Manoel Barros - foto: Marlene Bergamo/Folhapress |
"Tenho em mim um sentimento de aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a conhecer melhor os índios. Gosto muito também de ler as narrativas dos antropólogos."
- Manoel de Barros, em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins. 2007.
Auto-Retrato Falado
Manoel de Barros, por Lesma. |
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer da moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
- Manoel de Barros, do "Livro das Ignorãças", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1993, pág. 107.Manoel de Barros - foto: (...) |
Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno."
Mas o sentido total de liberdade veio com "Une Saison en Enfer" de Arthur Rimbaud (1854-1871), logo que deixou o colégio. Foi quando soube que o poeta podia misturar todos os sentidos. Conheceu pessoas engajadas na política, leu Marx e entrou para a Juventude Comunista. Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão. Havia pichado "Viva o comunismo" numa estátua, e a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava. A dona da pensão pediu para não levar o menino, que havia até escrito um livro. O policial pediu para ver, e viu o título: "Nossa Senhora de Minha Escuridão". Deixou o menino e levou a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade.
Manoel de Barros - foto: (...) |
Mas a ideia de lá se fixar e se tornar fazendeiro ainda não havia se consolidado no poeta. Seu pai quis lhe arranjar um cartório, mas ele preferiu passar uns tempos na Bolívia e no Peru, "tomando pinga de milho". De lá foi direto para Nova York, onde morou um ano. Fez curso sobre cinema e sobre pintura no Museu de Arte Moderna. Pintores como Picasso, Chagall, Miró, Van Gogh, Braque reforçavam seu sentido de liberdade. Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que "uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva" e percebeu que "os delírios são reais em Guernica, de Picasso." Sua poesia já se alimentava de imagens, de quadros e de filmes. Chaplin o encanta por sua despreocupação com a linearidade. Para Manoel, os poetas da imagem são Federico Fellini, Akira Kurosawa, Luis Buñuel ("no qual as evidências não interessam") e, entre os mais novos, o americano Jim Jarmusch. Até hoje se confessa um "...'vedor' de cinema. Mas numa tela grande, sala escura e gente quieta do meu lado."
Manoel de Barros - foto: Acervo Pessoal |
Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, cidade onde residiu até terminar seu curso de Direito, em 1949. Como já foi dito, mais tarde tornou-se fazendeiro e assumiu de vez o Pantanal.
Seu primeiro livro foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou "Poemas concebidos sem pecado". Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele.
Nos anos 80, Millôr Fernandes começou a mostrar ao público, em suas colunas nas revistas Veja e Isto é e no Jornal do Brasil, a poesia de Manoel de Barros. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff, Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de "Gramática expositiva do chão".
Nos anos 80, Millôr Fernandes começou a mostrar ao público, em suas colunas nas revistas Veja e Isto é e no Jornal do Brasil, a poesia de Manoel de Barros. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff, Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de "Gramática expositiva do chão".
Manoel de Barros - foto: (...) |
O poeta foi agraciado com o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro “Compêndio para uso dos pássaros”. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática expositiva do chão” e, em 1997, o "Livro sobre nada” recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional. Em 1998, recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/poesia), concedido pelo Ministério da Cultura.
Numa entrevista concedida a José Castello, do jornal "O Estado de São Paulo", em agosto de 1996, ao ser perguntado sobre qual sua rotina de poeta, respondeu:
"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem". Está no livro "Vozes da Origem", da antropóloga Betty Mindlin. Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento."
Manoel de Barros - foto: (...) |
Não perdeu o orgulho, mas a timidez parece cada vez mais diluída. Ri de si mesmo e das glórias que não teve.
"Aliás, não tenho mais nada, dei tudo para os filhos. Não sei guiar carro, vivo de mesada, sou um dependente. Os rios começam a dormir pela orla, vaga-lumes driblam a treva. Meu olho ganhou dejetos, vou nascendo do meu vazio, só narro meus nascimentos."
:: Biografia extraído: Releituras.
Manoel por Manoel
ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade
do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não
pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem.
Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho
para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de
peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra
era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um
serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma
infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais
comunhão com as coisas do que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz
comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e
suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago
das minhas raízes crianceiras a visão comungante e
oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro
me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que
eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem
de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde
havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era
o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino
e o rio. Era o menino e as árvores.
- Manoel de Barros, em "Meu quintal é maior do que o mundo" [Antologia]. São Paulo: Alfaguara Brasil, 2015, p. 15.
Manoel Barros - foto: Jonne Roriz/Estadão Conteúdo |
MANOEL DE BARROS - PRÊMIOS E CONDECORAÇÕES
1960 — Prêmio Orlando Dantas. Diário de Notícias, com o livro "Compêndio para uso dos pássaros".
1966 — Prêmio Nacional de poesias, com o livro "Gramática expositiva do chão".
1966 — Prêmio Nacional de poesias, com o livro "Gramática expositiva do chão".
1969 — Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, com o livro "Gramática expositiva do chão".
1989 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Poesia, como o livro "O guardador de águas"
1989 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Poesia, como o livro "O guardador de águas"
Desenho de Manoel de Barros |
1996 — Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional, com o livro "Livro das ignorãças".
1997 — Prêmio Nestlé de Poesia, com o livro "Livro sobre nada".
1998 — Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra.
2000 — Prêmio Odilo Costa Filho da Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro "Exercício de ser criança".
2000 — Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o livro "Exercício de ser criança".
2002 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com "O fazedor de amanhecer"
2005 — Prêmio APCA 2004 de melhor poesia, com o livro "Poemas rupestres".
2005 — Prêmio APCA 2004 de melhor poesia, com o livro "Poemas rupestres".
2006 — Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro "Poemas rupestres".
2010 — Prêmio Bravo (Bradesco Prime de cultura), como Artista Bradesco Prime 2010.
2012 - Prêmio de Literatura da Casa da América Latina/Banif 2012 (Portugal), de criação literária, pelo livro "Poesia completa", publicado pela Caminho.
"O tema do poeta é sempre ele mesmo. Ele é um narcisista: expõe o mundo através dele mesmo. (...) O tema da minha poesia sou eu mesmo e eu sou pantaneiro. Então, não é que eu descreva o Pantanal, não sou disso, nem de narrar nada. Mas nasci aqui, fiquei até os oito anos e depois fui estudar. Tenho um lastro da infância, tudo o que a gente é mais tarde vem da infância."
Manoel Barros - foto: Marlene Bergamo/Folhapress |
OBRA DE MANOEL DE BARROS - PRIMEIRAS EDIÇÕES
Poesia
:: Poemas concebidos sem pecado. 1937; São Paulo: Editora LeYa, 2010, 64p.
:: Poemas concebidos sem pecado. 1937; São Paulo: Editora LeYa, 2010, 64p.
:: Face imóvel. 1942.
:: Poesias. 1956.
:: Compêndio para uso dos pássaros. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1960; São Paulo: Editora LeYa, 2010, 56p.
:: Gramática expositiva do chão. 1966; São Paulo: Editora LeYa, 2010, 52p.
:: Matéria de poesia. 1974; São Paulo: Editora Record, 2001.
:: Arranjos para assobio. 1980; Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982, 61p.; Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
:: Livro de pré-coisas. [Ilustração da capa Martha Barros]. 1985; 2ª ed., São Paulo: Editora Record, 1997.
:: O guardador das águas. 1989; 2ª ed., São Paulo: Editora Record, 1998.
:: Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1990.
Livros de Manoel de Barros |
:: O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1993; Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
:: Livro sobre nada. [Ilustrações Wega Nery]. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1996; Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
:: Retrato do artista quando coisa. [Ilustrações Millôr Fernandes]. 1998.
:: Para encontrar o azul eu uso pássaros. [fotos Asa Roy e Osmar Onofre]. Campo Grande/MS: Saber Sampaio Barros Editora Ltda, 1999; 3ª ed., Campo Grande/MS: Editora Alvorada, 2014.
:: Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
:: Encantador de palavras. Edição portuguesa. 2000.
:: Encantador de palavras. Edição portuguesa. 2000.
:: Tratado geral das grandezas do ínfimo. [Ilustrações Martha Barros]. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
:: Águas. 2001.
:: Poemas rupestres.[Ilustrações Martha Barros]. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2004.
:: Menino do mato. [divide-se em duas partes: "Menino do mato" e "Caderno de Aprendiz"]. São Paulo: Editora LeYa, 2010, 96p.
:: Memórias Inventadas para crianças. São Paulo: Planeta Editorial, 2010, 32p.
:: Memórias Inventadas para crianças. São Paulo: Planeta Editorial, 2010, 32p.
:: Escritos em verbal de aves. São Paulo: Editora LeYa, 2011, 14p.
:: Portas de Pedro Viana. 2013.
:: Poemas concebidos sem pecado e Face imóvel. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
:: Poemas concebidos sem pecado e Face imóvel. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
Prosa (pequenas estórias)
:: Memórias inventadas: a infância. [Ilustrações Martha Barros]. São Paulo: Planeta Editorial, 2003, 32p.
:: Memórias inventadas: a segunda infância. [Ilustrações Martha Barros]. São Paulo: Planeta Editorial, 2006, 80p.
:: Memórias inventadas: a terceira infância. [Ilustrações Martha Barros]. São Paulo: Planeta Editorial, 2008, 52p.
:: Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta Editorial, 2010, 189p.:: Exercícios de ser criança. São Paulo: Editora Salamandra, 1999, 48p.
:: O fazedor de amanhecer. [ilustrações Ziraldo]. São Paulo: Editora Salamandra, 2001, 48p.
:: Poeminhas pescados numa fala de João. 2001.
Antologia poética
:: Meu quintal é maior do que o mundo [Antologia]. São Paulo: Alfaguara Brasil, 2015, 168p.
Poesia completa
:: Poesias completas. (O volume de 496 páginas: Poemas concebidos sem pecado [1937]; Face imóvel [1942]; Poesias [1947]; Compêndio para uso dos pássaros [1960]; Gramática expositiva do chão [1966]; Matéria de poesia [1970]; Arranjos para assobio [1980]; Livro de pré-coisas [1985]; O guardador de águas [1989]; Concerto a céu aberto para solos de ave [1991]; O livro das ignorãças [1993]; Livro sobre nada [1996]; Retrato do artista quando coisa [1998]; Ensaios fotográficos [2000]; Tratado geral das grandezas do ínfimo [2001]; Poemas rupestres [2004]; Menino do mato [2010]; Exercícios de ser criança [1999]; O fazedor de amanhecer [2001]; Cantigas por um passarinho à toa [2003]; Poeminha em Língua de brincar [2007].). São Paulo: Editora LeYa, 2010, 496p.
:: Poesias completas. [brochura]. Editora LeYa, 2010, 480p.
Biografia
:: Manoel de Barros [organização Adalberto Müller; apresentação Egberto Gismonti].. (Coleção Encontros). Azougue Editorial, 2010, 216p.
:: Poeminhas pescados numa fala de João. 2001.
:: Cantigas para um passarinho à toa. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.
:: Meu quintal é maior do que o mundo [Antologia]. São Paulo: Alfaguara Brasil, 2015, 168p.
Poesia completa
Manoel de Barros - foto: Letícia Spíndola |
:: Poesias completas. [brochura]. Editora LeYa, 2010, 480p.
:: A biblioteca de Manoel de Barros. (uma caixa que contem todos os seus livros individuais, totalizando 18 livrinhos: Poemas concebidos sem pecado; Face imóvel; Poesias; Compêndio para uso dos pássaros; Gramática expositiva do chão; Matéria de poesia; Arranjos para assobio; Livro de pré-coisas; O guardador de águas; Concerto a céu aberto para solos de ave; O livro das ignorãças; Livro sobre nada; Retrato do artista quando coisa; Ensaios fotográficos; Tratado geral das grandezas do ínfimo; Poemas rupestres; Menino do mato - Incluídos neste volume os poemas Escritos em verbal de ave [2011] e o inédito A Turma [2013]. - Livros infantis (Volume único): Exercícios de ser criança; O fazedor de amanhecer; Cantigas por um passarinho à toa; Poeminha em Língua de brincar). São Paulo: Editora Leya, 2013, 912p.
:: Fonte: Editora Leya Brasil
:: Fonte: Editora Leya Brasil
Biografia
:: Manoel de Barros [organização Adalberto Müller; apresentação Egberto Gismonti].. (Coleção Encontros). Azougue Editorial, 2010, 216p.
"Quando meus olhos estão sujos da civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e aves. Tenho gozo de misturar nas minhas fantasias o verdor primal das águas com as vozes civilizadas."
- Manoel de Barros, trecho de "Narrador Apresenta sua Terra Natal". Poesia completa. Editora Leya, 2010, p. 199.
FORTUNA CRÍTICA DE MANOEL DE BARROS
(Referências de estudos acadêmicos: teses, dissertações, monografias, ensaios e artigos e artigos jornalísticos).
:: Acesse AQUI!
"Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma."
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas". Minha infância. São Paulo: Planeta, 2003.
PUBLICAÇÕES NO EXTERIOR DA OBRA DE MANOEL DE BARROS
PortugalManoel de Barros - foto: Letícia Spíndola |
Encantador de Palavras. Organização e seleção Walter Hugo Mãe. Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2000.
França
La Parole sans Limites. Une Didactique de lInvention. [O Livro das Ignorãças]. Édition Bilingue. Tradução e apresentação Celso Libânio. Ilustração Cicero Dias. Paris: Éditions Jangada, 2003.
Espanha
:: Todo lo que no invento es falso. [Antologia]. Espanha, 2003.
:: Riba del dessemblat. [Antologia Poética], Ed. Catalã, Lleonard Muntaner, Editor, 2005.
"... Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo."
- Manoel de Barros em "Ensaios fotográficos". Rio de Janeiro: Editora Record, 2000, p. 51.
"No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e de desver."
"No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e de desver."
- Manoel de Barros, em carta a José Castello, publicado no Jornal Valor Econômico, em 18 mar.2012.
"Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal."
"Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal."
- Manoel de Barros em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins, Cláudia Trimarco e Douglas Diegues. [Caros Amigos]. 2007.
A língua mãe
Não sinto o mesmo gosto nas palavras:
oiseau e pássaro.
Embora elas tenham o mesmo sentido.
Será pelo gosto que vem de mãe? de língua mãe?
Seria porque eu não tenha amor pela língua
de Flaubert?
Mas eu tenho.
(Faço este registro porque tenho a estupefação
de não sentir com a mesma riqueza as
palavras oiseau e pássaro)
Penso que seja porque a palavra pássaro em
mim repercute a infância
E oiseau não repercute.
Penso que a palavra pássaro carrega até hoje
nela o menino que ia de tarde pra
debaixo das árvores a ouvir os pássaros.
Nas folhas daquelas árvores não tinha oiseaux
Só tinha pássaros.
E o que me ocorre sobre língua mãe.
- Manoel de Barros, em "O fazedor de amanhecer". São Paulo: Editora Salamandra, 2001.
Borboletas
Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos", Rio de Janeiro: Record, 2000.Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas...
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam
cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em língua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer...
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
VI - Desde o começo do mundo água e chão se amam
Desde o começo do mundo água e chão se amam
E se entram amorosamente
e se fecundam.
Nascem peixes para habitar os rios.
E nascem pássaros pra habitar as árvores.
As águas ainda ajudam na formação dos caracóis e das
suas lesmas.
As águas são a epifania da criação.
Agora eu penso nas águas do Pantanal.
Penso nos rios infantis que ainda procuram declives
para escorrer.
Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas para
alegria das garças.
- Manoel de Barros (poema VI), em "Menino do Mato". São Paulo: Editora Leya, 2010,
Despalavra
Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros.
Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapos.
Daqui vem que todos os poetas podem ter qualidades de árvores.
Daqui vem que os poetas podem arborizar os pássaros.
Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas.
Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas.
Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré-musgos.
Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos.
Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos", Rio de Janeiro: Record, 2000.
A palavra garça em meu perceber é bela.
Não seja só pela elegância da ave.
Há também a beleza letral.
O corpo sônico da palavra
E o corpo níveo da ave
Se comungam.
Não sei se passo por tantã dizendo isso.
Olhando a garça-ave e a palavra garça
Sofro uma espécie de encantamento poético.
- Manoel de Barros, em "Poemas rupestres". Rio de Janeiro: Record, 2004.
Gorjeios
Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se
inclui a sedução.
É quando a pássara está namorada que ela gorjeia.
Ela se enfeita e bota novos meneios na voz.
Seria como perfumar-se a moça para ver o namorado.
É por isso que as árvores ficam loucas se estão gorjeadas.
É por isso que as árvores deliram.
Sob o efeito da sedução da pássara as árvores deliram.
E se orgulham de terem sido escolhidas para o concerto.
As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.
- Manoel de Barros, em "Ensaios Fotográficos". Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
Entrar na Academia já entrei
mas ninguém me explica por que essa torneira
aberta
neste silêncio de noite
parece poesia jorrando…
Sou bugre mesmo
me explica mesmo
me ensina modos de gente
me ensina a acompanhar um enterro de cabeça baixa
me explica por que um olhar de piedade
cravado na condição humana
não brilha mais que anúncio luminoso?
Qual, sou bugre mesmo
só sei pensar na hora ruim
na hora do azar que espanta até a ave da saudade
Sou bugre mesmo
me explica mesmo
se eu não sei parar o sangue, que que adianta
não ser imbecil ou borboleta?
Me explica por que penso naqueles moleques
como nos peixes
que deixava escapar do anzol
com queixo arrebentado?
Qual, antes melhor fechar esta torneira, bugre velho…
- Manoel de Barros, em "Poemas concebidos sem pecado", 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 27.
Eu não vou perturbar a paz
De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.
Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depôs na praça, quieto.
- Manoel de Barros, do livro "Face imóvel" (1942). in: Poesia completa - Manoel de Barros. São Paulo: Leya, 2010, p. 35.
I - Eu queria usar palavras de ave para escrever
Eu queria usar palavras de ave para escrever.
Onde a gente morava era um lugar imensamente e sem
nomeação.
Ali a gente brincava de brincar com as palavras
tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra!
A Mãe que ouvira a brincadeira falou:
Já vem você com as suas visões!
Porque formigas nem tem joelhos ajoelháveis
e nem há pedras de sacristia por aqui.
Isto é traquinagem de sua imaginação.
O menino tinha no olhar um silêncio de chão
e na sua voz uma candura de Fontes.
O Pai achava que a gente queria desver o mundo
para encontrar nas palavras novas coisas de ver
assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do
rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão
de uma pedra.
Eram novidades que os meninos criavam com as suas
palavras.
Assim Bernardo emendou nova criação: Eu hoje vi um
sapo com olhar de árvore.
Então era preciso desver o mundo para sair daquele
lugar imensamente e sem lado.
A gente queria encontrar imagens de aves abençoadas
pela inocência.
O que a gente aprendia naquele lugar era só ignorâncias
para a gente bem entender a voz das águas e
dos caracóis.
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam
o sentido normal das ideias.
Porque a gente também sabia que só os absurdos
enriquecem a poesia.
- Manoel de Barros (poema I), em "Menino do Mato". São Paulo: Editora Leya, 2010, p. 9-10.
Há quem receite a palavra...
Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na
sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las
pro chão, corrompê-las
até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado:
usá-las como quem usa brincos.
- Manoel de Barros, em "Meu quintal é maior do que o mundo". 1ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
Línguas
Contenho vocação pra não saber línguas cultas.
Sou capaz de entender as abelhas do que alemão.
Eu domino os instintos primitivos.
A única língua que estudei com força foi a portuguesa.
Estudei-a com força para poder erra-la ao dente.
A língua dos índios Guatós é murmura: é como se ao
dentro de suas palavras corresse um rio entre pedras.
A língua dos Guaranis é gárrula: para eles é muito
mais importante o rumor das palavras do que o sentido
que elas tenham.
Usam trinados até na dor.
Na língua dos Guanás há sempre uma sombra do
charco em que vivem.
Mas é língua matinal.
Há nos seus termos réstias de um sol infantil.
Entendo ainda o idioma inconversável das pedras.
É aquele idioma que melhor abrange o silêncio das
palavras.
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos". Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 17-18.
IV - Lugar mais bonito de um passarinho
Lugar mais bonito de um passarinho ficar é a palavra.
Nas minhas palavras ainda vivíamos meninos do mato,
um tonto e mim.
Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais.
O menino caminhava incluso em passarinhos.
E uma árvore progredia em se Bernardo.
Ali até santos davam flor nas pedras.
Porque todos estávamos abrigados pelas palavras.
Usávamos todos uma linguagem de primavera.
Eu viajava com as palavras ao modo de um dicionário.
A gente bem quisera escutar o silêncio do orvalho
sobre as pedras.
Desenho de Manoel de Barros. |
sabem sobre os ventos.
A gente só gostava de usar palavras de aves porque
eram palavras abençoadas pela inocência.
Bernardo disse que ouvira um vento quase encostado
nas vestes da tarde.
Eu sonhava de escrever um livro com a mesma
inocência com que as crianças fabricam seus navios
de papel.
Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã.
Porque eu achava que a visão fosse um ato poético
do ver.
Tu não gostasse do caminho comum das palavras.
Antes melhor eu gostasse dos absurdos.
E se eu fosse um caracol, uma árvore, uma pedra?
E se eu fosse?
Eu não queria ocupar o meu tempo usando palavras
bichadas de costumes.
Eu queria mesmo desver o mundo. Tipo assim: eu vi
um urubu dejetar nas vestes da manhã.
Isso não seria de expulsar o tédio?
E como eu poderia saber que o sonho do silêncio era
ser pedra!
- Manoel de Barros (poema IV), em "Menino do Mato". São Paulo: Editora Leya, 2010, p.15-16.
Mundo pequeno
I - Sombra-boa
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Seu olho exagera o azul.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
Os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
No aspro
Queria a palavra sem alamares, sem
chatilenas, sem suspensórios, sem
talabartes, sem paramentos, sem diademas,
sem ademanes, sem colarinho.
Eu queria a palavra limpa de solene.
Limpa de soberba, limpa de melenas.
Eu queria ficar mais porcaria nas palavras.
Eu não queria colher nenhum pendão com elas.
Queria ser apenas relativo de águas.
Queria ser admirado pelos pássaros.
Eu queria sempre a palavra no áspero dela.
- Manoel de Barros, do livro "Poemas rupestres". Rio de Janeiro: Record, 2007. p.51.
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Fatigadas de informar.
Às que vivem de barriga no chão
Tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou importância às coisas desimportantes
E aos seres desimportantes
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais do que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios
Amo os restos
Como boas moscas.
Queria que minha voz tivesse formato de canto
Porque não sou da informática
Eu sou da invencionática.
Só uso minhas palavras para compor meus silêncios.
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas: as infâncias", São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 47.O Catador, ilustração: Jap |
Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais – o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter.
- Manoel de Barros, em "Tratado geral das grandezas do ínfimo". Rio de Janeiro: Editora Record - 2001, p. 43.O fazedor de amanhecer
Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
- Manoel de Barros, em "O fazedor de amanhecer", São Paulo: Editora Salamandra, 2001.
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
- Manoel de Barros, em “Exercícios de ser criança”. São Paulo: Salamandra, 1999.
X - O mundo não foi feito em alfabeto
O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro
em água e luz. Depois árvore. Depois lagartixas.
Apareceu um homem na beira do rio. Apareceu uma ave
na beira do rio. Apareceu a concha. E o mar estava
na concha. A pedra foi descoberta por um índio. O
índio fez fósforo da pedra e inventou o fogo pra
gente fazer bóia. Um menino escutava o verme de uma
planta, que era pardo. Sonhava-se muito com pererecas
e com mulheres. As moscas davam flor em março. Depois
encontramos com a alma da chuva que vinha do lado
da Bolívia - e demos no pé.
(Rogaciano era índio guató e me contou essa cosmologia.)
- Manoel de Barros, no poema "Sombra-Boa - 'X'", do "O livro das ignorãças", 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1994.
O muro
O menino contou que o muro da casa dele era
da altura de duas andorinhas.
(Havia um pomar do outro lado do muro.)
Mas o que intrigava mais a nossa atenção
principal
Era a altura do muro
Que seria de duas andorinhas.
Depois o garoto explicou:
Se o muro tivesse dois metros de altura
qualquer ladrão pulava
Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão
pulava.
Isso era.
- Manoel de Barros, em "Poemas rupestres". Rio de Janeiro: Record, 2004.
O olhar
Ele era um andarilho.
Ele tinha um olhar cheio de sol
de águas
de árvores
de aves.
Ao passar pela Aldeia
Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.
O silêncio honrava a sua vida.
- Manoel de Barros, em "Poemas rupestres". Rio de Janeiro: Record, 2004.O poeta
Vão dizer que não existo propriamente dito
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou é zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir suas irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos". Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.Obrar
Naquele outono, de tarde, ao pé da roseira de minha
avó, eu obrei.
Minha avó não ralhou nem.
Obrar não era construir casa ou fazer obra de arte.
Esse verbo tinha um dom diferente.
Obrar seria o mesmo que cacarar.
Sei que o verbo cacarar se aplica mais a passarinhos
Os passarinhos cacaram nas folhas nos postes nas pedras do rio
nas casas.
Eú só obrei no pé da roseira da minha avó.
Mas ela não ralhou nem.
Ela disse que as roseiras estavam carecendo de esterco orgânico.
E que as obras trazem força e beleza às flores.
Por isso, para ajudar, andei a fazer obra nos canteiros da horta.
Eu só queria dar força às beterrabas e aos tomates.
A vó então quis aproveitar o feito para ensinar que o cago não é uma
coisa desprezível.
Eu tinha vontade de rir porque a vó contrariava os
ensinos do pai.
Minha avó, ela era transgressora.
No propósito ela me disse que até as mariposas gostavam
de roçar nas obras verdes.
Entendi que obras verdes seriam aquelas feitas no dia.
Daí que também a vó me ensinou a não desprezar as coisas
desprezíveis
E nem os seres desprezados.
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas: a infância". São Paulo: Planeta Editorial, 2003.
Os deslimites da palavra
1.7 - dia um
Do que não sei o nome eu guardo as semelhanças.
Não assento aparelhos para escuta
E nem levanto ventos com alavanca.
(Minha boca me derrama?)
Desculpem-me a falta de ignorãças.
Não uso de brasonar.
Meu ser se abre como um lábio para moscas.
Não tenho competências pra morrer.
O alheamento do luar na água é maior do que
o meu.
O céu tem mais inseto do que eu?
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Os deslimites da palavra
2.2 - segundo dia
Lugar sem comportamento é o coração.
Ando em vias de ser compartilhado.
Ajeito as nuvens no olho.
A luz das horas me desproporciona.
Sou qualquer coisa judiada de ventos.
Meu fanal e um poente com andorinhas.
Desenvolvo meu ser até encostar na pedra.
Repousa uma garoa sobre a noite.
Aceito no meu fado o escurecer.
No fim da treva uma coruja entrava.
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Os deslimites da palavra
2.5 - segundo dia
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
- Manoel de Barros, em 'O livro das ignorãças'. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Palavras
de anos é árvore.
Pedra também.
Eu tenho precedências para pedra.
Pássaro também.
Não posso ver nenhuma dessas palavras que
não leve um susto.
Andarilho também.
Não posso ver a palavra andarilho que
eu não tenha vontade de dormir debaixo
de uma árvore.
Que eu não tenha vontade de olhar com
espanto, de novo, aquele homem do saco
a passar como um rei de andrajos nos
arruados de minha aldeia.
E tem mais: as andorinhas,
pelo que sei, consideram os andarilhos
Como árvore.
- Manoel de Barros, em "O fazedor de amanhecer". São Paulo: Editora Salamandra, 2001.
Poema
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
- Manoel de Barros, em "Tratado geral das grandezas do ínfimo". Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Prefácio
Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) –
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas –
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas –
Passaram essa tarefa para os poetas.
- Manoel de Barros, em "Concerto a céu aberto para solos de ave". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.Quando eu nasci...
Quando eu nasci
o silêncio foi aumentado.
Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei — e fui salvo.
Às vezes caminhava como se fosse um bulbo.
- Manoel de Barros, em "Meu quintal é maior do que o mundo". 1ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
Retrato do artista quando coisa
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
- Manoel de Barros, em "Retrato do artista quando coisa". Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.Soberania
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.
- Manoel de Barros, em "Memórias Inventadas - a terceira infância". São Paulo: Editora Planeta, 2008.
VII - uma didática da invenção
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
- Manoel de Barros, do poema "Uma didática da invenção - 'VII'", do "O livro das ignorãças". 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1994, p. 17.
IV - uma didática da invenção
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
e um sapo engole as auroras.
escrito:
poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
e um sapo engole as auroras.
- Manoel de Barros, do poema "Uma didática da invenção - 'IV'", do "O Livro das Ignorãnças". 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1994, p. 16.
Um songo
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros.
A gente acreditava por alto.
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra.
mas não levou susto.
Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos
e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis
vegetados em pedras.
Era muito encontrável isso naquele tempo.
Ate pedra criava rabo!
A natureza era inocente.
- Manoel de Barros, em "A biblioteca de Manoel de Barros". São Paulo: Editora Leya, 2013.
Aprendimentos
O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles – esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala. Sócrates falava que as expressões mais eróticas são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.
- Manoel de Barros, do livro "Memórias inventadas: a segunda infância".
Manoel de Barros. |
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles – esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala. Sócrates falava que as expressões mais eróticas são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.
- Manoel de Barros, do livro "Memórias inventadas: a segunda infância".
Tempo
"Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos, nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós."
(...)
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas: a segunda infância".
(...)
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas: a segunda infância".
Manoel de Barros, por Emmanuel Merlotti |
O Livro sobre nada
- Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
- Tudo que não invento é falso.
- Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
- Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
- É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
- Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
- Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
- A inércia é o meu ato principal.
- Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
- O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
- A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
- Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
- Por pudor sou impuro.
- Não preciso do fim para chegar.
- De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra — Como um lápis numa península.
- Do lugar onde estou já fui embora.
- Manoel de Barros, de seu "Livro sobre Nada", 5ª ed., Editora Record - Rio de Janeiro,1997, págs. diversas.
Um abraço para Manoel
Dizem que entre nós
há oceanos e terras com peso de distância.
Talvez. Quem sabe de certezas não é o poeta.
O mundo que é nosso
é sempre tão pequeno e tão infindo
que só cabe em olhar de menino.
Contra essa distância
tu me deste uma sabedora desgeografia
e engravidando palavra africana
tornei-me tão vizinho
que ganhei intimidades
com a barriga do teu chão brasileiro.
E é sempre o mesmo chão,
a mesma poeira nos versos,
a mesma peneira separando os grãos,
a mesma infância nos devolvendo a palavra
a mesma palavra devolvendo a infância.
E assim,
sem lonjura,
na mesma água
riscaremos a palavra
que incendeia a nuvem.
- Mia Couto (19 dez/2013).
MANOEL DE BARROS - POEMAS REGISTRADOS EM CD
2001 - Manoel de Barros • Selo Luz da Cidade (coleção Poesia Falada).
2005 - Balaio atemporal • Guitarra Brasileira.
- Manoel de Barros, em "'entrevista' concedida a Bosco Martins, Cláudia Trimarco e Douglas Diegues". revista Caros Amigos - ed. nº 117 - 2008.
"Só o silêncio faz rumor no voo das borboletas."
- Manoel de Barros, em "O fazedor de amanhecer". São Paulo: Editora Salamandra, 2001.
"Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando."
- Manoel de Barros, em “Ensaios Fotográficos”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
"Com as palavras se podem multiplicar os silêncios."
- Manoel de Barros, em "O fazedor de amanhecer". São Paulo: Editora Salamandra, 2001.
“Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”
- Manoel de Barros, em "Matéria de Poesia". Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 32.
A pedra
Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão.
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Às vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a - Eu irrito o silêncio dos insetos.
b - Sou batido de luar nas solitudes.
c - Tomo banho de orvalho de manhã.
d - E o sol me cumprimenta por primeiro
Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão.
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Às vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a - Eu irrito o silêncio dos insetos.
b - Sou batido de luar nas solitudes.
c - Tomo banho de orvalho de manhã.
d - E o sol me cumprimenta por primeiro
DOCUMENTÁRIO E FILMES SOBRE MANOEL DE BARROS
1989 - Filme O Inviável Anonimato do Caramujo Flor, de Joel Pizzini, sobre o poeta.
2010 - Documentário Só Dez Por Cento É Mentira, de Pedro Cezar. Sinopse: é um original mergulho cinematográfico na biografia inventada e nos versos fantásticos do poeta sul matogrossense Manoel de Barros.
O poeta é um ente que lambe as palavras e se alucina
(DOCTV I).
Historias da unha do dedao do pe do fim do mundo.
(baseado poemas de Manoel de Barros)
Filme: “A Língua das Coisas”
Curta metragem inspirado na obra de Manoel de Barros.
Sinopse: Em um sítio, distante de tudo, vivem o menino Lucas e seu avô. O avô só sabe a língua do rio, dos bichos e das plantas. Lucas está cansado da rotina de pescar e das histórias inventadas pelo avô, que diz pescá-las no rio: palavra por palavra. Um dia, a mãe de Lucas vem buscá-lo para morar na cidade. Mesmo contrariado, o avô o encoraja a ir para aprender a falar língua de gente. Na escola, a nova língua não entra na sua cabeça. Não cabe. E pra piorar, ele começa a escrever uma língua inventada, só dele. Todos pensam que ele tem um parafuso a menos. Em seguida, sua mãe recebe a notícia da morte do avô. De volta ao sítio, Lucas corre em desespero na esperança de encontrá-lo, na ilusão daquela notícia ser uma história inventada. Mas não é. Desolado, ele se senta a margem do rio, e sem se dar conta, dezenas de palavras são trazidas pela correnteza.
OUTROS VÍDEOS SOBRE O AUTOR
O guardador de águas, (TV Futura)
Apanhador de desperdícios, de Manoel de Barros.
Video-biografia.
"Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei."
- Manoel de Barros, em entrevista concedida a José Castello. jornal O Estado de São Paulo, em agosto de 1996. in: Jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 20.5.2015).
"Encontrei na Stella a mulher e companheira de todas as horas. Na alegria e na tristeza – como nos prometemos no casório. Conseguimos um amor profundo e sonhado em todos os dias."
- Manoel de Barros em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins, 2007.
Dona Stella Manoel de Barros |
A turma
A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse
- Manoel de Barros (o último escrito pelo autor), em "A biblioteca de Manoel de Barros" São Paulo: Editora Leya, 2013.
Manoel de Barros |
"... poesia pra mim é a loucura das palavras, é o delírio verbal, a ressonância das letras e o ilogismo.
Sempre achei que atrás da voz dos poetas moram crianças, bêbados, psicóticos. Sem eles a linguagem
seria mesmal. (...) Prefiro escrever o desanormal."
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos". 2000, p. 63.
VI - Sabiá com trevas
Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco,
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na
sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las
pro chão, corrompê-las
até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado:
usá-las como quem usa brincos.
- Manoel de Barros, em "Arranjos para assobio", 1980.
Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco,
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na
sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las
pro chão, corrompê-las
até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado:
usá-las como quem usa brincos.
- Manoel de Barros, em "Arranjos para assobio", 1980.
Manoel de Barros - foto: Alexis Prappas |
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OUTRAS REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA
"...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."
- Manoel de Barros, em 'Sobre importâncias', do livro "Memórias inventadas – a Infância". São Paulo: Planeta Editorial, 2003.
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© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Manoel de Barros - a natureza é sua fonte de inspiração, o pantanal é a sua poesia. Templo Cultural Delfos, fevereiro/2011. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Manoel de Barros - a natureza é sua fonte de inspiração, o pantanal é a sua poesia. Templo Cultural Delfos, fevereiro/2011. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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