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Thiago de Mello - Foto: (...) |
“Nasci com o
ritmo dentro de mim e é da própria vida que nascem os meus poemas. A inspiração
vem da vida do homem neste lugar chamado Terra. O que me comove ou me espanta,
me dá esperança ou indignação”
- Thiago de Mello
“[...] para aprender com a própria floresta e, sobretudo, com o homem que vive nela e vive dela.”
- Thiago de Mello
"O dever
do poeta é agarrar o fogo sagrado que vem do divino e envolvê-lo em canto de
palavra e entregá-lo ao povo”
- Thiago de Mello
Amadeu Thiago de Mello (Porantim do Bom
Socorro, município de Barreirinha - AM, 30 de março de 1926). É poeta, tradutor, escritor, jornalista,
artista gráfico e roteirista. Filho de Pedro Tiago de Melo e de Maria Mituoso
de Melo, muda-se com a família para Manaus em 1931. Dez anos mais tarde, segue
para o Rio de Janeiro, e, em 1950, matricula-se na Faculdade Nacional de
Medicina. Durante a década de 1950, colabora nos periódicos O Comício, veículo
de oposição ao governo de Getúlio Vargas (1882 - 1954), e Folha da Manhã. Ao
lado do poeta Geir Campos (1924 - 1999), funda a Editora Hipocampo, em 1951.
Dirige o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de
Janeiro, em 1959. No ano seguinte, assume o posto de adido cultural do Brasil
na Bolívia e, posteriormente, em 1963, no exercício da mesma função,
transfere-se para Santiago, Chile, onde conhece o poeta Pablo Neruda (1904 -
1973), de quem faz a tradução de uma antologia poética.
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Thiago de Mello - Foto: (...) |
Vai residir no Rio de
Janeiro em 1965, mas, em 1968, perseguido pelo governo militar, viaja para
Santiago, onde permanece exilado por dez anos. Período em que publica Faz
Escuro Mas Eu Canto, 1965, A Canção do Amor Armado, 1966, Poesia Comprometida
com a Minha e a Tua, 1975, e os Estatutos do Homem, 1977. Retorna do exílio em
1978 e, ao lado do cantor e compositor Sérgio Ricardo (1932), participa do show
Faz Escuro Mas Eu Canto, dirigido pelo cronista e dramaturgo Flávio Rangel
(1934 - 1988) e apresentado em dez capitais brasileiras. Fez para a televisão programas culturais sobre artistas
consagrados como Jorge Luis Borges, Manuel Bandeira (em seu centenário),
Augusto dos Anjos, Alfredo Volpi, Joan Miró. Teve poemas musicados por
Pixinguinha, Ary Barroso, Monsueto, Manduka e Nilson Chaves, entre outros. Fixa-se no município de
Barreirinha, Amazonas, onde até hoje se dedica à poesia, envolvendo-se com as
comunidades ribeirinhas e com questões ligadas à preservação ecológica da
Região Amazônica.
“Quero que o
escritor respeite, em primeiro lugar, a matéria-prima que ele utiliza que é a
palavra escrita.”
- Thiago de Mello
CRONOLOGIA
1926 - Nasce
Thiago de Mello em 30 de março, em Porantim do Bom Socorro, município de
Barreirinha, Amazonas;
1931 - Muda-se
com a família para Manaus;
1941 - Vai
morar no Rio de Janeiro;
1950 -
Ingressa na Faculdade Nacional de Medicina. Recebe prêmio conferido pelo Jornal
de Letras e publica o poema Tempo por Meus Olhos no jornal Correio da Manhã, em
que trabalha como colaborador do Suplemento Literário;
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Thiago de Mello - foto: (...) |
1952 -
Colabora como cronista no periódico Comício, jornal de oposição ao governo de
Getúlio Vargas;
1954 -
Abandona o curso de medicina;
1959 - Dirige
o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro;
1960 - É adido
cultural da Embaixada do Brasil na Bolívia;
1963 - Exerce
a função de adido cultural da Embaixada do Brasil no Chile. Nessa ocasião
conhece o poeta Pablo Neruda e traduz o livro Antologia Poética de Pablo;
1964 - Traduz
o livro A Terra Devastada e os Homens Ocos, escrito por T.S. Eliot (1888 -
1965);
1965 -
Regressa ao Brasil e reside no Rio de Janeiro;
1968 -
Perseguido pelo governo militar, parte como exilado para Santiago;
1971 -
Colabora na revista Colóquio Letras, editada em Lisboa;
1974 - Reside
na cidade de Mainz, Alemanha, e trabalha como professor na Universidade Johann
Guttenberg;
1976 - Escreve
na revista Aqui, editada em Lisboa;
1978 - Retorna
do exílio e, ao lado do cantor e compositor Sérgio Ricardo (1932), participa do
show Faz Escuro Mas Eu Canto, dirigido pelo cronista e dramaturgo Flávio Rangel
(1934 - 1988) e apresentado em dez capitais brasileiras. Vai residir na cidade
de Barreirinhas, no Maranhão;
1982 - O livro
Os Estatutos do Homem é divulgado pelo correio da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco;
1983 - Faz a
tradução do livro Salmos, do poeta nicaragüense Ernesto Cardenal (1925);
1984 - Traduz
o livro A Vida no Amor, de Ernesto Cardenal;
1985 - Faz a
versão da coletânea Poesia Completa de Cesar Vallejo;
Thiago de Mello Foto: Fernanda Serra Azul |
1990 - Redige
o texto Nosso Teatro, editado em plaquete de luxo para a noite de reabertura do
Teatro Amazonas, após o processo de restauro iniciado em 1986;
1994 - Traduz
Debaixo dos Astros, do poeta cubano Eliseo Diego (1920 - 1994) e Versos do
Capitão, de Pablo Neruda;
1996 - Faz a
tradução de Cântico Cósmico, de Ernesto Cardenal;
1998 - Recebe
a Medalha da Ordem de Bernardo O'Higgins em cerimônia realizada na cidade de
Santiago. Faz a tradução de Cadernos de Temuco, de Pablo Neruda;
2001 - Traduz
Presente de um Poeta, de Pablo Neruda;
2002 – Publica o livro Mamirauá, com textos dele e fotografia de Luiz Cláudio Marigo, um
projeto da Sociedade Civil Mamirauá;
2003 - Publica
livro infanto-juvenil Amazonas: no coração encantado da floresta, pela Cosac
Naify;
2006 - Grava
"A criação do mundo", musicados por seu
irmão, Gaudêncio Thiago de Mello; organiza
e traduz Poetas da América de Canto Castelhano, pela Global editora.
“Thiago de Mello é um poeta na contramão da modernidade e isso bastaria para distanciá-lo de seus pares, mas há ainda um fator circunstancial a considerar: desde que retornou do exílio, em 1978, voltou a viver na distante Barreirinha, pequena vila de 5 mil habitantes encravada no Baixo Amazonas, em pleno coração da floresta. Quando volta do sul do País, depois de voar até Manaus e de lá num pequeno avião até Parintins, o poeta ainda é obrigado a enfrentar uma longa viagem de barco, de mais de cinco horas, até chegar em casa.”
- José Castello
PRÊMIO
1960 - Prêmio Nacional de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras;
1972 - Prêmio Livro do Ano, da Sociedade Brasileira de Escritores;
1960 - Prêmio Nacional de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras;
1972 - Prêmio Livro do Ano, da Sociedade Brasileira de Escritores;
1975 - Prêmio Associação
Paulista dos Críticos de Arte (APCA), pelo seu livro
"Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida".
1997 - Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, para o livro "De uma vez por todas";
2000 - Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, para o livro "Campo de Millagres";
1997 - Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, para o livro "De uma vez por todas";
2000 - Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, para o livro "Campo de Millagres";
2004 - Prêmio FNLIJ,
categoria: Melhor livro reconto, pela obra "Amazonas: no coração encantado
da floresta".
CONDECORAÇÕES E HOMENAGENS
. Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Amazonas;
. Doctor Honoris Causa la Universidad Ricardo Palma (URP), Perú/ 2011;
. Título de ‘Cavalheiro das Artes e das Letras’, pelo Ministério da Cultura da França, 1980;
. Cidadão honorário do Rio de Janeiro/RJ;
. Cidadão honorário de Belo Horizonte/MG;
. Cidadão honorário de Manaus/AM.
Confidência
para ser gravada na lâmina da água
Caminho bem na
minha solidão,
porque sei de
mim mesmo o que perdi.
Não tenho mais
precisão de mentir,
Enfrento cara a
cara o desamor
que mal me
disfarcei. Não fui capaz
de ser o que
sonhei, Fiquei aquém
das palavras
ardentes que inventei
para que um dia
triunfasse o amor,
Porque não dei
com medo de perder,
o diamante mais
puro no meu peito,
inútil de
fulgor se consumiu.
- Thiago de Mello, em "Num campo de margaridas",
1986.
[primeiras edições]
Poesia
Silêncio e palavra. Rio de Janeiro:
Edições Hipocampo, 1951.
Narciso cego. Rio de Janeiro: Editora
José Olympio, 1952.
A lenda da rosa. Rio de Janeiro:
Editora José Olympio,1956.
Vento geral. [reunião dos livros
anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o
defunto aos que lhe fazem o velório], Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1960.
Faz escuro mas eu canto. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, 110p.
A canção do amor armado. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, 259p.
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Thiago de Mello - Foto: (...) |
Os estatutos do homem. [ilustração de
Aldemir Martins], São Paulo: Editora Martins Fontes, 1977.
Horóscopo para os que estão vivos. (edição
de luxo).. [ilustrado e editado por Ciro Fernandes], Rio de Janeiro: Martins
Fontes, 1978.
Mormaço na floresta. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1981, 117p.
Arte e ciência de empinar papagaio. (edição de luxo), Manaus: Grupo Financeiro Bea,
1982; 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
Vento geral: poesia 1951-1981. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, 469p.
Num campo de margaridas. (Coleção
Poesia sempre, 2).. [capa Edgard Duvivier - texto de orelha de Ênio Silveira], Rio
de Janeiro: Philobiblion, 1986, 124p.
De uma vez por todas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996, 276p.
Campo de milagres. São Paulo: Bertrand
Brasil, 1998, 248p.
Poemas preferidos pelo autor e seus leitores.
São Paulo: Bertrand Brasil, 2001.
Melhores poemas Thiago de Mello.
[Seleção Marcos Frederico Krüger Aleixo], São Paulo, Global Editora, 2009, 304p.
Como sou (antologia poética).. [Seleção
Cecilia Reggiani], São Paulo: Global Editora, 2013.
Acerto de contas. São Paulo: Editora Global, 2015.
Acerto de contas. São Paulo: Editora Global, 2015.
Memória
Notícia da visitação que fiz no verão de 1953 ao Rio
Amazonas e seus barrancos. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação, 1957; 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
Ensaio
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Thiago de Mello, por Netto |
A estrela da manhã, estudo de um poema de Manuel
Bandeira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1968.
Borges na luz de Borges. São Paulo:
Pontes Editores, 1993.
Amazonas, pátria das águas. (edição de
luxo, bilíngüe - português e inglês).. [fotografias de Luiz Cláudio Marigo], São
Paulo: Sverner-Bocatto, 1991.
Amazônia, a menina dos olhos do mundo. [Artes],
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
O povo sabe o que diz. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1993.
A arte de traduzir. 2000.
Crônica
Manaus, amor e memória. [edição de luxo], Manaus: Suframa, 1984; Rio
de Janeiro: Philobiblion, 1984; 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1985.
Infantil e juvenil
Amazonas: no coração encantado da floresta [Ilustração
Andrés Sandoval]. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2003.
Almanaque do Aluá. Editora Sapé, 2006,
95p.
ABC da Floresta Amazônica. [autores: Pollyanna Furtado Lima e Thiago de Mello; com ilustrações
de Rodrigo Mafra]. 1ª ed., Brasília: Conhecimento, 2008. v. 1. 40p.
Fotografia
Mamirauá. [texto Thiago de Mello e fotografia
Luiz Cláudio Marigo]. Pará: Sociedade Civil Mamirauá, 2002, 127p.: il.
“Os
milagres da floresta estão nas mãos do homem.”
- José Márcio Ayres
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Thiago de Mello, 1991 - foto: (...) |
Áudio
Poesias de Thiago de Mello. Rio de
Janeiro: Discos Festa, 1963.
Die Statuten des Menschen. Cantata para
orquestra e coro. Música de Peter Jansens, RFA, 1976.
Thiago de Mello, palabra de esta américa.
La Habana: Casa de las Américas, 1985
Mormaço na floresta. [declamados por
ele próprio], Rio de Janeiro: Som Livre, 1986.
Os Estatutos do homem e poemas inéditos.
Rio de Janeiro: Edições Paulinas, 1992.
A criação do mundo. [declamados por ele
próprio e musicados por seu irmão, Gaudêncio Thiago de Mello], Karmim, 2006.
Antologias (participação)
Roteiro da Poesia Brasileira – Anos 50.
(Seleção e Prefácio André Seffrin). Global Editora, 2007, 240p.
Entrevista
Thiago de Mello, vida é um campo de milagres.
[entrevista concedida a José Castello]. O Estado de São Paulo, 08.05.1999.
Disponível no link. (acessado 18.8.2013).
Thiago de Mello - entrevista. [entrevista
concedida a Lêda Rivas]. Editora do Viver - caderno de cultura do Diário de
Pernambuco. Disponível no link. (acessado 18.8.2013).
"Thiago de Mello é um homem
aberto aos anseios coletivos do povo brasileiro. É e sempre será uma voz que
canta, por mais impenetrável que pareça, a escuridão da hora que atravessamos.
Há anos irrompeu ele como uma força elementar na paisagem idílica da literatura
brasileira de então. Hoje, esse homem das selvas amazônicas nos reaparece como
um partisan, abrindo uma brecha na selva da violência que ameaça engolir-nos.
Abre uma clareira."
- Otto Maria Carpeaux
TRADUÇÕES E EDIÇÕES ESTRANGEIRAS
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Thiago de Mello - Foto: (...) |
Alemão
Die Statuten des Menschen [Os Estatutos
do Homem]. Wuppertal: Peter Hammer Verlag, 1976.
Die Statuten des Menschen [Os Estatutos
do Homem]. Tradução Katharina Wendt; Curt Meyer-Clason / Sankt Gallen. Colônia:
Diá, 1986.
Gesang der Bewaffneten Liebe [A Canção
do Amor Armado]. Wuppertal: Peter Hammer Verlag, 1976.
Gesang der Bewaffneten Liebe [A Canção
do Amor Armado]. Tradução Katharina Wendt. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus
Mohn, 1979.
Horoskop für Alles, die am Leben Sind
[Horóscopo para os que Estão Vivos]. Wuppertal: Jugenddienst-Verlag, 1984.
Die Statuten des Menschen [Os Estatutos
do Homem]. Cantata para orquestra e coro, música de Peters Jansen, RFA, 1976.
Espanhol
Madrugada Campesina. Tradução Armando
Uribe. Santiago: Arco CEB, 1962.
Poemas. Tradução Pablo Neruda. (Edição
de luxo).. [Ilustração de Eduardo Vilches], Fora do comércio, 1962.
Horóscopo. Santiago: Edição Mario
Toral, 1964.
Los Estatutos del Hombre. Tradução
Pablo Neruda. Montevidéu: Club de Grabado, 1970.
Canto de Amor Armado. Buenos Aires:
Ediciones Crisis, 1973.
Poesia de Thiago de Mello. Havana: Casa
de Las Américas, 1977.
Aú És Tiempo. Santiago: Editorial Fondo
de la Cultura Económica, 1978.
Palabra de Esta América [áudio].
Havana: Casa de las Américas, 1985.
Poemas y Canciones [áudio]. Havana:
Casa de Las Américas, 1968.
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Thiago de Mello - Foto: (...) |
Chant de l'Amour Armé [A Canção do Amor
Armado]. Tradução Régine Mellac. Paris: Éditions du Cerf, 1979.
Amazonas: no coração encantado da floresta,
França: Syros Jeunesse, 2005.
Inglês
What Counts Is
Life. Estados
Unidos: Geo Pflaum Publisher, 1970.
Amazonas, Land
of Water.
Tradução Charles Cutler. Massachusetts: The Massachusetts Review, 1986.
Statutes of
Man, Selected Poems. Tradução Richard Chappel. Londres: Spenser Books, 1994.
I Go on Shaped
Like a Word: A Tribute to Thiago de Mello. Estados Unidos: Center for Amazonian
Literature and Culture: Smith College, 1996.
Português (Portugal)
Os Estatutos do Homem. Lisboa: Edições
Itau, 1968.
Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida.
Lisboa: Moraes Editora, 1975.
A Canção do Amor Armado. Lisboa: Moraes
Editora, 1975.
"Misturando prosa e poesia,
crônica e até anúncio imobiliário, o amazonense de Barreirinha, o cidadão do
mundo, o personagem de nossa época, o poeta de A Canção do Amor Armado penetra
na memória, obtendo a síntese do urbano e do telúrico, do lírico e do social.
Comprometido com a sua terra e com a sua gente, de uma vez por todas Thiago de
Mello assume a expressão de um poeta verdadeiramente universal."
- Carlos Heitor Cony
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Pablo Neruda, Matilde Neruda e Thiago de Mello, 1963 |
Thiago y Santiago
Thiago, A Santiago, como un vago
mago,
has encantado en canto y poesía.
Sin San, has hecho de Santiago,
Thiago,
un volantin de tu pajarería.
Al Este y al Oeste de Santiago
diste el Norte y el sur de tu
alegría.
Muchos dones nos diste, un solo
estrago:
llevaste el corazón de Anamaría.
Te perdonamos porque com tu bella,
de rosa en rosa y de estrella en
estrella,
te llamará el Brasil a su desfile.
Te irás, hermano, com la que
elegistes.
Tendrás razón, pero estaremos
tristes,
que hará Santiago sin Thiago de
Chile.
- Pablo Neruda
TRADUÇÕES REALIZADAS POR THIAGO DE MELLO
Português
ARCE,
Homero. Os Íntimos Metais. (Edição bilíngue).. [tradução Thiago de Mello, e
Ilustrado por Pablo Neruda]. Santiago de Chile, Cadernos Brasileiros, 1964.
CARDENAL,
Ernesto. Cântico Cósmico. (Cántico cósmico).. [tradução
Thiago de Mello]. São Paulo: Hucitec, 1996.
CARDENAL,
Ernesto. Oração por Marilyn Monroe. [tradução
Thiago de Mello]. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1983.
CARDENAL,
Ernesto. Salmos. [tradução Thiago de
Mello]. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1983.
CARDENAL,
Ernesto. Vida no Amor. [tradução
Thiago de Mello]. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1984. (Vida no amor). Prosa.
CERRUTO,
Óscar. Pátria de sal cativa (Patria
de sal cautiva). Poesia.. [tradução Thiago de Mello]. La Paz: Centro de Estudos
Brasileiros, 1959.
DIEGO, Eliseo.
Debaixo dos Astros. [tradução Thiago
de Mello]. São Paulo: Hucitec, 1994.
ELIOT, T. S.. A Terra Desolada e Os Homens Ôcos. [tradução
Thiago de Mello (português); Flavian Levine (espanhol)]. Santiago de Chile:
Editorial Universitária, 1963.
GUILLÉN,
Nicolás. Sóngoro Cosongo e Outros Poemas.
[tradução Thiago de Mello]. Rio de
Janeiro: Philobiblion, 1987.
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Thiago de Mello, por (...) |
MELLO, Thiago
de (Org.). Poetas da América de Canto
Castelhano. [Organização, seleção, tradução e notas Thiago de Mello], São
Paulo: Global Editora, 2006, 496p.
NERUDA, Pablo.
Antologia Poética de Pablo Neruda. [tradução
Thiago de Mello]. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1962. Poesia.
NERUDA, Pablo.
Cadernos de Temuco: 1919-1920.
(Cuadernos de Temuco). Poesia. [tradução Thiago de Mello]. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1998.
NERUDA, Pablo.
Farewell. [tradução Thiago de Mello].
Santiago de Chile: Cadernos Brasileiros, 1963.
NERUDA, Pablo.
Prólogos. [tradução Thiago de
Mello]. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil:
2000.
NERUDA, Pablo.
Versos do Capitão. [tradução Thiago
de Mello]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
NERUDA, Pablo.
Presentes de um Poeta. [tradução
Thiago de Mello]. São Paulo: Vergara & Riba, 2001.
SABINES,
Jaime. Antologia. [tradução Thiago de
Mello]. Rio de Janeiro: Bertrand, no
prelo. Seleção do autor.
VALLEJO,
César. Poesia Completa. [tradução
Thiago de Mello]. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1987. Reimpressão: Belo
Horizonte: Itatiaia, 2005.
Espanhol
ANDRADE,
Carlos Drummond de. Antologia.
[tradução Thiago de Mello; e Armando Uribe Arce]. Santiago de Chile: Cadernos
Brasileiros, 1963.
BANDEIRA,
Manuel. La Estrella de la Mañana.
[tradução Thiago de Mello]. Cadernos Brasileiros, Santiago de Chile, 1962.
MELLO, Thiago
de (Org.). Panorama de la Poesia
Brasileña. [tradução Thiago de Mello; e Adán Méndez]. Santiago de Chile:
Embaixada do Brasil, 1993.
Pena Filho, Carlos. Memorias del buey Serapián. [Por:
Thiago de Mello]. Santiago do Chile: Centro de Estudos Brasileiros, 1963. Capa
com gravura de Eduardo Vilches.
"Eu tenho a felicidade, neste
livro, de ser fielmente traduzido para uma extensa e delicada linguagem. Aqui
foram pesadas as equivalências, os minerais do substantivo, o arroz dos
adjetivos, os grãos da interjeição. Foram seguidas as veias da minha poesia,
limpando o quartzo castelhano para que este enfrentasse a luz torrencial. Tudo
isso foi feito com bondade e paixão pelo meu grande amigo e bom companheiro, o
poeta Thiago de Mello. Eu próprio o vi emboscado em minhas contradições,
desfraldando o fogo e a água com o seu valente coração. Eu o vi trabalhar com
uma paciência que não lhe conhecia, e meter as mãos na farinha para que, de
tanta pedra, saíra, como dizem os camponeses, o pão como uma flor."
- Pablo Neruda, no prefácio da primeira antologia de seus poemas que
apareceu no Brasil (Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1963).
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Thiago de Mello, 2001 - Foto: (...) |
“Precisamos do menino que você guarda em você e que ajuda a ser mais homem o homem que você é. Aguente o barco, querido amigo! Muitas madrugadas, cheias de orvalho macio, esperam por você. Andarilho da liberdade, você tem ainda muitos trilhos a percorrer; seus braços longos, muitas crianças a abraçar; suas mãos, muitos poemas a escrever."
- Paulo Freire
POEMAS ESCOLHIDOS
A boca da noite
O que não fiz
ficou vivo
pelo avesso. O
que não tive
pertence à dor
do meu canto.
A estrela que
mais amei
acende o meu
desencanto.
Vinagre? Sombra
de vinho?
De noite, a
vida engoliu
(é doce a boca
da noite)
as dores do meu
caminho.
O meu voo se
apazigua
quando a
tormenta me abraça.
O que tenho se
enriquece
de tudo que não
retive.
Diamante? Flor
de carvão.
- Thiago de Mello, em "Poemas Preferidos pelo
autor e seus leitores", 2001.
A fruta aberta
Agora sei quem
sou.
Sou pouco, mas
sei muito,
porque sei o
poder imenso
que morava
comigo,
mas adormecido
como um peixe grande
no fundo escuro
e silencioso do rio
e que hoje é
como uma árvore
plantada bem
alta no meio da minha vida.
Sei porque a
água escorre meiga
e porque
acalanto é o seu ruído
na noite
estrelada
que se deita no
chão da nova casa.
Agora sei as
coisas poderosas
que valem
dentro de um homem.
Aprendi
contigo, amada.
Aprendi com a
tua beleza,
com a macia
beleza de tuas mãos,
teus longos
dedos de pétalas de prata,
a ternura oceânica
do teu olhar,
verde de todas
as cores
e sem nenhum
horizonte;
com tua pele fresca e enluarada,
a tua infância
permanente,
tua sabedoria
fabulária
brilhando
distraída no teu rosto.
Grandes coisas
simples aprendi contigo,
com o teu
parentesco com os mitos mais terrestres,
com as espigas
douradas no vento,
com as chuvas
de verão
e com as linhas
da minha mão.
Contigo aprendi
que o amor
reparte
mas sobretudo
acrescenta,
e a cada
instante mais aprendo
com o teu jeito
de andar pela cidade
como se
caminhasses de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto
de erva molhada,
com a luz dos
teus dentes,
tuas
delicadezas secretas,
a alegria do
teu amor maravilhado,
e com a tua voz
radiosa
que sai da tua
boca
inesperada como
um arco-íris
partindo ao
meio e unindo os extremos da vida,
e mostrando a
verdade
como uma fruta
aberta.
- Thiago de Mello (Sobrevoando a Cordilheira dos
Andes, 1962). em "Faz escuro mas eu canto", Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999, p. 60.
A magia
Eu venho desse
reino generoso,
onde os homens
que nascem dos seus verdes
continuam
cativos esquecidos
e contudo profundamente
irmãos
das coisas
poderosas, permanentes
como as águas,
os ventos e a esperança.
Vem ver comigo
o rio e as suas leis.
Vem aprender a
ciência dos rebojos,
vem escutar os
cânticos noturnos
no mágico
silêncio do igapó
coberto por
estrelas de esmeralda.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Cismo o sereno
silêncio:
sou: estou humanamente
em paz comigo:
ternura.
Paz que dói, de
tanta.
Mas orvalho. Em
seu bojo
estou e vou,
como sou.
Ternura:
maneira funda,
cristalina do
meu ser.
Água de
remanso, mansa
brisa, luz de
amanhecer.
Nunca é a mágoa
mordendo.
Jamais a turva
esquivança,
o apego ao
cinzento, ao úmido,
a concha que
aquece na alma
uma brasa de
malogro.
É ter o gosto
da vida,
amar o festivo,
o claro,
é achar doçura
nos lances
mais triviais
de cada dia.
Pode também ser
tristeza:
tranquilo na
solidão macia.
Apaziguado
comigo,
meu ser me
sabe: e me finca
no fulcro vivo
da vida.
Sou: estou e
canto.
- Thiago de Mello, em "Faz escuro mas eu
canto", 17ª ed., São Paulo: Bertrand Brasil, 1999.
Amor mais que
imperfeito
Não do amor. De
mim duvido.
Do jeito mais
que imperfeito
Com frequência
reconheço
a minha mão
escondida
dentro da mão
que recebe
a rosa de amor
que dou.
Espiando o meu
próprio olhar,
escondido atrás
estou
dos olhos com
que me vês.
Comigo mesmo
reparto
o que pretende
ser dádiva,
mas de mim não
se desprende.
Por mais que me
prolongue
no ser que me
reparte,
de repente me
sinto
o dono da
alegria
que estremece a
pele
e faz nascer
luas
no corpo que
abraço.
Não do amor. De
mim duvido
quando no
centro mais claro
da ternura que
te invento
engasto um
gosto de preço.
Mesmo sabendo
que o prêmio
do amor é
apenas amar.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Arte de amar
Não faço poemas
como quem chora,
nem faço versos
como quem morre.
Quem teve esse
gosto foi o bardo Bandeira
quando muito
moço; achava que tinha
os dias
contados pela tísica
e até se
acanhava de namorar.
Faço poemas
como quem faz amor.
É a mesma luta
suave e desvairada
enquanto a rosa
orvalhada
se vai
entreabrindo devagar.
A gente nem se
dá conta, até acha bom,
o imenso
trabalho que amor dá para fazer.
Perdão, amor
não se faz.
Quando muito,
se desfaz.
Fazer amor é um
dizer
(a metáfora é
falaz)
de quem
pretende vestir
com roupa
austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é
foder.
A palavra fica
nua
para todo mundo
ver
o corpo amante
cantando
a glória do seu
poder.
- Thiago de Mello, em "De uma vez por
todas", 1996.
Arabesco
Já próximos
escutamos o rumor
dos cavalos que
correm pela treva.
Até agora,
porém, nada aprendemos:
não
conquistamos nem a paz dos loucos
nem a mudez das
fragas solitárias.
E enquanto a
noite enorme, que nos ronda,
estende as suas
mãos para afagar-nos
na areia das
palavras desenhamos
o arabesco
invisível desta mágoa:
— somos frágeis
demais e não sabemos
sequer o que
nos falta para sermos
completos como
um deus — ou como um pássaro.
- Thiago de Mello, em "Vento geral",
1960.
As ensinanças da dúvida
Tive um chão
(mas já faz tempo)
todo feito de
certezas
tão duras como
lajedos.
Agora (o tempo
é que fez)
tenho um
caminho de barro
umedecido de
dúvidas.
Mas nele
(devagar vou)
me cresce funda
a certeza
de que vale a
pena o amor
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Como um rio
que leva
sozinho
a canoa que se
cansa,
de servir de
caminho
para a
esperança.
E de lavar do
límpido
a mágoa da
mancha,
como o rio que
leva,
e lava.
Crescer para
entregar
na distância
calada
um poder de
canção,
como o rio
decifra
o segredo do
chão.
Se tempo é de
descer,
reter o dom da
força
sem deixar de
seguir.
E até mesmo
sumir
para,
subterrâneo,
aprender a
voltar
e cumprir, no
seu curso,
o ofício de
amar.
Como um rio,
aceitar
essas súbitas
ondas
feitas de água
impuras
que afloram a
escondida
verdade nas
funduras.
Como um rio,
que nasce
de outros,
saber seguir
junto com
outros sendo
e noutros se
prolongando
e construir o
encontro
com as águas
grandes
do oceano sem
fim.
Mudar em
movimento,
mas sem deixar
de ser
o mesmo ser que
muda.
Como um rio.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Da eternidade
Da eternidade
venho. Dela faço
parte, desde o
começo da vida
dos que me
fizeram ser
até chegar ao
que sou.
Transporto com
a minha vida
a eternidade no
tempo.
Menino
deslumbrado com as águas,
os ventos, as
palmeiras, as estrelas,
prolonguei sem
saber a eternidade
que neste
instante navega
no meu sangue
fatigado.
- Thiago de Mello (Santiago, 93), do livro ‘De uma
vez por todas, (1996)’, reunido em "Melhores poemas Thiago de Mello”.
[Seleção Marcos Frederico Krüger Aleixo], São Paulo: Global Editora, 2009.
Diário de um
brasileiro
O brasileiro
convive bem com o escândalo moral.
Os ladrões
infestam os salões de luxo,
os Bancos
estouram, os banqueiros
são
cumprimentados com reverência,
o Presidente do
Congresso chama o senador
de bandido, sim
senhor, vossa excelência.
O Presidente
diz pela televisão
que "é
preciso acabar com a roubalheira
nos dinheiros
públicos".
As pessoas das
cidades grandes
vivem
amedrontadas, qualquer
transeunte pode
ser um assaltante.
As meninas
cheiram cola. Depois
vão dar o que
têm de mais precioso
ao preço de um
soco na cara desdentada.
O brasileiro
convive com o escândalo
como se fosse o
seu pão de cada dia,
com uma
indiferença letal.
Como se dormir
na casa com um rinoceronte,
mas rinoceronte
mesmo,
fosse a coisa
mais natural do mundo,
chegando a
cheirar a camélias.
O povo, um dia.
Do povo vai
depender
a vida que vai
viver,
quando um dia
merecer.
Vai doer, vai
aprender.
- Thiago de Mello, em "De uma vez por
todas", 1996.
É natural, mas
fede
Tudo é muito
natural. É como o mar
noturno, as
ondas vão, as ondas vêm.
É como a
cotidiana hipocrisia,
eu nem sei mais
como se diz bom-dia.
É como o
beija-flor querendo o sumo
da flor que
entrega sem saber que dá.
É a gaivota
planando, é natural,
o peixe que ela
viu já foi-se embora,
desesperança
alada, de perfil.
De frente é o
olhar, que logo se desvia
da legião
deserdada, é natural.
É a cascata
descendo, é o girassol
humilde na
esperança de uma luz
que lhe brinde
o favor da poluição.
É tudo, tudo,
muito natural.
A paloma
cagando na cabeça
da princesa
esculpida em solidão.
É como aquela
antiga mão do índio
que eu vi
tremendo na perfuratriz
num sovacão da
mina boliviana.
É como a
história natural das águas
que fazem dos
rebojos o mau fim
dos homens que
perseguem seringueiras,
destino duro do
meu tio Joaquim.
É tudo natural
na Venezuela:
o povo come
ardências de óleo sujo
enquanto as
autopistas te deslumbram
e forjas
teorias on the rocks.
A solidariedade
se transforma
em favor, os
crimes em memória,
ninguém mais se
comove e se acostuma
à dor da
mordidura em pleno peito.
Quero voltar
pro morro, é natural,
pois lá é que
estão as curvas da chinela
da morena que
um dia, fatigada,
queria mais,
que eu fosse dentro dela,
como um rei, um
brinquedo, uma agonia,
e então nós
fomos juntos sendo a vida,
mas de repente
a morte, é natural.
Tudo é tão
natural, é como o céu
estrelado
demais da minha terra
cobrindo o
sonho opaco de um menino
— mordido de
carapanã, caralho! —
que sequer sabe
onde começa a fome.
As vozes do
Salgueiro, na avenida,
porta-estandarte
verde, me perguntam:
— E você sabe
onde termina o céu?
E você sabe
onde ermina a terra?
E você sabe
onde termina o mar?
Canto que não,
naturalmente não.
Tenho muitos
mistérios misturados,
curtidos em
salmoura fedorenta.
Alguns serão
matéria de mercado,
como o meu
coração que, tantas vezes
exposto esteve
em campos de amapolas,
mas nunca foi
comprado, é natural.
Outros serão
caterva de alçapões:
químico, turvo,
o mundo me penetra
pelos poros
mais podres, me rebelo,
não posso me
entregar. Homem do Atlântico
pasto da luz
latino-americana,
conheço a
petroquímica ao reverso:
um fogo que se
entrega à atmosfera,
fedento triste
e inútil, enquanto hormônios,
enquanto
pernas, enquanto fervores,
na solidão
soturna das cidades,
na entressombra
dourada das favelas,
se abraçam
procurando a primavera
numa chama que
nunca vai jamais
erguer a
liberdade, é natural,
desse escuro
porão, refúgio do homem,
mordido pelo
sol do escorpião.
- Thiago de Mello, em "Poesia comprometida com
a minha e a tua vida", 1975.
Fio da vida
Já fiz mais do
que podia
Nem sei como
foi que fiz.
Muita vez nem
quis a vida
a vida foi quem
me quis.
Para me ter
como servo?
Para acender um
tição
na frágua da
indiferença?
Para abrir um
coração
no fosso da
inteligência?
Não sei, nunca
vou saber.
Sei que de
tanto me ter,
acabei amando a
vida.
Vida que anda
por um fio,
diz quem sabe.
Pode andar,
contanto (vida
é milagre)
que bem
cumprido o meu fio.
- Thiago de Mello, em "Campo de
milagres", 1998.
Já faz tempo
que escolhi
para a dor dos
deserdados
e os feridos de
injustiça,
não me permite
fechá-los
nunca mais,
enquanto viva.
Mesmo que de
asco ou fadiga
me disponha a
não ver mais,
ainda que o
medo costure
os meus olhos,
já não posso
deixar de ver:
a verdade
me tocou, com
sua lâmina
de amor, o
centro do ser.
Não se trata de
escolher
entre cegueira
e traição.
Mas entre ver e
fazer
de conta que
nada vi
ou dizer da dor
que vejo
para ajudá-la a
ter fim,
já faz tempo
que escolhi.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Lição de
escuridão
Caboclo companheiro
meu de várzea,
contigo cada
dia um pouco aprendo
as ciências
desta selva que nos une.
Contigo, que me
ensinas o caminho dos ventos,
me levas a ler,
nas lonjuras do céu,
os recados
escritos pelas nuvens,
me avisas do
perigo dos remansos
e quando devo
desviar de viés a proa da canoa
para varar as
ondas de perfil.
Sabes o nome e
o segredo de todas as árvores,
a paragem
calada que os peixes preferem
quando as águas
começam a crescer.
Pelo canto, a
cor do bico, o jeito de voar.
identificas
todos os pássaros da selva.
Sozinho (eu
mais Deus, tu me explicas).
atravessas a
noite no centro da mata.
corajoso e
paciente na tocaia da caça.
a traição dos
felinos não te vence.
Contigo aprendo
as leis da escuridão,
quando me
apontas na distância da margem,
viajando na
noite sem estrelas,
a boca (ainda
não consigo ver) do Lago Grande
de onde me fui
pequenino e te deixei.
De novo no chão
da infância,
contigo aprendo
também
que ainda não
tens olhos para ver
as raízes de
tua vida escura,
não sabes quais
são os dentes que te devoram
nem os cipós
que te amarram à servidão.
Nos teus olhos
opacos
aprendo o que
nos distingue.
Já repartes
comigo a ciência e a paciência.
Quero contigo
repartir a esperança,
estrela
vigilante em minha fronte
e em teu olhar
apenas um tição
encharcado de
engano e cativeiro.
- Thiago de Mello (Barreirinha -1981), em
"Mormaço na floresta", 1981.
Na fogueira do
que faço
por amor me
queimo inteiro.
Mas simultâneo
renasço
para ser barro
do sonho
e artesão do
que serei.
Do tempo que me
devora
me nasce a fome
de ser.
Minha força vem
da frágil
flor ferida que
se entreabre
resgatada pelo
orvalho
da vida que já
vivi.
Qual a flama
que darei
para acender o
caminho
da criança que
vai chegar?
Não sei. Mas
sei que já dança,
canção de luz e
de sombra,
na memória da
esperança.
- Thiago de Mello (dia dos meus 55 anos, 30 de
março de 1981), em "Faz mormaço na floresta", 1981.
Na manhã do
milênio
De que valeu o
assombro indignado
e esta
perseverança que me acende
em pleno dia a
estrela que me guia,
seguro do meu
chão e do meu sonho?
De que valeram
todos os prodígios
da ciência
mergulhando nas funduras
mais escuras da
terra e dominar
jamais
imaginadas vastidões
para encontrar
a luz fossilizada?
Do que valeu
meu passo peregrino
pelo tempo, meu
grito solidário,
a entrega
ardente, o castigo injusto,
o viver
afastado do meu povo,
só porque
desfraldei em plena praça
a bandeira do
amor? Do que valeu
se hoje, manhã
deste milênio novo,
avança, imensa
e escura bem na fronte
a marca suja da
miséria humana,
gravada em
cinza pela indiferença
dos que
pretendem donos ser da vida,
avança escura
uma legião de crianças
deserdadas do
amor e todavia
capazes de
sorrir: maior milagre
do século
perverso que findou?
De que valeram
todas as palavras
que proferi na
trova da esperança?
Tão pouco,
talvez nada. Não consola
saber que fiz,
que fiz a minha parte,
que reparti com
tantos o diamante,
que olhei o sol
de frente e não fugi
(nem do meu
próprio medo).
De consolo não
cuido. Pois valeu.
"Que tudo
vale a pena quando a alma
não é
pequena."
Não sei o
tamanho
da minha alma.
Só sei que vou varando
o fim do rio,
já posso discernir
a margem que me
chama. Mas obstinado
confiante sigo
no poder distante
da estrela
alucinante. Que destino
de estrela é o
de brilhar.
E mesmo extinta
brilhante
permanece sobre o mundo.
- Thiago de Mello, em "Poemas preferidos pelo
autor e seus leitores", 2001.
Narciso cego
Tudo o que de
mim se perde
acrescenta-se
ao que sou.
Contudo, me
desconheço.
Pelas minhas
cercanias
passeio — não
me frequento.
Por sobre fonte
erma e esquiva
flutua-me,
íntegra, a face.
Mas nunca me
vejo: e sigo
com face mal
disfarçada.
Oh que amargo é
o não poder
rosto a rosto
contemplar
aquilo que
ignoto sou;
distinguir até
que ponto
sou eu mesmo
que me levo
ou se um nume
irrevelável
que (para ser)
vem morar
comigo, dentro
de mim,
mas me abandona
se rolo
pelos declives
do mundo.
Desfaço-me do
que sonho:
faço-me sonho
de alguém
oculto. Talvez
um Deus
sonhe comigo,
cobice
o que eu guardo
e nunca usei.
Cego assim, não
me decifro.
E o imaginar-me
sonhado
não me
completa: a ganância
de ser-me
inteiro prossegue.
E pairo —
pânico mudo —
entre o sonho e
o sonhador.
- Thiago de Mello, em "Narciso cego",
1952.
Ninguém me
habita
Ninguém me
habita. A não ser
o milagre da
matéria
que me faz
capaz de amor,
e o mistério da
memória
que urde o
tempo em meus neurônios,
para que eu,
vivendo agora,
possa me rever no
outrora.
Ninguém me
habita. Sozinho
resvalo pelos
declives
onde me
esperam, me chamam
(meu ser me diz
se as atendo)
feiúras que me
fascinam,
belezas que me
endoidecem.
- Thiago de Mello, em "De uma vez por
todas", 1996.
A lição de
conviver,
senão de
sobreviver
no mundo feroz
dos homens,
me ensina que
não convém
permitir que o
tempo injusto
e a vida iníqua
me impeçam
de dormir
tranquilamente.
Pois sucede que
não durmo.
Frente à
verdade ferida
pelos guardiães
da injustiça,
ao escárnio da
opulência
e o poderio
dourado
cujo esplendor
se alimenta
da fome dos
humilhados,
o melhor é
acostumar-se,
o mundo foi
sempre assim.
Contudo, não me
acostumo.
A lição
persiste sábia:
convém cabeça,
cuidado,
que as
engrenagens esmagam
o sonho que não
se submete.
E que a razão
prevaleça
vigilante e não
conceda
espaços para a
emoção.
Perante a vida
ofendida
não vale a
indignação.
Complexas são
as causas
do desamparo do
povo.
Mas não aprendo
a lição.
Concedo que me
comovo.
- Thiago de Mello, em "Poesia comprometida com
a minha e a tua vida", 1975.
Num campo de
margaridas
Sonhei que
estavas dormindo
num campo de
margaridas
sonhando que me
chamavas,
que me chamavas
baixinho
para me deitar
contigo
num campo de
margaridas.
No sonho ouvia
o meu nome
nascendo como
uma estrela,
como um pássaro
cantando.
Mas eu não fui,
meu amor,
que pena!, mas
não podia,
porque eu
estava dormindo
num campo de
margaridas
sonhando que te
chamavas
que te chamavas
baixinho
e que em meu
sonho chegavas,
que te deitavas
comigo
e me abraçavas
macia
num campo de
margaridas.
- Thiago de Mello, em "Num campo de
margaridas", 1986.
O saber escasso
Pouco sabem as
flores que de novo
ressurgem neste
campo: não percebem
que alguém de longa
e loura cabeleira
já não passeia
pela verde alfombra,
e que entre as
mãos que agora vão colhê-las
estão ausentes
duas muito pálidas.
Ignorantes,
porém, mais do que as flores,
nós o somos:
jamais compreenderemos
porque esse
deus eternamente oculto
ressuscita
defuntas primaveras,
mas não
desperta a moça que hoje dorme
na planície sem
cor da deslembrança.
- Thiago de Mello, em "Narciso cego",
1952.
O coração
latino-americano
Incas,
ianomamis, tiahuanacos, aztecas,
mayas,
tupis-guaranis, a sagrada intuição
das nações mais
saudosas. Os resíduos.
A cruz e o
arcabuz dos homens brancos.
O assombro
diante dos cavalos,
a adoração dos
astros.
Uma porção de
sangues abraçados.
Os heróis e os
mártires que fincaram no
tempo
a espada de uma
pátria maior.
A lucidez do
sonho arando o mar.
As águas
amazônicas, as neves da
cordilheira.
O quetzal
dourado, o condor solitário
o uirapuru da
floresta, canto de todos os
pássaros.
A destreza
felina das onças e dos pumas.
Rosas,
hortênsias, violetas, margaridas,
flores e
mulheres de todas as cores,
todos os
perfis. A sombra fresca
das tardes
tropicais. O ritmo pungente,
rumba, milonga,
tango, marinera,
samba-canção.
O alambique de
barro gotejando
a luz-ardente
do canavial.
O perfume da
floresta que reúne,
em morna
convivência, a árvore altaneira
e a planta mais
rasteirinha do chão.
O fragor dos
vulcões, o árido silêncio
do deserto, o
arquipélago florido,
a pampa
desolada, a primavera
amanhecendo
luminosa nos pêssegos e nos
jasmineiros,
a palavra
luminosa dos poetas,
o sopro denso e
perfumado do mar,
a aurora de
cada dia, o sol e a chuva
reunidos na
divina origem do arco-íris.
Cinco séculos
árduos de esperança.
De tudo isso, e
de dor, espanto e pranto,
para sempre se
fez, lateja e canta
o coração
latino-americano.
- Thiago de Mello, em "De uma vez por
todas", 1996.
O ofício de
escrever
Lendo é que
fico sabendo
O que escrevi
já caiu
na ida. Não me
pertence.
que arrumei com
paciência,
severo de
inteligência,
cuidando bem da
cadência,
perseverante,
escolhendo
não escondo, as
mais sonoras,
e as que gostam
mais de mim,
Dando a cada
uma o lugar
merecido no meu
verso
(e que desta
ciência os segredos
me deu o tempo
de ofício,
um exercício de
anos)
Pois as
palavras começam
a dizer coisas
que nunca
ousei pensar
nem sonhar,
pássaros
desconhecidos
pousando no meu
pomar.
É quando
descubro a rosa
— rosa em carne
de palavra,
não é rosa da
roseira —
Que chamei para
o meu poema,
Rosa linda, venha
cá,
Venha enfeitar
o meu canto,
Se transmuda,
mal a leio,
Num sonho que
vai se abrir,
No espinho que
vai ferir.
Só nesse
instante descubro
que a rosa,
para ser rosa,
no esplendor da
identidade
com qualquer
rosa do mundo
precisa ser
inventada
- Thiago de Mello, em "Campo de milagres",
1998.
O silêncio da
floresta
Tem
consistência física,
espessamente
doce,
o silêncio
noturno da floresta.
Não é como o do
vento e vastidão,
cujos dentes de
neve
morderam a
minha solidão.
Nem como o
silêncio aterrador
(no seu âmago o
tempo brilha imóvel)
do deserto
chileno de Atacama,
onde, um
entardecer,
estirado entre
areia e pedras,
escutei cheio
de assombro
o latir do meu
próprio coração.
O silêncio da
floresta é sonoro:
os cânticos dos
pássaros da noite
fazem parte
dele, nascem dele,
são a sua voz
aconchegante.
Sozinho no
centro da noite amazônica,
escuto o poder
mágico do silêncio,
agora quando os
pássaros
conversam com
as estrelas,
e recito
silenciosamente
o nome lindo da
mulher que eu amo.
- Thiago de Mello, em "Num campo de
margaridas", 1986.
O sonho da
argila
O vocábulo
puro, em que me amparo,
esquiva-se a
meu jugo; e raro canto.
Que a palavra
da boca é sempre inútil
se o sopro não
lhe vem do coração.
Mudo, contemplo
os valerosos feitos
de quem funda
caminhos sobre os mares
e edifica
cidades e ergue torres
de cujo topo
logre dominar
o mundo inteiro
— e ver que o mundo é pouco.
Antes os que,
cegos, trabalham a terra,
sorvendo-lhe os
tesouros mais esconsos,
sem assombro,
no convívio dos bois,
com eles
aprendendo ser humildes,
e dormem, vinda
a noite, sossegados,
— permaneço
calado, e todavia
algo em mim
lhes inveja esse dormir.
Não me pranteio
por saber-me turvo
ou por não me
caber a paz dos brutos.
Sei que morro
amanhã, mas não me louvo
a sóbria face
que disfarça o medo.
Move-me ao
canto ver que a sombra cresce
dentro de mim,
enquanto um sol avaro
esplende oculto
— em céus só vislumbrados
quando a
argila, grotesca e ousada, sonha.
E ver o inútil
dessa argila em sonho,
mais que
mover-me ao canto, me comove.
- Thiago de Mello, em "Narciso cego",
1952.
Os astros
íntimos
Consulto a luz
dos meus astros,
cada qual de
cada vez.
Primeiro olho o
do meu peito:
um sol turvo é
o meu defeito.
A minha amada
adormece
desgostosa do
que sou:
a estrela da
minha fronte
de descuidos se
apagou.
Ela sonha mal
do rumo
que minha
galáxia tomou.
Não sabe que
uma esmeralda
se esconde na
dor que dou.
A cara consigo
ver,
sem tremor e
sem temor,
da treva
engolindo a flor.
Percorre a mata
um espanto.
A constelação
que outrora
ardente cruzava
o campo
da vida, hoje
mal demora
no fulgor de um
pirilampo.
Mas vale ver
que perdura
serena em seu
resplendor,
mesmo de luz
esgarçada,
a nebulosa do
amor.
- Thiago de Mello, em "Campo de
milagres", 1998.
Sagrada alegria
Não me indago,
muito menos
me respondo,
sobre a vida
(se existe)
depois da vida.
Não invejo (me
comove)
a fé que funda
a serena
certeza da
eternidade.
Do que suceda
no reino
que se inaugura
na morte,
não me
concerne. No mundo
dos homens, meu
lindo chão,
quero ser capaz
de amar,
mas não sonho
galardão
que não seja o
da alegria
do amor no meu
coração.
- Thiago de Mello, em "Num campo de
margaridas", 1986.
Sei que os
tempos são difíceis,
Sei que os
tempos são difíceis,
sei que os
tempos são de dores,
sei que os dias
são ásperos demais
e que o inimigo
do homem cada dia
se disfarça
menos.
Pois apesar de
tudo
eu te digo
simplesmente:
resiste!
Resiste,
companheiro capricórnio,
resiste,
companheiro de qualquer signo!
Resiste, porque
o zodíaco é um sol
para quem vive
ofendido
no mais
profundo da vida.
Resiste,
companheiro,
é o que digo a
teu amor
porque sei que
vais vencer
a luta que é a
tua vida
na alegria do
teu povo.
Ainda que os
braços do inimigo
pareçam tão
largos como asas de moinho,
luta, avança,
companheiro,
não desanimes
nunca,
- e verás a
verdade chegar
dentro da manhã
manhã geral de
amor
que vai chegar.
- Thiago de Mello, em "Horóscopo para os que
estão vivos", 1982.
Silêncio e
palavra
I
protege o nosso
silêncio
e esconde
aquilo que somos
Que importa
falarmos tanto?
Apenas
repetiremos.
Ademais, nem
são palavras.
Sons vazios de
mensagem,
são como a fria
mortalha
do cotidiano
morto.
Como pássaros
cansados,
que não encontraram
pouso
certamente
tombarão.
Muitos verões
se sucedem:
o tempo madura
os frutos,
branqueia
nossos cabelos.
Mas o homem
noturno espera
a aurora da
nossa boca.
II
Se mãos
estranhas romperem
a veste que nos
esconde,
em forma não
revelável.
(E os homens
têm olhos sujos,
não podem ver
através.)
Mas um dia
chegará
em que a
oferenda dos deuses,
dada em forma
de silêncio,
em palavra
transfaremos.
E se porventura
a dermos
ao mundo, tal
como a flor
que se oferta –
humilde e pura – ,
teremos então
cumprido
a missão que é
dada ao poeta.
E como são onda
e mar,
seremos homem e
palavra.
- Thiago de Mello, em "Silêncio e
palavra", 1951.
Sonho domado
Sei que é
preciso sonhar.
Campo sem
orvalho, seca
A frente de
quem não sonha.
Quem não sonha
o azul do voo
perde seu poder
de pássaro.
A realidade da
relva
cresce em sonho
no sereno
para não ser
relva apenas,
mas a relva que
se sonha.
Não vinga o
sonho da folha
se não crescer
incrustado
no sonho que se
fez árvore.
Sonhar, mas sem
deixar nunca
que o sol do
sonho se arraste
pelas campinas
do vento.
É sonhar, mas
cavalgando
o sonho e
inventando o chão
para o sonho
florescer.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na
floresta", 1981.
Só sei cantar
Sou simplesmente
um cantor.
Já disse que
nada invento
nem produzo
formatos diferentes.
Minha terra tem
palmeiras
onde canta o
sabiá.
Canto a luz da
primavera,
canto a chuva
da floresta,
canto a dor dos
deserdados,
e a alvorada da
justiça.
Canto o olhar
da minha amada
e as pernas
dela também.
Canto a
plumagem celeste
do tucano que
me acorda
e canto o peito
encarnado
do rouxinol que
chegou
dos altos do
Rio Negro
para ver de
perto o vôo
das pipiras
azuladas.
(Alguns, da
arte só pela arte,
me torcem a
cara quando
canto em nome
do meu povo
a aurora da
liberdade.)
Canto o que
suja e o que lava,
canto o que dói
e o que abranda,
canto a rosa e
seu espinho
e a cantiga de
ciranda
que se faz de
fogo e neve,
canto o amor,
de novo canto,
só para
aprender a amar.
Mas não canto o
que bem quero
pelo gosto de
cantar
que às vezes
sabe a desgosto.
Canto o que a
vida me pede,
imperiosa ou
macia,
porque sabe que
cantar
é um modo de
repartir.
Sou poeta, só
sei cantar.
- Thiago de Mello, em "De uma vez por todas",
1996.
Tercetos de
amor
Só agora
aprendi
que amar é ter
e reter.
Foi quando te
vi.
Vi quando a
rosa se abriu.
Como a
eternidade
pode ser tão
fugaz?
Não sei quando
é o mar,
ou se é o sol
dos teus cabelos.
Tudo são
funduras.
Na entressombra,
o sabre
se estira na
relva morna.
O nenúfar se
abre.
Brilha um
dorso: és tu.
Encontro no teu
ventre
a explicação da
luz.
- Thiago de Mello, em "Num campo de
margaridas", 1986.
Toada de
ternura
perante o azul
do teu dia,
trago sagradas
primícias
de um reino que
vai se erguer
de claridão e
alegria.
É um reino que
estava perto,
de repente
ficou longe:
não faz mal,
vamos andando
porque lá é o
nosso lugar.
Vamos remando,
Leonardo,
porque é
preciso chegar.
Teu remo
ferindo a noite,
vai construindo
a manhã.
Na proa do teu
navio
chegaremos pelo
mar.
Talvez
cheguemos por terra,
na poeira do
caminhão,
um doce rastro
varando
as fomes da
escuridão.
Não faz mal se
vais dormindo,
porque teu sono
é canção.
Vamos andando,
Leonardo.
Tu vais de
estrela na mão,
tu vais levando
o pendão.
Tu vais
plantando ternuras
na madrugada do
chão.
Meu companheiro
menino,
neste reino
serás homem,
como o teu pai
sabe ser.
Mas leva
contigo a infância,
como uma rosa
de flama
ardendo no
coração:
porque é de
infância, Leonardo,
que o mundo tem
precisão.
- Thiago de Mello, em "Faz escuro mas eu
canto", 1965.
Um menino chega
ao mundo
Chegou ao mundo
um menino
mais sozinho
que a primeira
estrela que
acende a noite.
Nenhum pano o
envolvia.
Além, do suave
fulgor;
trazia o condão
da infância
que aos homens
faz tanta falta.
Bois não
rodeavam o menino.
Nem burros,
Puro silêncio
orlava o claro
mistério
de um coração
sem pecado.
Os pastores da
comarca
cuidavam na madrugada
dos seus
rebanhos. Os anjos
que navegam no
céu
ao trabalho se
deram
de anunciar que
um menino
chegava com um
recado
ao tempo da
eternidade.
Mais que rês,
trezentos mil
magos são que
hoje dominam
os sortilégios
das mirras,
dos incensos e
dos ouros.
Mas nenhum
deles chegou
com oferenda à
criança.
As estrelas que
nos cobrem
já mal sabem de
caminhos
que levem o
homem à frágua
onde se forjam
milagres.
Os homens
fugiram todos.
Infância já
infunde medo:
Aquele
recém-chegado
reacendia brasas
murchas
e recordava que
cinzas
escondem
constelações
O menino,
atravessando
mordidas e
escuridões
não achou
sequer lugar
numa estalagem
do mundo.
Aconchegada na
rua,
perdida ficou a
infância
por entre as
gretas escusas
da indiferença
dos homens.
- Thiago de Mello, em "Silêncio e
palavra", 1951.
Volto armado de
amor
para trabalhar
cantando
na construção
da manhã.
Anor dá tudo o
que tem.
Reparto a minha
esperança
e planto a
clara certeza
da vida nova
que vem.
Um dia, a
cordilheira em fogo,
quase calaram
para sempre
o meu coração
de companheiro.
Mas atravessei
o incêndio
e continuo a
cantar.
Ganhei sofrendo
a certeza
de que o mundo
não é só meu.
Mais que viver,
o que importa
(antes que a
vida apodreça)
é trabalhar na
mudança
de que é
preciso mudar.
Cada um na sua
vez,
cada qual no
seu lugar.
- Thiago de Mello, em "Mormaço na floresta", 1981.
FORTUNA CRÍTICA
ALEIXO, Marcos
Frederico Krüger. Introdução à Poesia no
Amazonas: com apresentação de autores e textos. (Dissertação Mestrado em
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Disponível no link. (acessado 18.8.2013).
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Literatura: a "produção" de Manaus enquanto lugar vivido e percebido
contada na obra de Thiago de Mello e Milton Hatoum. (Graduação em
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DIAS, Edinea
Mascarenhas. A ilusão do fausto: Manaus,
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Thiago de Mello - foto: (...) |
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Thiago de Mello - Foto: (...) |
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Adélia Prado e Thiago de Mello - Foto: (...) |
"O poeta Thiago de Mello toma tão de assalto seu lugar entre os melhores poetas do Brasil, que parece um salteador ou ladrão. Mas é simplesmente um poeta que fez o seu aprendizado em silêncio. Que guardou seus cadernos de caligrafia em vez de publicá-los. Que decidiu só aparecer com a letra já segura de um mestre."
- Gilberto Freyre
Thiago de Mello - Os estatutos do Homem
Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
[A Carlos Heitor Cony]
Artigo I
Fica decretado
que agora vale a verdade.
agora vale a
vida,
e de mãos
dadas,
marcharemos
todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado
que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras
mais cinzentas,
têm direito a
converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado
que, a partir deste instante,
haverá
girassóis em todas as janelas,
que os
girassóis terão direito
a abrir-se
dentro da sombra;
e que as janelas
devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o
verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado
que o homem
não precisará
nunca mais
duvidar do
homem.
Que o homem
confiará no homem
como a palmeira
confia no vento,
como o vento
confia no ar,
como o ar
confia no campo azul do céu.
Parágrafo
único:
O homem,
confiará no homem
como um menino
confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado
que os homens
estão livres do
jugo da mentira.
Nunca mais será
preciso usar
a couraça do
silêncio
O homem se
sentará à mesa
com seu olhar
limpo
porque a
verdade passará a ser servida
antes da
sobremesa.
Artigo VI
Fica
estabelecida, durante dez séculos,
a prática
sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o
cordeiro pastarão juntos
e a comida de
ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto
irrevogável fica estabelecido
o reinado
permanente da justiça e da claridade,
e a alegria
será uma bandeira generosa
para sempre
desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado
que a maior dor
sempre foi e
será sempre
não poder
dar-se amor a quem se ama
e saber que é a
água
que dá à planta
o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido
que o pão de cada dia
tenha no homem
o sinal de seu suor.
Mas que
sobretudo tenha
sempre o quente
sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido
a qualquer pessoa,
qualquer hora
da vida,
uso do traje
branco.
Artigo XI
Fica decretado,
por definição,
que o homem é
um animal que ama
e que por isso
é belo,
muito mais belo
que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que
nada será obrigado
nem proibido,
tudo será
permitido,
inclusive
brincar com os rinocerontes
e caminhar
pelas tardes
com uma imensa
begônia na lapela.
Parágrafo
único:
Só uma coisa
fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado
que o dinheiro
não poderá
nunca mais comprar
o sol das
manhãs vindouras.
Expulso do
grande baú do medo,
o dinheiro se
transformará em uma espada fraternal
para defender o
direito de cantar
e a festa do
dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o
uso da palavra liberdade,
a qual será
suprimida dos dicionários
e do pântano
enganoso das bocas.
A partir deste
instante
a liberdade
será algo vivo e transparente
como um fogo ou
um rio,
e a sua morada
será sempre
o coração do
homem.
- Thiago de Mello (Santiago do Chile, abril de
1964)
“A candente autenticidade de seus
versos decorre, além do mais, da firme coerência que existe entre a obra e o
modo de ser do poeta. Não se fechando em gabinetes, ele se põe por inteiro
nessa luta em busca da justiça e da dignidade, e tem pago duro preço por isso,
inclusive detenções arbitrárias e o amargor do exílio."
- Ênio Silveira
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Thiago de Mello, Rita Alves e Antonio Cândido - Foto: (...) |
“Imenso, em sua ternura vestida de
branco, o poeta passeia por entre a bruma da memória. E não tropeça, e não
vacila, porque esse é o caminho que ele trilha, com seu andar cambaio de
caboclo suburucu, desde sempre.”
- Zé Maria (José Maria Pinto de Figueiredo), poeta e professor de literatura
da UFAM.
Flor de açucena
Quando
acariciei o teu dorso,
campo de trigo
dourado,
minha mão ficou
pequena
como uma flor
de açucena
que delicada
desmaia
sob o peso do
orvalho.
Mas meu coração
cresceu
e cantou como
um menino
deslumbrado
pelo brilho
estrelado dos
teus olhos.
- Thiago de Mello (Porantim, 1992).
"Numa como que volta às origens, dei o risco da casa que, em Barreirinha, no coração da Amazônia, o poeta nativo constrói com zelo e amor."
- Lucio Costa
Projeto Lucio Costa - 1978
Localização: Barreirinha, Amazonas.
- Lucio Costa
Projeto Lucio Costa - 1978
Localização: Barreirinha, Amazonas.
A cobertura, inicialmente prevista de palha, foi feita de telha. Projeto publicado no livro “Lucio Costa: registro de uma vivência” (pg. 20 e 229). A casa pertence até hoje a Thiago de Mello, que mais tarde solicitou a Lucio Costa projeto para edificação complementar no mesmo terreno, para abrigar sua biblioteca e local de trabalho.
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Casa do poeta Thiago de Mello, projeto Lucio Costa, 1978 (Foto: Acervo Lucio Costa - 1982) |
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Maquete da Casa Thiago de Mello, projeto Lucio Costa |
Epitáfio
O canto desse
menino
talvez tenha
sido em vão.
Mas ele fez o
que pôde.
Fez sobretudo o
que sempre
lhe mandava o
coração.
- Thiago de Mello, em "Faz escuro mas eu
canto", 1966.
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© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Thiago de Mello - o poeta da floresta. Templo Cultural Delfos, agosto/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Thiago de Mello - o poeta da floresta. Templo Cultural Delfos, agosto/2013. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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Gostaria de ter acesso ao poema Ritmo da Terra. Não consegui localizá-lo neste e em outros sites que fazem menção ao autor. Alguém pode indicar outra fonte? Obrigada!
ResponderExcluirO B R I G A D O !!!
ResponderExcluirQto orgulho deste amazônida.🌳✍🏾🇧🇷
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