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João Guimarães Rosa - pensares e saberes



João Guimarães Rosa - fonte: acervo JGR

"(...) a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas. Daí resulta que tenha de limpá-lo, e como é a expressão da vida, sou eu o responsável por ele, pelo que devo constantemente umsorgen."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa". Disponível na íntegra AQUI".



"Ando com fome de coisas sólidas e com ânsia de viver só o essencial. Leia o "Time must have a stop", de Huxley. Pessoalmente, penso que chega um momento na vida da gente, em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de "eternidade"."
- João Guimarães Rosa, em carta a Antonio Azeredo da Silveira, Rio de Janeiro, 27-X-45. In: "SILVEIRA, Flavio Azeredo da.(org.). 24 cartas de João Guimarães Rosa a Antonio Azeredo da Silveira. Editionsfads.



ESTAS ESTÓRIAS (CONTOS)

"Vida - coisa que o tempo remenda, depois rasga."
- João Guimarães Rosa, em "Estas Estórias". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967.


"Contudo, às vezes sucede que morramos, de algum modo, espécie diversa de morte, imperfeita e temporária, no próprio decurso desta vida. Morremos, morre-se..."
- João Guimarães Rosa, do conto "Páramo", no livro "Estas Estórias". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967.



AVE PALAVRA
(crônicas, ficções, anotações sobre zoológicos, poemas, fragmentos de diários e oratórios)

"Em nosso jardim há florestas e pausas."
- João Guimarães Rosa, do conto "Evanira", no livro 'Ave, palavra'.


"Vejo-te, meu íntimo é solúvel em ti."
- João Guimarães Rosa, do conto "Evanira", no livro 'Ave, palavra'.


"Devo adquirir mais silêncio,
mais espera,
mais brancura."
- João Guimarães Rosa, do conto "Evanira"., no livro 'Ave, palavra'.


"Amar é a gente querer se abraçar com um pássaro que voa."
- João Guimarães Rosa, em "Do diário em Paris", do livro 'Ave, palavra'.


"Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?"
- João Guimarães Rosa, do conto "Zoo" - no livro 'Ave, Palavra'. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 122. 


"Refresca teu coração. Sofre, sofre, depressa, que é para as alegrias novas poderem vir…"
- João Guimarães Rosa, no livro “Ave, Palavra”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.


CORPO DE BAILE (NOVELAS)
Guimarães Rosa, por Andre Gigante 
(Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá no Pinhém; e Noites do Sertão)

"Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma." 
- João Guimarães Rosa, na novela "Campo Geral", em "Manuelzão e Miguilim"/ do livro 'Corpo de Baile'. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2001, pg. 148. 



"Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessôas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de um distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe estava assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar óculos (...) O doutor entendeu e achou graça. Tirou os óculos, pôs na cara de Miguilim. E Miguilim olhou para todos, com tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos escuros de cima do morro, aqui em casa, a cerca de feijão-bravo e são-caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da manhã. Olhou mais longe, o gado pastando perto do brejo, florido de são-josés, como um algodão. O verde dos buritis, na primeira vereda. O Mutum era bonito! Agora ele sabia."
- João Guimarães Rosa,
da novela "Campo Geral", em "Manuelzão e Miguilim"/ no livro 'Corpo de Baile'. Rio de janeiro: Nova fronteira, 2001, p. 149-152.


"- A vida é boba. Depois é ruim. Depois, cansa. Depois, se vadia. Depois a gente quer alguma coisa que viu. Tem medo. Tem raiva do outro. Depois cansa. Depois a vida não é de verdade... Sendo que é formosa!"
- João Guimarães Rosa, da novela "Cara-de-Bronze". em "No Urubuquaquá, no Pinhém", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


"Mar a redor, fim afora, iam-se os Gerais, os Gerais do ô e do ao: mesas quebradas e mesas planas, das chapadas, onde há areia; para o verde sujo de más árvores, o grameal e o agreste – um capim rude, que boca de burro ou de boi não quer; e água e alegre relva arrozã, só nos transvales das veredas, cada qual, que refletem, orlantes, o cheiroso sassafrás, a buritirana espinhosa, e os buritis, os ramilhetes dos buritizais, os buritizais, os buritizais, os buritis bebentes."
- João Guimarães Rosa, da novela "Cara-de-Bronze". em "No Urubuquaquá, no Pinhém", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Você é o estado dum perfume. Respirar que forma uma alegria.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Dão-lalalão”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Amor é coragens. E amor é sede depois de se ter bem bebido.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Dão-lalalão”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


"O verdadeiro amor é um calafrio doce, um susto sem perigos."
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


"Fome de tudo – de conhecer por dentro – fome do miolo todo, do bagaço, da última gota de caldo.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Como surpreender, adivinhar, por detrás do silêncio, cada grão de som?”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“O que a gente deve de deixar para trás é a poeira e as tristezas...”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Meu dever é a alegria sem motivo... Meu dever é ser feliz...”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


"Acho que tudo o que tem, de melhor, é o que a gente não deve de fazer, o que é preciso se aproveitar escondido, escondido...”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“A vontade de não aceitar a tristeza mais fosse um bem valioso, e uma qualidade.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Toda vez que a gente quer alguma coisa, e não sabe o quê, então é porque a gente está é com sede dum bom copo d’água, ou carecendo de ouvir música tocada...”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“E a vida inteira parecia ser assim, apenas assim, não mais que assim: um seguido despertar, de concêntricos sonhos – de um sonho, de dentro de outro sonho, de dentro de outro sonho... Até a um fim?”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão", no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Tem mulheres de lindeza assim, a gente sente a precisão de tomar um gole de bebida antes de olhar outra vez.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Ninguém não paga à gente os tempos passados, e o regalo que se perdeu...”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Mas nuvens que o monte de um vento suspende e faz, assim como todo avo de minuto é igualzinho ao de depois e ao de dantes, e o tempo é um espelho mostrado a balançar.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Caminhando no vau da noite, se chega até na beira do Inferno. As pessoas grandes tinham de repente o ódio uma das outras. Era preciso rezar o tempo todo, para que nada não sucedesse. A noite é triste.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“O mundo era feito para outro viver, rugoso e ingrato, em vão se descobria um recanto de delícia, caminhozinho de todo agrado, suas fontes, suas frondes – e a vida, por própria inércia, impedia-o, ameaçava-o, tudo numa ordem diferente não podia reaver harmonia, congraçar-se.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“Ali no sertão, atribuíam valor aos nomes, o nome se repassava do espírito e do destino da pessoa, por meio do nome produziam sortilégios.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“No que a cidade e o sertão não se dão entendimento: as regalias da vida, que as mesmas não são.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


“A noite é o que não coube no dia, até.”
- João Guimarães Rosa, da novela “Buriti”, em "Noites do Sertão",  no livro 'Corpo de Baile'. 1965.


PRIMEIRAS ESTÓRIAS (CONTOS)
"Esperava o silêncio. Escutava muito ao redor de si. Mas nunca ouvia tudo; não sabia nem podia."
- João Guimarães Rosa, do conto "A benfazeja". no livro "Primeiras estórias". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Pai, a vida é feita só de traiçoeiros altos-e-baixos? Não haverá, para a gente, algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?"
- João Guimarães Rosa, do conto "Nada e a nossa condição", no livro "Primeiras estórias". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Tudo não demorou calado, tão fundamente, não existindo, enquanto viviam as pessoas capazes, quem sabe, de esclarecer onde estava e por onde andou o Menino, naqueles remotos, já peremptos anos? Só agora que assoma, muito lento, o difícil clarão reminiscente, ao termo talvez de longuíssima viagem, vindo ferir-lhe a consciência. Só não chegam até nos, de outro modo, as estrelas."
- João Guimarães Rosa, do conto "Nenhum, nenhuma", no livro "Primeiras estórias". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e está-vamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito – o mil maravilhoso – a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio falar."
- João Guimarães Rosa, do conto "Pirlimpsiquice". no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


“O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho que nem tenha ideia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcen­dente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério.”
- João Guimarães Rosa, do conto "O espelho", no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo."
- João Guimarães Rosa, do conto "O espelho", no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Todos os vivos atos se passam longe demais."
- João Guimarães Rosa, do conto "A menina de lá", no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"...e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio acima, rio adentro-o rio."
- João Guimarães Rosa, do conto "A terceira margem do rio", no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


"Sou homem de tristes palavras."
- João Guimarães Rosa, do conto "A terceira margem do rio", no livro 'Primeiras estórias'. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962.


TUTAMÉIA (TERCEIRAS ESTÓRIAS)

"- A felicidade não se caça. Pares amorosos voltam às vezes a dado lugar, querendo reproduzir êxtases ou enlevos; encontram é o desrequentado, discórdia e arrufo, aquele caminho não ia dar a Roma nenhuma. Outros recebem o dom em momentos neutros, até no meio dos sofrimentos, há as doces pausas da angústia."
- João Guimarães Rosa, trecho do prefácio "sobre a escova e a dúvida"/no livro 'Tutaméia: terceiras estórias'. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.


“— O que é, o que é: que é melhor do que Deus, pior do que o diabo, que a gente morta come, e se a gente viva comer morre?” Resposta: — “É nada”."
- João Guimarães Rosa, em “Aletria e hermenêutica” — 1º prefácio no livro 'Tutaméia'.


"Ando a ver. O caracol sai ao arrebol. A cobra se concebe curva. O mar barulha de ira e de noite. Temo igualmente angústias e delícias. Nunca entendi o bocejo e o pôr-do-sol. Por absurdo que pareça, a gente nasce, vive, morre. Tudo se finge, primeiro; germina autêntico é depois. Um escrito, será que basta? Meu duvidar é uma petição de mais certeza." 
- João Guimarães Rosa, no livro 'Tutaméia: terceiras estórias'. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985, p. 166.


"Felicidade se acha é só em horinhas de descuido."
- João Guimarães Rosa, do conto "Barra da Vaca", no livro 'Tutaméia: terceiras estórias'. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.


"Dito: meio se escuta, dobro se entende."
- João Guimarães Rosa, do conto “Curtamão”, no livro 'Tutaméia: terceiras estórias'. 


"Note-se e medite-se. Para mim mesmo, sou anônimo; o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras; só sabemos de nós mesmos com muita confusão."
- João Guimarães Rosa, do conto “Se eu seria personagem”, no livro 'Tutaméia: terceiras estórias'. 


SAGARANA (CONTOS)

"Você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... 
Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua."
- João Guimarães Rosa, do conto "A hora e vez de Augusto Matraga". no livro 'Sagarana'.


"... E é graças aos encontros inesperados dos velhos amigos que eu fico reconhecendo que o mundo é pequeno e, como, sala-de-espera, ótimo, facílimo de se aturar..."
- João Guimarães Rosa, do conto "Minha Gente", no livro 'Sagarana'.


"- Pior, pior... Começamos a olhar o medo...o medo grande e a pressa...O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho... É ruim ser boi de carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor – tudo pensado é pior..."
- João Guimarães Rosa, do conto “Conversa de Bois”, no livro 'Sagarana'.


GRANDE SERTÃO: VEREDAS (ROMANCE)

"O que eu queria era ser menino, mas agora, naquela hora, se eu pudesse possível. Por certo que eu já estava crespo da confusão de todos. Em desde aquele tempo, eu já achava que a vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como na sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho." 
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas". 


"De primeiro, eu fazia e mexia e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp‟ro, não fantaseia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos desassossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto, de especular idéia."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas". 


"Não por orgulho meu, mas antes por me faltar o raso da paciência, acho que sempre desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam. Sou deste jeito."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas". 


"Ah, para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece: bicho tem dor, e sofre sem saber mais porquê. Digo ao senhor: tudo é pacto. Todo caminho da gente é resvaloso."
- João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas. 


“O que houve que se deu. Que vi. Com a sede sofrida, um incha, padece nas vistas, chega fica cego. Mas vi. Foi num átimo. Como que por distraído: num dividido de minuto, a gente perde o tino por dez anos. Vi: ele – o chapéu que não quebrava bem, o punhal que sobressaia muito na cintura, o monho, o mudar das caras... Ele era o demo, de mim diante... O Demo!... Fez uma careta, que sei que brilhava. Era o Demo, por escarnir, próprio pessoa!...”
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir obedecendo a ele; não era para à força se compor. Todos que malmontam no sertão só alcançam de reger em rédea por uns trechos; que sorrateio vai virando tigre da sela." 
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"— Pois é, Chefe. E eu sou nada, não sou nada, não sou nada... Não sou mesmo nada, nadinha de nada, de nada... Sou a coisinha nenhuma, o senhor sabe? Sou o nada coisinha nenhuma mesma nenhuma de nada, o menorzinho de todos. O senhor sabe? De nada. De nada... De nada..." 
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas". 


"Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas". 


"Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim, ruim. Que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! ...Como é que posso com esse mundo? (...) Ao que, esse mundo é muito misturado."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"– “Ei, Lúcifer! Satanás, dos meus Infernos!”
Voz minha se estragasse, em mim tudo era cordas e cobras.
E foi aí. Foi. Ele não existe, e não apareceu nem respondeu – que é um falso imaginado. Mas eu supri que ele tinha me ouvido. Me ouviu, a conforme a ciência da noite e o envir de espaços, que medeia. Como que adquirisse minhas palavras todas; fechou o arrocho do assunto. Ao que eu recebi de volta um adejo, um gozo de agarro, daí umas tranqüilidades-de pancada. Lembrei dum rio que viesse adentro a casa de meu pai. Vi as asas. Arquei o puxo do poder meu, naquele átimo. Aí podia ser mais? A peta, eu querer saldar: que isso não é falável. As coisas assim a gente mesmo não pega nem abarca. Cabem é no brilho da noite.
Aragem do sagrado. Absolutas estrelas!"
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"Pois ainda tardei, esbarrado lá, no burro do lugar. Mas como que já estivesse rendido de avesso, de meus íntimos esvaziado. – “E a noite não descamba!...” Assim parava eu, por reles desânimo de me aluir dali, com efeito; nem firmava em nada minha tenção. As quantas horas? E aquele frio, me reduzindo. Porque a noite tinha de fazer para mim um corpo de mãe – que mais não fala, pronto de parir, ou, quando o que fala, a gente não entende? Despresenciei. Aquilo foi um buracão de tempo."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"Desentendi os cantos com que piam, os passarinhos na madrugança. Eu jazi mole no chato, no folhiço, feito se um morcegãocaiaria me tivesse chupado. Só levantei de lá foi com fome. Ao alembrável, ainda avistei uma meleira de abelha aratim, no baixo do pau-de-vaca, o mel sumoso se escorria como uma mina d’água, pelo chão, no meio das folhas secas e verdes. Aquilo se arruinava, desperdiçado. Senhor, senhor – o senhor não puxa o céu antes da hora! Ao que digo, não digo? [...] Assim eu estava desdormido, cisado. Aí mesmo, no momento, fui ecogitando: que a função do jagunço não tem seu que, nem p’ra que. Assaz a gente vive, assaz alguma vez raciocina. Sonhar, só, não. O demônio é o Dos-Fins, o Austero, o Severo-Mor. Aporro!"
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas".


"No real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam. Melhor assim. Pelejar por exato, dá erro contra a gente. Não se queira. Viver é muito perigoso..."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão Veredas". 


MAGMA (POESIA)

Música de Schubert
Sombras de amores
em bailado longínquo, num palco sem fundo
com um fundo de espelho...
- João Guimarães Rosa, em "Magma". Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.



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** Página atualizada em 1.7.2016.



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3 comentários:

  1. Guimarães Rosa dizia "viver é perigoso". Euclides da Cunha dizia "viver é adaptar-se". Um padre que também escreveu livros dizia que "viver é sagrado". Aquele médico e aquele engenheiro foram lógicos. O padre foi ontológico. Aqueles estão como que "imortalizados", este como que esquecido. Euclides e Guimarães competentíssimos. Um deles detentor da mais explosiva engenharia de expressão escrita. Talvez, Deus o sabe, estes 2 acadêmicos foram como que transmutados por este mundo sedutor e pesado cobrador numa espécie de "fenonhos", mistura de fenômenos com medonhos. Toda a herança destes 2 nobres compatriotas está transbordada de coisas do mundo e esvaziada do sentido último da existência. Faltou um verniz, o verniz da Verdade. Isto não invalida ou diminui suas heranças. Poder-se-iam ser grandes legados. Sem o saberem estes 2 irmãos diplomados foram fulminantemente horizontais. Todo ser humano é um mistério. Resta-nos lamentar que a transcendência da Verdade não os verticalizou, não os lubrificou. Eu quero apostar por exemplo que Euclides ainda vivo nos 50 anos teria escrito A Amazônia e iluminado pelo Universo faria desaparecer o estrelato de Os Sertões...:)

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  2. "Viver é perigoso." Este pensamento de Guimarães Rosa, para mim, tem um sentido escatológico, ainda que ele, o Guimarães, assim não o quis dizer. São Tomás de Aquino, o homem da Suma Teológica, diz que nossa meta nesta vida é alcançar a salvação. Esta é uma meta que pode ser alcançada e pode não ser alcançada. Neste sentido... viver é perigoso!...:)

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  3. Guimarães faz o coração parado da gente bater de novo...

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