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D. H. Lawrence - poemas

D. H. Lawrence - escritor inglês
David Herbert Lawrence (1885 – 1930), ou D. H. Lawrence, como é mais conhecido, foi um importante romancista, dramaturgo, poeta e crítico literário do modernismo inglês. Apesar de mais conhecido por seus romances, como O Amante de Lady Chatterley ou A Virgem e o Cigano, Lawrence foi autor de cerca de 800 poemas, organizados em 12 volumes, fora as antologias. Até o seu segundo volume, Amores (1916), ele escrevia com metro e rima, mas passa a adotar o verso livre whitmaniano a partir do terceiro livro, Look! We have come through! (1917).
Fonte: Escamandro.

>> Leia e saiba mais sobre o escritor D. H. Lawrence (biografia, obra publicada no Brasil, outros poemas em edição bilíngue, fortuna crítica e obra adaptada para o cinema). AQUI!



D.H. Lawrence - by Jan Juta (1920) - © collection
National Portrait Gallery, London
"E quanto aos poetas neste nó? Eles revelam o desejo interno da humanidade. O que revelam? Eles mostram o desejo por caos e, ao mesmo tempo, o medo do caos. O desejo pelo caos é a respiração de sua poesia. O medo do caos está no desfile de formas e técnicas. Poesia, dizem, é feita de palavras. Então, sopram-se bolhas de som e imagem, que, em seguida, irão estourar com a respiração que anela pelo exato caos que a preenche. Os poetastros podem fazer bolinhas bonitas e brilhantes para a árvore de natal, as quais nunca se rompem, porque não há sopro dentro delas: elas permanecem até o momento em que as deixamos cair."

- D.H. Lawrence em "Caos em poesia. D.H. Lawrence". [tradução Wladimir Garcia]. Florianópolis: Editora Cultura e Barbárie, 2016, pg. 36.


****
Seleção de Poemas de D.H. Lawrence em edição bilíngue

Os dois lados da medalha
E porque você me ama,
você pensa que não me odeia?
Ah, desde que você me ama
até ao arrebatamento
segue-se que você me odeia arrebatadamente.

Porque quando você me ouve
ir estrada abaixo fora da casa
você tem que chegar à janela para me ver,
acha que é pura adoração?

Porque, quando me assento no quarto,
aqui, na minha própria casa,
e você quer expandir-se com este meu amigo,
amigo como ele é,
mesmo assim você não pode ir além da sua consciência de mim,
você se detém por eu estar no mesmo mundo com você,
pensa que isto é êxtase somente?
harmonia total?

Nenhuma dúvida, se eu estivesse morto, você deveria
alcança-me na morte,
mas não iria o seu ódio demente muito além do seu amor?
o seu ódio apaixonado, inacabado?

Visto que você está apaixonada por mim,
como eu por você,
não fica essa paixão no seu caminho como o asno de Balaão?
e não sou eu o asno de Balaão
boca de ouro, ocasionalmente?
Acima de tudo, não detesta você meu zurro?

Desde que você está confinado à minha órbita
não detesta o confinamento?
Não é até mesmo a beleza e paz de uma órbita
uma prisão intolerável para você,
como é para todo mundo?

Mas nós aprendemos a nos submeter
cada um de nós à órbita eterna e equilibrada
na qual circundamos nosso destino
em estranha conjunção.

O que é o caos, meu amor?
Não é liberdade.
Uma desordem de estrelas cadentes resultando em nada.

*

Both sides of the medal
And because you love me,
think you you do not hate me?
Ha, since you love me
to ecstasy
it follows you hate me to ecstasy.

Because when you hear me
go down the road outside the house
you must come to the window to watch me go,
do you think it is pure worship?

Because, when I sit in the room,
here, in my own house,
and you want to enlarge yourself with this friend of mine,
such a friend as he is,
yet you cannot get beyond your awareness of me,
you are held back by my being in the same world with you,
do you think it is bliss alone?
sheer harmony?

No doubt if I were dead, you must
reach into death after me,
but would not your hate reach even more madly than your love?
your impassioned, unfinished hate?

Since you have a passion for me,
as I for you,
does not that passion stand in your way like a Balaam’s ass?
and am I not Balaam’s ass
golden-mouthed occasionally?
But mostly, do you not detest my bray?

Since you are confined in the orbit of me
do you not loathe the confinement?
Is not even the beauty and peace of an orbit
an intolerable prison to you,
as it is to everybody?

But we will learn to submit
each of us to the balanced, eternal orbit
wherein we circle on our fate
in strange conjunction.

What is chaos, my love?
It is not freedom.
A disarray of falling stars coming to nought.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Matrimônio

I

Vem cá, minha pequena, mais pra perto de mim,
Arraste-se para cima, sua cabeça redonda apertada contra meu peito.

Como amo você toda! Você me percebe envolvendo você
Comigo e meu calor, como uma chama em volta do pavio?

E como não sou nada, exceto uma chama que cresce em você.
Onde te toco, incendeio-me em direção ao ser; mas sou eu, ou você?

Essa cabeça redonda apertada no meu peito, como uma noz em sua casca,
E eu a bráctea viva que a embainha: estes seios, estas coxas e joelhos,

Estes ombros tão quentes e macios: sinto que eu
Sou um raio de sol sobre eles, que os faz brilhar em direção ao ser.

Como é encantador ser você! Arraste-se para mais perto, para que eu seja mais.
Esparramo-me sobre você! Encantadores, sua cabeça redonda, seus braços,

Seus seios, seus joelhos e pés! Sinto que nós
Somos a mesma fogueira, eu, espalhada chama crepitando em seu redor,
Você, o centro do fogo, arrastado para dentro de mim.

II

E, ó, minha pequena, você que eu envolvo,
Quão tremendamente dependo de você para me manter vivo
Como uma chama num pavio!
Eu, o homem que a envolve e a mantém perto,
Como a minha alma adere ao seu peito enquanto te aperto
A verdadeira essência do meu ser!

Suponha que você não me quisesse! Eu declinaria
Como uma luz que não se sustenta
E se extingue.
Acaricie-me, minha pequenina, acaricia aquele que te envolve.
Alimente-me, acolha-me, sou somente seu,
Sou sua obra.

Quão inteira e grande como uma chama robusta, feliz
Quando a envolvo, e você se arrasta até mim,
E minha vida é ardente em sua essência
Quando ela vem de você!

III

Minha pequena, minha gigante,
Meu pássaro, meu pardal cinza em meu peito.
Meu esquilo agarrando-se a mim;
Minha pomba, minha pequena, tão quente,
Tão próxima, respirando tão calma.

Minha pequena, minha gigante,
Eu, que sou tão violento e forte, envolvendo-a,
Se você se afasta do meu peito, e me deixa,
Subitamente irei em direção ao nada
Como uma chama que se apaga de súbito.

E você estará diante de mim, alta e elevada,
E eu estarei oscilando incerto
Como uma chama fraca, ávida por sustento.

IV

Mas agora estou inteiro e forte e certo
Com você firme no centro de mim
Mantendo-me.

Quão seguro me sinto, quão forte e cálido e feliz
Quanto ao futuro! Quão seguro o futuro está dentro de mim
Sou como uma semente com uma flor perfeita dentro.

Imagino o que será,
O que virá de nós.
Que flor, minha amada?

Não interessa, estou tão feliz,
Sinto-me como uma raiz firme, fértil, saudável,
Regozijando-se com o que virá.

Como dependo de você completamente,
Minha pequena, minha gigante!
Como tudo que será, não será de mim,
Nem de nenhum de nós
Mas de nós dois.

V

E pense, algo virá de nós,
Nós dois, abraçados juntos, tão pequenos,
Algo virá de nós.
Crianças, atos, expressões,
Talvez apenas felicidade.

Talvez apenas felicidade virá de nós.
Velha tristeza e nova felicidade.
Apenas essa novidade.
Mas isso é tudo que quero.
E eu estou certo disso.
Estamos certos disso.

VI

Mesmo assim enquanto você é você, você não é eu.
Eu sou eu, eu nunca sou você.
Quão terrivelmente diferentes e distantes somos dos nossos seres!

Mesmo assim estou alegre.
Estou tão contente de você sempre existir além do meu alcance,
Algo que fica,
Algo que eu nunca serei,
Com o qual sempre hei de me surpreender e esperar,
Procurar como o sopro da vida enquanto viver,
Ainda esperando você, por mais velha que esteja, e eu também,
Sempre hei de me surpreender com você e procurar você.

*

Wedlock

I

Come, my little one, closer up against me,   
Creep right up, with your round head pushed in my breast.           

How I love all of you! Do you feel me wrap you    
Up with myself and my warmth, like a flame round the wick?      

And how I am not at all, except a flame that mounts off you.       
Where I touch you, I flame into being; but is it me, or you?           

That round head pushed in my chest, like a nut in its socket,         
And I the swift bracts that sheathe it: those breasts, those thighs and knees,        

Those shoulders so warm and smooth: I feel that I 
Am a sunlight upon them, that shines them into being.       

But how lovely to be you! Creep closer in, that I am more.
I spread over you! How lovely, your round head, your arms,         

Your breasts, your knees and feet! I feel that we    
Are a bonfire of oneness, me flame flung leaping round you,        
You the core of the fire, crept into me.        

II

And oh, my little one, you whom I enfold, 
How quaveringly I depend on you, to keep me alive          
Like a flame on a wick!        
I, the man who enfolds you and holds you close,   
How my soul cleaves to your bosom as I clasp you,
The very quick of my being! 

Suppose you didn’t want me! I should sink down  
Like a light that has no sustenance   
And sinks low.          
Cherish me, my tiny one, cherish me who enfold you.        
Nourish me, and endue me, I am only of you,         
I am your issue.         

How full and big like a robust, happy flame
When I enfold you, and you creep into me, 
And my life is fierce at its quick      
Where it comes off you!       

III

My little one, my big one,     
My bird, my brown sparrow in my breast.   
My squirrel clutching in to me;         
My pigeon, my little one, so warm,  
So close, breathing so still.    

My little one, my big one,     
I, who am so fierce and strong, enfolding you,       
If you start away from my breast, and leave me,     
How suddenly I shall go down into nothing           
Like a flame that falls of a sudden.  

And you will be before me, tall and towering,        
And I shall be wavering uncertain    
Like a sunken flame that grasps for support.           

IV

But now I am full and strong and certain    
With you there firm at the core of me          
Keeping me.  

How sure I feel, how warm and strong and happy  
For the future! How sure the future is within me
I am like a seed with a perfect flower enclosed.      

I wonder what it will be,      
What will come forth of us.  
What flower, my love?         

No matter, I am so happy,    
I feel like a firm, rich, healthy root,  
Rejoicing in what is to come.

How I depend on you utterly,
My little one, my big one!     
How everything that will be, will not be of me,      
Nor of either of us,    
But of both of us.      

V

And think, there will something come forth from us,         
We two, folded so small together,   
There will something come forth from us.   
Children, acts, utterance,      
Perhaps only happiness.        

Perhaps only happiness will come forth from us.     
Old sorrow, and new happiness.      
Only that one newness.         
But that is all I want.
And I am sure of that.          
We are sure of that.   

VI

And yet all the while you are you, you are not me.
And I am I, I am never you.
How awfully distinct and far off from each other's being we are!

Yet I am glad.
I am so glad there is always you beyond my scope,
Something that stands over,
Something I shall never be,
That I shall always wonder over, and wait for,
Look for like the breath of life as long as I live,
Still waiting for you, however old you are, and I am,
I shall always wonder over you, and look for you.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

O desejo está morto
O desejo pode estar morto
e mesmo assim um homem pode ser
um ponto de encontro para o sol e a chuva,
deslumbramento que antecede a dor
como numa árvore invernal.

*

Desire is dead
Desire may be dead
and still a man can be
a meeting place for sun and rain,
wonder outwaiting pain
as in a wintry tree.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Manifesto

                    I

Uma mulher me deu força e afluência.
Aceito!

Todo o trigo oscilante do Canadá, amadurecendo agora,
não tem tanta força como o corpo de uma única mulher
doce espiga, não muito para dar
ainda que alimente nações.

A fome é o verdadeiro Satã.
O medo da fome é Moloch, Belial, o horrível Deus.
É uma coisa pavorosa ser dominado pelo medo da fome.
Nem só o pão, nem o estômago, nem a garganta sedenta.
Nunca fui afetado pelo estômago, pela falta de pão,
não, nem mesmo de leite e mel.

O medo da necessidade dessas coisas parece ter sido afastado de mim.
Por tudo isso, agradeço às boas gerações da humanidade.

                    II

E o doce, constante, equilibrado calor
do suave sensível corpo, a fome disso
nunca me pegou nem me aterrorizou.
Aqui, de novo, o homem foi bom no seu legado a nós, nessas duas instâncias primárias.

                    III

Então a muda, doída, amarga, desamparada  necessidade,
o ânsia de ser iniciado,
ter acesso ao conhecimento que os grandes mortos
abriram para nós, conhecer, satisfazer
a grande e dominante fome da mente;
a colheita mais doce dos séculos, livros atraentes, impressos,
luminosos, resplandecentes, primorosa semente de muitas e teimosas
glebas nas trevas reviradas;
agradeço à humanidade com o coração ardente
pois escapei também a essa fome,
pois eles me foram dados quando eu deles necessitava,
pois eu sou o filho do homem.
Comi, e bebi, e aqueci e vesti meu corpo,
foi-me ensinada a linguagem da compreensão,
escolhi entre os luminosos e maravilhosos livros,
como qualquer príncipe; esses estoques do suprimento do mundo
estavam abertos a mim, na sabedoria e bondade do homem.
Até aqui, tudo bem.
Sábia, boa provisão que faz o coração inflar de amor!

                    IV

Mas então veio outra fome
muito profunda, e voraz;
o verdadeiro choro do corpo do corpo
com uma fome mais ameaçadora, mais profunda
do que a do estômago ou da garganta ou mesmo da mente;
mais vermelha do que a morte, mais clamorosa.

A fome da mulher. Ai de mim,
é um Moloch tão profundo, cruel e forte,
é como o inexprimível nome do temível Senhor,
que nunca deve ser pronunciado.

Mesmo assim lá está ela, a fome que nos alcança,
que precisamos aprender a satisfazer com uma pura, real satisfação;
ou perecer, não existe alternativa.

Eu achei que era a mulher, qualquer mulher,
Mero anexo feminino do que eu era.
Ah, isso era tormento duro o bastante
e algo a se temer,
um ameaçador, torturante, fálico Moloch.
Uma mulher saciou essa fome finalmente.
O que muitas mulheres não podem dar, uma pode;
assim, eu soube.

Ela ficou na minha frente como riquezas que eram minhas.
Mesmo assim, no escuro, eu estava torturado, voraz, preso,
Envergonhado, e escandaloso, e depravado.
Um homem fica aterrorizado por uma fome forte;
E esse terror é a raiz de toda crueldade.
Ela me amou e ficou na minha frente, olhando para mim.
Como eu podia olhar, estando louco? Olhei de lado, furtivamente,
louco com um desejo voraz.

                    V

Isso chegou a bom termo finalmente.
Quando um homem é rico, ele perde afinal o medo da fome.
Perdi finalmente a ferocidade que teme morrer de fome.
Pude colocar finalmente meu rosto entre os seios dela
e saber que eles tinham sido dados para sempre
que eu nunca mais morreria de fome,
nunca pereceria;
eu tinha comido do pão que satisfaz
e o corpo do meu corpo estava apaziguado,
havia paz e riqueza,
completude.

Deixe quem quiser elogiar o desejo,
mas somente a satisfação cumpre,
É nossa confirmação,
nosso paraíso, na verdade.
Imortalidade, o paraíso, é somente uma projeção dessa
estranha mas real completude,
aqui na carne.

Então, outra fome foi apaziguada,
e por isso tenho que agradecer a uma mulher,
não à humanidade, pois a humanidade ter-me-ia impedido;
mas a uma mulher
e essa é minha ação de graças em letra vermelha.

                    VI

Ser ou não ser ainda é a questão.
Esse desejo ansioso de ser é a fome fundamental.
E para mim mesmo eu posso dizer “quase, quase, oh, por pouco”.
Mesmo assim alguma coisa perdura.
Alguma coisa não perdurará sempre.
Pois o essencial já é completude.

O que perdura em mim é para ser conhecido enquanto conheço.
Eu a conheço agora: ou talvez, eu conheça minha própria limitação em relação a ela.
Mergulhando como fiz, sobre, sobre a beira do abismo
caí finalmente de ponta-cabeça dentro do nada, mergulhando na
completa e áspera extinção;
cheguei, como se diz, ao não saber,
morri, como se diz; cessei de conhecer; superei-me.
O que posso dizer mais, exceto que eu sei o que é superar-me?
É um tipo de morte que não é morte.
É ir um pouco além dos limites.
Como se pode falar, quando há um silêncio na nossa boca?
Suponho que ela, finalmente, está completamente além de mim,
Ela é completamente não-eu, essencialmente.
É a isto que chegamos.
Uma curiosa agonia, e um alívio, quando toco aquilo que não sou eu
em qualquer sentido,
fere-me de morte com o meu próprio não-ser; limitação definitiva, inviolável,
e alguma coisa além, muito além, se você compreende o que significa isso.
É a parte maior do ser, este superar a si mesmo,
este ter tocado a margem do além, e sucumbir, e mesmo assim não ter sucumbido.

                    VII

Apesar disso, quero que ela obtenha o mesmo de mim.
Ela me toca como se eu fosse ela mesma, ela própria.
Ela não percebeu ainda, esta coisa horrenda, que eu sou o outro,
ela pensa que somos uma peça só.
Isso é dolorosamente falso.

Quero que ela me toque finalmente, ah, na raiz e essência da minha escuridão
e pereça em mim, como pereci nela.

Então, seremos dois e distintos, teremos cada um nosso ser separado.
E isso será pura existência, liberdade real.
Até lá, somos confundidos, uma mistura, irresolutos, não separados um do outro.
É numa pura, indizível determinação, distinção do ser, que somos livres,
não na mistura, na fusão, não na similaridade.
Quando ela colocar suas mãos nas minhas origens mais sombrias,
secretas, os mais sombrios eflúvios,
quando ela compreender, como uma morte, “isto é ele!”
ela não tem parte nisso, nenhuma parte,
é o terrível outro,
quando ela conhecer a terrível outra carne, ah, escuridão insondável
e terrível, contígua e concreta,
quando ela for morta junto a mim, e deixada numa pilha como algo fora da casa,
quando ela falecer como faleci,
sendo empurrada contra o outro,
então ficarei alegre, não ficarei confundido com ela,
serei iluminado, distinto, singular como se polido em prata,
sem aderência, nenhuma adesão em lugar nenhum,
um ser iluminado, polido, isolado, único,
e ela também, pura, isolada, completa,
nós dois, indiscutivelmente distintos, e em conjunção indizível.

Então seremos livres, mais livres do que anjos, ah, perfeitos.

                    VIII

Depois disso, somente restará aos homens separarem-se e tornarem-se únicos,
que fiquemos todos separados, movendo-nos em liberdade mais que a dos anjos,
condicionados somente pelo nosso próprio puro ser singular,
não tendo nenhuma lei exceto a lei do nosso próprio ser.
Cada ser humano será como uma flor, desimpedido.
Cada movimento será direto.
Apenas ser será uma tal delicia, cobrimos nossa face quando pensamos nisso
com receio de que nossa face nos traia a algum demônio extemporâneo.
Cada homem ele mesmo e, portanto, uma insuperável singularidade do gênero humano.

O tigre fulgurante saltará sobre o veado, desembaraçado,
a galinha abrigará seus filhotes,
amaremos, odiaremos,
mas será como música, pura expressão,
saindo diretamente do desconhecido,
o raio e o arco-íris aparecendo em nós, espontâneos, incontrolados,
como embaixadores.

Não olharemos antes e depois.
Seremos, agora.
Saberemos totalmente.
Nós, o místico AGORA.

*

Manifesto

                    I

A woman has given me strength and affluence.
Admitted!

All the rocking wheat of Canada, ripening now,
has not so much of strength as the body of one woman
sweet in ear, nor so much to give
though it feed nations.

Hunger is the very Satan.
The fear of hunger is Moloch, Belial, the horrible God.
It is a fearful thing to be dominated by the fear of hunger.
Not bread alone, not the belly nor the thirsty throat.
I have never yet been smitten through the belly, with the lack of bread,
no, nor even milk and honey.

The fear of the want of these things seems to be quite left out of me.
For so much, I thank the good generations of mankind.

                    II

And the sweet, constant, balanced heat
of the suave sensitive body, the hunger for this
has never seized me and terrified me.
Here again, man has been good in his legacy to us, in these two primary instances.

                    III

Then the dumb, aching, bitter, helpless need,
the pining to be initiated,
to have access to the knowledge that the great dead
have opened up for us, to know, to satisfy
the great and dominant hunger of the mind;
man's sweetest harvest of the centuries, sweet, printed books,
bright, glancing, exquisite corn of many a stubborn
glebe in the upturned darkness;
I thank mankind with passionate heart
that I just escaped the hunger for these,
that they were given when I needed them,
because I am the son of man.
I have eaten, and drunk, and warmed and clothed my body,
I have been taught the language of understanding,
I have chosen among the bright and marvellous books,
like any prince, such stores of the world's supply
were open to me, in the wisdom and goodness of man.
So far, so good.
Wise, good provision that makes the heart swell with love!

                    IV

But then came another hunger
very deep, and ravening;
the very body's body crying out
with a hunger more frightening, more profound
than stomach or throat or even the mind;
redder than death, more clamorous.

The hunger for the woman. Alas,
it is so deep a Moloch, ruthless and strong,
'tis like the unutterable name of the dread Lord,
not to be spoken aloud.

Yet there it is, the hunger which comes upon us,
which we must learn to satisfy with pure, real satisfaction;
or perish, there is no alternative.

I thought it was woman, indiscriminate woman,
mere female adjunct of what I was.
Ah, that was torment hard enough
and a thing to be afraid of,
a threatening, torturing, phallic Moloch.
A woman fed that hunger in me at last.
What many women cannot give, one woman can;
so I have known it.

She stood before me like riches that were mine.
Even then, in the dark, I was tortured, ravening, unfree,
Ashamed, and shameful, and vicious.
A man is so terrified of strong hunger;
and this terror is the root of all cruelty.
She loved me, and stood before me, looking to me.
How could I look, when I was mad? I looked sideways, furtively,
being mad with voracious desire.

                    V

This comes right at last.
When a man is rich, he loses at last the hunger fear.
I lost at last the fierceness that fears it will starve.
I could put my face at last between her breasts
and know that they were given for ever
that I should never starve,
never perish;
I had eaten of the bread that satisfies
and my body's body was appeased,
there was peace and richness,
fulfilment.

Let them praise desire who will,
but only fulfilment will do,
real fulfilment, nothing short,
It is our ratification,
our heaven, as a matter of fact.
Immortality, the heaven, is only a projection of this strange but actual fulfilment,
here in the flesh.

So, another hunger was supplied,
and for this I have to thank one woman,
not mankind, for mankind would have prevented me;
but one woman,
and these are my red-letter thanksgivings.

                    VI

To be, or not to be, is still the question.
This ache for being is the ultimate hunger.
And for myself, I can say "almost, almost, oh, very nearly."
Yet something remains.
Something shall not always remain.
For the main already is fulfilment.

What remains in me, is to be known even as I know.
I know her now: or perhaps, I know my own limitation against her.
Plunging as I have done, over, over the brink
I have dropped at last headlong into nought, plunging upon sheer hard extinction;
I have come, as it were, not to know,
died, as it were; ceased from knowing; surpassed myself.
What can I say more, except that I know what it is to surpass myself?
It is a kind of death which is not death.
It is going a little beyond the bounds.
How can one speak, where there is a dumbness on one's mouth?
I suppose, ultimately she is all beyond me,
she is all not-me, ultimately.

It is that that one comes to.
A curious agony, and a relief, when I touch that which is not me in any sense,
it wounds me to death with my own not-being; definite, inviolable limitation,
and something beyond, quite beyond, if you understand what that means.
It is the major part of being, this having surpassed oneself,
this having touched the edge of the beyond, and perished, yet not perished.

                    VII

I want her though, to take the same from me.
She touches me as if I were herself, her own.
She has not realised yet, that fearful thing, that I am the other,
she thinks we are all of one piece.
It is painfully untrue.
I want her to touch me at last, ah, on the root and quick of my darkness
and perish on me, as I have perished on her.

Then, we shall be two and distinct, we shall have each our separate being.
And that will be pure existence, real liberty.
Till then, we are confused, a mixture, unresolved, unextricated one from the other.
It is in pure, unutterable resolvedness, distinction of being, that one is free,
not in mixing, merging, not in similarity.
When she has put her hand on my secret, darkest sources, the darkest outgoings,
when it has struck home to her, like a death, "this is him!"
she has no part in it, no part whatever,
it is the terrible other,
when she knows the fearful other flesh, ah, darkness unfathomable
and fearful, contiguous and concrete,
when she is slain against me, and lies in a heap like one outside the house,
when she passes away as I have passed away,
being pressed up against the other,
then I shall be glad, I shall not be confused with her,
I shall be cleared, distinct, single as if burnished in silver,
having no adherence, no adhesion anywhere,
one clear, burnished, isolated being, unique,
and she also, pure, isolated, complete,
two of us, unutterably distinguished, and in unutterable conjunction.

Then we shall be free, freer than angels, ah, perfect.

VIII

After that, there will only remain that all men detach themselves and become unique,
that we are all detached, moving in freedom more than the angels,
conditioned only by our own pure single being,
having no laws but the laws of our own being.
Every human being will then be like a flower, untrammelled.
Every movement will be direct.
Only to be will be such delight, we cover our faces when we think of it
lest our faces betray us to some untimely fiend.
Every man himself, and therefore, a surpassing singleness of mankind.

The blazing tiger will spring upon the deer, undimmed,
the hen will nestle over her chickens,
we shall love, we shall hate,
but it will be like music, sheer utterance,
issuing straight out of the unknown,
the lightning and the rainbow appearing in us unbidden, unchecked,
like ambassadors.

We shall not look before and after.
We shall be, now.
We shall know in full.
We, the mystic NOW.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Destino
Destino, ó destino,
você existe, pode um homem tocar sua mão?

Ó destino
se eu pudesse ver sua mão e o polegar estivesse para baixo,
eu estaria preparado para desistir, como o pterodáctilo,
e aceitaria a extinção.
não pediria nem mesmo para deixar uma garra restando, como fóssil,
nem a marca dum polegar como vestígio,
eu estaria preparado para desaparecer totalmente, totalmente.

Mas se for polegar para cima e a humanidade deve continuar a ser a humanidade,
então estou determinado a lutar, arregaçarei as mangas
e começarei.

Somente, ó destino
uu gostaria que você mostrasse sua mão.

*

Destiny
O destiny, destiny,
do you exist, and can a man touch your hand?

O destiny
if I could see your hand, and it were thumbs down,
I would be willing to give way, like the pterodactyl,
and accept obliteration.
I would not even ask to leave a fossil claw extant,
nor a thumb-mark like a clue,
I would be willing to vanish completely, completely.

But if it is thumbs up, and mankind must go on being mankind,
then I am willing to fight, I will roll my sleeves up
and start in.

Only, o destiny
I wish you’d show your hand.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

 §§

Quando ensinareis às pessoas –?
Quando ensinareis às pessoas,
Deus da justiça, a salvarem a si próprias -?
Elas foram salvas tantas vezes
e vendidas.

Ó Deus da justiça, não mandeis mais salvadores
do povo!

Quando um salvador salvou um povo
eles descobrem que ele os vendeu para seu pai.
Eles dizem: Fomos salvos, mas estamos morrendo de fome.
Ele diz: Mais rapidamente estareis comendo bolos
imaginários na mansão do meu pai.
Elas dizem: Não poderíamos ter uma fatia de pão comum?
Ele diz: Não, necessita irdes para o céu e comerdes o mais maravilhoso dos bolos.

Ou Napoleão diz: Como eu os salvei dos ci-devants,
vocês são minha propriedade, preparem-se para morrer por mim
e para trabalhar para mim.

Mais tarde republicanos dizem: Vocês foram poupados,
portanto são nossa economia, nosso capital
com o qual faremos grandes negócios.
Ou Lenin diz: vocês foram poupados, mas poupados por atacado.
Você não são mais homens, quer dizer, burgueses;
você são itens no Estado soviético,
e cada item terá sua ração,
mas é apenas o Estado soviético que conta
os itens têm pouca importância,
o Estado tendo salvo a todos.

E assim continuam-se a salvar as pessoas.
Deus da justiça, quando lhes ensinareis a salvarem a si mesmas?

*

When wilt thou teach the people –?
When wilt thou teach the people,
God of justice, to save themselves –?
They have been saved so often
and sold.

O God of justice, send no more saviours
of the people!

When a saviour has saved a people
they find he has sold them to his father.
They say: We are saved, but we are starving.
He says: The sooner will you eat imaginary cake in the mansions of my father.
They says: Can’t we have a loaf of common bread?
He says: No, you must go to heaven, and eat the most marvellous cake.

Or Napoleon says: Since I have saved you from the ci-devants,
you are my property, be prepared to die for me, and to work for me.

Or later republicans say: You are saved,
therefore you are our savings, our capital
with which we shall do big business.
Or Lenin says: You are saved, but you are saved wholesale.
You are no longer men, that is bourgeois;
you are items in the soviet state,
and each item will get its ration,
but it is the soviet state alone which counts
the items are of small importance,
the state having saved them all.

And so it goes on, with the saving of the people.
God of justice, when wilt thou teach them to save themselves?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Ser superior
Como é bom ser superior!
Pois, realmente, não adianta fingir, somos superiores, não somos?
Quero dizer, pessoas como você e eu.

Claro! Concordo totalmente.
O problema é que todos pensam que são tão superiores
quanto nós; tão superiores quanto.

Isso é tão enfadonho! as pessoas são tão enfadonhas.
Mas elas não podem pensar dessa maneira, concorda?
No fundo, devem saber que somos realmente superiores,
concorda?
Você não acha, realmente, que elas sabem que somos seus superiores?

Não poderia dizer.
Nunca fui ao fundo da superioridade.
Gostaria de ter ido.

*

To Be Superior
How nice it is to be superior!
Because really, it's no use pretending, one is superior, isn't one?
I mean people like you and me.

Quite! I quite agree.
The trouble is, everybody thinks they're just as superior
as we are; just as superior.

That's what's so boring! people are so boring.
But they can't really think it, do you think?
At the bottom, they must know we are really superior
don't you think?
Don't you think, really, they know we're their superiors?

I couldn't say.
I've never got to the bottom of superiority.
I should like to.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Toque
Desde que nos tornamos tão cerebrais
não suportamos tocar ou sermos tocados.

Desde que somos tão cerebrais
estamos humanamente sem contato.

E assim temos que continuar.
Pois se, intelectualmente, nos forçamos ao toque, ao contato,
físico e carnal,
nós nos violamos,
ficamos depravados.

*

Touch
Since we have become so cerebral
we can't bear to touch or be touched.

Since we are so cerebral
we are humanly out of touch.

And so we must remain.
For if, cerebrally, we force ourselves into touch, into contact
physical and fleshly,
we violate ourselves,
we become vicious.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Casas novas, roupas novas
Casas novas, móveis novos, ruas novas, roupas novas, lençóis novos
tudo que é novo e industrializado suga-nos a vida
e nos faz frios, nos faz sem vida
quanto mais temos.

*

New houses, new clothes
New houses, new furniture, new streets, new clothes, new sheets
everything new and machine-made sucks life out of us
and make us cold, make us lifeless
the more we have.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Tudo que temos é a vida
Tudo que temos, enquanto vivemos, é a vida;
Se você não vive durante sua vida, você é um pedaço de merda.
E trabalho é vida, e vida é vivida no trabalho
a menos que você seja um escravo do salário.
Enquanto um escravo do salário trabalha, deixa a vida de lado
e fica lá, um pedaço de merda.

Os homens deveriam recusar-se a ser sem vida no trabalho.
Homens deveriam recursar-se a ser montes de assalariados de merda.
Homens deveriam recusar-se a trabalhar, como escravos assalariados.
Os homens deveriam exigir trabalhar para si mesmos, por si mesmos,
e investir sua vida nisso.
Pois se um homem não tem vida no seu trabalho, ele é basicamente um monte de merda.

*

All that we have is life
All that we have, while we live, is life;
and if you don't live during your life, you are a piece of dung.
And work is life, and life is lived in work
unless you're a wage-slave.
While a wage-slave works, he leaves life aside
and stands there a piece of dung.

Men should refuse to be lifelessly at work.
Men should refuse to be heaps of wage-earning dung.
Men should refuse to work at all, as wage-slaves.
Men should demand to work for themselves, of themselves,
and put their life in it.
For if a man has no life in his work, he is mostly a heap of dung.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Comecem uma revolução
O! Comece alguém uma revolução!
não para ganhar dinheiro
mas para perdê-lo tudo para sempre.

O! Comece alguém uma revolução!
não para colocar no poder as classes trabalhadoras
mas para abolir as classes trabalhadoras para sempre
e termos um mundo de homens.

*

O! Start a Revolution
O! start a revolution, somebody!
not to get the money
but to lose it all for ever.

O! start a revolution, somebody!
not to install the working classes
but to abolish the working classes for ever
and have a world of men.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Difícil de aguentar
Qualquer mulher que me diz
– Você me ama realmente? –  
Ganha meu ódio eterno.

*

Can'tbe borne
Any woman who says to me
– Do you really love me? –  
earns my undying detestation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Bons maridos fazem esposas infelizes
Bons maridos fazem esposas infelizes
exatamente como os maus maridos, com a mesma frequência;
mas a infelicidade de uma mulher com um bom marido
é muito mais devastadora
do que a infelicidade de uma mulher com um mau marido.

*

Good husbands make unhappy wives
Good husbands make unhappy wives
so do bad husbands, just as often;
but the unhappiness of a wife with a good husband
is much more devastating
than the unhappiness of a wife with a bad husband.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Autopiedade
Nunca vi um animal selvagem
com pena de si mesmo.
Um passarinho cairá, gelado e morto, de um galho
sem jamais ter sentido pena de si mesmo.

*

Self-pity
I never saw a wild thing
sorry for itself.
A small bird will drop frozen dead from a bough
without ever having felt sorry for itself.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

A confusão do amor
Fizemos uma grande confusão do amor
desde que fizemos dele um ideal.

No momento em que juro amar uma mulher, certa mulher, toda minha vida
nesse momento começo a odiá-la.

No momento em que digo a uma mulher: te amo! –
meu amor diminui consideravelmente.

No momento em que o amor é uma coisa certa entre nós, estamos seguros dele,
ele é um ovo frio, não é mais amor.

Amor é como uma flor, precisa florescer e definhar;
se não definha, não é uma flor,
ou é uma flor despetalada e artificial, ou uma sempre-viva, de cemitério.

No momento em que a mente interfere no amor, ou a vontade fixa nela a atenção,
ou a personalidade o considera como um atributo, ou o ego toma posse dele
não é mais amor, é apenas uma confusão.
Fizemos uma grande confusão do amor, amor pervertido pela mente, pela vontade,
pelo ego.

*

The mess of love
We've made a great mess of love
since we made an ideal of it.

The moment I swear to love a woman, a certain woman, all my life
that moment I begin to hate her.

The moment I even say to a woman: I love you! –
my love dies down considerably.

The moment love is an understood thing between us, we are sure of it,
it's a cold egg, it isn't love any more.

Love is like a flower, it must flower and fade;
if it doesn't fade, it is not a flower,
it's either an artificial rag blossom, or an immortelle, for the cemetery.

The moment the mind interferes with love, or the will fixes on it,
or the personality assumes it as an attribute, or the ego takes possession of it,
it is not love any more, it's just a mess.
And we've made a great mess of love, mind-perverted, will-perverted,
ego-perverted love.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Os homens não são maus
Os homens não são maus, quando estão livres.
A prisão faz os homens maus, e a compulsão ao dinheiro faz os homens maus.
Se os homens ficassem livres do terror de ganhar a vida
haveria abundância no mundo
e os homens trabalhariam alegremente.

*

Men are not bad
Men are not bad, when they are free.
Prison makes men bad, and the money compulsion makes men bad.
If men were free from the terror of earning a living
there would be abundance in the world
and men would work gaily.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Emoções cerebrais
Estou farto das emoções cerebrais das pessoas
que nascem nas suas mentes e são impostas pela vontade
aos seus pobres e desajustados corpos.

Pessoas sentindo coisas que planejam sentir, que pretendem sentir,
que vão sentir,
exatamente porque não as sentem.

Pois é, claro, se você realmente sente algo
você não tem de afirmar que sente nada.

*

Cerebral emotions
I am sick of people's cerebral emotions
that are born in their minds and forced down by the will
on to their poor deranged bodies.

People feeling things they intend to feel, they mean to feel,
they will feel,
just because they don't feel them.

For of course, if you really feel something
you don’t have to assert that you feel it.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Água fresca

Dizem que é muito difícil
destilar a água do mar em água doce.

Talvez por isso é tão difícil
conseguir bebida fresca da sabedoria antiga
verdade velha,  ensinamento velho de qualquer tipo.

*

Fresh Water
They say it is very difficult
to distil sea-water into sweet.

Perhaps that's why it is so difficult
to get a refreshing drink out of old wisdom
old truth, old teaching of any sort.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.

§§

Opulência
Quando desejo ficar rico, então sei que estou doente.
Pois, para falar a verdade, tenho bastante como estou.
Então, quando me pego pensando: Ah, se eu fosse rico – !
Digo: Olá! Não estou bem. Minha vitalidade está baixa.

*

Riches
When I wish I was rich, then I know I am ill.
Because, to tell the truth, I have enough as I am.
So when I catch myself thinking: Ah, if I was rich – !
I say to myself: Hello! I’m not well. My vitality is low.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Pessoas mortas
Quando as pessoas estão mortas e sem paz
detestam a vida, gostam somente da decomposição.

Quando as pessoas estão mortas e sem paz
detestam a felicidade nos outros
com um ódio frio e penetrante,
como o abutre que grita lá no alto, quase inaudível,
pairando no ar para comer os olhos da criatura ainda viva.

*

Dead People
When people are dead and peaceless
they hate life, they only like carrion.

When people are dead and peaceless
they hate happiness in others
with thin, screaming hatred,
as the vulture that screams high up, almost inaudible,
hovering to peck out the eyes of the still-living creature.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Basta!
Quando um homem não pode mais amar
e não pode mais sentir
e o desejo definhou
e o coração está dormente

então tudo o que ele pode fazer
é dizer: Assim é!
tenho que aguentar isso
e esperar.

Isso é uma pausa, quão longa não sei,
no meu próprio ser.

*

Basta!
When a man can love no more
and feel no more
and desire has failed
and the heart is numb

then all he can do
is to say: It is so!
I've got to put up with it
and wait.

This is a pause, how long a pause I know not,
in my very being
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Nêmesis
O castigo que espera nossa civilização
é a insanidade social
que no fim é sempre homicida.
Sanidade significa a totalidade da consciência.
E nossa sociedade só em parte é consciente, como um idiota.

Se não abrirmos rapidamente todas as portas da consciência
e refrescarmos o pequeno e pútrido espaço no qual estamos confinados
as paredes azul-celeste do nosso céu sem ventilação
ficarão luminosamente vermelhas de sangue.

*

Nemesis
The Nemesis that awaits our civilization
is social insanity
which in the end is always homicidal.
Sanity means the wholeness of the consciousness.
And our society is only part conscious, like an idiot.

If we do not rapidly open all the doors of consciousness
and freshen the putrid little space in which we are cribbed
the sky-blue walls of our unventilated heaven
will be bright red with blood.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Conversa
Gostaria que as pessoas, quando chegamos perto,
não pensassem que fosse necessário conversar
e mandar leves correntes de ar com palavras
assoprando no seu pescoço e no seu  ouvido
te deixando resfriado.

*

Talk
I wish people, when you sit near them,
wouldn't think it necessary to make conversation
and send thin draughts of words
blowing down your neck and your ears
and giving you a cold in your inside.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O homem chega num ponto
Não posso evitar ficar sozinho
pois o desejo morreu em mim, o silêncio cresceu
e nada agora se estende para atrair
outra carne em direção à minha.

*

Man reaches a point
I cannot help but be alone
for desire has died in me, silence has grown,
and nothing now reaches out to draw
other flesh to my own.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Fique quieto!
A única coisa a ser feita, agora,
agora que as ondas da nossa destruição começaram a bater em nós,
é nos conter.

Ficarmos quietos, e deixar que nossos destroços avancem,
deixar tudo ir, enquanto as ondas nos esmagam,
mesmo assim ficarmos quietos e segurar
a minúscula semente de algo que nenhuma onda pode carregar,
nem mesmo a mais maciça onda do destino.

Entre todos os esmagados fragmentos de mim mesmo
fique quieto, e esperar.
Pois a palavra é ressurreição.
E mesmo o mar dos mares terá de devolver seus mortos.

*

Be Still!
The only thing to be done, now,
now that the waves of our undoing have begun to strike on us,
is to contain ourselves.

To keep still, and let the wreckage of ourselves go,
let everything go, as the wave smashes us,
yet keep still, and hold
the tiny grain of something that no wave can wash away,
not even the most massive wave of destiny.

Among all the smashed debris of myself
keep quiet, and wait.
For the word is Resurrection.
And even the sea of seas will have to give up its dead.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Dies Irae
Mesmo as velhas emoções estão acabadas,
nós as consumimos.
E o desejo está morto.
E o fim de todas as coisas está dentro de nós.

Nossa época acabou,
um ciclo da evolução chega ao fim,
nossa atividade perdeu seu significado,
somos fantasmas, somos sementes;
pois nossa palavra está morta
e não sabemos como viver sem palavras.

Vivemos numa vasta casa
cheia de atividades desordenadas
e o barulho, e o mau-cheiro, e a melancolia, e a falta de sentido
nos enlouquece, mas não sabemos o que fazer.

Tudo que podemos saber neste momento
é a realização do nada.
Veja, sou o nada!

Essa é uma consumação a ser desejada afetuosamente
neste mundo de auto-afirmação mecânica.


*

Dies Irae
Even the old emotions are finished,
we have worn them out.
And desire is dead.
And the end of all things is inside us.

Our epoch is over,
a cycle of evolution is finished,
our activity has lost its meaning,
we are ghosts, we are seed;
for our word is dead
and we know not how to live wordless.

We live in a vast house
full of inordinate activities
and the noise, and the stench, and the dreariness and lack of meaning
madden us, but we don't know what to do.

All we can know at this moment
is the fulfilment of nothingness.
Lo, I am nothing!

It is a consummation devoutly to be wished
in this world of mechanical self-assertion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O otimista
O otimista constrói sua segurança dentro de uma cela
pinta as paredes internas de azul-celeste
bloqueia a porta
e diz que está no céu.

*
The optimist
The optimist builds himself safe inside a cell
and paints the inside walls sky-blue
and blocks up the door
and says he’s in heaven.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Homem imoral
O homem é imoral porque tem uma mente
e não pode acostumar-se ao o fato.

Os instintos profundos, deixados em paz, são totalmente morais,
e uma intuição clara é mais do que moral,
realmente nos faz homens.

Por que não aprendemos a domar a mente
em vez de matar as paixões, os instintos e os sentimentos?
É a mente que é rude e vaidosa
e arruína nossa complexa harmonia.

*

Immoral Man
Man is immoral because he has got a mind
and can't get used to the fact.

The deep instincts, when left alone, are quite moral,
and clear intuition is more than moral,
it really makes us men.

Why don't we learn to tame the mind
instead of killing the passions and the instincts and feelings?
It is the mind which is uncouth and overweening
and ruins our complex harmony.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Haja luz!
Se realmente houve um começo
não houve deus nele
não houve Verbo
nem Voz
nem Palavra.

Não havia nada para dizer:
Haja luz!
Toda esta história do Sr. Deus acender o dia
é somente pretensão.

Somente vaidade humana!
– Quem fez o sol?
– Meu filho, não posso dizer uma mentira,
Eu o fiz!

O avô de Georg Washington!

Tudo que podemos honestamente imaginar no começo
é o incompreensível plasma da vida, da criação lutando
e tornando-se luz.

*

Let there be light!
If ever there was a beginning
there was no god in it
there was no Verb
no Voice
no Word.

There was nothing to say:
Let there be light!
All that story of Mr God switching on day
is just conceit.

Just man's conceit!
– Who made the sun?
– My child, I cannot tell a lie,
I made it!

Georg Washington's Grandpapa!

All we can honestly imagine in the beginning
is the incomprehensible plasm of life, of creation struggling
and becoming light.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Deus
Onde está a sanidade
ali Deus está.
os sadios ainda podem reconhecer a sanidade
então eles ainda podem reconhecer Deus.

*

God
Where sanity is
there God is.
And the sane can still recognise sanity
so they can still recognise God.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Pare
Uma coisa que os velhos nunca entenderão
é que você não pode impedir a mudança.
Tudo flui e mesmo os velhos estão esvaindo-se.
Os jovens estão fluindo na agonia de uma grande mudança.

*

Stop It
The one thing the old will never understand
is that you can't prevent change.
All flows, and even the old are rapidly flowing away.
And the young are flowing in the throes of a great alteration.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sãos e dementes
O puritano é demente
o libertino é demente
e eles dividem o mundo

Os ricos são dementes
os miseráveis são dementes
e o mundo está sendo destruído por eles.

O puritano tem medo
e o libertino tem medo.

Os ricos têm medo
e os miseráveis têm medo.

Eles têm medos horríveis e opostos
e ameaçam rasgar o mundo em dois, entre eles.

*

Sane and insane
The puritan is insane
and the profligate is insane
and they divide the world.

The wealthy are insane
and the poverty-stricken are insane
and the world is going to pieces between them.

The puritan is afraid
and the profligate is afraid.

The wealthy are afraid
and the poverty-stricken are afraid.

They are afraid with horrible and opposing fears
which threaten to tear the world in two, between them.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Consciência
Consciência
é ter noção do sol
e nosso instinto profundo
de não ir contra o sol.

*

Conscience
Conscience
is sun-awareness
and our deep instinct
not to go against the sun.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Medo da sociedade é a raiz de todo mal
Hoje, a consciência social está mutilada
assim tudo fica insano:
sucesso é insano, e fracasso é insano,
castidade é insana, e libertinagem é insana,
dinheiro é insano, e pobreza é insana.

Coisa pavorosa é a consciência social mutilada.

*

Fear of society is the root of all evil
To-day, the social consciousness is mutilated
so everything is insane:
success is insane, and failure is insane,
chastity is insane, and debauchery is insane,
money is insane, and poverty is insane.

A fearful thing is the mutilated social consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Triunfo
Parece-me que durante cinco mil anos pelo menos
os homens quiseram triunfar, triunfar, triunfar,
triunfar sobre seus próximos, triunfar sobre obstáculos, triunfar sobre o mal,
até a palavra ficar repugnante, não podemos mais ouvi-la.

Se olhássemos nosso coração veríamos
detestamos pensar em qualquer tipo de triunfo,
estamos cansados dele.

*

Triumph
It seems to me that for five thousand years at least
men have been wanting to triumph, triumph, triumph,
triumph over their fellow-men, triumph over obstacles, triumph over evil,
till now the very word is nauseating, we can't hear it any more.

If we looked in our hearts, we should see
we loathe the thought of any sort of triumph,
we are sick of it.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Jovens pais
Jovens, sem qualquer prazer real na vida esperança alguma no futuro
como podem cometer a indecência de gerar filhos
sem primeiro gerar uma nova esperança com a qual as crianças crescerão?

Mas, então, você somente precisa dar uma olhada no moderno carrinho de bebe?
para ver que uma criança, assim que nasce,
é colocada pelos seus pais no seu caixão.

*

Young Fathers
Young men, having no real joy in life and no hope in the future
how can they commit the indecency of begetting children
without first begetting a new hope for the children to grow up to?

But then, you need only look at the modem perambulator
to see that a child, as a soon as it is born,
is put by its parents into its coffin.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O espírito combativo
Na verdade, somos melhores do que sabemos.
Arrastamos atrás de nós uma infinita tradição de combate, triunfo, conquista,
e sentimos que temos que continuá-la, continuar combatendo, triunfando, conquistando.
Quando, na verdade, a lembrança dessa luta imbecil e sem fim
mata-nos, deixa-nos doentes ​​até a morte.
Estamos saturados do combate,
sentimos que, se todo esse sistema de competição e combate não for logo à falência,
iremos nós.
Queremos um novo mundo de paz selvagem, em que a vida seja livre.

Não esta paz de hiena domada, na qual ninguém ousa dizer ao outro que ele é um ladrão
ainda que todo homem seja levado a roubar todos os outros homens;
esta bela paz, em que cada homem tem de lutar, e lutar ilicitamente,
para ganhar a vida, no covarde e ignóbil  combate
a que chamamos livre cooperação e livre empresa e oportunidade igual.
Por que temos de lutar para viver?
Viver deveria ser tão gratuito para o homem como para o pássaro,
Ainda que muitos pássaros tenham que pagar com suas vidas onde há homens.

Por que nos estimularmos com maus exemplos?
Se nos estimularmos, deveria ser com algo que queremos fazer
e sentimos valer a pena fazer.

Os esforços do homem, como os dos pássaros ao alçar vôo,
seriam lindos se nascessem do próprio homem, espontâneos,
puro impulso para fazer algo, produzir algo.
Mesmo que fosse somente uma panela de lata.

Vejo o homem de lata, o funileiro, dia após dia na praia
consertando e remendando todos os funis da redondeza,
feliz como um lagarto perto de um regato,
o mesmo com os pescadores, sentados, remendando suas redes,
felizes como talvez reis costumavam ser, mas por certo não são.
O trabalho é a chave para a vida do homem.
Mas deve ser trabalho livre, nunca só não por dinheiro, mas por prazer.

Por que devemos competir uns com os outros?
De fato, quando o funileiro parece tão feliz soldando
imediatamente fico com vontade de fazer algo alegre também.
Uma atividade livre, alegre, estimula outra.
Os homens não são realmente mesquinhos.
Eles são amesquinhados pelo medo e por um sistema de rapinagem.

Os jovens sabem dessas coisas muito bem.
Por que eles não se preparam para agir?
Então eles seriam felizes. Pois todos somos muito melhores do que
o sistema nos permite ser.

*

The combative spirit
As a matter of fact, we are better than we know.
We trail behind us an endless tradition, of combat, triumph, conquest,
and we feel we've got to keep it up, keep on combating, triumphing, conquering.
When as a matter of fact, the thought of this endless, imbecile struggle of combat
kills us, we are sick of it, to die.
We are fed up with combat,
we feel that if the whole combative, competitive system doesn't soon go bust
we shall.
We want a new world of wild peace, where living is free.

Not this hyena tame peace where no man dare tell another he's a thief
and yet every man is driven into robbing every other man;
this pretty peace where every man has to fight, and fight foul,
to get a living, in the dastardly mean combat
we call free competition and individual enterprise and equal opportunity.
Why should we have to fight for a living?
Living should be as free to a man as to a bird,
Though most birds have to pay, with their lives, where men are.

Why should we brace ourselves up with mean emulation?
If we brace ourselves up, it should be for something we want to do
and we feel is worth doing.

The efforts of men, like the efforts of birds in spring,
would be lovely if they rose from the man himself, spontaneous
pure impulse to make something, to put something forth.
Even if it was only a tin pan.

I see the tin-man, the tinker, sitting day after day on the beach
mending and tinning the pans of all the village
and happy as a wagtail by a pool,
the same with the fishermen sitting darning their nets,
happy as perhaps kings used to be, but certainly aren't.
Work is the clue to a man's life.
But it must be free work, not done just for money, but for fun.

Why should we compete with one another?
As a matter of fact, when the tinker looks so happy tinkering
I immediately want to go and do something jolly too.
One free, cheerful activity stimulates another.
Men are not really mean.
Men are made mean, by fear, and a system of grab.

The young know these things quite well.
Why don't they prepare to act on them?
Then they'd be happy. For we are all so much better than the system allows us to be.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Um homem
Tudo que dou importância num homem
é esta centelha não domada nele
em que ele é ele mesmo
corajosamente.

E tudo que quero ver é a centelha palpitar
viva e pura.

Mas nossa civilização, meu deus,
com luxúria esmaga a centelha
e deixa os homens barro vivo.

Pois quando a centelha é esmagada no homem
ele não pode deixar de ser um escravo, um escravo do salário,
um escravo do dinheiro.

*

A man
All I care about in a man
is that unbroken spark in him
where he is himself
undauntedly.

And all I want is to see the spark flicker
vivid and clean.

But our civilisation, alas,
with lust crushes out the spark
and leaves men living clay.

Because when the spark is crushed in a man
he can't help being a slave, a wage-slave,
a money-slave.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Estar vivo
A única razão para viver é estar completamente vivo;
e você não pode estar completamente vivo se está esmagado por um medo secreto
e oprimido pela ameaça: Ganhe dinheiro, ou coma merda! —
E forçado a fazer mil coisas sórdidas, piores do que sua natureza,
e forçado a se agarrar às suas posses na esperança de que elas o façam sentir-se seguro,
e forçado a observar cada pessoa que se aproxima temendo que ela o derrube.

Sem um pouco de confiança uns nos outros, não conseguimos viver.
No final, ficamos loucos.
É o castigo do medo e da mesquinhez, sermos piores do que nossa natureza.
Para estar vivo, você deve sentir um fluxo generoso,
e sob um sistema competitivo isso é impossível, na verdade.
O mundo está aguardando novo e grande movimento de generosidade,
ou por uma grande onda de morte.
Precisamos mudar o sistema, e fazer a vida livre para todos os homens,
ou veremos os homens morrerem e então morrermos nós mesmos.

*

Being alive
The only reason for living is being fully alive;
and you can’t be fully alive if you are crushed by secret fear,
and bullied with the threat: Get money, or eat dirt! —
and forced to do a thousand mean things meaner than your nature,
and forced to clutch on to possessions in the hope they’ll make you feel safe,
and forced to watch everyone that comes near you, lest they’ve come to do you down.

Without a bit of common trust in one another, we can’t live.
In the end, we go insane.
It is the penalty of fear and meanness, being meaner than our natures are.
To be alive, you’ve got to feel a generous flow,
and under a competitive system that is impossible, really.
The world is waiting for a new great movement of generosity,
or for a great wave of death.
We must change the system, and make living free to all men,
or we must see men die, and the die ourselves.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Lagarto
Um lagarto saiu de uma rocha e olhou para cima, escutando
sem dúvida o som das esferas.
Que criatura elegante!
O correto jogar do queixo para você e o torcer da cauda!

Se homens fossem homens como os lagartos são lagartos,
valeria a pena olhar para eles.

*

Lizard
A lizard ran out on a rock and looked up, listening
no doubt to the sounding of the spheres.
And what a dandy fellow!
The right toss of a chin for you and a swirl of a tail!

If men were as much men as lizards are lizards
they’d be worth looking at.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Aristocracia do sol
Para ser um aristocrata do sol
você não precisa de ninguém inferior para enaltecê-lo:
você recebe sua nobreza diretamente do sol
deixe outras pessoas serem o que elas podem.

Sou o que sou
a partir do sol
as pessoas não são minha medida.

Talvez, se começássemos corretamente, todas as crianças cresceriam ensolaradas
e aristocratas do sol.
Não precisamos ter pessoas mortas, escravas do dinheiro e vermes sociais.

*

Aristocracy of the sun
To be an aristocrat of the sun
you don't need one single social inferior to exalt you;
you draw your nobility direct from the sun
let other people be what they may.

I am that I am
from the sun,
and people are my measure.

Perhaps, if we started right, all the children could grow up sunny
and sun-aristocrats.
We need have no dead people, money-slaves and social worms.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Verdadeira e falsa democracia
Se o homem olha para o homem, e ninguém vê além
então tudo está perdido, o robô intervém.
Os poucos devem olhar nos olhos dos deuses e obedecer a expressão nos olhos
dos deuses:
e os muitos devem obedecer aos poucos que olham nos olhos dos deuses;
e o fluxo é em direção aos deuses, não para trás, em direção ao homem.

*

False democracy and real
If man looks to man, and no-one sees beyond
then all is lost, the robot supervenes.
The few must look into the eyes of the gods, and obey the look in the eyes of the gods:
and the many must obey the few that look into the eyes of the gods;
and the stream is towards the gods, not backwards, towards man.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A velha velha história da liberdade
Os homens lutam pela liberdade e conseguem-na a duras penas.
Seus filhos, criados na moleza, deixam-na escapar de novo, pobres idiotas.
E seus netos tornam-se mais uma vez escravos.

*

Liberty's old old story
Men fight for liberty and win it with hard knocks.
Their children, brought up easy, let it slip away again, poor fools.
And their grandchildren are once more slaves.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A Classe média
A classe média
é sem sol.
Ela tem somente duas medidas:
o ser humano e o dinheiro,
ela não tem absolutamente nenhuma relação com o sol.
Assim que você deixa as pessoas serem sua medida
você é classe média e essencialmente não-existente.

Porque, se a classe média não tivesse gente mais pobre a quem ser superior
ela própria desmoronaria imediatamente em direção à realidade.
E se ela não tivesse a classe superior para se sentir inferior,
não se tornaria subitamente aristocrática,
ela se transformaria em nada.
Pois sua mediania é somente uma irrealidade separando duas realidades.

Sem sol, sem terra,
nada que transcenda a mediocridade burguesa,
a classe média é mais sem sentido
do que papel moeda quando o banco quebra.

*

The middle classes
The middle classes
are sunless.
They have only two measures:
mankind and money,
they have utterly no reference to the sun.
As soon as you let people be your measure
you are middle-class and essentially non-existent.

Because, if the middle classes had no poorer people to be superior to
they would themselves at once collapse into nullitty.
And if they had no upper classes either, to be inferior to,
they wouldn`t suddenly become themselves aristocratic,
they'd become nothing.
For their middleness is only an unreality separating two realities.

No sun, no earth,
nothing that transcends the bourgeois middlingness,
the middle classes are more meaningless
than paper money when the bank is broke.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A batalha da vida
A vida é disputa, o longo combate?
Sim, é verdade. Luto o tempo todo.
Sou forçado a isso.
Mesmo assim, não estou interessado na luta, na disputa, no combate,
estou apenas envolvido.

*

Battle of Life
Is life strife, is it the long combat?
Yes, it is true. I fight all the time.
I am forced to.
Yet I am not interested in fight, in strife, in combat,
I am only involved.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Imoralidade
Imoral é somente
estar morto-vivo,
extinguir o sol dentro de si
e ficar ocupado em extingui-lo
nas outras pessoas.

*

Immorality
It is only immoral
to be dead-alive,
sun-extinct
and busy putting out the sun
in other people.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O coração do homem
Existe o outro universo, o coração do homem,
do qual não sabemos nada e que não ousamos explorar.
Uma estranha e cinzenta distância separa
nossa pálida, silenciosa mente do continente pulsante
do coração do homem.

Os antepassados mal aportaram na praia
e nenhum homem sabe, nenhuma mulher sabe
o mistério do interior
quando mais escuro ainda que o Congo ou o Amazonas
fluem do coração os rios da completude, do desejo e da aflição.

*

The heart of man
There is the other universe, of the heart of man
that we know nothing of, that we dare not explore.
A strange grey distance separates
our pale mind still from the puking continent
of the heart of man.

Fore-runners have barely landed on the shore
and no man knows, no woman knows
the mystery of the interior
when darker still than Congo or Amazon
flow the heart's rivers of fullness, desire and distress.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Hoje
Hoje, a vida é uma escolha de insanidades.
Sucesso, fracasso, amor, castidade, devassidão, dinheiro ou sovietes
Tudo é uma sequência de insanidades.
Todos dementes.

Por que não ficar de fora e aprender a se conter?

*

Today
Today, life is a choice of insanities.
Success, failure, love, chastity, debauchery, money or soviets
It is a sting of insanities.
All insane.

Why not stay out, and learn to contain oneself?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Covardes
Em toda a criação, só o homem se encolhe e tem medo da vida.
Só o homem fica aterrorizado com seu próprio possível esplendor e delicia.
Só o homem fica agoniado com a necessidade de ser melhor do que é,
pobre verme mental.

Talvez os dentes e presas do mamute tenham ficado muito grandes,
assim como os cornos do extinto alce gigante,
devido ao medo do inimigo desconhecido;
talvez eles tenham se extinguido devido ao medo,
como deverá acontecer ao homem.

*

Cowards
In all creation, only man cowers and is afraid of life.
Only man is terrified of his own possible splendour and delight.
Only is man agonised in front of the necessity to be something better than he is,
poor mental worm.

Though maybe the mammoth got too big in tusk and teeth,
and the extinct giant elk too big in anders,
out of fear of the unknown enemy;
so perhaps they too died out from fear,
as man is likely to do.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Pessoas
 Gosto muito das pessoas
a uma certa distância.
Gosto de vê-las passando, passando
e seguindo seu próprio caminho,
especialmente se vejo a solidão estampada nelas.

Ainda assim, não desejo que elas se aproximem.
Se elas me deixarem em paz
posso ainda ter a ilusão de que existe espaço suficiente no mundo.

*

People
I like people quite well
at a little distance.
I like to see them passing and passing
and going their own way,
especially if I see their aloneness alive in them.

Yet I don't want them to come near.
If they will only leave me alone
I can still have the illusion that there is room enough in the world.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Espiões da polícia
Comece um sistema oficial de espionagem
e você terá introduzido a anarquia em seu país.

*

Police spies
Start a system of official spying
and you've introduced anarchy into your country.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Desejo
Ah, no passado, em relação a raros indivíduos
senti a força do desejo:
Oh venha, venha mais perto, me toque!
Fique fisicamente mais próximo, seja carne para a minha carne –

Mas fale pouco, oh, fale pouco,
e depois, deixe-me em paz.
Fique com sua solidão, deixe-me minha solidão.
Eu dizia isso no passado – agora não mais.
Foi sempre um fracasso.
Eles sempre insistiram no amor
e em falar sobre ele
e sobre o eu-e-você, e o que significamos um para o outro.

Agora não tenho mais nenhum desejo
Exceto o de ser deixado, em última instância, sozinho, bem sozinho.

*

Desire
Ah, in the past, towards rare individuals
I have felt the pull of desire:
Oh come, come nearer, come into touch!
Come physically nearer, be flesh to my flesh –

But say little, oh say little,
and afterwards, leave me alone.
Keep your aloneness, leave me my aloneness.
I used to say this, in the past – but now no more.
It has always been a failure.
They have always insisted on love
and on talking about it
and on the me-and-thee and what we meant to each other.

So now I have no desire any more
Except to be left, in the last resort, alone, quite alone.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Veneno
O que matou o gênero humano — pois a maior parte da humanidade
está morta – foram as mentiras:
a pretensão mentirosa e torpe de fingir sentir o que não sentimos.

*

Poison
What has killed mankind — for the bulk of mankind is dead — is lies:
the nasty lying pretence of seeming to feel what we don't feel.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Novas vassouras
Novas vassouras limpam
mas muitas vezes levantam tanta poeira na varredura
que sufocam o varredor.

*

New Brooms
New brooms sweep clean
but they often raise such a dust in the sweeping
that they choke the sweeper.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Quimera
A maioria das pessoas, hoje, são quimera
quiméricos:
somente fantasias da auto-importância
sua própria auto-importância
e esfinges de autoconsciência.

*

Chimaera
Most people, today, are chimaera
chimerical:
just fantasies of self-importance
their own self-importance
and sphinxes of self-consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Os egoístas
A única questão a ser perguntada, hoje, sobre homem ou mulher
é: Quebrou ela a casca do seu próprio ego?
Quebrou ele a casca do seu próprio ego?

São todos ovos perambulantes
assim: “Grite! Grite! Sou todas as coisas em mim mesmo,
todavia não posso ficar sozinho, quero alguém para me aquecer.”

*

The Egoists
The only question to ask today, about man or woman,
is: Has she chipped the shell of her own ego?
Has he chipped the shell of his own ego?

They are all perambulating eggs
going: “Squeak! Squeak! I am all things unto myself,
yet I can't be alone, I want somebody to keep me warm.”
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O amigo emocional
Ele me disse: Você não confia em mim!
Eu disse: É claro que sim!
Sei que você não roubará do meu bolso,
Sei que você será muito gentil comigo.
Mas isso não foi suficiente, ele olhou para mim quase com ódio.
Não consegui absolutamente descobrir o que pretendia –
Pois não havia circunstância nenhuma pedindo confiança entre nós.

*

The Emotional Friend
He said to me: You don't trust me!
I said: Oh yes 1 do!
I know you won't pick my pocket,
I know you'll be very kind to me.
But it was not enough, he looked at me almost with hate.
And I failed entirely to see what he meant –
Since there was no circumstance requiring trust between us.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A um certo amigo
Você está tão interessado em si mesmo
que você me cansa
na verdade, sou incapaz de sentir qualquer interesse pelo seu ser tão interessante.

*

To a certain friend
You are so interested in yourself
that you bore me
thoroughly, I am unable to feel any interest in your interesting self.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Íntimos
Você não se interessa pelo meu amor? ela disse amargamente.

Dei o espelho para ela e disse:
Por favor, faça essas perguntas à pessoa certa!
Por favor, faça todos os pedidos ao quartel-general!
Em todos os assuntos de importância emocional
por favor, aproxime-se diretamente da autoridade suprema!
Então entreguei a ela o espelho.
Ela o teria quebrado na minha cabeça,
mas percebeu seu próprio reflexo
e isso deixou-a fascinada por dois segundos
enquanto fugi.

*

Intimates
Don't you care for my love? she said bitterly.

I handed her the mirror, and said:
Please address these questions to the proper person!
Please make all requests to head-quarters!
In all matters of emotional importance
please approach the supreme authority direct!
So I handed her the mirror.
And she would have broken it over my head,
but she caught sight of her own reflection
and that held her spellbound for two seconds
while I fled.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Amizade recusada
Ele me disse: Sua vida ficará muito mais pobre
já que você recusou minha amizade.

Mas eu honestamente não sei o que ele quer dizer.
Não acho que estou recusando nada.
Gosto dele. O que mais há?

*

Refused friendship
He said to me: Your life will be so much the poorer
since you refuse my friendship.

But I, honestly, don't know what he means.
I can't see that I refuse anything.
I like him. What else is there?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Realidade suprema
Um jovem disse para mim:
Estou interessado no problema da realidade.

Eu disse: Realmente!
Então vi o jovem voltar-se para olhar de novo, num gesto furtivo,
no grande espelho, a sua própria e fascinante sombra.

*

Ultimate reality
A young man said to me:
I am interested in the problem of reality.

I said: Really!
Then I saw him turn to glance again, surreptitiously,
in the big mirror, at his own fascinating shadow.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Amor verdadeiro finalmente
O jovem belo e absorto em si mesmo
viu a jovem linda e absorta em si mesma
e emocionou-se.

A jovem linda e absorta em si mesma
olhou de volta o jovem belo e absorto em si mesmo
e emocionou-se.

E nessa emoção ele sentiu:
Sua absorção em si mesma é tão forte quanto a minha.
Preciso ver se posso quebrá-la
E torná-la interessada em mim.

E nessa emoção ela sentiu:
Sua absorção em si mesmo é ainda mais forte que a minha!
Que engraçado, mais forte que a minha!
Preciso ver se consigo absorver este Sansão da auto-absorção.

Então eles simplesmente adoraram um ao outro
e no final
eram ambos ruínas nervosas, porque
Na absorção e no interesse em si mesmos, eles se igualavam.

*

True love at last
The handsome and self-absorbed young man
looked at the lovely and self-absorbed girl
and thrilled.

The lovely and self-absorbed girl
looked back the handsome and self-absorbed young man
and thrilled.

And in that thrill he felt:
Her self-absorption is even as strong as mine.
I must see if I can't break through it
And make her interested in me.

And in that thrill she felt:
His self-absorption is even stronger than mine!
What fun, stronger than mine!
I must see if I can't absorb this Samson of self-absorption.

So they simply adored one another
and in the end
they were both nervous wrecks, because
in self-absorption and self-interest they were equally matched.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Solidão
Nunca sei o que as pessoas querem dizer quando se queixam da solidão.
Estar sozinho é um dos grandes prazeres da vida, pensando nossos
próprios pensamentos,
realizando nossas pequenas tarefas, vendo o mundo além
e sentindo-se ininterrompido na conexão enraizada
com o centro de todas as coisas.

*

Loneliness
I never know what people mean when they complain of loneliness.
To be alone is one of life’s greatest delights, thinking one’s own thoughts,
doing one’s own little jobs, seeing the world beyond
and feeling oneself uninterrupted in the rooted connection
with the centre of all things.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Salvação
A única salvação é compreender que não sabemos nada sobre ela
e que não existe nada a ser salvo
e nada a fazer
e que o esforço é a ruína de todas as coisas.
Então, se compreendêssemos que nunca nos perdemos,
compreenderíamos que nunca poderíamos ser salvos.

Pois você não pode salvar o que nunca foi perdido,
no pior dos casos, você pode somente poupar
e uma vez que você compreenda que nunca esteve perdido
compreende a estupidez de economizar contra uma possível perda.
A coisa mais fácil de perder são economias.

*

Salvation
The only salvation is to realise that we know nothing about it
and there is nothing to save
and nothing to do
and effort is the ruin of all things.
Then, if we realise that we never were lost, we realise we couldn't be saved.

For you can't save that which was never lost,
at the worst, you can only save it up
and once you realise that you never were lost
you realise the fatuity of saving up against possible loss.
The one thing easiest to lose is savings.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Religião futura
O futuro da religião está no mistério do toque.
A mente não tem tato, nem a vontade, nem o espírito.
Primeiro vem a morte, então a solidão pura, permanente
depois a ressurreição pelo toque.

*

Future Religion
The future of religion lies in the mystery of touch.
The mind is touchless, so is the will, so is the spirit.
First comes the death, then the pure aloneness, which is permanent
then the resurrection into touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Fatalidade
Ninguém, nem mesmo Deus, pode pôr de volta uma folha na árvore
uma vez que ela tenha caído.
E ninguém, nem Deus nem Cristo nem qualquer outro
pode recolocar uma vida humana em conexão com o cosmos vivo
uma vez que a conexão tenha sido rompida
e a pessoa tenha-se tornado finalmente auto-centrada.

Somente a morte, através do longo processo de desintegração,
pode tornar a fundir a vida separada
ao longo do Hades escuro, na raíz da árvore
em direção à seiva circulante, uma vez mais, da árvore da vida.

*

Fatality
No one, not even God, can put back a leaf on to a tree
once it has fallen off.
And no one, not God nor Christ nor any other
can put back a human life into connection with the living cosmos
once the connection has been broken
and the person has become finally self-centred.

Death alone, through the long processes of disintegration
can melt the detached life back
through the dark Hades at the roots of the tree
into the circulating sap, once more, of the tree of life.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Graus de iniciação
Homem algum, a não ser que tenha morrido e aprendido a ficar só,
jamais entrará em contato físico.

*

Initiation degrees
No man, unless he has died, and learned to be alone
will ever come into touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Almas infelizes
Almas infelizes são aquelas que não podem morrer e ficar silenciosas
e precisam lutar eternamente para afirmar-se.

*

Unhappy Souls
The unhappy souls are those that can’t die and become silent
but must ever struggle on to assert themselves.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Vida completa
Um homem não pode viver completamente a não ser que morra e pare de se preocupar,
pare de se preocupar.

*

Full Life
A man can’t fully live unless he dies and ceases to care, ceases to care.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Orgulho próprio
Tudo que vive tem seu peculiar orgulho próprio
como uma flor de aquilégia, ou mesmo um estorninho andando e olhando em volta.

E coisas ignóbeis como hienas ou percevejos têm o menor orgulho de ser,
elas são humildes, com uma humildade rastejante, por serem parasitas
ou criaturas corruptas.

*

Proper Pride
Everything that lives has its own proper pride
as a columbine flower has, or even a starling walking and looking around.

And the base things like hyenas or bed-bugs have least pride of being,
they are humble, with a creeping humility, being parasites or carrion creatures.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

EnMasse
Hoje, a sociedade santificou
o pecado contra o Espírito Santo
e todos são encorajados ao pecado
de maneira que todos possam perder-se juntos, enmasse, a grande palavra da nossa civilização.

*

En Masse
Today, society has sanctified
the sin against the Holy Ghost,
and all are encouraged into the sin
so that all may be lost together, en masse, the great word of our civilisation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Deus e o Espírito Santo
Não existe pecado contra Deus, e Deus lá se importa com o pecado!
Mas existe pecado contra o Espírito Santo, pois o Espírito Santo está conosco
na carne, é parte de nossa consciência.

O Espírito Santo é a parte mais profunda de nossa própria consciência
em que nos conhecemos pelo que somos
e conhecemos nossa dependência da transcendência criativa.

Então, se vamos contra nossa consciência mais profunda
naturalmente destruímos o eu mais essencial em nós
e, uma vez feito, não há remédio, nenhuma salvação para isso,
não-existência é a nossa porção.

*

God and the Holy Ghost
There is no sinning against God, what does God care about sin!
But there is sinning against the Holy Ghost, since the Holy Ghost is with us
in the flesh, is part of our consciousness.

The Holy Ghost is the deepest part of our own consciousness
wherein we know ourselves for what we are
and know our dependence on the creative beyond.

So if we go counter to our own deepest consciousness
naturally we destroy the most essential self in us,
and once done, there is no remedy, no salvation for this,
nonentity is our portion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Não-existência
Não existimos, a menos que estejamos profunda e sensualmente em contato
com o que pode ser tocado mas não conhecido.

*

Non-existence
We don’t exist unless we are deeply and sensually in touch
with that which can be touched but not known.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sabe-tudo
Tudo que sabemos é nada, somos meros cestos cheios de papel usado
a não ser que estejamos em contato com aquilo que ri de todo nosso conhecimento.

*

All-knowing
All that we know is nothing, we are merely crammed waste-paper baskets
unless we are in touch with that which laughs at all our knowing.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Pessoas que se preocupam
Pessoas que se preocupam, se preocupam, se preocupam,
e que não ousam morrer com medo de não serem nada
provavelmente não são nada.

*

People who care
People who care, who care, who care,
and who dare not die for fear they should be nothing at all
probably are nothing at all.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Humildade
Atualmente, falar de humildade é um pecado contra o Espírito Santo.
É uma fuga furtiva da responsabilidade
da nossa própria consciência.

*

Humility
Nowadays, to talk of humility is a sin against the Holy Ghost.
It is a sneaking evasion of the responsibility
of our own consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Mercadores da humildade
Quando ouço um homem declamar sobre a humildade, hoje
sei que é ou um percevejo, devorando avidamente pessoas dormindo
ou uma hiena, comendo cadáveres.

*

Humility mongers
When I hear a man spouting about humility today
I know he is either a bed-bug, battening on sleeping people
or a Hyaena, eating corpses.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Terna reverência
Ser humilde diante de outros homens é degradante, não sou humilde
diante de homem nenhum
e não quero que homem algum seja humilde diante de mim.

Mas quando vejo o espírito da vida tremulando e lutando num homem
Quero sempre mostrar terna reverência humana.

*

Tender reverence
To be humble before other men is degrading, I am humble before no man
and I want no man to be humble before me.

But when I see the life-spirit fluttering and struggling in a man
I want to show always the human tender reverence.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Reverência absoluta
Não sinto reverência absoluta por ninguém e por nada humano
nem por pessoas nem coisas nem idéias, ideais nem religiões nem instituições,
em relação a essas coisas sinto somente respeito, e um  matiz de reverência
quando vejo nelas a vibração da pura vida.

Mas em relação a algo invisível, não conhecido, criativo
do qual sinto que sou originário
sinto absoluta reverência. Não diga mais nada!

*

Absolute reverence
I feel absolute reverence to nobody and nothing human
neither to persons nor things nor ideas, ideals nor religions nor institutions,
to these things I feel only respect, and a tinge of reverence
when I see the fluttering of pure life in them.

But to something, unseen, unknown, creative
from which I feel I am a derivative
I feel absolute reverence. Say no more!
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Falar sobre lealdade
Percebi que pessoas que falam muito sobre lealdade
são sempre desleais por natureza
e temem a reação.

*

Talk of loyalty
I have noticed that people who talk a lot about loyalty
are always themselves by nature disloyal
and they fear the come-back.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Falar sobre fé
E pessoas que falam sobre fé
usualmente querem forçar alguém a concordar com elas,
como se houvesse segurança nos números, mesmo na fé.

*

Talk about faith
And people who talk about faith
usually want to force somebody to agree with them,
as if there was safety in numbers, even for faith.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Crença
Eternamente sem nome
Eternamente desconhecida
Eternamente inconcebida
Eternamente irrepresentada
Mesmo assim eternamente sentida na alma.

*

Belief
Forever nameless
Forever unknown
Forever unconceived
Forever unrepresented
Yet forever felt in the soul.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Serviço
Ah, sim, o homem precisa aprender a servir
não pelo dinheiro, mas pela vida.

Ah, sim, o homem precisa aprender a obedecer
Não a um patrão, mas ao vislumbre da vida na face de um homem
que olhou nos olhos dos deuses.
O homem só é inteiramente humano
quando transcende a humanidade.

*

Service
Ah yes, men must learn to serve
not for money, but for life.

Ah yes, men must learn to obey
not a boss, but the gleam of life on the face of a man
who has looked into the eyes of the gods.
Man is only perfectly human
when he looks beyond humanity.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O que são os deuses?
O que são os deuses, então, o que são os deuses?

Os deuses não têm nome nem imagem
mas olhando para uma grande e plena limeira no verão
Subitamente olhei no fundo dos olhos de deus:
é o bastante.

*

What are the gods?
What are the gods, then, what are the gods?

The gods are nameless and imageless
yet looking in a great full lime-tree of summer
I suddenly saw deep into the eyes of god:
it is enough.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Homens como deuses
Os homens queriam ser como deuses
então eles se transformaram em máquinas
e agora nem eles estão satisfeitos.

*

Men like Gods
Men wanted to be like gods
so they became like machines
and now even they're not satisfied.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Homem e máquina
O homem inventou a máquina
e agora a máquina inventou o homem.

Deus o Pai é um dínamo
e Deus o Filho um rádio-falante
e Deus o Espírito Santo é o gás que mantém tudo funcionando.

E os homens têm forçosamente de serem pequenos dínamos
e pequenos rádios-falantes
e o espírito humano é basicamente gás, para manter tudo funcionando.

O homem inventou a máquina
por isso agora a máquina inventou o homem.

*

Man and Machine
Man invented the machine
and now the machine has invented man.

God the Father is a dynamo
and God the Son a talking radio
and God the Holy Ghost is gas that keeps it all going.

And men have perforce to be little dynamos
and little talking radios
and the human spirit is so much gas, to keep it all going.

Man invented the machine
so now the machine has invented man.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Quando a maioria dos homens morrem
Quando a maioria dos homens morrem, hoje,
quando a maioria das mulheres morrem
são somente máquinas que quebram
e não podem ser consertadas.

*

When most men die
When most men die, today,
when most women die
it is merely a machine breaks down
and can’t be mended.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Resposta a Whitman
E aquele que caminha uma milha cheio de falsa simpatia
caminha para o funeral de toda a raça humana.

*

Retort to Whitman
And whoever walks a mile full of false sympathy
walks to the funeral of the whole human race.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sozinho, solitário, só!
Quando vejo alguém reclamar de estar sozinho
ou, como dizem os americanos, de ser solitário,
eu me pergunto o que eles querem dizer.

Querem eles dizer que estão muito sozinhos?

Mas o que é melhor do que estar sozinho?
escapar dos vapores de gasolina da conversação humana
e do cheiro de descarga das pessoas
e estar sozinho!

Estar sozinho, e sentir as árvores crescendo silenciosamente.
Estar sozinho, e ver a luz da lua lá fora, branca e diligente e silenciosa.
Estar bem sozinho, e sentir o cosmos vivo suavemente embalando
aliviando e restaurando e curando.

Aliviado, restaurando e curando
quando estou sozinho com o grande e silencioso cosmos
e sem a irritação das pessoas corroendo com sua presença
a tranqüilidade do ar.

*


Lonely, lonesome, loney – o!
When I hear somebody complain of being lonely
or, in American, lonesome
I really wonder and wonder what they mean.

Do they mean they are a great deal alone?

But what is lovelier than to be alone?
escaping the petrol fumes of human conversation
and the exhaust-smell of people
and be alone!

Be alone, and feel the trees silently growing.
Be alone, and see the moonlight outside, white and busy and silent.
Be quite alone, and feel the living cosmos softly rocking
soothing and restoring and healing.

Soothed, restored and healed
when I am alone with the silent great cosmos
and there is no grating of people with their presences gnawing
at the stillness of the air.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Mudança
Você pensa que é fácil mudar?
Ah, é muito difícil mudar e ser diferente.
Significa passar pelas águas do esquecimento.

*

Change
Do you think it is easy to change?
Ah, it is very hard to change and be different.
It means passing through the waters of oblivion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Enfado, tédio, depressão
E enfado, tédio, depressão
são longas e lentas vibrações de dor
que possuem o corpo todo
e não podem ser localizadas.

*

Boredom, ennui, depression
And boredom, ennui, depression
are long slow vibrations of pain
that possess the whole body
and cannot be localised.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Turistas
Não existe nada mais para ser contemplado,
Tudo já foi visto até à morte.

*

Tourists
There is nothing to look at any more,
Everything has been seen to death.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Resposta a Jesus
E aquele que força a si mesmo a amar qualquer pessoa
Gera um assassino dentro de si.

*

Retort to Jesus
And whoever forces himself to love anybody
Begets a murderer in his own body.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A sensualidade mais profunda
A mais profunda de todas as nossas volúpias
é o sentido da verdade
e a próxima experiência sensual mais profunda
é o senso da justiça.

*

The deepest sensuality
The profoundest of all sensualities
is the sense of truth
and the next deepest sensual experience
is the sense of justice.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sentido da verdade
Você deve fundir mente e imaginação com todos os sentidos
antes de poder sentir a verdade.
E se você não pode sentir a verdade você não pode ter qualquer
experiência sensual satisfatória.

*

Sense of truth
You must fuse mind and wit with all the senses
before you can feel truth.
And if you can't feel truth you can't have any other
satisfactory sensual experience.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Satisfação
A profunda, sensual experiência da verdade: Sim,
somente isso
nos satisfaz, no final!

*

Satisfaction
The profound sensual experience of truth: Yea, this is!
alone satisfies us, in the end.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Por tudo isso
Por tudo isso, a vida só será boa de novo quando houver
esforço generoso e determinado entre os homens
Para alterar a presente estrutura da civilização
Para abolir a tirania do dinheiro.

*

For all that
For all that, life will only be good again when there is a generous,
determined effort among mem
To alter the present frame of civilisation
To abolish the tyranny of money.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Espetáculos
Hoje, se um homem faz algo pretensioso e deliberado
deixe-o mostrá-lo à multidão, provavelmente ela aplaudirá
e de qualquer maneira não lhe pode fazer mal.

Mas se ele produz algo belo, com a frágil beleza da vida
deixe-o escondê-lo, para que continue florescendo.
Se ele mostra-lo, os olhos e o hálito da multidão
irão pervertê-lo, e estragarão sua beleza.

Mesmo as flores, nas lojas ou parques
São defloradas quando olhadas por tantos olhos sujos.

*

Shows
Today, if a man does something pretentious and deliberate
let him show it to the crowd, probably they will applaud
and anyhow they can't do any hurt.

But if he produces something beautiful, with the frail beauty of life
let him hide it away, so it can go on blossoming.
If he show it, the eyes and the breath of the crowd
will defile it, and spoil its beauty.

Even the very flowers, in the shops or parks
are deflowered by being looked at by so many unclean eyes.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

As colinas
Levanto meus olhos para as colinas
e lá estão elas, mas nenhuma força vem delas para mim.

Somente das trevas
e deixando de ver
a força vem.

*

The hills
I lift up mine eyes unto the hills
and there they are, but no strength comes from them to me.

Only from darkness
and ceasing to see
strength comes.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O sopro da vida
O sopro da vida e os cortantes ventos da mudança são a mesma coisa.
Mas as pessoas que perderam a conexão orgânica com o cosmos
sentem os ventos da mudança triturando-as
e o sopro da vida nunca vem para alimentá-las.

*

The breath of life
The breath of life and the sharp winds of change are the same thing.
But people who are fallen from the organic connection with the cosmos
feel the winds of change grind them down
and the breath of life never comes to nourish them.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A procura do amor
Aqueles que saem à procura do amor
somente mostram seu próprio desamor,
os sem amor nunca encontram o amor,
somente os amorosos encontram o amor,
e eles nunca têm de procurá-lo.

*

Search for Love
Those that go searching for love
only make manifest their own lovelessness,
and the loveless never find love,
only the loving find love,
and they never have to seek for it.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A procura da verdade
Não procure mais nada, nada
exceto a verdade.
Fique quieto, e tente chegar à verdade.

E a primeira pergunta para si mesmo é:
Quão grande mentiroso eu sou?

*

Search for truth
Search for nothing any more, nothing
except truth.
Be very still, and try and get at the truth.

And the first question to ask yourself is:
How great a liar am I?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Somente o melhor interessa
Somente o melhor interessa, no homem especialmente.
Sim, você não pode produzir o melhor sem pensar no todo
mas o que é secundário só é importante
na medida em que gera o melhor.

*

Only the best matters
Only the best matters, in man especially.
True, you can't produce the best without attending to the whole
but that which is secondary is only important
in so far as it goes to the bringing forth of the best.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Homens como deuses
Quando os homens pensam que são como deuses
são geralmente muito menos do que homens
vindo a ser idiotas presunçosos.

*

Men like Gods
When men think they are like gods
they are usually much less than men
being conceited fools.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Vislumbres
O que há de bom em um homem
a não ser que exista nele o vislumbre de um deus?

E o que há de bom em uma mulher
a não ser que ela seja o vislumbre de algum tipo de deusa?

*

Glimpses
What's the good of a man
unless there's the glimpse of a god in him?

And what's the good of a woman
unless she’s a glimpse of a goddess of some sort?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Todos os tipos de deuses
Existem todos os tipos de deuses, todos os tipos e cada tipo,
e cada deus que a humanidade conheceu é ainda hoje um deus
os estranhos africanos e os estranhos escandinavos
os belíssimos gregos, os repelentes fenícios, os horrendos astecas,
deusas do amor, deusas da obscenidade, comedoras de excremento
ou virginais como lírios,
Jesus, Buda, Jeová e Rá, Egito e Babilônia,
todos os deuses, e você vê a todos, vivos e movendo-se hoje, se você olha,
e vivos e movendo-se amanhã, muitos amanhãs, assim como ontens.

Onde você os vê, você pergunta?
Você os vê em vislumbres, nas faces e formas das pessoas, em vislumbres.

Quando homens e mulheres, quando garotos e garotas não estão pensando,
quando são puros, o que significa quando estão livres da auto-consciência
quer com raiva ou ternura, ou desejo ou tristeza ou deslumbramento ou somente quietude
você pode ver vislumbres dos deuses neles.

*

All sorts of gods
There’s all sorts of gods, all sorts and every sort,
and every god that humanity has ever known is still a god today
the African queer ones and Scandinavian queer ones,
the Greek beautiful ones, the Phoenician ugly ones, the Aztec hideous ones,
goddesses of love, goddesses of dirt, excrement-eaters or lily virgins,
Jesus, Buddha, Jehovah and Ra, Egypt and Babylon,
all the gods, and you see them all if you look, alive and moving today,
and alive and moving tomorrow, many tomorrows, as yesterdays.

Where do you see them, you say?
You see them in glimpses, in the faces and forms of people, in glimpses.

When men and women, when lads and girls are not thinking,
when they are pure, which means when they are quite clean from self-consciousness
either in anger or tenderness, or desire or sadness or wonder or mere stillness
you may see glimpses of the gods in them.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

[Os deuses]
Os deuses são todas as coisas, e nós também.
Os deuses são apenas nós mesmos, como somos em nossos
momentos de pura manifestação.

*

[The Gods]
The gods are all things, and so are we.
The gods are only ourselves, as we are in our moments of pure manifestation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Pensamento
Pensamento, amo o pensamento.
Mas não o sacolejo e a torção das idéias já existentes
Desprezo esse jogo presunçoso.
O pensamento é o nascer da vida desconhecida na consciência,
O pensamento é testar afirmações no critério da consciência,
Pensamento é fitar a face da vida e ler o que pode ser lido,
Pensamento é meditar sobre a experiência e chegar a uma conclusão.
Pensamento não é um truque, ou exercício, ou uma coleção de evasivas,
O pensamento é um homem na sua inteireza inteiramente presente.

*

Thought
Thought, I love thought.
But not the juggling and twisting of already existent ideas
I despise that self-important game.
Thought is the welling up of unknown life into consciousness,
Thought is the testing of statements on the touchstone of the conscience,
Thought is gazing on to the face of life, and reading what can be read,
Thought is pondering over experience, and coming to a conclusion.
Thought is not a trick, or an exercise, or a set of dodges,
Thought is a man in his wholeness wholly attending.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O homem é mais que Homo Sapiens
O homem não é precisamente um homem
a não ser que tenha seus puros momentos, quando está superando.
Vi um enraivecido italiano agarrar um pequeno e irritante funcionário pela garganta
e quase tirar a vida dele:
nem mesmo Jesus poderia negar que naquele momento o homem enraivecido
era um deus, na sua divindade, puro como um Cristo, formoso
mas talvez Ashtaroth, talvez Shiva, talvez Huitzilopochtli
com a escura e cintilante beleza dos deuses sem mensagem.

*

Man is more than Homo Sapiens
Man is not quite a man
unless he has his pure moments, when he is surpassing.
I saw an angry Italian seize an irritating little official by the throat
and all but squeeze the life out of him:
and Jesus himself could not have denied that at that moment the angry man
was a god, in godliness pure as Christ, beautiful
but perhaps Ashtaroth, perhaps Siva, perhaps Huitzilopochtli
with the dark and gleaming beauty of the messageless gods.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Humanidade precisa de poda
A humanidade precisa de poda
Ela é como uma vasta e grande árvore com uma vasta e grande
porção de madeira estéril, morta, podre.
e uma quantidade de fungos e crescimento parasitário.
A árvore da humanidade urgentemente de poda,
precisa de uma poda completa, não como na última guerra, explodindo
numa destruição perversa e idiota
mas uma poda, severa, inteligente e implacável  poda.

A árvore da existência humana precisa urgentemente de uma poda
ou toda a árvore poderá cair de podre.

*

Humanity Needs Pruning
Humanity needs pruning
It is like a vast great tree with a vast great lot of sterile, dead, rotting wood
and an amount of fungoid and parasitic growth.
The tree of humanity needs pruning, badly,
it needs thoroughly pruning, not as in the late war, blasting
with unintelligent and evil destruction
but pruning, severely, intelligently and ruthlessly pruning.

The tree of human existence needs badly pruning
or the whole tree may fall rotten.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Presunção
É a presunção que nos mata
e nos torna covardes em vez de deuses.

Sob a grande Ordem: Conhece-te a ti mesmo, e que és mortal!
Ficamos fatalmente autoconscientes, fatalmente pretenciosos,
fatalmente enredados na espiral de Laocoonte da nossa própria presunção.

Agora temos de admitir que não podemos conhecer a nos mesmos,
podemos somente saber sobre nós.
E não estou mais interessado em saber sobre mim,
Somente embaraço a mim mesmo no conhecimento.

Agora deixe-me ser eu mesmo,
agora deixe-me ser eu mesmo e flutuar,
agora deixe-me ser eu mesmo, no ser, um dos deuses.

*

Conceit
It is conceit that kills us
and makes us cowards instead of gods.

Under the great Command: Know thyself, and that thou art mortal!
We have become fatally self-conscious, fatally self-important,
fatally entangled in the Laocoön coils of our conceit.

Now we have to admit we can't know ourselves, we can only know about ourselves.
And I am not interested to know about myself any more,
I only entangle myself in the knowing.

Now let me be myself,
now let me be myself, and flicker forth,
now let me be myself, in the being, one of the gods.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Alegria da morte
Oh morte
sobre você eu nada sei, nada —
sobre o depois
na verdade, não sabemos nada

Mesmo assim, oh morte, oh morte
também sei muito sobre você
o conhecimento está dentro de mim, sem ser óbvio.

E então sei
depois da dolorosa, dolorosa experiência de morrer
vem uma alegria subseqüente, estranho prazer
numa grande aventura
oh, a grande aventura da morte, em que Thomas Cook não nos pode guiar.

Sempre quis ser como as flores são
tão desembaraçadas na sua vida e na morte,
e na morte acredito que serei como as flores são.

Florescerei como um negro amor-perfeito, encantado
lá entre os negros raios solares da morte.
Posso sentir-me desabrochando na negra claridade da morte
em direção a algo florido e realizado, e com um estranho, doce perfume

Os homens impedem uns aos outros de serem homens
mas nos grandes espaços da morte
os ventos do depois nos beijam ao florescer da humanidade

*

Gladness of death
Oh death
about you I know nothing, nothing —
about the afterwards
as a matter of fact, we know nothing

Yet oh death, oh death
also I know so much about you
the knowledge is within me, without being a matter of fact

And so I know
after the painful, painful experience of dying
there comes an after-gladness, a strange joy
in a great adventure
oh the great adventure of death, where Thomas Cook cannot guide us

I have always wanted to be as the flowers are
so unhampered in their living and dying
and in death I believe I shall be as the flowers are

I shall blossom like a dark pansy, and be delighted
there among the dark sun-rays of death
I can feel myself unfolding in the dark sunshine of death
to something flowery and fulfilled, and with a strange sweet perfume

Men prevent one another from being men
but in the great spaces of death
the winds of the afterwards kiss us into blossom of manhood
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Mentiras
Mentiras não é uma questão de falsos fatos
mas de falsos sentimentos e justiça pervertida.

*

Lies
Lies are not a question of false fact
but of false feeling and perverted justice.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Então deixe-me viver
Então deixe-me viver para que eu possa morrer
ansiosamente deslizando da confusão da vida
para a aventura da morte, com ansiedade
voltando-me para a morte como me volto para a beleza
para o sopro, isto é, da nova beleza desabrochando na morte.

*

So let me live
So let me live that I may die
eagerly passing over from the entanglement of life
to the adventure of death, in eagerness
turning to death as I turn to beauty
to the breath, that is, of new beauty unfolding in death.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Auto-sacrifício
Auto-sacrifício, afinal, é uma ideia errada e equivocada.
Não pode ser outra coisa senão errado sacrificar
sentimentos bons, saudáveis e naturais, instintos, paixões ou desejos,
assim como não pode ser outra coisa senão errado cortar as gargantas
de pombas para Vênus, ou de novilhos para Hermes,
se você está pensando somente em Vênus e Hermes.

Vênus certamente preferiria pombas vivas a mortas, se você deseja fazer uma oferenda.
Se você deseja fazer uma oferenda a ela, deixe as pombas voarem do seu altar.

Mas o que podemos sacrificar do Ser, se a isso chamamos sacrifício,
são todos os impedimentos à vida, presunção, vaidade, vontade própria egoísta,
ou todas as feias velhas possessões que impedem a vida,
velho e feio mobiliário, livros velhos e feios, prédios velhos e feios, “arte” velha e feia,
qualquer coisa que nos pertença, que seja feia e um impedimento ao
movimento livre da vida,
sacrifique isso aos deuses luminosos e satisfaça o instinto destrutivo.

*

Self-Sacrifice
Self-sacrifice, after all, is a wrong and mistaken idea.
It cannot be anything but wrong to sacrifice
good, healthy, natural feelings, instincts, passions or desires,
just as it cannot be anything but wrong to cut the throats
of doves for Venus, or of steers for Hermes,
if it is merely Venus or Hermes you are thinking of.

Venus would rather have live doves than dead, if you want to make an offering.
If you want to make her an offering, let the doves fly from her altar.

But what we may sacrifice, if we call it sacrifice, from the self,
are all the obstructions to life, self-importance, self-conceit, egoistic self-will,
or all the ugly old possessions that make up the impedimenta of life,
ugly old furniture, ugly old books, ugly old buildings, ugly old “art”,
anything that belongs to us, and is ugly and an impediment to the
free motion of life
sacrifice that to the bright gods, and satisfy the destructive instinct.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

A velha ideia do sacrifício
A velha ideia do sacrifício era esta:
o sangue da vida inferior deve ser derramado
para alimentar e dar forças ao mais belo, à vida mais repleta.

Oh quando o velho mundo sacrificava um carneiro
era para os deuses que nos tornam esplêndidos
e era para uma festa, uma festa da carne, para homens e donzelas
num dia de esplendor, para o maior esplendor de ser homem.

Isso era consumir pequenas vidas,
mesmo pombas, mesmo passarinhos
na dança e esplendor de uma vida maior.
Não existe esta coisa chamada pecado.
Existe somente vida e antivida.

E sacrifício é a lei da vida que estabelece
que pequenas vidas devem ser consumidas na dança e esplendor
de vidas maiores, com a devida reverência e reconhecimento.

*

The old idea of sacrifice
The old idea of sacrifice was this:
that blood of the lower life must be shed
for the feeding and strengthening of the handsomer, fuller life.

O when the old world sacrificed a ram
it was to the gods who make us splendid
and it was for a feast, a feast of meat, for men and maids
on a day of splendour, for the further splendour of being men.

It was the eating up of little lives,
even doves, even small birds
into the dance and splendour of a bigger life.
There is no such thing as sin.
There is only life and anti-life.

And sacrifice is the law of life which enacts
that little lives must be eaten up into the dance and splendour
of bigger lives, with due reverence and acknowledgement.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Auto-sacrifício
Auto-sacrifício é talvez a ação mais vil que um homem pode praticar.
O eu que somos, no seu ponto mais alto, é tudo que somos
é a própria chama individual da vida mesma
é o mais puro eu do homem.

E sacrificar isso, a qualquer coisa ou pessoa,
é a mais vil das covardias e traições.

Todavia uma mulher pode adicionar sua chama à de um homem
ou um homem pode adicionar sua chama à chama de outro homem
como uma dádiva de alegria, vendo o deslumbramento da vida crescer
mais rápido, alto e luminoso, para a produção e a adição mútua.

*

Self-sacrifice
Self-sacrifice is perhaps the vilest deed a man can do.
The self that we are, at its best, is all that we are
is the very individual flame of life itself
which is the man's pure self.

And to sacrifice that, to anything or anybody whatsoever
is the vilest cowardice and treachery.

Yet a woman can add her flame to a man's
or a man can add his flame to the flame of another man
as a gift of gladness, seeing the glamour of life go up
swifter and higher and brighter, for the yielding and the adding together.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Esquecer
Ser capaz de esquecer é ser capaz de entregar-se
ao Deus que reside no profundo ouvido.
Somente no completo esquecimento estamos com Deus.
Pois quando sabemos completamente, já abandonamos o saber.

*

Forget
To be able to forget is to be able to yield
to God who dwells in deep oblivion.
Only in sheer oblivion are we with God.
For when we know in full, we have left off knowing.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Crianças da classe média
Outra coisa curiosa sobre a classe média inglesa
É como ela odeia seus filhos.
Aqueles abaixo de cinqüenta e, mais ainda, os abaixo de quarenta
Instintivamente odeiam seus filhos
Tão logo os têm.

Ao mesmo tempo, tomam o maior cuidado possível com eles
– Enfermeiras, médicos, boa comida, higiene, escolas, tudo isso –
O maior cuidado possível –
E os odeiam.

Eles parecem sentir os filhos como uma horrível limitação
– Se não fossem estas crianças eu seria livre –
Livre para quê, ninguém sabe. Mas livre!
– Sinto muito, querida, mas não posso vir por causa das crianças.

As crianças, naturalmente, sabem que são cuidadas
E odiadas.
Não existe, realmente, maneira de enganar uma criança.

Dessa maneira, elas aceitam o desamor dissimulado como o
sentimento normal entre as pessoas
E atenção superficial e cuidado e cumprimento da obrigação
Como atividade normal
Elas podem, até, um dia, perceber a simples afeição como uma grande descoberta.

*

Middle-class children
Another curious thing about the English middle classes
Is how they hate their children.
Those under fifty, and more still, those under forty
They instinctively hate their own children
Once they`ve got them.

At the same time, they take the greatest possible care of them
        Nurses, doctors, proper food, hygiene, schools, all that –
The greatest possible care
And they hate them.

They seem to feel the children a ghastly limitation
– But for those children I should be free –
Free what for, nobody knows. But free!
– Awfully sorry, dear, but I can`t come because of the children.

The children, of course, know that they are cared for
And disliked.
There is no means of really deceiving a child.
So they accept covered dislike as the normal feeling between people
And superficial attention and care and fulfilment of duty
As normal activity
They may even, one day, discover simple affection as a great discovery. 
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Deus nasceu
A história do cosmos
é a história da luta do vir-a-ser.
Quando o obscuro fluxo da vida informe
lutou, agitou-se para trás e para frente, sobre si mesmo,
e estourou finalmente em luz e escuridão
passou a existir como luz,
passou a existir como sombra fria
então cada átomo do cosmos tremeu com delícia.
Olhe, Deus nasceu!
Ele é luz fulgurante!
Ele é escuro como breu e frio!

E na grande luta do caos intangível
quando, num certo ponto, uma gota d`água começou a pingar
e um sopro de vapor começou a espiralar-se
Olho de novo o estremecimento de êxtase por todos os átomos!
Ó, Deus nasceu!
Olhe, Ele nasceu molhado!
Veja, Ele tem movimentos para cima! Ele espirala!

E, então, na grande eternidade da consumação e decadência
de tempos em tempos o brado selvagem de cada elétron:
Olhe! Deus nasceu!

Quando as safiras resfriaram-se do caos derretido:
Veja, Deus nasceu! Ele é azul, azul profundo, ele é azul para sempre azul!
Quando o ouro estendeu-se brilhante enroscando a rocha resfriada:
Deus nasceu! Deus nasceu! amarelo brilhante e dócil Ele nasceu.

Quando a pequena ameba ovóide emergiu da espuma e do nada
então todos os elétrons seguraram sua respiração:
Ach! Ach! Agora Deus nasceu de verdade! Ele cintila interiormente.

Quando de um mundo de musgos e samambaias
finalmente o narciso levantou um ramo de estrelas de cinco pontas
e balançou-os na atmosfera,
então cada molécula da criação pulou e bateu suas mãos:
Deus nasceu! Deus nasceu perfumado e oscilando e com um cálice!

Através das eternidades, quando o lagarto torce sua cauda mais leve do que a água,
quando o pavão se volta para o sol, não podendo ser mais esplêndido,
quando o leopardo golpeia o bezerrinho com as patas reluzentes, perfeito,
o universo treme: Deus nasceu! Deus está aqui!

Quando finalmente o homem ficou em pé nas duas pernas e admirou-se,
então  houve um silêncio de suspense no âmago de cada elétron:
Olha, agora o verdadeiro Deus nasceu!
O Próprio Deus nasceu!

E então vemos, Deus não é
até que ele nasça.

E também vemos
não existe fim no nascimento de Deus.

*

God is born
The history of the cosmos
is the history of the struggle of becoming.
When the dim flux of unformed life
struggled, convulsed back and forth upon itself,
and broke at last into light and dark
came into existence as light,
came into existence as cold shadow
then every atom of the cosmos trembled with delight.
Behold, God is born!
He is bright light!
He is pitch dark and cold!

And in the great struggle of intangible chaos
when, at a certain point, a drop of water began to drip downwards
and a breath of vapour began to wreathe up
Lo again the shudder of bliss through all the atoms!
Oh, God is born!
Behold, He is born wet!
Look, He hath movement upward! He spirals!

And so, in the great aeons of accomplishment and débâcle
from time to time the wild crying of every electron:
Lo! God is born!

When sapphires cooled out of molten chaos:
See, God is born! He is blue, he is deep blue, he is forever blue!
When gold lay shining threading the cooled-off rock:
God is born! God is born! bright yellow and ductile He is born.

When the little eggy amoeba emerged out of foam and nowhere
then all the electrons held their breath:
Ach! Ach! Now indeed God is born! He twinkles within.

When from a world of mosses and of ferns
at last the narcissus lifted a tuft of five-point stars
and dangled them in the the atmosphere,
then every molecule of creation jumped and clapped its hands:
God is Born! God is born perfumed and dangling and with a little cup!

Throughout the aeons, as the lizard swirls his tail finer than water,
as the peacock turns to the sun, and could not be more splendid,
as the leopard smites the small calf with a spangled paw, perfect,
the universe trembles: God is born! God is here!

And when at last man stood on two legs and wondered,
then there was a hush of suspense at the core of every electron:
Behold, now the very God is born!
God Himself is born!

And so we see, God is not
until he is born.

And also we see
there is no end to the birth of God.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Deus sem corpo
Tudo que tem beleza tem um corpo e é um corpo;
tudo que existe, existe na carne:
e sonhos são apenas extraídos dos corpos que existem.

E Deus?
A não ser que Deus tenha um corpo, como pode ter voz
e emoções, e desejos, e força, glória ou honra?
Pois Deus, mesmo o Deus mais raro, supostamente nos ama
e deseja que nós sejamos isto, aquilo e mais o outro.
E é supostamente poderoso e glorioso.

*

Bodiless God
Everything that has beauty has a body, and is a body;
everything that has being has being in the flesh:
and dreams are only drawn from the bodies that are.

And God?
Unless God has a body, how can he have a voice
and emotions, and desires, and strength, glory or honour?
For God, even the rarest God, is supposed to love us
and wish us to be this that and the other.
And he is supposed to be mighty and glorious.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O corpo de Deus
Deus é o grande impulso que ainda não encontrou um corpo
mas que impulsiona à encarnação com o grande impulso criativo.

E se torna afinal uma carnação de cravo: veja! isto é deus!
e se transforma finalmente em Helen, ou Ninon: qualquer linda e generosa mulher
na sua melhor forma e maior graciosidade, sendo deus, manifesto,
qualquer homem lúcido e sem medo sendo deus, deus verdadeiro.

Não existe Deus
separado das papoulas e peixes voadores,
homens cantando canções e mulheres penteando seu cabelo ao sol.
As coisas graciosas são deus que veio a ser, como Jesus.
O resto, o que não se pode descobrir, é o demiurgo.

*

The body of God
God is the great urge that has not yet found a body
but urges towards incarnation with the great creative urge.

And becomes at last a clove carnation: lo! that is god!
and becomes at last Helen, or Ninon: any lovely and generous woman
at her best and her most beautiful, being god, made manifest,
any clear and fearless man being god, very god.

There is no god
apart from poppies and the flying fish,
men singing songs, and women brushing their hair in the sun.
The lovely things are god that has come to pass, like Jesus came.
The rest, the undiscoverable, is the demi-urge.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O trabalho da criação
O mistério da criação é o divino desejo da criação,
mas é um grande, estranho desejo, não é uma Intenção.
Mesmo um artista sabe que seu trabalho nunca esteve na mente,
ele nunca poderia tê-lo pensado antes dele ter acontecido.
Uma estranha dor o possuiu, e ele começou a luta,
e a partir da luta com seu material, no encanto do impulso
seu trabalho tomou forma, aconteceu, levantou-se e saudou sua mente.

Deus é um grande desejo, maravilhoso, misterioso, magnífico
mas ele não sabe nada de antemão.
Seu desejo toma forma em carne, e veja!
é a criação! Deus vê a si mesmo nela maravilhado, pela primeira vez.
Veja! Lá está uma criatura, formada! Que estranho!
Deixe-me pensar sobre isso! Deixe-me formar uma ideia!

*

The work of creation
The mystery of creation is the divine urge of creation,
but it is a great, strange urge, it is not a Mind.
Even an artist knows that his work was never in his mind,
he could never have thought it before it happened.
A strange ache possessed him, and he entered the struggle,
and out of the struggle with his material, in the spell of the urge
his work took place, it came to pass, it stood up and saluted his mind.

God is a great urge, wonderful, mysterious, magnificent,
but he knows nothing before-hand.
His urge takes shape in flesh, and lo!
it is creation! God looks himself on it in wonder, for the first time.
Lo! there is a creature, formed! How strange!
Let me think about it! Let me form an idea!
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

As mãos de Deus
É uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo.
Mas é muito mais terrível cair das suas mãos.

Lúcifer caiu devido ao conhecimento?
oh, piedade para aquele, piedade para aquele que mergulha!
Livra-me, oh Deus, de cair no conhecimento descrente
de mim mesmo pois estou sem Deus.
Nunca me deixes saber, oh Deus
nunca me deixes saber o que eu sou ou  deveria ser
quando eu tiver caído das suas mãos, as mãos do Deus vivo.

O horrível e doentio naufrágio infinito, naufrágio
através de níveis vagarosos e corruptos de conhecimento fragmentado
quando o eu, caindo das mãos de Deus,
afunda, fervendo e afundando, corrupto
e afundando ainda, abismo após de abismo de consciência fragmentada
afundando na infinita destruição, o horrível catabolismo para dentro do abismo!
o anoitecer  da alma, caído das mãos de Deus!

Salva-me disso, ó Deus!
Nunca me deixes conhecer a mim mesmo separado do Deus vivo!

*

The hands of God
It is a fearful thing to fall into the hands of the living God.
But it is a much more fearful thing to fall out of them.

Did Lucifer fall through knowledge?
oh then, pity him, pity him that plunge!

Save me, O God, from falling into the ungodly knowledge
of myself as I am without God.
Let me never know, O God
let me never know what I am or should be
when I have fallen out of your hands, the hands of the living God.

That awful and sickening endless sinking, sinking
through the slow, corruptive levels of disintegrative knowledge
when the self has fallen from the hands of God,
and sinks, seething and sinking, corrupt
and sinking still, in depth after depth of disintegrative consciousness
sinking in the endless undoing, the awful katabolism into the abyss!
even of the soul, fallen from the hands of God!

Save me from that, O God!
Let me never know myself apart from the living God!
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Oração
Dá-me a lua a meus pés
Coloca meus pés no crescente, como um Senhor!
O, deixa meus tornozelos serem banhados pelo luar, que eu possa ir
seguro e calçado-de-lua, tranqüilo e ligeiro
em direção ao meu objetivo.

Pois o sol é hostil, agora
sua face é como o leão vermelho.

*

Prayer
Give me the moon at my feet
Put my feet upon the crescent, like a Lord!
O let my ankles be bathed in moonlight, that I may go
sure and moon-shod, cool and bright-footed
towards my goal.

For the sun is hostile, now
his face is like the red lion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O que pode ser feito?
A única coisa que um homem deve fazer agora, ou uma mulher,
É aprender a conter a si mesmo.

O homem se mantém são, não pela mente, que por natureza é instável
Mas pela violenta correnteza de seus instintos não pervertidos
E sua intuição.

Este é o pêndulo pesado e sólido que resguarda o homem de ficar insano.

Neste momento, tendemos a ficar insano, a mente tendo danificado
os instintos profundos
E deslocado a Consciência intuitiva.
Então, a única coisa a fazer, é ficar quieto, segurar-se a qualquer preço,
Aprender a nos contermos.
De tal maneira que na longa pausa os instintos possam reafirmar-se
E nossa intuição possa nascer para a vida e nos dar rumo.
Porque, agora, na sussurrante insanidade da consciência mental
Nós nos violamos a cada momento, e violamos todo mundo
Numa violação rangente de roda dentada.

*

What`s to be done?
The only thing for a man to do now, or a woman,
Is to learn to contain himself.

Man is keep sane, not by his mind, which by nature is unstable
But by the heavy drift of his unperverted instincts
And his intuition.

This is the massive solid fly-wheel which save man from running insane.

At the moment, we tend to run insane, the mind having broken the deep instincts
And dislocated the intuitive Conscience.
So the only thing to do, is to keep still, to hold still at any price,
To lean to contain ourselves.
So that in the long pause the instincts can reassert themselves
And our intuition can come to life and give us direction.
For at present, in the whirring insanity of the mental consciousness
We violate ourselves every moment, and violate everybody else
In a co-wheel clatter of violation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Ponto de reunião
Se de fato nos reunirmos, hoje, em vez de ficarmos totalmente distantes,
deixe-nos reunir pela nossa própria sanidade
e mesmo pela nossa sanidade coletiva.
É tão vergonhoso ser insano
e tão horrendamente perigoso estar à mercê da insanidade coletiva.

Vamos nos conter,
e nos reunir
para manter um núcleo saudável para a vida.

*

Rallying-Point
If we rally at all, today, instead of keeping stark asunder,
let us rally for our own sanity
and even our collective sanity.
It is so shameful to be insane
and so hideously dangerous to be at the mercy of collective insanity.

Let us contain ourselves,
and rally together
to keep a sane core to life.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Somente o homem
Só o homem pode cair das mãos de Deus
Só o homem.

Nenhum animal, nenhuma besta nenhuma coisa rastejante
nem cobra nem hiena nem escorpião nem horrenda formiga branca
podem deslizar inteiramente dos dedos das mãos de deus
em direção ao abismo do auto-conhecimento,
conhecimento do eu-separado-de-deus.

Pois o conhecimento do eu-separado-de-Deus
é um abismo no qual a alma pode deslizar
debatendo-se e enroscando em todas as revoluções
do mergulho inacabado
da autoconsciência, agora separada de Deus, caindo
insondável, insondável, serpenteando a autoconsciência
debatendo-se cada vez mais fundo em todas as minúcias do auto-
conhecimento, para baixo, exaustivo,
mesmo assim nunca, nunca chegando ao fundo, pois não existe fundo;
ziguezagueando para baixo como a crepitação  de um foguete caindo
a chama crepitante caindo que não se pode apagar, caindo exausta
sem poder alcançar o fundo
pois o fundo é insondável,
então serpenteia seu caminho ainda mais para baixo, para baixo
afinal no puro horror de não ser capaz de deixar de
conhecer a si mesmo, conhecer a si mesmo separado de Deus, caindo.

*

Only man
Only man can fall from God
Only man.

No animal, no beast nor creeping thing
no cobra nor hyaena nor scorpion nor hideous white ant
can slip entirely through the fingers of the hands of god
into the abyss of self-knowledge,
knowledge of the self-apart-from-god.

For the knowledge of the self-apart-from-God
is an abyss down which the soul can slip
writhing and twisting in all the revolutions
of the unfinished plunge
of self-awareness, now apart from God, falling
fathomless, fathomless, self-consciousness wriggling
writhing deeper and deeper in all the minutiae of self-knowledge,
downwards, exhaustive,
yet never, never coming to the bottom, for there is no bottom;
zigzagging down like the fizzle from a finished rocket
the frizzling falling fire that cannot go out, dropping wearily,
neither can it reach the depth
for the depth is bottomless,
so it wriggles its way even further down, further down
at last in sheer horror of not being able to leave off
knowing itself, knowing itself apart from God, falling.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sono
O sono é a sombra da morte, mas não somente isso.
Sono é a alusão a um doce esquecimento.
Quando eu tiver ido, passado e ido completamente
e curado de toda esta dor do ser.

*

Sleep
Sleep is the shadow of death, but not only that.
Sleep is a hint of lovely oblivion.
When 1 am gone, completely lapsed and gone
and healed from all this ache of being.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Dormir e acordar
No sono eu não sou, eu fui
Estou entregue.
E nada no mundo é mais belo do que o sono,
negro sono sem sonhos, profundo esquecimento!
Nada na vida é tão bom quanto isso.

Mesmo assim existe o acordar do mais profundo sono
acordar e acordar novo.

Você dormiu bem?
Ah sim, o sono de Deus!
O mundo foi criado uma vez mais.

*

Sleep and waking
In sleep I am not, I am gone
I am given up.
And nothing in the world is lovelier than sleep,
dark, dreamless sleep, in deep oblivion!
Nothing in life is quite so good as this.

Yet there is waking from the soundest sleep,
waking, and waking new.

Did you sleep well?
Ah yes, the sleep of God!
The world is created afresh.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Flores e homens
As flores conquistam sua própria florescência e isto é um milagre.
Os homens não conquistam sua própria humanidade, ai de mim!
Tudo que quero de vocês, homens e mulheres,
tudo que quero de vocês
é que conquistem sua própria beleza
como as flores.
Oh, parem de dizer que eu quero que vocês sejam selvagens.
Digam-me, a genciana é selvagem, no cume da sua haste grosseira?
Oh, o que em vocês pode responder a este azul?

[Quero vocês tão selvagens] quanto as gencianas e os narcisos silvestres.
Digam-me! digam-me! existe em vocês beleza que se compare
com  a madressilva neste anoitecer
derramando seu aroma.

*

Flowers and men
Flowers achieve their own floweriness and it is a miracle.
Men don’t achieve their own manhood, alas, oh alas! alas!
All I want of you, men and women,
all I want of you
is that you shall achieve your own beauty
as the flowers do.
Oh leave off saying I want you to be savages.
Tell me, is the gentian savage, at the top of its coarse stem?
Oh what in you can answer to this blueness?

[I want you to be as savage] as the gentian and the daffodil.
Tell me! tell me! is there in you a beauty to compare
to the honeysuckle at evening now
pouring out his breath
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O fim, o começo
Se não houvesse uma completa e absoluta escuridão
de silêncio e puro olvido
no âmago de tudo,
quão terrível seria o sol,
quão horrível seria acender um fósforo e fazer a luz.

Mas o sol, ele próprio gira
em torno de um núcleo de puro olvido
ou mesmo uma vela, assim como um fósforo.

E se não houvesse um absoluto, completo esquecimento
e uma interrupção do saber, uma perfeita interrupção do saber
e uma silenciosa, pura suspensão de toda consciência
quão terrível seria a vida!
Quão terrível seria pensar e saber, ter consciência!

Mas mergulhada, uma vez mergulhada no obscuro esquecimento
a alma adquire paz, íntima e graciosa paz.

*

The end, the beginning
If there were not an utter and absolute dark
of silence and sheer oblivion
at the core of everything,
how terrible the sun would be,
how ghastly it would be to strike a match, and make a light.

But the very sun himself is pivoted
upon the core of pure oblivion,
so is a candle, even as a match.

And if there were not an absolute, utter forgetting
and a ceasing to know, a perfect ceasing to know
and a silent, sheer cessation of all awareness
how terrible life would be!
How terrible it would be to think and know, to have consciousness!

But dipped, once dipped in dark oblivion
the soul has peace, inward and lovely peace.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Traidores
Traidores, oh mentirosos, vocês, turma de Judas!
Jesus! Vocês não apenas venderam Jesus
Vocês venderam cada homem que havia para ser vendido.

Mentirosos, vocês, bando de porcos!
Vocês venderam cada grande homem que apareceu
Você, canalha culta!

Ó, a canalha da cultura, a canalha Cristã
Os sórdidos cães da sabedoria
Os provedores de educação
As classes superiores.

Eles venderam tudo, tudo
E todos.
Eles venderam Platão para a fábrica de salsichas da universidade
Onde agora eles negociam pedaços da salsicha-Platão para o apetite cultural.
E todos os heróis da Bíblia eles venderam como carne-de-gato para as igrejas.
E as igrejas gritam “miau! miau! Venha e seja alimentado!”

Napoleão eles venderam a Madame Tussaud e aos fabricantes de esterco artificial,
Shakespeare eles venderam para Crosseand Blackwells, para fazer geleia
E Beethoven eles venderam para certos condutores, para ser conduzido ao melado.

Tudo no mundo da cultura e da superioridade
Foi vendido com sucesso.
E qualquer novidade que apareça será vendida com sucesso.

Eu preveniria qualquer um contra uma cultura
Com a qual as classes superiores estão ganhando dinheiro.

*

Traitors
Traitors, oh liars, you Judas lot!
Jesus!  You`ve not only sold Jesus
You`ve sold every man there was to be sold.

You liars, you dirty lot!
You`ve sold every great man that ever appeared
You cultural canaille!

Oh the canaille of culture, the Christian canaille
The dirty dogs of wisdom
The purveyors of education
The superior classes.

They`ve sold everything, but everything
And everybody.
They sold Plato to the sausage factories of universities
Where now they deal our slices of Plato-sausage to the cultured appetite.
And all the heroes of the bible they sold for cats-meat to the churches.
And the churches cry “Puss! Puss! Come and be fed!”

Napoleon they sold to Madame Tussauds and to the artificial manure factories,
Shakespeare they sold to Crosse and Blackwells, to be jammed into jam
And Beethoven they sold to certain conductors, to be conducted into treacle.

Everything in the world of culture and superiority
Has been successfully sold.
And whatever new comes along will be successfully sold.

I would warm anybody against a culture
Which the superior classes are making money out of.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

[Verso do pôr-do-sol]
Desista! Desista! Desista!
Levante sua mão, diga Adeus! diga Bem-vindo!
Homem no crepúsculo.
O sol está no alpendre, grite para ele: Obrigado! Obrigado!
Então fique silencioso.
Você pertence à noite.

*

[The sunset verse]
Leave off! Leave off! Leave off!
Lift your hand, say Farewell! say Welcome!
Man in the twilight.
The sun is in the outer porch, cry to him: Thanks! Oh, Thanks!
Then be silent.
You belong to the night.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

[Verso do amanhecer]
O escuro está apartando-se, o sol está passando pela muralha.
O dia está iminente.
Levante sua mão, diga Adeus! Diga Bem-vindo!
Então fique silencioso.
Deixe a escuridão abandonar você, deixe a luz vir para dentro de você,
Homem no crepúsculo.

*

[The dawn verse]
The dark is dividing, the sun is coming past the wall.
Day is at hand.
Lift your hand, say Farewell! say Welcome!
Then be silent.
Let the darkness leave you, let the light come into you,
Man in the twilight.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O desejo latente
O desejo latente em todo homem decente hoje
É por um acordo social mais natural e decente
No qual um homem pode viver sua vida sem ser
escravo do “ganhar a vida” e “progredir”.

Mas, naturalmente, isso significa destruir o presente
sistema de cobiça no qual o último leva a pior.

*

The latent desire
The latent desire in all decent men today
Is for some more natural, more decent social arrangement
Wherein a man can live his life without being a slave to “earning
his living” and “getting on”.

But, of course, this mean smashing the present system of grab
and devil take the hindmost.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Noite
Agora que a noite está aqui
Uma nova coisa surge, olhos fecham-se
E os animais enroscam-se na terra querida, para dormir.
Mas os membros do homem anseiam por abraçar e envolver o corpo vivo
de outro ser humano
Num toque de olhos fechados.

*

Night
Now that the night is here
A new thing comes to pass, eyes close
And the animals curl down on the dear earth, to sleep.
But the limbs of man long to fold and close upon the living body
of another human being
In shut-eyed touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Assassinato
Matar não é maldade.
Um homem pode ser meu inimigo até a morte,
e isso é paixão e comunhão.
Mas assassinato é sempre maldade
sendo ato de um
perpetrado no outro
sem conhecimento ou comunhão.

*

Murder
Killing is not evil.
A man may be my enemy to the death,
and that is passion and communion.
But murder is always evil
being an act of one
perpetrated upon the other
without cognisance or communion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Moralidade
Somente o homem sozinho é imortal
Nem os animais nem as flores o são.
  
Pois o homem, pobre animal, pode olhar a si mesmo
E reconhecer-se no espelho.

Ele não late para si mesmo, como o cachorro
Quando se olha no espelho.
Ele se leva a sério.

Seria muito melhor se ele apenas latisse para si mesmo
Ou se arrepiasse com raiva, como o gato,
E então se virasse e esquecesse.

*

Morality
Man alone is immortal
Neither beasts nor flowers are.

Because man, poor beast, can look at himself
And know himself in the glass.

He doesn’t bark at himself, as a dog does
When he looks at himself in the glass.
He takes himself seriously.

It would be so much nicer if he just barked at himself
Or fluffed up rather angry, as a cat does,
Then turned away and forgot.  
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

O arco-íris
Mesmo o arco-íris tem um corpo
feito de chuva vaporosa
e é uma arquitetura de átomos brilhantes
construído, construído
ainda assim você não pode colocar sua mão nele,
não, nem mesmo sua mente.

*

The rainbow
Even the rainbow has a body
made of the drizzling rain
and is an architecture of glistening atoms
built up, built up
yet you can't lay your hand on it,
nay, nor even your mind.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sabe-tudo
O homem não sabe nada
até que ele saiba como não-saber.
O maior dos professores dirá a você:
O fim de todo conhecimento é o esquecimento
doce, escuro esquecimento, quando me desligo
de mim mesmo, e sou consumado.

*

Know-all
Man knows nothing
till he knows how not-to-know.
And the greatest of teachers will tell you:
The end of all knowledge is oblivion
sweet, dark oblivion when I cease
even from myself, and am consummated.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Amor como fuga
Este é o momento dos homens esquecerem as mulheres
E o amor, o sexo e tudo mais.
Porque eles apenas tentam tornar as mulheres, o amor e o sexo
Uma fuga do horror do aprisionamento em nossa civilização.

E como as mulheres estão dentro da prisão tanto quanto os homens,
No fim, os homens odeiam-nas porque a fuga não era uma fuga.

O que os homens devem fazer é começar a diminuir o dinheiro
Diminuí-lo, e prepararem-se para uma nova e viçosa casa da vida.
Então estariam prontos para amar. Desespero não pode amar, pode apenas violar.

*

Love as an escape
It is time men took their thoughts off women
And love and sex and all that.
Because they only try to make women and love and sex
An escape from their horror of imprisonment in our civilisation.

And since women are inside the prison just as much as men,
The men in the end only hate them because the escape was no escape.

The thing for men to do is to start to pull down money
Pull it down, and prepare for a new fresh house of life.
Then they’d be able to love. Despair can’t love, it can only violate.     
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Amor
Uma coisa é certa, temos que tirar as mãos do amor.
No momento em que juro amar uma mulher por toda minha vida,
nesse exato momento começo a odiá-la.
Do mesmo modo, se juro odiar uma mulher por toda minha vida,
deveria sentir instantaneamente uma pontada de remorso
Quase equivalente ao amor.

*

Love
One thing is certain, we've got to take hands off love.
The moment I swear to love a woman all my life, that very
moment I begin to hate her.
In the same way, if I swore to hate a woman all my life, I should
instantly feel a pang of compunction
Amounting almost to love.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Sexo não funcionará
O sexo não funcionará no cativeiro.
O homem é um destes animais que procriará numa jaula.
Ele pode copular e gerar filhos
mas sem desejo, sem alegria, sem liberação.

A jaula, que não mata o mecanismo do sexo,
mata inteiramente a verdadeira experiência do sexo.
Eis porque os jovens, que copulam tão livremente,
Não têm nenhuma experiência do sexo; que é quase nada para eles.
Eles estão na jaula.

*

Sex won't work
Sex won't work in captivity.
Man is one of those beasts that will breed in a cage.
He can copulate und beget children
but without desire, without joy, without release.

The cage, which does not kill the mechanism of sex
kills entirely the true experience of sex.
Which is why the young, who copulate so freely,
have no experience of sex at all; it is almost nothing to them.
They are in the cage.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Imoralidade
A verdadeira imoralidade, até onde eu posso ver,
Está em forçar a si mesmo ou alguém
Contra seus mais profundos instintos e sua intuição.

*

Immorality
The real immorality, as far as I can see it
Lies in forcing yourself or somebody else
Against all your deeper instincts and your intuition.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Indecência pode ser saudável
Indecência pode ser saudável e benfazeja,
na verdade um pouco de indecência é necessário em toda vida
para mantê-la saudável e proveitosa.

E um pouco de putaria pode ser saudável e benfazejo.
Na verdade um pouco de putaria é necessário em toda vida
para mantê-la saudável e proveitosa.

Mesmo a sodomia pode ser saudável e benfazeja
desde que exista uma troca de sentimentos genuínos.

Mas coloque qualquer um deles na mente e eles tornam-se nocivos:
na mente, indecência transforma-se em obscenidade, depravação.
Putaria na mente torna-se sifilítica
e sodomia na mente, transforma-se numa missão,
todos eles, vício, missões etc., loucamente doentios.

Da mesma maneira, castidade no momento certo é doce e benfazeja.
Mas na mente castidade é um vício, uma perversão.
E a supressão rígida de toda indecência, putaria ou qualquer outra troca
é o caminho direto para uma delirante insanidade.
A quinta geração de puritanos, quando não é obscenamente libertina,
é imbecil. Então, a escolha é sua.

*

Bawdy can be sane
Bawdy can be sane and wholesome,
in fact a little bawdy is necessary in every life
to keep it sane and wholesome.

And a little whoring can be sane and wholesome.
In fact a little whoring is necessary in every life
to keep it sane and wholesome.

Even sodomy can be sane and wholesome
granted there is an exchange of genuine feeling.

But get any of them on the brain, and they become pernicious:
bawdy on the brain becomes obscenity, vicious.
Whoring on the brain becomes really syphilitic
and sodomy on the brain becomes a mission,
all the lot of them, vice, missions, etc., insanely unhealthy.

In the same way, chastity in its hour is sweet and wholesome.
But chastity on the brain is a vice, a perversion.
And rigid suppression of all bawdy, whoring or other such commerce
is a straight way to raving insanity.
The fifth generation of puritans, when it isn’t obscenely profligate,
is idiot. So you’ve got to choose.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

Canção da morte
Cante a canção da morte, oh cante-a!
Pois sem a canção da morte, a canção da vida
torna-se insípida e tola.

Cante então a canção da morte, e a mais longa viagem
e o que a alma carrega com ela, o que ela deixa para trás
e como ela acha a escuridão que a envolve em direção à paz completa
finalmente, finalmente, além de mares inumeráveis.

*

Song of death
Sing the song of death, oh sing it!
For without the song of death, the song of life
becomes pointless and silly.

Sing then the song of death, and the longest journey
and what the soul carries with him, and what he leaves behind
and how he finds the darkness than enfolds him into utter peace
at last, at last, beyond innumerable seas.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.  

§§

>> Leia e saiba mais sobre o escritor D. H. Lawrence (biografia, obra publicada no Brasil, outros poemas, fortuna crítica e obra adaptada para o cinema). AQUI!


D.H. Lawrence - foto possível de: Lady Ottoline Morrell (1928) - 'recorte'
 - © National Portrait Gallery, London


© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske e José Alexandre da Silva

© Obra de D.H. Lawrence é de domínio público. 
© Traduções: direito dos tradutores
____
Página atualizada em 17.3.2019.


Direitos Reservados © 2019 Templo Cultural Delfos

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