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Burle Marx - entrevista: a devastação é total

Burle Marx - foto: ...
"Em todo o Brasil, derrubam-se as matas, queima-se a madeira, destrói-se a terra."

Por Oswaldo Amorim

Tão rapidamente se derrubam as florestas no Brasil que um mesmo observador, durante um período de tempo relativamente curto, pôde testemunhar as transformações ocorridas em territórios extensos, sem a necessidade de recorrer aos apontamentos de naturalistas de gerações passadas. Regiões novas, como o leste de Minas, o norte do Espírito Santo e o sul da Bahia, como suas principais cidades desenvolvidas nos últimos cinquenta anos, dão a ideia de terras cansadas, esgotadas depois de uma exploração secular. E muitos habitantes desses lugares hoje desolados contam sobre os tempos recentes, quando se encontrava caça graúda pelas matas virgens. Durante todo o mês de julho, o paisagista Roberto Burle Marx, 64 anos, percorreu essa região, que ele já conhecia de várias visitas anteriores. Mais que nunca, mostrou-se decepcionado e irritado. Seu desabafo é o principal idem dessa entrevista, que se estende a outros Estados brasileiros, onde fauna e flora são destruídas.
A autoridade de Burle Marx, ao apresentar suas denúncias e propor suas soluções, tem o sólido apoio de quem passou 45 anos a estudar os recursos naturais do Brasil. Ele pode dizer, por exemplo: "Em 1950, estive no Amazonas. Nas florestas inundadas, onde a água, às vezes, atinge 14 metros acima do leito, é como se estivéssemos num mar arborizado". E sua obra, por toda parte, reforça o que ele diz. A respeitável lista de seus projetos paisagísticos inclui: o parque do Flamengo, no Rio, os jardins da Pampulha, em Belo Horizonte, o parque do Ibirapuera e o Jardim Botânico, em São Paulo, os jardins do Eixo Monumental, do Palácio do Itamaraty e do parque Zoobotânico, em Brasília, o para de las Américas, em Santiago do Chile, o parque central de Caracas, o Jardim das Nações, em Viena.
Suas declarações, com grande frequência, saem ricas de poesia "Para mim, as flores e as folhas são quase música em sua harmonia. Outras vezes, vejo-as como esculturas, como volumes que se destacam no espaço. Ou, ainda, sinto-as como pinturas, com seu colorido e formas caprichosas. Observo-as sob o sol e sob a chuva, e certos cambiantes de luz fazem-nas parecer como pedras preciosas". Mas Burle Marx também é obrigado a ver esse mundo em processo de extinção, como nesta viagem de 4.000 quilômetros por Minas, Bahia e Espírito Santo. Então, o que ele diz nada tem de poético.


Oswaldo Amorim - Nos países desenvolvidos, de um modo geral, existe uma preocupação clara e bastante antiga com a preservação da natureza. Alguns deles dificultam ao máximo o funcionamento de indústrias excessivamente poluidoras, além de defender, como a um tesouro, seus bosques e florestas. E no Brasil, dono de uma das maiores reservas florestais do mundo, qual é a situação?
Burle Marx - Infelizmente, é desoladora. Acabo de fazer uma viagem, de carro, através de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo, num giro de mais de 4.000 quilômetros, e a fim de recolher material botânico para parques e jardins. Fiquei acabrunhado com o que vi: uma destruição tenaz e impiedosa, liquidando reservas florestais de valor inestimável. Algo profundamente lamentável.

Oswaldo Amorim - Essa destruição...
Burle Marx - ... é muito maior do que se possa imaginar, sobretudo no sul da Bahia e norte do Espírito Santo, onde as florestas são totalmente destruídas pelo fogo, após a retirada das árvores de valor comercial. Com isso, a vegetação de sub-bosque, as árvores e a vegetação epífita - que vive fixada em outra, sem ser parasita - são devastadas por completo. Em consequência, a fauna também vai sendo exterminada. A sensação que experimentei, e que muito me deprimiu, é que nos encaminhamos a passos largos para o completo extermínio de nossa cobertura vegetal, com nefastos resultados para o país.

Oswaldo Amorim - Quais seriam as consequências mais graves desse desmatamento?
Burle Marx - Uma severa modificação climática, com uma enorme diminuição de nossos mananciais. Nascentes vão secar, rios vão virar riachos, simples regatos. E muitos deixarão de ser perenes, como já acontece no seco e sofrido sertão nordestino. Uma vez que perdida a capa protetora da cobertura vegetal, a terra fica inteiramente à mercê da erosão. Nas áreas equatoriais, a incidência dos raios solares sobre o solo também costuma ser devastadora, por calcinar sua camada fértil. A superfície úmida vai cedendo lugar a um solo gretado e estorricado, num fenômeno conhecido como laterização.

Oswaldo Amorim - A erosão, nesse caso, surgiria como um fato secundário de empobrecimento da terra?
Burle Marx - A erosão é um problema muito mais sério do que se pensa. Basta lembrar que são necessários quatrocentos anos para se criar uma polegada e meia de terra arável. Enquanto isso, a erosão destrói 15 centímetros dessa terra em pouquíssimo tempo. E, como se não bastasse isso, a destruição provoca outra: a da fauna aquática, pela obstrução do leito dos rios, ribeirões e córregos. É a marcha para a desertificação total.

Oswaldo Amorim - Os órgãos encarregados da defesa de nossas reservas naturais tomam alguma providência para impedir essa destruição? Existem fiscais em número suficiente?
Burle Marx - Por onde andei, não vi nada nem ao menos parecido com fiscalização. Nada contém a fúria dos destruidores de florestas. Infelizmente, o brasileiro ainda não aprendeu a amar as árvores. E esse deplorável desamor pelas florestas é atávico. Na época da colonização, as florestas infundiam medo. Nela se escondiam os índios, com suas flechas envenenadas. Elas eram o covil da serpente, da aranha, dos mosquitos sem conta - entre eles, os transmissores de malária -, das formigas. Tudo isso contribuiu para que a agressão à floresta fosse um processo continuado. E hoje a agressão é muito maior, porque há mais gente derrubando matas e mais recursos para isso. Não falta nem mesmo o estímulo oficial. Quando o presidente vai inaugurar um trecho da rodovia na Amazônia, joga-se ao chão um gigante da floresta, para se colocar uma placa no tronco decepado. Por que não colocar a placa num tronco de árvores viva, conservando-a perenemente como um imponente monumento vegetal?

Oswaldo Amorim - Em sua luta contra a selva, o brasileiro já obteve que tipo de vitórias?
Burle Marx - O que vi nessa viagem de Belo Horizonte a Cachoeira, no Espírito Santo, passando por Governador Valadares (MG) e Feira de Santana (BA) e, depois de Cachoeira, descendo pela BR-101, a Translitorânea, foi deprimente. A destruição é de tal maneira violeta que a gente tem a impressão de que se está querendo criar uma paisagem lunar naqueles lugares. Tiram a madeira de lei e depois põem fogo na floresta, transformando o resto em carvão. Na região de Morro do Chapéu, na Bahia, onde me encantei com o belo espetáculo da cachoeira do Ferro Doido e onde se descobriu uma espécie de beija-flor que se supunha extinta há mais de um século, a flora riquíssima está sendo destruída, para facilidade a criação de gado. Ali, surpreendi um vaqueiro ateando fogo a um grupo de saxícola (vegetação que cresce entre pedras). Quando lhe perguntei qual a razão da queimada, respondeu-me que estava limpando o terreno. Na verdade, estava destruindo um jardim natural que, em outros países já teria sido transformado em reserva biológica ou parque nacional.

Oswaldo Amorim - A região mineira, por onde o senhor passou, sofre o mesmo tipo de ataque do homem?
Burle Marx - Entre Três Marias e Pirapora, na região guimaraniana dos sertões gerais, o viajante assiste a uma sucessão de grandes queimadas, que alcançam até 5 quilômetros de frente, como presenciou recentemente o urbanista Radamés Teixeira da Silva, de Belo Horizonte. E, ao longo de toda a estrada Belo Horizonte-Brasília, o triste espetáculo da destruição dos cerrados é uma constante. Numa simples viagem, fiquei horrorizado com a sequência de queimadas. Tive a sensação de estar atravessando um mar de fogo. Ora era asfixiado pelo torvelinho de fumaça, ora o calor era tão grande que tinha medo de não chegar ao outro lado. Essas terras, que já não são boas, ficarão rapidamente muito piores, pelo sistemático e impiedoso desmatamento, incentivado por uma grande siderúrgica, que tem uma fome crescente de carvão vegetal. Quem viaja por ali, nessa época do ano, vê a cada instante a fumaça dos fornos de carvão extinguindo o que ainda resta de cerrado. Ainda em Minas, uma das mais notáveis florestas da região leste foi destruída, atacada ao mesmo tempo pela fúria dos extratores de madeira de lei e pela cobiça das siderúrgicas. O vale do Rio Doce, antes cheio de grandes matas, foi dizimado. E, em consequência do gradativo empobrecimento do solo, até mesmo o capim-colonião, base de seu desenvolvimento pecuário, por ser nativo daquela zona, está deixando de nascer. A situação é triste. Hoje, Minas tem apenas 7% de áreas cobertas de matas.

Burle Marx - foto: ...
Oswaldo Amorim - O senhor viaja regularmente, há muitos anos, por esses Estados. E, pelo que observou, as aliterações da paisagem são recentes ou antigas?
Burle Marx - Em território baiano, até oito anos atrás, as matas orlavam as estradas. Hoje, estão a muitos quilômetros e se distanciam cada vez mais, porque a destruição não para. E, onde existiu uma flora exuberante, crescem apenas as espécies invasoras, que inibem o desenvolvimento das demais. No Espírito Santo, vi uma região que me deslumbrou há trinta anos, pela sua beleza, inteiramente transformada. O vale do Pancas, perto de Colatina, foi um dos mais belos monumentos da natureza que vi em minha vida. Ha sessenta anos, tinha tribos de índios. Além das matas, crescia nas encostas  e nas grandes montanhas de pedra uma flora sui generis, de uma riqueza extraordinária. Há vinte anos, quando estive lá pela segunda vez, a região ainda era bela. Da última vez, recentemente, fiquei assombrando com a modificação, não só climática, como pelo desaparecimento de um grande número de espécies que faziam o encantamento de todos os botânicos. O que resta continua sendo destruído pelo machado e pelo fogo, esses velhos inimigos das florestas. A erosão, também, se processa de modo violentíssimo. Ainda se pode salvar uma pequena parte desse autêntico tesouro vegetal. Mas é preciso andar depressa. Do contrário, nada restará.

Oswaldo Amorim - Em suas andanças pelo Brasil, o senhor presenciou destruições desse tipo em outros Estados?
Burle Marx - Infelizmente, por todos os lugares, por todas as partes. Ainda agora, vi a incrível devastação que uma companhia mineradora está fazendo na bela serra do Curral, em Belo Horizonte, um local de flora variadíssima, empobrecendo a paisagem de uma das maiores cidades do país. A destruição ao longo da Belém-Brasília é assustadora, com uma faixa devastada de 2 a 3 quilômetros, para os lados da estrada, se alargando em alguns trechos até 40 quilômetros. E isso em todo o percurso. No Maranhão, vi uma estrada estadual, aberta para ligar São Luís à Belém-Brasília, na altura de Açailândia, com 1 quilômetro de desmatamento de cada lado, quando deveria ter apenas 40 metros. Passei por lá em 1969 e vi os troncos fumegantes na margem da estrada. Voltei agora ao Pará e encontrei uma série de grandes indústrias madeireiras se espalhando pelo Estado. No Paraná e em Santa Catarina, a "Araucária brasiliana", as florestas de pinheiros, está desaparecendo. Em seu lugar, planta-se "Pinus elliotti", que cresce rapidamente nos dois primeiros anos, mas que está condenado ao fracasso por seu comportamento ecológico.

Oswaldo Amorim - As grandes cidades, com exceção de Belo Horizonte, que o senhor já citou, estariam a salvo desse processo?
Burle Marx - De fato, não precisamos ir longe para dar exemplos de destruição. Basta ver o que se faz aqui mesmo no Rio, em Jacarepaguá, onde existe uma flora de riqueza enorme, com milhares de plantas adaptadas às condições climáticas do lugar - cajueiros, quaresmeiras, pitangueiras e tantas outras. Pois bem, toda essa flora está sendo destruída para se plantar casuarinas e eucaliptos. Não se leva absolutamente em conta a necessidade de conservar as variedades existentes e, com isso, preservar o caráter local, de grande interesse botânico. Na pedra de Itaúna, no início da Rio-Santos, a vegetação foi em parte arrasada, apesar de o local ser tombado. Dentro do Rio mesmo houve a deplorável mutilação do Jardim Botânico, que teve uma grande parte cedida ao Jóquei Clube. Na primeira área, existia uma raríssima coleção de plantas do baixo Amazonas, trazidas pelos botânicos Barbosa Rodrigues e Ducke Kulman. Essa coleção servia para estudos intimamente ligados à cultura brasileira. E a destruição não ocorre apenas na flora da Guanabara. Na baía de Sepetiba, a pesca predatória, sobretudo com rede de balão, que vai remexendo o fundo e destruindo os nutrientes vitais aos peixes, está acabando com a fauna. Além de mal feita, a pesca também é contínua, sem respeito às época de desova e procriação. A própria baía de Guanabara, com um poluição violentíssima, não é mais sombra do que foi, quando à piscosidade.

Oswaldo Amorim - Um outro extremo: apesar de sua imensa extensão, a floresta amazônica corre perigo?
Burle Marx - Aos que me perguntam isso, eu costumo lembrar que o Brasil tinha mais de 300 quilômetros de florestas virgens da costa para o interior, ao longo de grande parte de seu litoral. Hoje, essas florestas praticamente desapareceram.

Oswaldo Amorim - E o que fazer para evitar a destruição da Amazônia?
Burle Marx - Racionalizar e disciplinar o mais possível todo projeto na área, seja de ocupação ou referente à abertura de uma estrada. Cada projeto deve ser sempre acompanhado por uma equipe de técnicos em silvicultura e botânicos. É preciso defender com unhas e dentes a ecologia da região. Partir para o desmatamento indiscriminado é abrir caminho para a desertificação. É preciso lembrar que as florestas são grandes detentores das águas das chuvas. Sua destruição implicará uma vazão mais rápida dessas águas, agravando o problema das enchentes. Nas regiões desmatadas, os rios afinam na estiagem, para engrossar subitamente por causa das chuvas fortes em suas cabeceiras e curso médio. Por isso, a destruição da cobertura vegetal, na Amazônia , ao mesmo tempo, que reduziria o volume normal dos rios, aumentaria a violência das cheias, para o desespero das populações ribeirinhas.

Oswaldo Amorim - O senhor tem criticado o reflorestamento no Brasil. Por quê?
Burle Marx - Não sou contrário ao plantio de árvores para fins comerciais. Mas derrubar florestas naturais e, no lugar, plantar florestas homogêneas é um absurdo. E o pior é que esse absurdo tem amparo legal. A lei 4.771, de 15 de setembro de 1965*, diz em seu artigo 19: "Visando ao maior rendimento econômico, é permitido aos proprietários de florestas heterogêneas transformá-las em homogêneas, executando o trabalho de derrubada a um só tempo ou sucessivamente, desde que assinem, antes do  início dos trabalhos, perante a autoridade competente, termo de obrigação de reposição e trato culturais". O reflorestamento geralmente é feito com o "Pinus elliotti" e o eucalipto. Que isso seja feito em terras já devastadas, compreende-se. Mas botar abaixo uma floresta natural para plantar essas espécies não tem sentido. Nas matas de eucalipto não há alimentos para pássaros nem para os bichos. São matas silenciosas, onde só se ouve o ruído dos ventos agitando a copa das árvores. Quer dizer: estão trocando matas cheia de vidas por florestas sepulcrais. É preciso melhorar as leis e criar, imediatamente, uma fiscalização eficiente e severa, para defender nossas reservar florestais e a natureza em geral. O governo precisa agir com rapidez e energia, para salvar o que resta de nossas fabulosas reservas naturais.

* Nota: A Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965 foi revogada pela Lei 12.651, de 25 de maio de 2012.


Oswaldo Amorim - Além das leis e da fiscalização, haveria outras medidas a tomar?
Burle Marx - Incentivar e orientar a multiplicação de parques estaduais por todo o país seria uma medida de largo alcance. Com isso, as cidades, além de preservar a flora típica da região, criariam um lugar de recreação.

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Oswaldo Amorim - E especificamente quanto ao reflorestamento?
Burle Marx - Acho que é obrigação do governo fomentar o plantio de madeiras nobres. Por que se plantarem apenas árvores estrangeiras, como o eucalipto e o "Pinus elliotti"? Quais são os hortos que estão preocupados em fazer reflorestamento com madeiras brasileiras? Enquanto isso, continua a impiedosa derrubada de essências nobres como o cedro, jacarandá, pau-ferro, sucupira, massaranduba, pau-de-vinho, pau-rosa, pau-marfim, pau-brasil, jequitibá, jatobá, ipê-reto, imbuia, mogno, aroeira e muitas outras. E essas árvores não são replantadas. Será que ninguém pensa no futuro? O mal do Brasil é que agimos visando resultados imediatos; ninguém está plantando para o futuro. A meu ver, a política do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal deveria fazer uma ampla abertura nesse sentido. A propósito, por que não fazer a arborização das cidades preferencialmente com árvores brasileiras, apropriadas para isso, em vez de se usaram sistema
tipicamente plantas exóticas, como acontece hoje no país inteiro? Outra coisa: se existe uma técnica que permitiu extraordinário desenvolvimento das culturas de verduras e frutas entre nós, por que não desenvolvemos também uma técnica voltada para a silvicultura, a fim de aperfeiçoarmos e acelerarmos nossos processos de florestamento e reflorestamento?

Oswaldo Amorim - E quanto ao povo, que tão pouco sabe a respeito dos prejuízos que ele próprio acarreta, com as queimadas, o que poderia ser feito?
Burle Marx - Creio que é tempo de o Brasil aprender a amar a natureza - as florestas, os rios, os lagos, os bichos, os pássaros. Creio que é preciso reformular nosso conceito de patriotismo. Patriotismo, para mim, é proteger o nosso patrimônio. Artístico, cultural, e a terra, que nos dá tudo isso.

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:: Entrevista publicada originalmente na revista Veja, 19 de setembro de 1973 - Edição 263


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Página atualizada em 6.7.2016.


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George Steiner: estamos matando os sonhos de nossos filhos

George Steiner - foto: Antonio Olmos
"A essência do acto perfeito de leitura é, como vimos, de reciprocidade dinâmica, de resposta à vida do texto. O texto, embora inspirado, não pode ter uma existência significativa se não for lido (que estímulo de vida existe num Stradivarius que não é tocado?). A relação do verdadeiro leitor com o livro é criativa. O livro tem necessidade do leitor tal como este tem necessidade do livro."
- George Steiner, em "Paixão intacta". [tradução de Margarida Periquito e Victor Antunesisbn]. Coleção Antropos. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2003.


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George Steiner*: “estamos matando os sonhos de nossos filhos”
Aos 88 anos, o filósofo e ensaísta denuncia que a má educação ameaça o futuro dos jovens
    [por Borja Hermoso - El País**, Filosofia, 3 jul/2016]

Primeiro foi um fax. Ninguém respondeu à arqueológica tentativa. Depois, uma carta postal (sim, aquelas relíquias que consistem em um papel escrito colocado em um envelope). “Não responderá, está doente”, avisou alguém que lhe conhece bem. Poucos dias depois, chegou a resposta. Carta por avião com o selo do Royal Mail e o perfil da Rainha da Inglaterra. No cabeçalho, estava escrito: Churchill College. Cambridge.

O breve texto dizia assim:

“Prezado senhor,

O ano 88 e uma saúde incerta. Mas sua visita seria uma honra.
Com meus melhores votos.

George Steiner.”

Dois meses depois, o velho professor havia dito “sim”, colocando um término provisório à sua proverbial aversão às entrevistas.

O professor de literatura comparada, o leitor de latim e grego, a eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; o filho de judeus vienenses que fugiram dos nazistas, primeiro a Paris e, em seguida, a Nova York; o filósofo das coisas do ontem, do hoje e do amanhã; o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; o polemista e mitólogo poliglota e autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ou Dostoievski ou A Poesia do Pensamento, abriu as portas de sua linda casinha de Barrow Road.

O pretexto: os dois livros que a editora Siruela publicou recentemente em espanhol. De um lado, Fragmentos, um minúsculo, ainda que denso compêndio de algumas das questões que obcecam o autor, como a morte e a eutanásia, a amizade e o amor, a religião e seus perigos, o poder do dinheiro ou as difusas fronteiras entre o bem e o mal. De outro, Un Largo Sábado, um inebriante livro de conversas entre Steiner e a jornalista e filóloga francesa Laure Adler.


George Steiner, em sua casa em Cambridge - foto: Antonio Olmos
O motivo real: falar sobre o que fosse surgindo.

É uma manhã chuvosa no interior de Cambridge. Zara, a encantadora esposa de George Steiner (Paris, 1929), traz café e bolos. O professor e seus 12.000 livros olham o visitante de frente.

Pergunta. Professor Steiner, a primeira pergunta é como está sua saúde.

Resposta. Ah, muito ruim, infelizmente. Já tenho 88 anos, e a coisa não vai bem, mas não tem problema. Tive e tenho muita sorte na vida, e agora a coisa vai mal, embora ainda tenha alguns dias bons.

P. Quando alguém se sente mal... é inevitável sentir nostalgia dos dias felizes? O senhor foge da nostalgia ou pode ser um refúgio?

R. Não, a impressão que se tem é de ter deixado de fazer muitas coisas importantes na vida. E de não ter compreendido totalmente até que ponto a velhice é um problema, esse enfraquecimento progressivo. O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção.

P. E como são?

R. Você vai se divertir com o que vou contar. Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias... e certamente parece ajudar.

P. Inglês, francês, alemão e italiano...

R. Isso mesmo.

P. Continua lendo Parmênides todas as manhãs?

R. Parmênides, claro... bem, ou outro filósofo. Ou um poeta. A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.

P. A poesia vive... ou melhor, no mundo de hoje sobrevive. Alguns a consideram quase suspeita.

R. Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória. E que não faz nada para que as crianças aprendam as coisas com a memorização. O poema que vive em nós, vive conosco, muda conosco e tem a ver com uma função muito mais profunda do que a do cérebro. Representa a sensibilidade, a personalidade.

P. É otimista em relação ao futuro da poesia?

R. Extremamente otimista. Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle... Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo... De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.

P. O barulho e a pressa... Não acha que vivemos com muita pressa? Como se a vida fosse uma corrida de velocidade e não uma corrida de fundo... Não estamos educando nossos filhos com muita pressa?

R. Deixe-me ampliar esta questão e dizer-lhe algo: estamos matando os sonhos de nossos filhos. Quando eu era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. O ser humano os cometeu: o fascismo, o nazismo, o comunismo... Mas, se você não pode cometer erros quando jovem, nunca se tornará um ser humano completo e puro. Os erros e esperanças desfeitas nos ajudam a completar o estágio adulto. Nós erramos em tudo, no fascismo e no comunismo e, na minha opinião, também no sionismo. Mas é muito mais importante cometer erros do que tentar entender tudo desde o início e de uma vez só. É dramático ter claro aos 18 anos o que você tem que fazer e o que não.

P. O senhor fala da utopia e de seu oposto, da ditadura da certeza...

R. Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.

P. Não está claro por que o erro tem uma fama tão ruim, mas o fato é que essas sociedades extremamente utilitaristas e competitivas possuem essa imagem negativa.

R. O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. É que o erro retornará? É possível, é possível, existem alguns sinais. Mas ser jovem hoje em dia não é fácil.

O que estamos deixando a eles? Nada. Incluindo a Europa, que já não tem mais nada para lhes oferecer. O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores... Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico. E a isso se soma o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. E isso Karl Marx viu com bastante antecedência. No entanto, nem Freud nem a psicanálise, com toda sua capacidade de análise dos traços patológicos, foram capazes de compreender nada disso.

P. O senhor não se simpatiza muito com a psicanálise... É o que dá a entender.

R. A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença”.

P. E Sigmund Freud?

R. Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.

Neste momento, George Steiner se levanta, avança lentamente em direção à sua imensa biblioteca e tira de dentro de um velho volume um cartão de visita amarelado escrito à mão em alemão: é um cumprimento de Sigmund Freud aos pais se Steiner por ocasião de seu casamento. “Meu pai o conheceu, eles passeavam juntos na beira do rio”.

P. Retomemos a questão do poder do dinheiro. O senhor tem alguma explicação válida, de um ponto de vista filosófico, de por que os eleitores da Itália, em um determinado momento, e atualmente os da Espanha, decidiram alçar ao poder partidos políticos enfiados até o pescoço na corrupção?

R. Porque existe uma gigantesca abdicação da política. A política tem perdido terreno no mundo todo, as pessoas já não acreditam nela, e isso é muito perigoso. É Aristóteles quem diz: “Se você não quer entrar na política, na ágora pública, e prefere ficar em sua vida privada, então não venha se queixar depois de que são os bandidos que governam”.

P. A velha e tão atual figura da idiotice aristotélica...

R. Exatamente. Uma figura muito atual. Bem, pois eu sinto vergonha de ter gozado desse luxo privado de poder estudar e escrever e não ter querido entrar para a ágora. Eu me pergunto o que ocorrerá com o fenômeno das estruturas políticas em si mesmas. Por todos os lados, triunfam o regionalismo, o localismo, o nacionalismo...é o retorno dos vilarejos. Quando se vê alguém como Donald Trump ser levado a sério pela democracia mais complexa do mundo, tudo é possível.

P. Como o senhor enxerga uma eventual vitória de Trump?

R. Isso não vai acontecer. Hillary irá ganhar. Mas será uma vitória triste, porque essa mulher está esgotada, triturada interiormente. E Putin, então? A violência de uma pessoa como ele parece acalmar as pessoas que não acreditam mais na política, elas os reconforta. Por isso é que o despotismo é o contrário da política.

P. E a relação entre política e cultura? Como vê isso? Outra pergunta: o senhor compartilha a sensação —muito pessoal e subjetiva, por outro lado— de que a cultura, no sentido das “artes”, está estancada, ao contrário dos avanços científicos, que não param de acontecer?

R. É delicado falar sobre isso. Estamos, eu e você, em uma pequena cidade inglesa como Cambridge, onde, desde o século XII, cada geração produziu gigantes da ciência. Hoje em dia, há 11 prêmios Nobel por aqui. Daqui saíram Newton, Darwin, Hawking... Para mim, o símbolo do avanço irrefreável da ciência é Stephen Hawking. Mal consegue mover uma parte de suas sobrancelhas, mas a sua mente nos levou à extremidade do universo. Nenhum romancista, dramaturgo, poeta ou artista, nem mesmo Shakespeare, teria ousado inventar um personagem como Stephen Hawking. Bem. Se você e eu fôssemos cientistas, o tom da nossa conversa seria outro, seria muito mais otimista, pois hoje, toda semana a ciência descobre alguma coisa nova que não conhecíamos na semana passada. Em contrapartida –e isso que lhe digo é totalmente irracional, e espero estar enganado–, o instinto me diz que não teremos amanhã nenhum novo Shakespeare, um novo Mozart ou Beethoven, nem um Michelangelo, um Dante ou um Cervantes. Mas eu sei que teremos um novo Newton, um novo Einstein, um novo Darwin... Sem dúvida alguma. Isso me assusta, porque uma cultura desprovida de grandes obras estéticas é uma cultura pobre. Estamos muito distantes dos gigantes do passado. Espero estar enganado e que o próximo Proust ou Joyce esteja nascendo na casa aqui na frente!

P. O senhor diferencia a “alta” cultura e a “baixa” cultura, como fazem alguns intelectuais de renome, visivelmente incomodados com formas da cultura popular como os quadrinhos, a arte urbana, o pop ou o rock, para as quais se chegou a criar o rótulo de “civilização do espetáculo”?

R. Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. E não, eu não faço esse tipo de distinção. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, a multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias... Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Mohammed Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Mohammed Ali.

P. Acredita que veremos a morte da cultura como portadora de formas clássicas já batidas, com sua substituição por outras formas novas?

R. Talvez. Talvez a cultura clássica de caráter patriarcal esteja morrendo e que estejam surgindo formas novas, intermediárias, como uma cultura hermafrodita, bissexual, transexual, e para a qual a mulher contribuirá de uma forma muito especial no sentido de se resgatarem os sonhos e as utopias... Por falar em transexuais e bissexuais, certamente Freud não os viu chegar!

P. O senhor disse certa vez que se arrependia de não ter se arriscado no mundo da criação. Isso é uma espinha travada na garganta?

R. É verdade. Fiz poesia, mas logo me dei conta de que o que estava fazendo eram versos, e o verso é o maior inimigo da poesia. E eu disse também —e há quem jamais tenha me perdoado por isso— que o maior dos críticos é minúsculo diante de um criador. Portanto, vamos deixar claro, e não vamos nos iludir. Eu sou apenas um carteiro, eu sou O Carteiro [referência ao filme O Carteiro e o Poeta]. E me sinto muito orgulhoso disso, de ter entregue as cartas muito bem a tantos e tantos alunos. Mas não tenhamos ilusões.

P. Quem não o perdoou por isso? Colegas seus da universidade?

R. Sim. O que acontece é que existe na universidade uma vaidade descomunal. E cai mal, para eles, que alguém lhes diga claramente que eles são uns parasitas. Parasitas na juba do leão.

P. O crescente desprezo político pelas humanidades é algo desolador. Pelo menos na Espanha. A filosofia, a literatura, ou a história são cada vez mais marginalizadas nos planos educacionais.

R. Isso também acontece na Inglaterra, embora ainda existam algumas exceções em escolas particulares de elite. Mas o próprio conceito de elite já é inaceitável no discurso democrático. Se você soubesse como era a educação nas escolas inglesas antes de 1914... Ocorre que, entre agosto de 1914 e abril de 1945, cerca de 72 milhões de homens, mulheres e crianças foram massacrados na Europa e no oeste da Rússia. É um milagre que a Europa ainda exista! E vou lhe dizer uma coisa em relação a isso: uma civilização que extermina os seus judeus nunca mais conseguirá recuperar aquilo que ela foi antes. Sei que irritarei alguns antissemitas, mas a vida universitária alemã nunca mais foi a mesma sem esses judeus. Uma civilização que mata os seus judeus está matando o seu próprio futuro. Mas, bem, hoje existem 13 milhões de judeus no mundo, mais do que antes do Holocausto.

P. Isso é incrível.

R. Escandaloso! Um escândalo gigantesco!

P. Professor Steiner, o que é ser judeu?

R. O judeu é um homem que, quando lê um livro, o faz com um lápis na mão, porque tem certeza de que pode escrever um outro melhor.

P. Como o senhor vê o futuro do ser humano? É otimista ou pessimista?

R. O futuro... Não sei. Toda profecia é apenas memória ativa, não se pode prever nada, apenas olhar no retrovisor da história e contar para nós mesmos histórias sobre o futuro. Com certeza haverá duas ou três grandes novas descobertas científicas no campo da genética que introduzirão problemas de ordem moral terrivelmente complexos. Por exemplo: permitiremos que se manipulem as células de um feto?


George Steiner - foto: (...)
P. Colocar um freio no avanço científico será também um problema moral...

R. Exatamente. Que direito nós temos? Eu, por exemplo, sou um partidário muito firme da eutanásia. Nós, os velhos, muitas vezes acabamos destruindo a vida dos mais novos, que têm de ficar nos carregando nas costas. Eu adoraria ter o direito de dizer “Obrigado, foi maravilhoso, mas agora chega”. Esse dia ainda vai chegar. Na Holanda e na Escandinávia, já está quase aprovado... Não temos mais recursos para manter vivas tantas pessoas senis ou mesmo dementes. Isso vai de encontro à felicidade de muita gente. Não é justo.

P. Quais momentos ou fatos acha que mais forjaram a sua forma de ser? Entendo que ter que fugir do nazismo junto com seus pais e viajar de Paris a Nova York –magistralmente lembrado em seu livro Errata– é um dos fundamentais, levando em conta que…

R. Direi algo que vai causar impacto. Eu devo tudo a Hitler. Minhas escolas, meus idiomas, minhas leituras, minhas viagens… tudo. Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. “Nada humano me é alheio”. Por que Heidegger é tão importante para mim? Porque nos ensina que somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados. E, como judeu, ter sempre a mala pronta, e se tiver que partir, partir. E não se queixar.
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Fonte: ** BORJA, Hermoso. George Steiner: “Estamos matando os sonhos de nossos filhos”El País, Filosofia - 3 de julho de 2016. Disponível no link. (acessado em 4.7.2016).


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George Steiner at his home in Cambridge, England

BREVE BIOGRAFIA DE GEORGE STEINER
George Steiner nasceu em Paris em 1929. Licenciou-se na Universidade de Chicago e completou o mestrado na Universidade de Harvard, onde foi galardoado com o Bell Prize in American Literature. Doutorou-se na Universidade de Oxford que lhe atribuiu a valiosa distinção - Chancellor's Essay Prize. Em 1944 adquire a nacionalidade americana, embora tenha vivido grande parte da sua vida na Europa. Foi membro da equipa editorial da revista Economist, trabalhou no Institute for Advanced Study na Universidade de Princeton, e leccionou em Cambridge, Stanford, Yale, Genebra e na Austria. Publica artigos em jornais e revistas como a New Yorker e o Times Literary Suplement. É autor de uma obra diversificada, que inclui ficção e ensaio. 
Aquando da sua recomendação para Norton Professor (um dos leitorados mais ilustres dos EUA), o júri de Harvard afirmou: "Com a sua notável fluência em diversas línguas, e o seu profundo conhecimento das literaturas e filosofias de várias culturas, Steiner é um dos maiores "comparatistas" do mundo."
:: Fonte: Editora Gradiva/Lisboa.

OBRA PUBLICADA EM PORTUGUÊS DE GEORGE STEINER
Brasil
George Steiner, por Francis
:: Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra. George Steiner. [tradução Gilda Stuart e Felipe Rajabally]. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
:: Extraterritorial: a literatura e a revolução da linguagem. George Steiner. [tradução Júlio Castañon Guimarães]. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
:: No castelo da barra azul: algumas notas para a redefinição da cultura. George Steiner. [tradução Tomás Rosa Bueno]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
:: Nenhuma paixão desperdiçada. George Steiner. [tradução  Maria Alice Máximo]. Editora Record, 2001.
:: Gramaticas da criação. George Steiner. [tradução Sérgio Augusto de Andrade]. Editora Globo, 2003.
:: Depois de babel: questões de linguagem e tradução. George Steiner. [tradução Carlos Alberto Faraco]. Série Clássicos. Curitiba: EDUFPR, 2005.
:: A morte da tragédia. George Steiner. [tradução Isa Kopelman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006.
:: Tolstoi ou Dostoievski: um ensaio sobre o velho criticismo. [tradução Isa Kopelman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006.

Portugal
:: Heidegger. George Steiner. [tradução João Paz]. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
{Pela Relógio
 D’Água
 Editores}
:: Antígonas. George Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Relógio D'Água, 1998; 2ª ed., 2008.
:: No castelo do barba azul: algumas notas para a redefinição da cultura. George Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Relógio D'Água, 1998.
:: Depois de babel: aspectos da linguagem e tradução. George Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. revisto, aumentado. Lisboa: Relógio D'Água, 2002.
:: Gramáticas da Criação. George Steiner. [tradução Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2002.
:: Nostalgia do absoluto. George Steiner. [tradução de José Gabriel Flores]. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2003.
:: Paixão intacta. George Steiner. [tradução de Margarida Periquito e Victor Antunesisbn]. Coleção Antropos. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2003.
:: Os logocratas. George Steiner. [tradução Miguel Serras Pereira; revisão Frederico Sequeira. 1ª ed., Lisboa: Relógio d'Água, 2006.
:: Errata: revisões de uma vida. George Steiner. [tradução de Margarida Vale de Gatoisbn]. Lisboa: Relógio d'Água, 2009; 2ª ed., 2012.
:: A poesia do pensamento, do Helenismo a Celan. George Steiner. [tradução de Miguel Serrras Pereira]. Lisboa: Relógio d'Água, 2012.
:: Martin Heidegger. George Steiner. [tradução João Paz, Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2013.
:: Tolstoi ou Dostoievski. George Steiner. [tradução de Jorge Vaz de Carvalho]. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2014.
:: Dez razões (possíveis) para a tristeza do pensamento. George Steiner. [tradução Ana Matoso]. Lisboa: Relógio
 D’Água
 Editores, 2015.
{Pela Editora Gradiva}
:: As lições dos mestres. George Steiner[tradução de Rui Pires Cabral]. Lisboa: Gradiva, 2005.
:: A ideia de Europa. George Steiner. [ensaio introdutório de Rob Riemen; prefácio de José Manuel Durão Barroso; tradução de Maria de Fátima St. Aubyn; revisão de Lídia Freitas]. Lisboa: Gradiva, 2005;  4ª ed., 2007.
:: O silêncio dos livros | seguido de Esse vício ainda impune. George Steiner, Michel Crépu. [tradução Margarida Sérvulo Correia; revisão Maria de Fátima St. Aubyn]. 1ª ed., Lisboa: Gradiva, 2007.
George Steiner - foto: (...)
:: O transporte para San Cristobal de A. H.. George Steiner. [tradução Maria de Fátima St. Aubyn; revisão de texto Catarina Fouto]. Lisboa: Gradiva, 2007.
:: Anno Domini. George SteinerGeorge Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Gradiva, 2008.
:: Provas e três parábolas. George Steiner. [tradução Miguel Serras Pereira; revisão de texto Maria de Fátima St. Aubyn]. Lisboa: Gradiva, 2008.
:: Os livros que não escrevi. George Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Gradiva, 2008.
:: A ciência terá limites?. de Freeman Dyson, George Steiner e David Sloan Wilson[tradução de ...]. Lisboa: Gradiva, 2008.
:: George Steiner em The New Yorker. George Steiner. [tradução de Joana Pedroso Correia e Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Gradiva, 2010.
:: Sobre a dificuldade e Outros ensaiosGeorge Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Gradiva, 2013.
:: Linguagem e silêncio: ensaios sobre a literatura, a linguagem e o inumanoGeorge Steiner. [tradução de Miguel Serras Pereira]. Lisboa: Gradiva, 2014.


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Ferreira Gullar - entrevistado por Clarice Lispector

Ferreira Gullar - foto: Alaor Filho
De volta para o Brasil, o poeta Ferreira Gullar encontra os cariocas mais agitados, mais apressados, como se não soubessem o que vai acontecer no minuto seguinte.
Sou fervente admiradora de Ferreira Gullar, desde os tempos de A luta corporal até esse escandalosamente belíssimo Poema sujo. Nossos mútuos contatos se fizeram no tempo da primeira revista Senhor, para a qual nós dois escrevíamos. Mas eu tinha um pouco de medo dele, parecia-me que, com seu extraordinário poder verbal, eu seria aniquilada. Éramos um pouco distantes um do outro, e eu desconfiava que ele rejeitava a minha “literatura”. Mas o que fazer? Nada, senão continuar a gostar do que ele escrevia e escreve. Nesta entrevista, ele me assegurou que a desconfiança antiga era errada. Aleluia! Ele esteve em minha casa. Verifiquei que, praticamente, não mudou, tem o rosto como que talhado em madeira. Madeira sensível, madeira-de-lei. É pessoa extremamente simpática e com ar de bondade.

Clarice Lispector – Há quanto tempo você não vinha ao Brasil?
Ferreira Gullar – Há cinco anos e oito meses. Voltei no dia 10 de março deste ano.

Clarice Lispector – Que diferenças você notou entre o Rio de antes e o de agora?
Ferreira Gullar – O de hoje me parece mais frenético do que o de antes. É uma impressão um tanto subjetiva, de uma pessoa que apenas acaba de chegar. Sinto isso no comportamento das pessoas e no próprio aspecto da cidade, que parece mais um canteiro de obras. As pessoas estão mais agitadas, mais apressadas – como se não soubessem o que vai acontecer no minuto seguinte. Não há um ponto da cidade onde eu chegue e não veja buracos, terra e pedras, tudo amontoado e, às vezes, como se ali estivesse para sempre. Outra coisa que noto também é o distanciamento maior entre as classes sociais. Eu, que não tenho carro e que ando de ônibus, percebo que os usuários desses veículos são quase exclusivamente pessoas muito modestas. As outras devem estar no seu próprio carro. É uma sensação um pouco parecida com a que eu sentia em Lima, no Peru, onde o contraste social é enorme.

Clarice Lispector – O mesmo eu senti na Colômbia, Gullar, onde havia multimilionários e o resto era completamente abandonado por todos, inclusive pelo governo. Lá a miséria é maior do que no Brasil, porque, com o frio, tudo piora.
Ferreira Gullar – É claro, o clima do Brasil é uma das sortes nossas, Clarice.

Clarice Lispector – Você tem reencontrado aqui os seus grandes amigos?
Ferreira Gullar – Claro, e esta é uma das grandes alegrias da volta. Mas alguns desapareceram para sempre, como Leo Vitor, o Vianinha e Paulo Pontes.

Clarice Lispector – Você já foi ao Maranhão, depois que voltou?
Ferreira Gullar – Não, no momento não tenho condições para ver minha terra natal. Aqui me aguardavam problemas muito graves de família que exigem solução urgente e minha total dedicação. Mas, assim que eu puder, irei a São Luís para rever minha mãe, meus irmãos e minha cidade.

Clarice Lispector – Olhe, Gullar, no Poema sujo você me fez sentir uma criança diante de uma selva ou de um altíssimo monumento. E quando você falou em “noites envenenadas de jasmim” – pois bem, senti-me de volta a Recife, que é a minha terra.
Ferreira Gullar – É, suponho que o jasmim é algo muito forte. Assim o senti em Valparaíso, quando tomei um susto em relação ao intenso perfume dessa flor. Também então eu fui transportado de novo à minha cidade e infância. Em Lima, perto da casa onde morava, havia um muro, de onde se debruçava um jasmineiro.

Ferreira Gullar - foto: Alaor Filho
Clarice Lispector – Em que cidades você morou, durante seu tempo de exílio?
Ferreira Gullar – A maior parte do tempo na América Latina, mas estive também em Paris e Roma. Depois morei em Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires.

Clarice Lispector – Como é que você se sustentava nesses lugares?
Ferreira Gullar – Como a maior parte do tempo eu vivi sem a família, não necessitava de muito dinheiro para me manter. Escrevi para revistas brasileiras e dei aulas de português. Eventualmente, fazia palestras sobre arte e literatura brasileiras.

Clarice Lispector – Você encontrou aqui, na sua volta, facilidade de arranjar um bom emprego?
Ferreira Gullar – Durante todo o tempo de minha ausência, me mantive profissionalmente vinculado ao jornal O Estado de S. Paulo, onde eu fora redator desde 1962. Ao voltar, o diretor da sucursal do Estado, Villas Boas, que me recebeu no aeroporto, foi logo dizendo: “Como é? Amanhã você já estará na redação.” Bem, no dia seguinte não, mas na semana seguinte recomecei a trabalhar.

Clarice Lispector – Qual a sua função no Estadão?
Ferreira Gullar – Sou copidesque, isto é, reescrevo o que os outros escrevem.

Clarice Lispector – Marques Rebelo me disse uma vez que reescrever era mais simples que escrever. Quanto a mim, Gullar, eu discordo, pois minhas frases já vêm prontas. Em você, como se processa o ato criador? Você reescreve?
Ferreira Gullar – Não, só me sento para escrever quando sinto que a coisa está praticamente pronta dentro de mim. Depois que escrevo, faço, como você, eventualmente, algumas emendas, mas é só.

Clarice Lispector – Gullar, vou lhe fazer uma pergunta muito difícil que eu mesma não saberia como responder. É o seguinte: como nasce, em você, o poema, a palavra escrita?
Ferreira Gullar – Em mim o poema quase sempre é provocado por um choque emocional qualquer. Por exemplo, quando escrevi o poema sobre o Vietnã, a coisa se deu do seguinte modo: eu acordei, comecei a ler o jornal com suas tremendas notícias sobre a guerra. À porta de minha casa havia uma feira. Quando vi aquelas pessoas se dirigindo para as suas casas, com as cestas carregadas de verduras e frutas, deu-se o choque. Eu pensei: se fosse no Vietnã aquela senhora poderia encontrar a sua casa em chamas. Eu próprio havia marcado para sair de férias, um mês depois. Pensei: num país em guerra deve ser impossível planejar a vida, marcar férias, ir ao cinema, tudo pode ser desfeito de um momento para o outro. É a insegurança total. O choque emocional já por si provoca as palavras, eu em geral não me preocupo em escolhê-las, elas jorram.

Clarice Lispector – Glauber Rocha disse que o Poema sujo é o ponto culminante do concretismo. Qual é a sua opinião?
Ferreira Gullar – O Poema sujo não tem nada a ver com o concretismo. Eu mesmo nunca fiz concretismo, já que meus poemas, naquela época, destoavam da concepção ortodoxa dos paulistas que lançaram o movimento. As coisas que escrevia, então, davam continuidade à minha própria experiência, onde já havia a utilização dos elementos visuais. O Poema sujo incorpora toda a minha experiência formal e, no aspecto gráfico, se liga ao neoconcretismo. Conversando posteriormente com Glauber, soube que ele nessa frase, usando a expressão concretismo, incluía a poesia neoconcreta.

Clarice Lispector – Sua poesia passou por sucessivas etapas, verdadeiras rupturas com as fases anteriores, e há quem diga que seu último poema rompe com tudo o que você fez antes. Como explica isso?
Ferreira Gullar – As rupturas são aparentes, ou melhor, de superfície. Sempre fiz literatura como um modo de entender a vida e a mim mesmo. A vida muda, eu mudo, as formas de expressão refletem essas mudanças. O Poema sujo rompe com certa rigidez, a que a própria prática de escrever vai submetendo o escritor, este poema é mais livre, é sobretudo um reencontro comigo mesmo.

Clarice Lispector – O Poema sujo é um poema de exílio?
Ferreira Gullar – Não somente. Acredito que a condição de exilado penetra todo o poema e deve ter sido uma de suas motivações. Mas creio que o poema vai além disso – ele é uma tentativa de dizer tudo como se depois dele eu fosse morrer. O que ele significa exatamente, eu não sei.

Clarice Lispector – Você está escrevendo atualmente algum poema?
Ferreira Gullar – Não. Em 1975 escrevi um curto poema sobre a arquitetura de Oscar Niemeyer. Mas é praticamente inédito pois só foi publicado uma vez numa revista especializada de arquitetura.

Clarice Lispector – Ah, se você soubesse de cor esse poema desconhecido, nós, que gostamos tanto de você e de Oscar, ficaríamos muito contentes...
Ferreira Gullar – Sei de cor, chama-se “Lições de arquitetura”:
No ombro do planeta (em Caracas)
Oscar depositou para sempre uma ave uma flor
ele não faz de pedra nossas casas
faz de asas.
No coração de Argel sofrida
fez aterrissar uma tarde uma nave estelar
e linda
como ainda há de ser a vida
(Com seu traço futuro Oscar nos ensina que o sonho é popular)
Nos ensina a sonhar
mesmo se lidamos com matéria dura
o ferro o cimento a fome
da humana arquitetura
Nos ensina a viver
no que ele transfigura
no açúcar da pedra
Ferreira Gullar
no açúcar da pedra
no sonho do ovo
na argila da aurora
na pluma da neve
na alvura do novo
Oscar nos ensina
que a beleza é leve.

Clarice Lispector – É uma beleza, Gullar, digna de Oscar. E o que é que você gostaria de ter escrito e não escreveu?
Ferreira Gullar – Um poema capaz de abarcar toda a história sofrida e obscura da gente brasileira.


FERREIRA GULLAR – O poeta de Poema sujo e Muitas vozes foi um dos criadores do
neoconcretismo. Membro do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC) e um dos fundadores do Grupo Opinião. Em março de 1977 voltou do exílio. Nesta ocasião concedeu uma entrevista à Clarice Lispector para a revista Fatos & Fotos.

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Fonte: 
- LISPECTOR, Clarice. Clarice Lispector entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.


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