда широкое копыто
В болотной топи держит лося,
Мы говорили — это лапа.
И про широкие рога
Мы говорили — лось и лань.
Через осипший пароход
Я увидал кривую лопасть:
Она толкала тяжесть вод,
И луч воды забыл, где пропасть.
Когда доска на груди воина
Ловила копья и стрелу,
Мы говорили — это латы.
Когда цветов широкий лист
Облавой ловит лет луча,
Мы говорим — протяжный лист.
Когда умножены листы,
Мы говорили — это лес.
Когда у ласточек протяжное перо
Блеснет, как лужа ливня синего,
И птица льется лужей ноши,
И лег на лист летуньи вес,
Мы говорим — она летает,
Блистая глазом самозванки.
Когда лежу я на лежанке,
На ложе лога на лугу,
Я сам из тела сделал лодку,
И лень на тело упадает.
Ленивец, лодырь или лодка, кто я?
И здесь и там пролита лень.
Когда в ладонь сливались пальцы,
Когда не движет легот листья,
Мы говорили — слабый ветер.
Когда вода — широкий камень,
Широкий пол из снега,
Мы говорили — это лед.
Лед — белый лист воды.
Кто не лежит во время бега
Звериным телом, но стоит,
Ему названье дали — люд.
Мы воду черпаем из ложки.
Он одинок, он выскочка зверей,
Его хребет стоит, как тополь,
А не лежит хребтом зверей.
Прямостоячее двуногое,
Тебя назвали через люд.
Где лужей пролилися пальцы,
Мы говорили — то ладонь.
Когда мы легки, мы летим.
Когда с людьми мы, люди, легки, — 
Любим. Любимые — людимы.
Эль — это легкие Лели,
Точек возвышенный ливень,
Эль — это луч весовой,
Воткнутый в площадь ладьи.
Нить ливня и лужа.
Эль — путь точки с высоты,
Остановленный широкой
Плоскостью.
В любви сокрыт приказ
Любить людей,
И люди — те, кого любить должны мы.
Матери ливнем любимец — 
Лужа-дитя.
Если шириною площади остановлена точка — это Эль.
Сила движения, уменьшенная
Площадью приложения, — это Эль.
Таков силовой прибор,
Скрытый за Эль.

Начало 1920
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

Vielimir Khlébnikov, por Nikolai Kulbin (1913)
DE O PRESENTE
VOZES E CANTOS DA RUA

Tzares, tzares tremiam,
Tzares, tzares tremem!
Para o ô
Para o oco da foice 
Patrões, 
Para o ô,
Para o oco
Patrões,
Para o ô,
Para o oco
Tzares, 
O tzar,
O tzar,
O povo,
O pó,
O povo,
Ferreiro;
Malha,
Malhador.
A rou,
A roupa
Rapa
Dos patrões,
Para o ô, para o ô, os tzares
Rapa
E põe
O povo.
Malha,
Malhador,
Os tza
Os tzares
Para o oco,
E que se dani
Fiquem
Na Sibé,
Na Sibéria lá nos mon,
Nos montí, 
Tículos brancos de neve.
Patrões, patrões põe
Põe, põe,
Povo,
Põe,
Põe,
Povo,
Põe o tzar branco,
Põe o tzar branco!
O tzar branco!
O tzar branco!
– O tzar!
E nós? – E nós olhamos, e nós, nós olhamos!
Tzares, tzares tremem!
Eles tremem, tremem!

                  O grão-duque
O quê? É agora?
(Olha para o relógio)

Sim, está na hora!

Novembro 1921
.

НАСТОЯЩЕЕ
ГОЛОСА И ПЕСНИ УЛИЦЫ

Цари, цари дрожали,
Цари, цари дрожат!
На о
На о́бух
Господ,
На о,
На о́бух
Господ,
На о,
На о́бух
Царей,
Царя,
Царя́,
Народ,
Наро,
Наро́д,
Кузнец,
Моло́,
Молотобоец.
Наро́,
Народ,
Бере́т,
Бере́
Берет
Господ,
На о, на о царей
Берет,
Кладет
Народ,
Моло́,
Моло́тобоец
Царе́
Царей
На обух,
Пусть ус
Споко́ятся
В Сиби́,
В Сибирских су,
Сугро,
Сугробах белых.
Господ, господ кладет,
Кладет, кладет
Народ,
Кладет,
Кладет
Народ,
Кладет белого царя,
Кладет белого царя! Белого царя!
Белого царя!
— Царя!
А мы! — А мы глядим, а мы, а мы глядим!
Цари, цари дрожат!
Они, они дрожат!
Великий князь

Что? Уже начинается?
(Смотрит на часы.)

Да, уже пора!

Ноябрь 1921
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos e Boris Schnaiderman}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

§

CONFISSÃO
(ESTILO RUDE)

Não, isto não é brincadeira!
Flores não têm olho vivo.
É destino. É destino.
Ve-Ve*, Maiakóvski! – Eu e você,
Nós, como se dizer em sovietês,
Balbuciamos num único bagulho?
Em re-so-fe-so-ru**,
No tatibitate do tatibicionário?
Fale francamente:
Kham!***
Sejamos orgulhosos ambos
Da severa sorte do som.
Restaremos os dois, de pé,
Junto à árvore do silêncio,
Ensopados de assobios.
Aos turcos da dúvida
Enxotaremos
Como Jan Sobieski****
Os enxotou de Viena.
Reis de ferro,
As coroas de ferro
De Cam
Pesadamente poremos na cabeça.
E – abram-se os sabres!
Das baínhas de antanho – luzam,
Reluzam!
Jazei, dias de paz!
Psst!
Jazei, velhas jeremiadas, Mierejkóvski.
Ele gemia, pai da nossa gentileza.
Os sons são 
Os instigadores da vida.
Responderemos orgulhosamente 
Com cantos loucos
À face do céu.
Sim, o vindouro
Não é um Cão, mas nós ambos. 
Construiremos rudes vigas
Sobre o enxame dos humanos
.
Início de 1922
.

ПРИЗНАНИЕ
КОРЯВЫЙ СЛОГ

Нет, это не шутка!
Не остроглазья цветы.
Это рок. Это рок.
Вэ-Вэ, Маяковский! — Я и ты,
Нас как сказать по-советски,
Вымолвить вместе в одном барахле?
По Рософесорэ,
На скороговорок скорословаре?
Скажи откровенно:
Хам!
Будем гордиться вдвоем
Строгою звука судьбой.
Будем двое стоять у дерева молчания,
Вымокнем в свисте.
Турок сомненья
Отгоним Собеским
Яном от Вены.
Железные цари,
Железные венцы
Хама
Тяжко наденем на голову,
И — шашки наголо!
Из ножен прошедшего — блесните, блесните!
Дни мира, усните,
Цыц!
Старые провопли, Мережковским усните,
Рыдал он папашей нежности нашей.
Звуки — зачинщики жизни.
Мы гордо ответим
Песней сумасшедшей
В лоб небесам.
Да, но пришедший
И не Хам, а Сам.
Грубые бревна построим
Над человеческим роем.

Начало 1922
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Augusto de Campos}, em "Poesia Russa Moderna' [Traduções Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
Ve-Ve. Iniciais do nome de Maiakóvski (Vladímir Viadímirovitch e dos prenomes dos dois poetas (Vielimir Vladímir).
** Re-so-fe-so-ru. Abreviação de República Socialista Federativa Soviética.
*** Kham. A palavra, que contém as iniciais de Khlébnikov e Maiakóvski, significa eu russo “grosseiro”, “canalha”, “pessoa rude”. É também nome próprio: o nome bíblico do filho de Noé (em português, Cam ou Cão), amaldiçoado pelo patriarca por ter contemplado sua nudez e escarnecido dela. Khlébnikov faz alusão ao livro “Griadúschi Kham” (O Kham Vindouro), publicado em 1906 por Dmítri Mierejkóvski (1865-1941), literato russo ligado aos círculos místico-filosóficos da época. Rompendo com o regime comunista, Mierejkóvski se exilou, em 1917, em Paris, onde veio a morrer. No livro citado, ele profetizava a vitória do populacho, da canalha, na qual incluía os “futuristas”. Em “Kham” ele vislumbrava a alegria de um novo “Anticristo”, um “escravo reinante”, um falso rei que dominava o mundo. As “profecias” apocalípticas de Mierejkóvski eram objeto de sarcasmo dos cubofuturistas como Maiakóvski e Krutchônikh e, como se vê, do próprio Khlébnikov, que, por sua vez profético, assume a “coroa de ferro” de Kham e a condivide com seu companheiro de lutas, Maiakóvski, em nome de todos os poetas, “presidentes do globo terrestre”.
**** Jan Sobieski. Soberano polaco que derrotou os turcos às portas de Viena (1683).

§

RECUSA
Agrada-me bem mais 
Olhar estrelas 
Do que assinar sentenças 
De morte. 
Agrada-me bem mais 
Ouvir a voz das flores 
Que, murmurando é ele, 
Meneiam as corolas 
Quando eu cruzo o jardim 
Do que ver os escuros 
Fuzis da guarda 
Matarem quantos querem 
Matar-me – 
Por isso eu não serei 
– jamais – um governante.

Janeiro-abril de 1922
.

ОТКАЗ
Мне гораздо приятнее
Смотреть на звезды,
Чем подписывать смертный приговор.
Мне гораздо приятнее 
Слушать голоса цветов,
Шепчущих "это он!",
Когда я прохожу по саду,
Чем видеть ружья,
Убивающих тех, кто хочет
Меня убить.
Вот почему я никогда,
Никогда
Не буду правителем!

[Январь-апрель 1922]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Boris Schnaiderman}, em "Poemas russos". [Organização Mariana Pithon e Nathalia Campos, vários tradutores]. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2011.

§

Basta-me...
Basta-me um mínimo: 
lasca de pão, 
gota de leite 
e, céu acima, 
nuvens alvíssimas.

1912, 1922
.

Мне мало надо!
Краюшку хлеба
И капля молока.
Да это небо,
Да эти облака!

[1912 -1922]
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников).. {tradução Boris Schnaiderman e Nelson Ascher}, em "Poemas russos". [Organização Mariana Pithon e Nathalia Campos, vários tradutores]. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2011.

§

EU E A RÚSSIA
A Rússia libertou milhares e milhares
Um gesto nobre! Um gesto inesquecível!
Mas eu tirei a camisa
e cada arranha-céu espelhado de meus cabelos,
cada ranhura
da cidade do corpo
expôs seus tapetes e tecidos de púrpura.
As cidadezinhas e os cidadãos
do Estado Mim
juntavam-se às janelas dos cabelos.
as olgas e os ígores,
não por imposição
mas para saudar o Sol, através da pele.
Caiu a prisão da camisa!
Nada mais fiz do que tirá-la.
Estava nu junto ao mar.
Dei Sol aos povos de Mim!
Assim eu libertava
milhares e milhares.
.

Я И РОССИЯ
Россия тысячам тысяч свободу дала.
Милое дело! Долго будут помнить про это.
А я снял рубаху,
И каждый зеркальный небоскреб моего волоса,
Каждая скважина
Города тела
Вывесила ковры и кумачовые ткани.
Гражданки и граждане
Меня — государства
Тысячеоконных кудрей толпились у окон.
Ольги и Игори,
Не по заказу
Радуясь солнцу, смотрели сквозь кожу.
Пала темница рубашки!
А я просто снял рубашку — 
Дал солнце народам Меня!
Голый стоял около моря.
Так я дарил народам свободу,
Толпам загара.

(1921)
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em "Poemas de Khlébnikov – Vielemir Khlébnikov". [introdução, tradução e notas de Marco Lucchesi; prefácio de Antonio Carlos Villaça; 'orelhas' de Fernando Py]. Edição bilíngue. Niterói: Cromos, 1993.

§

VERSOS A BLOK
Meninas, aquelas que passam
calçando botas de olhos negros,
nas flores de meu coração.
Meninas que pousam as lanças
no lago de suas pupilas
Meninas que lavam as pernas
no lago de minhas palavras.

(1921)
.

Девушки, те, что шагают
Сапогами черных глаз
По цветам моего сердца.
Девушки, опустившие копья
На озера своих ресниц.
Девушки, моющие ноги
В озере моих слов.

(1921)
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em "Poemas de Khlébnikov – Vielemir Khlébnikov".[introdução, tradução e notas de Marco Lucchesi; prefácio de Antonio Carlos Villaça; 'orelhas' de Fernando Py]. Edição bilíngue. Niterói: Cromos, 1993.

§

Os homens, quando amam,
Dão longos olhares
E longos suspiros.
As feras, quando amam,
Turvam os olhos,
Dando mordidas de espuma.
Os Sóis, quando amam,
Vestem a noite com tecidos de terra,
E dançam majestoso para a amada.
Os deuses, quando amam,
prendem o frêmito do cosmos,
como Púchkin – a chama de amor pela criada de Valkónski.

(1911)
.

Люди, когда они любят,
Делающие длинные взгляды
И испускающие длинные вздохи.
Звери, когда они любят,
Наливающие в глаза муть
И делающие удила из пены.
Солнца, когда они любят,
Закрывающие ночи тканью из земель
И шествующие с пляской к своему другу.
Боги, когда они любят,
Замыкающие в меру трепет вселенной,
Как Пушкин — жар любви горничной Волконского.

(1911)
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em "Poemas de Khlébnikov – Vielemir Khlébnikov". [introdução, tradução e notas de Marco Lucchesi; prefácio de Antonio Carlos Villaça; 'orelhas' de Fernando Py]. Edição bilíngue. Niterói: Cromos, 1993.

§

NÚMEROS
Eu vos contemplo, ó números!, 
vestidos de animais, em suas peles, 
as mãos sobre carvalhos destroçados. 
Mostrais a união entre o serpear 
da espinha dorsal do universo e o bailado da balança. 
Permitis a compreensão dos séculos, como os dentes 
numa breve gargalhada. 
Meus olhos se arregalam intensamente. 
Aprender o destino do Eu, se a unidade é seu dividendo.

(1912)
.

ЧИСЛА
Я всматриваюсь в вас, о, числа,
И вы мне видитесь одетыми в звери, в их шкурах,
Рукой опирающимися на вырванные дубы.
Вы даруете единство между змееобразным движением
Хребта вселенной и пляской коромысла,
Вы позволяете понимать века, как быстрого хохота зубы.
Мои сейчас вещеобразно разверзлися зеницы
Узнать, что будет Я, когда делимое его — единица.

(1912)
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em "Poemas de Khlébnikov – Vielemir Khlébnikov". [introdução, tradução e notas de Marco Lucchesi; prefácio de Antonio Carlos Villaça; 'orelhas' de Fernando Py]. Edição bilíngue. Niterói: Cromos, 1993.

Retrato de Khlebnikov, por Yuri Annenkov

FORTUNA CRÍTICA
BERNARDINI, Aurora Fornoni. O Sonho de Ka. in: Trans/Form/Ação vol. 2,  Marília  1975. Disponível no link. (acessado em 28.8.2016).
BERNARDINI, Aurora Fornoni. Poéticas do futurismo: russo e italiano. (Tese de Doutorado em Literatura Brasileira). Universidade de São Paulo, USP, 1973.
BERNARDINI, Aurora Fornoni. Materiais para o futurismo russo e italiano. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 1970.
DICK, André. Khlébnikov: inventor de palavras. in: IHU/Unisinos. Disponível no link. (acessado em 17.8.2016).
FRANCISCO JÚNIOR, Mário Ramos. Zanguézi, de Vielimir Khlébnikov: a utopia da obra de arte como síntese perfeita do universo. (Tese Doutorado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 2008.
GAGLIANONE, Isabela. A linguagem labiríntica de Khlébnikov. in: O Benedito, 1 de dezembro de 2014. Disponível no link. (acessado em 28.8.2016).
RAMOS, Isaac Newton Almeida. O sol de Vielimir Khlébnikov. Revista Ecos (Cáceres), v. 11, p. 49-59, 2011.


Desenho de Vielimir Khlebnikov

Boris Grigoriev e Khliébnikov (1916)

“[…] Ka é a sombra da alma, seu sósia, enviado para junto daquelas pessoas, com que sonha o senhor roncador. Para ele não há barreiras no tempo; Ka vai de sonho em sonho, atravessa o tempo e alcança os bronzes (os bronzes dos tempos).
Aconchega-se comodamente nos séculos, como numa cadeira de balanço. Não é acaso verdade que também a consciência reúne os tempos juntos, como a poltrona e as cadeiras na sala de visitas?”
- Vielimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em "Ka - Velimir Khlebnikov". [tradução Aurora Fornoni Bernardini]. Coleção Signos, 5. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.


Vielimir Khlébnikov
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Vielimir Khlébnikov - poeta futurista russo. Templo Cultural Delfos, agosto/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 28.8.2016.




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