COMPARTILHE NAS SUAS REDES

Mostrando postagens com marcador Ungulani Ba Ka Khosa - (re) construindo identidades. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ungulani Ba Ka Khosa - (re) construindo identidades. Mostrar todas as postagens

Ungulani Ba Ka Khosa - (re) construindo identidades

Ungulani Ba Ka Khosa - foto: Plural Editores
Ungulani Ba Ka Khosa, pseudônimo de Francisco Esau Cossa (escritor moçambicano), nascido a 1 de Agosto de 1957, em Inhaminga, província de Sofala, Ungulani Ba Ka Khosa é o nome tsonga – grupo étnico do Sul de Moçambique. Khosa, bacharel em História e Geografia pela Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, professor de carreira e atual diretor do Instituto Nacional do Livro e do Disco, de Moçambique. Khosa também exerceu a função de diretor-adjunto do Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual de Moçambique, participando na elaboração de roteiros e jornais cinematográficos. Filho de pais enfermeiros, Khosa completou os estudos secundários na Zambézia e tornou-se professor em 1978.

É autor de sete livros, Ualalapi (1987), Orgia dos Loucos (1990), Histórias de amor e espanto (1993), No reino dos abutres (2001), Os sobreviventes da noite (2008), Choriro (2009) e Entre as memórias silenciadas (2013). Co-fundador da revista literária Charrua, na década de 90, tem escrito crônicas e artigos para vários jornais africanos. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, recebeu ainda o prêmio Gazeta de Ficção Narrativa (1988), além de ter sido homenageado em 2003 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).  

Ualalapi, romance histórico e primeira obra de ficção que se dedica exclusivamente ao passado colonial de Moçambique e conta a ascensão de Ngungunhane, imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses ao final do século XIX, até o fim de seu império.

Autor de argumentos para cinema – Severino (1988), Kuxukuvala (1990, de José Passe) e Magustana (1991) – e exímio contador de histórias, Ungulani Ba Ka Khosa procura, segundo Sara Augusto (1995), «uma afirmação das línguas faladas em Moçambique, (…) utiliza as possibilidades retóricas oferecidas pelo tsonga, língua banto do sul do país, e valoriza a oralidade e a cultura, relativizando os factos históricos e tornando-os versão da realidade». 

O escritor foi condecorado pelo Estado português (juntamente com a escritora, também moçambicana, Paulina Chiziane), em 2013, com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique, em reconhecimento do mérito da sua obra.
:: Fonte: Plural Editores | Conteúdos em Português (acessado em 19.6.2016).
:: GONÇALVES, Adelto. Ungulani Ba Ka Khosa: a África que o Brasil não conhece. in: macua blogs, 28.8.2011. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).

"Por desconhecimento meu vai o mutsitso (introdução orquestral) e o mutsitso (final
orquestral). Os restantes andamentos ficarão ao cargo do leitor"
- Ungulani Ba Ka Khosa, em "No reino dos abutres". Maputo: Imprensa Universitária, 2002. p. 2.

Ungulani Ba Ka Khosa - foto: (...)

OBRAS DE UNGULANI BA KA KHOSA
:: Ualalapi. (romance). 1987; 2ª ed., Lisboa: Caminho, 1990; Maputo: Alcance Editores, 2008. (Grande Prémio de Ficção Narrativa da Associação dos Escritores de Moçambique, 1990) 
:: Orgia dos loucos. (contos). Maputo: AEMO, 1990.
:: Histórias de amor e espanto. Maputo: s.e., 1999.
:: No reino dos abutres. Maputo: Imprensa Universitária, 2002.
:: Os sobreviventes da noite. Maputo: Texto Editores, 2008. (Prémio José Caveirinha de 2007)
:: Choriro. Maputo: Alcance Editores, 2009; Lisboa: Sextante Editora, 2015.
:: Entre as memórias silenciadas. Maputo: Alcance Editores, 2013. (Prémio BCI de Literatura, 2012).

Obra de Ungulani Ba Ka Khosa publicada no Brasil
:: Ualalapi. (romance). Belo Horizonte: Nandyala, 2013.
:: O Rei Mocho. (infanto-juvenil).. [ilustrações Americo Amos Mavale]. série Contos de Moçambique. São Paulo: Editora Kapulana, 2016.

Antologia (participação)
:: Sonha Mamana Africa. [organização Cremilda Medina de Araújo]. São Paulo: Epopeia; Secretaria do Estado da Cultura, 1987.
:: Moçambique: encontro com escritores. de Michel Laban. Porto: Fundação eng. António de Almeida, 1998. {vol. 3 - encontro com: Jorge Viegas, Marcelo Panguana, Luís Carlos Patraquim, Paulina Chiziane, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Filimone Meigos, Elton Rebello, Suleiman Cassamo, Armando Artur, Eduardo White, Chagas Levene, Celso Manguana, Rui Jorge Cardoso, Bruno Macame}.


"O que sempre me fascina, nas noites africanas, são os pirilampos, esses animais de vida intermitente. Por entre as árvores, eles adquirem a sua plenitude em breves segundos. A Luz dá outra cor à savana. São momentos fascinantes nas nossas noites africanas. E são segundos que ficam retidos nas nossas retinas. Depois é o breu, a escuridão. Momentos depois vem a luz. São animais de vida inconstante. E nós, chamados animais superiores, tivemos, em tempos, o mesmo comportamento, melhor, o modo de estar na vida que os pirilampos. A nossa independência foi sempre coarctada." 
- Ungulani Ba Ka Khosa, em "No reino dos abutres". Maputo: Imprensa Universitária, 2002. p. 1.



Ungulani Ba Ka Khosa - foto: (...)
FORTUNA CRÍTICA DE UNGULANI BA KA KHOSA
AFOLABI, Niyi (org).. Emerging perspectives on Ungulani Ba Ka Khosa: prophet, triskster, and provacateur. Trenton: New Jersey/Asmara, Eritrea, Africa World Press, 2011, 458p.
APA, Livia. No hay mañana sin ayer – Outras narrativas da nação em Os sobreviventes da noite, de Ungulani Ba Ka Khosa, e Actas da Maianga, de Ruy Duarte de Carvalho. in: Via Atlantica, nº 17, junho 2010. Disponível no link. (acessado em 20.5.2016).
BENITO, Ana Belén García. Ungulani Ba Ka Khosa/ Mia Couto e a actualidade da memória através da linguagem. in: Anuario de Estudos Filológicos, vol. XXVIII, 2005, p. 71-89.
CHABAL, Patrick. The Post-Colonial Literature of Lusophone Africa. London: Hurst & Company, 1996. 
CHABAL, Patrick. Vozes Moçambicanas literatura e nacionalidade. Lisboa: Vega, 1994. 
DA SILVA, LonicencioO insólito e a crença nos contos. in: MMO - MZ,  28 de outubro, 2015. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
DÍAZ-SZMIDT, Renata. O legado tradicional africano e as influências ocidentais: a formação da identidade e da moçambicanidade na literatura pós-colonial de Moçambique. in: 7º Congresso Ibérico de Estudos Africanos, 9, Lisboa, 2010 - 50 anos das independências africanas: desafios para a modernidade: actas [Em linha]. Lisboa: CEA, 2010. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
DIOGO, Rosália Estelita Gregório. Ungulani ba ka Khosa: a literatura tem que transportar os valores das culturas e das línguas locais. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 14, n. 27, p. 187-193, 2º sem. 2010. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
DUTRA, Robson. Ungulani Ba Ka Khosa: literatura e eficácia. (entrevista). in: Jornal online Notícias, 23 setembro 2015. Disponível no link - e - link. (acessado em 17.5.2016).
FONSECA, Ana Margarida. Oral e o escrito em Ualalapi, de Ungulani Ba KA Khosa. Mulemba. Rio de"Janeiro: UFRJ, V.1,n.7, p.20-31,jul./dez.2012. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
FONSECA, Ana Margarida. Projectos de encostar mundos. Miraflores: Difel, 2002.
GONÇALVES, Adelto. Ungulani Ba Ka Khosa: a África que o Brasil não conhece. in: macua blogs, 28.8.2011. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
JB. Livro infantil 'O Rei Mocho' discute os conceitos de verdade e mentira dos homens. in: Jornal do Brasil, 12.4.2016. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
KHOSA, Ungulani Ba Ka. O passado não se impõe com medidas inquisitórias. Moçambique para todos. [entrevista concedida a Armando Nenane]. Maputo, 5 de fevereiro de 2010. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
LARANJEIRA, Pires. Literaturas africanas de expressao portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. 
LEITE, Ana Mafalda. Oralidades e Escritas nas Literaturas Africanas: Ualalapi, Ungulani Ba Ka Kosa. Lisboa: Colibri, 1998.
LEITE, Ana Mafalda. A dimensão anti-épica da moderna ficção moçambicana: Ualalapi de U.B.K. Khosa. Discursos, 9, fevereiro, 1995.
LIVRO infantil ‘O Rei Mocho’ de Ungulani Ba Ka Khosa publicado no Brasil. in: MozReal, 13 de abril de 2016. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
LUGARINHO, Mário César. A história sem sentido, o imaginário em crise: os heróis nacionais e as masculinidades em torno de Ulalapi, de Ungulani Ba KA Khosa. Revista Graphos, vol. 16, n° 1, 2014. Disponível no link. (acessado em 20.5.2016).
MANJATE, Lucílio. Como é que se escreve Choriro? Literatas - Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona, 2011. 
Ungulani Ba Ka Khosa - foto: (...)
OWEN, Hilary. As mulheres à beira de um império nervoso na obra de Paulina e Ungulani Ba Ka Khosa. in: Via Atlântica - USP, nº 17, junho 2010. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
PADILHA, Laura Calvacante. Ficção angolana pós-75: processos e caminhos. Discursos 9, fevereiro, 1995.
SOUZA, Ubiratã Roberto Bueno de.. A literatura entre lados da guerra: uma leitura comparativa de Os sobreviventes da noite, de Ungulani Ba Ka Khosa, e Neighbours, de Lilia Momplé. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 2014. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
SOUZA, Ubiratã Roberto Bueno de.. De um lado armas, do outro, palavras: apontamentos sobre a relação entre a literatura e a história em Os sobreviventes da noite, de Ungulani Ba Ka Khosa. in: Revista Crioula, nº 15, 2015. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
TEIXEIRA, Vanessa Ribeiro. Vozes marginais (re) construindo identidades na obra de Ungulani BA KA Khosa. Revista Diadorim - Revista de Estudos Linguísticos e Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vol. 13, Julho 2013, p. 349-357.
TUTIKIAN, Jane Fraga. Ungulani Ba Ka Khosa: o romancista das memórias marginalizadas. Mulemba. Rio de Janeiro: UFRJ, V.1, n. 11, pp. 60- 76, jul./dez. 2014. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).
WALTER, E. M.. A dimensão do fenómeno superstição em contos de Ungulani Ba Ka Khosa e Mia Couto. (Dissertação grau de licenciatura em Linguística), Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2002.
WIESER, Doris. Aculturação, “cafrealização” e identidade moçambicana em Choriro, de Ungulani Ba Ka Khosa. in: Navegações - Revista de Cultura e Literaturas de Língua Portugues, vol. 8, nº 2, 2015. Disponível no link. (acessado em 19.5.2016).



Ungulani Ba Ka Khosa - foto: (...)

CITAÇÕES, EXCERTOS E AFORISMOS

"Sempre digo que quando o elemento gregário é a política e não a cultura, o risco da amnésia colectiva é grande. A política, pela sua conveniência, desmemorializa. O que acho grave é quando a amnésia torna-se endémica (...) Quantos de nós suportaram esses desnudamentos da cidadania? Quantos os que pela margem do tempo foram excluídos da História? Pergunta-se: a estrutura da nossa cidadania alicerça-se em quê? Esta é a questão dos nossos tempos. (...) O que é grave é a passagem do ontem para hoje fazer-se de uma maneira acrítica e sem o denominador básico que é a cultura, fonte que nos permite atravessar todas as pontes de maneira soberana. (...) Que espaço ocupa hoje a ideia da memória colectiva na construção da nossa sociedade?"
- Ungulani Ba Ka Khosa, em “O passado não se impõe com medidas inquisitórias”. Moçambique para todos.[entrevista concedida a Armando Nenane]. Maputo, 5 de fevereiro de 2010.


"Numa voz entrecortada, chorosa, mas que ia ganhando força ao longo do discurso, como é próprio das pessoas que têm a mestria de falar para o povo, Mudungazi começou o seu discurso perante os chefes guerreiros afirmando que as coisas da planície não têm fim.
Há muitas e muitas colheitas que aqui chegamos com as nossas lanças embebidas em sangue e os nossos escudos fartos de nos resguardarem. Ganhamos batalhas. Abrimos caminhos. Semeamos milho em terras sáfaras. Trouxemos chuva para estas terras adustas e educamos gente brutalizada pelos costumes mais primários. E hoje essa gente está entre vocês, Nguni!"
- Ungulani Ba Ka Khosa, em "Ualalapi". Lisboa: Caminho, 1990, p. 28-29.


"(...) dignidade que dá aos mortos, presenteando-os com traços que sempre renova quando a memória do tempo teima em apagá-los com a chuva e o vento a abaterem-se sobre as paredes. Em dias ou semanas em que a morte física não se faz ao campo, é reconfortante ver o velho com os seus fios de algodão desgrenhados na cabeça e no queixo debruçado nas paredes dos defuntos, restaurando os sinais dos mortos com a sobriedade e o talento que nada deviam, em aprimoramento, aos restauradores de museus de antiguidades remotas e recentes. Faz as tintas com as areias e os pincéis com casca de maçaroca ou ramo de árvore apropriada. Durante a manhã e parte da tarde, o velho passava de palhota em palhota, exercitando o seu talento de restaurador na precisão milimétrica que dava ao traço caracterizador da personalidade do defunto. Os comandantes do campo não enxergavam nos traços do velho Tomás outro sinal senão o da restauração do ar colorido que as casas emprestavam à imensidão do verde na época chuvosa e do castanho na época seca, cores que marcam as estações tropicais (...) Para os militares da nossa proteção, os traços do velho Tomás não podiam representar a perpetuação da memória dos que foram, mas a vivificação do campo, o alegrar de cores vivas que faltavam à monotonia do verde e do castanho sob o azul do céu que se manchava, com frequência, da plúmbea cor anunciadora da chuva que caia pesada e abruptamente sobre as terras. Para eles, o velho era ainda um camarada, daí o respeito e consideração, pois esperavam que os altos dignitários limpassem a sua folha de modo a gozar a liberdade por que lutara." - Ungulani Ba Ka Khosa, no livro "Ualalapi". Belo Horizonte: Nandyala, 2013, p. 51.


"– Podeis matar-me, rei, podeis esquartejar-me. Vós tendes o poder imperial que pesa no vosso corpo desde a nascença. Mas eu, vassalo como todos os que vedes à vossa frente, nada fiz, nada disse a inkonsikazi. É esta a minha verdade. Sei que dividais dela, pois a palavra de inkonsikazi é sagrada aos vossos ouvidos e a de todos os súbditos. Podeis matar-me, rei, pois há muito que foi dito que morrerei desta forma inocente. Mas antes de me matarem, peço que me submeta ao mondzo para que a minha inocência fique provada perante o seu povo. E mais não disse, pois os olhos, com um brilho indescritível, carregavam toda a verdade que as palavras não conseguiam exprimir. E aqueles que tiveram a coragem de os ver viveram amargurados pelas insónias por se sentirem cúmplices dum crime (...)."

-  Ungulani Ba Ka Khosa, em "Ualalapi". Lisboa: Caminho, 1990.


"Estes homens cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que enlouqueceram Manua e que vos aprisionarão. (…) Exigirão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que tirou crianças dos ventres das vossas mães e mulheres. O papel com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas."

-  Ungulani Ba Ka Khosa, em "Ualalapi". Lisboa: Caminho, 1990, p. 118.


"O que fiz de mal? De política nada percebo e nem quero entender; nunca entrei num grupo dinamizador, nunca fui militante de coisa nenhuma senão da minha madeira, das minhas estantes! Porque é que me foram tirar a minha verdadeira vida? Por quê? Questionava-se sempre"

- Ungulani Ba Ka Khosa, em "No reino dos abutres". Maputo: Imprensa Universitária, 2002. p. 45.


"Cientes da insondabilidade das trevas, os homens do acampamento acendiam pequenas lareiras; tentavam abrir pequenas brechas de luz na noite que se alargava com os seus segredos, os seus espíritos, os seus fantasmas, os seus enigmas. Sabiam que a hiena anda de noite. O que não sabiam, o que não assumiam, é que o caos estava entranhado nos espíritos de todos os que, sentados à volta de pequenas fogueiras que atiravam a luz ao alto, riam e esperavam. Eros há muito que havia desertado do acampamento."
- Ungulani Ba Ka Khosa, no livro "Os sobreviventes da noite". Maputo: Texto, 2008, p.86.


CONTOS E ESTÓRIAS CURTAS

20 de maio
Não temo a morte. Daqui a uns minutos cortarei as minhas veias e deixarei o sangue escorrer, vermelho como esta pátria. Vou morrer em silêncio ao lado do meu filho já morto. E se escrevo estas linhas não é com intenção de figurar em praça alguma, quero despedir-me dos vivos sem rancores, sem pensar em Deus, porque Esse tiraram-mo há muitos anos. Penso na criança que não pediu para vir a esta terra. Penso no trabalho dos coveiros, no frio da morgue que não sentirei, na autópsia, no à-vontade dos médicos a desfigurar-me o corpo e a suturá-lo no jeito das costureiras habilidosas, nos serventes que falarão da vida e do futebol, sentados à volta do meu corpo. Penso em tudo isto, e não, o que é engraçado, no pão que me falta, nas andanças infrutíferas pelas lojas vazias, nas perguntas desesperadas do meu filho, no silêncio secular do pai, nos negócios que não sei fazer, no dinheiro que não tenho, na guerra que me chega aos ouvidos, nas palavras que enchem as casas, na puta que não consegui ser, na moral de baixo metida no travesseiro, nos planos falhados, na vida falhada, enfim em nada disso. O meu olhar está virado para o meu filho e para os sonhos que poderia ter tido, porque o futuro deixou de existir no dia, não muito distante, em que vi uma mulher, com o filho às costas, atirando-se aos testículos do controlador de senhas da cooperativa, exigindo que o homem distribuísse com dignidade as senhas para a compra do leite que tanta falta fazia ao filho, e às outras crianças cujas as mães se encontravam na bicha, cansadas, nervosas, impacientes, mas esforçando-se ainda por rir do homem que gritava e chorava, pedindo aos presentes e ausentes que o acudissem, coisa que ninguém fez, e a mulher, irritada que estava, só os largou quando notou que os olhos do homem estavam a tomar rumos incertos. Deixei de ter futuro. Deixei de dar importância ao presente. Deixei de existir.
- Ungulani Ba Ka Khosa, em "No reino dos abutres". Maputo: Imprensa Universitária, 2002. p. 34-35.



Ungulani Ba Ka Khosa
© Direitos reservados ao autor

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske

=== === ===

Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Ungulani Ba Ka Khosa - (re) construindo identidades. Templo Cultural Delfos, setembro/2021. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
** Página atualizada em  7.9.2021.
* Página original MAIO/2016.



Licença de uso: O conteúdo deste site, vedado ao seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuando os casos especificados em contrário. 
Direitos Reservados © 2021 Templo Cultural Delfos

COMPARTILHE NAS SUAS REDES