Adão Ventura - foto (...) |
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis.
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Adão Ventura Ferreira Reis, poeta e prosador conhecido por Adão Ventura, nasceu em 5 de julho de 1946, em Santo Antônio do Itambé, então distrito do Serro (MG). Filho de Sebastiana de José Teodoro e de José Ferreira dos Reis, e neto de pessoas escravizadas, Adão Ventura viveu em péssimas condições, tendo mudado para Belo Horizonte, em busca de vida melhor, e conseguido se graduar em direito, pela Universidade Federal de Minas Gerais.
No início da carreira literária, em Minas Gerais, fez parte de uma consagrada geração de escritores, que se revelou pelo Suplemento Literário do Minas Gerais, então dirigido por Murilo Rubião, e da Revista Literária da UFMG.
O Suplemento Literário do Minas Gerais foi criado em plena Ditadura Militar, tendo agregado nomes como Afonso Ávila, Adão Ventura, Jaime Prado Gouvea, Luiz Vilela, Duílio Gomes, Luciene Samôr, Angelo Oswaldo, Humberto Werneck, Márcio Sampaio, Sérgio Sant’Anna, Sérgio Tross, Tião Nunes e outros.
Adão Ventura - foto: Arquivo família |
É quando Ventura denuncia o resultado da repressão militar: "das cabeças nascem os cogumelos, / porque a palha é fosca e o cito / árido, porque o estábulo é a / farsa, e a marca é o malho, por / que escuro é o medo e espúria é / a pele, porque escuso é o encarte / entre o corpo e o chão." (Único poema, sem titulo, da "Unidade Terceira")
Adão Ventura também buscou alfabetizar os próprios pais, registrando no poema “Alfabetização” a situação: “Papai levava tempo para redigir uma carta./ Já mamãe, Sebastiana de José Teodoro/ teve a emoção de assinar seu nome completo/ já quase aos setenta anos”.
Em 1973, foi convidado pela University of New México para lecionar literatura brasileira contemporânea. No mesmo ano, participou do Congresso de Escritores Internacionais (International Writing Program), promovido pelo departamento de Letras da Universidade de Lowa, destinado ao intercâmbio entre escritores jovens. Proferiu ainda, palestras nas Universidades da Flórida e de Bloomington.
Sua volta ao Brasil mostra a guinada dos textos surrealistas para os poemas que tratavam do povo negro e sua luta. Mudança que ficou mais conhecida com a publicação, em 1980, do livro “A cor da pele”: “Para um negro/ a cor da pele/ é uma sombra/ muitas vezes mais forte/ que um soco./ Para um negro/ a cor da pele/ é uma faca/ que atinge/muito mais em cheio o coração”.
Outro poema do livro, “Negro Forro”, também mostra a nova faze do escritor, agora dedicado à causa negra: “Minha carta de alforria/ não me deu fazendas/ nem dinheiro no banco/ nem bigodes retorcidos./ Minha carta de alforria/ costurou meus passos/ aos corredores da noite/ de minha pele”.
Depois de exercer várias atividades, mudou-se para Brasília em 1989, onde presidiu a Fundação Palmares - entidade governamental dedicada à cultura negra. Obteve prêmios com a sua poesia e tem obras traduzidas para o inglês, espanhol, alemão e húngaro.
Publicou 5 livros de poesia: 'Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul', 1970; 'As musculaturas do arco triunfo', 1976; 'A cor da pele', 1980; 'Jequitinhonha – poemas do vale', 1980; 'Texturaafro', 1992; 'Litanias de cão', 2002; e um livro infantil 'Pó-de-mico macaco de circo', 1985. O livro A cor da pele, teve sucessivas edições e foi adotado diversas vezes em vestibulares, tornando-se não apenas o seu livro mais famoso, mas colocando-o como um dos maiores poetas brasileiros negros do século XX.
Ainda, foi roteirista e participante do filme "Chapada do Norte", em 1979. E em 2004, participa do documentário "Dançantes", que retrata as festas do Rosário no Serro e em Milho Verde.
Adão Ventura faleceu, vitimado de câncer, em Belo Horizonte, em 12 de junho de 2004, quando preparava a edição de suas obras completas, reunindo todos os livros publicados e dezenas de poemas inéditos.
Em 2006, foi publicado a antologia poética 'Costura de nuvens', pela editora Edições Dubolsinho.
:: Fontes: pco/rede cultura/ane/ufmg/literafro (acessado em 11.6.2015).
Eu, pássaro preto
eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
PRÊMIOS
:: Prêmio Cidade de Belo Horizonte, em 1972;
:: Prêmio da Revista Literária da UFMG, em 1991;
:: Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, em 1991.
Capa de livros do poeta Adão Ventura |
OBRAS DE ADÃO VENTURA
Poesia
:: Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul. Belo Horizonte: Edições Oficina; Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1970.
:: As musculaturas do Arco do Triunfo. Belo Horizonte: Editora Comunicação, 1976.
:: Jequitinhonha - poemas do vale. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais; Coordenadoria do Estado de Minas Gerais, 1980; 2ª ed., revista e ampliada. Belo Horizonte: Editora Mulheres Emergentes Edições Alternativas, 1997.
:: A cor da pele. Belo Horizonte: Edição do Autor, 1980; 3ª ed., Edição do Autor, 1984.
:: Texturaafro (reunião de poemas abordando temas afro-brasileiros).. [ilustrações Naíche Cardoso]. Belo Horizonte: Editora Lê, 1992, 36p.
:: Litanias de cão. Belo Horizonte: Edição do autor, 2002.
Infantil
:: Pó-de-mico macaco de circo. Belo Horizonte: Edição do autor, 1985.
Capa do livro Costura de Nuvens |
Organização
:: Cultura afro-brasileira. [Organização Adão Ventura]. Suplemento Literário de Minas Gerais. Número Especial. Belo Horizonte, nº 1033, 26 jul. 1986.
Antologias (participação)
Brasil
:: Cem poemas Brasileiros. [Organização wladir Nader e Y. Fujyama]. São Paulo: Editora Vertente, 1980, 144p.
:: Antologia contemporânea da poesia negra brasileira. [organização Paulo Colima]. São Paulo: Global Editora, 1982, 103p.
:: Momentos de Minas. (Coletânea de textos). Vários autores. São Paulo: Ática, 1984.
:: A razão da chama – antologia de poetas negros brasileiros. [Organização Oswaldo de Camargo]. São Paulo: GRD, 1986.
:: Axé: antologia de poesia negra brasileira. [Organização Paulo Colina]. São Paulo: Brasiliense, 1986.
:: Antologia da nova poesia brasileira. [organização, seleção, notas e apresentação Olga Savary]. Rio de Janeiro: Fundação Rio; Hipocampo, 1992.
:: Sincretismo: a poesia da Geração 60 – introdução e antologia. [Organização Pedro Lyra]. Rio de Janeiro: Topbopoks, 1995.
:: Signopse: a poesia na virada do século. [Organização Wagner Torres]. Belo Horizonte: Plurarts, 1995.
:: Belo Horizonte: a cidade escrita. [Organização Wander Melo Miranda]. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1996. p. 184.:: Poesia de Brasília. [organização Joanyr de Oliveira]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
:: A poesia mineira no século XX. [organização, introdução e notas Assis Brasil]. Rio de Janeiro RJ: Imago, 1998, 310p.
:: Cantária. [Organização Wagner Torres]. Belo Horizonte: Plurarts, 2000. p. 11-34.
:: Os cem melhores poemas brasileiros do século. [organização Italo Moriconi]. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, 350p.
:: Companhia de poetas. [Coordenação José Alberto Pinho Neves]. Juiz de Fora: FUNALFA, 2003.
:: Roteiro da Poesia Brasileira: Anos 70. [Organização Afonso Henriques Neto]. São Paulo: Global, 2009.
:: Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Vol. 2, Consolidação. [Organização Eduardo de Assis Duarte]. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
:: Literatura Afro-Brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI. [organização Eduardo de Assis Duarte]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2014.
Revista
::Revista Exu, Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, ano V, n. 25, p. 14-15, jan./fev. 1992.
Exterior
:: Modern Poetry in Translations 19-20 (Uma Antologia de Poetas dos séculos XIX e XX). Edições do International Writing Program – University of IOWA, Iowa city, USA, 1973.
:: Revista Nova (1) Antologia de poetas do mundo hispano-americano. Portugal: , 1975.
:: Antologia da novíssima poesia brasileira. [organização Gramiro de Matos e Manuel de Seabra]. Lisboa, Portugal: Livros-Horizonte, 1981.
:: Schwarze poesie (Poesia Negra).. [organização Moema Parente Augel]. Edição bilíngue. Berlin: São Paulo: Edition diá, 1988.
:: Brazilia Gyöngyei (Pérolas do Brasil).. [tradução e seleção de Lívia Paulini:. Budapest: Ego, 1993.
“A iniqüidade do mundo e o mistério da vida gritam na sonoridade de seus versos”
- Manoel Lobato (escreveu sobre os poemas de Ventura)
POEMAS ESCOLHIDOS DE ADÃO VENTURA
Dois
de pés no chão
palmilhei duros eitos
movidos a chuva e sol.
de pé no chão
atravessei frios ghetos
de duras cicatrizes.
de pés no chão
Teodoro, meu avô
envelheceu mansamente
as suas mãos escravas.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Flash back
áfricas noites viajadas em navios
e correntes,
imprimem porões de amargo sal
no meu rosto,
construindo paredes
de antigas datas e ferrugens,
selando em elos e cadeias,
o mofo de velhos rótulos deixados
no puir dos olhos.
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Iam
não sei não. mas aqui a gente
conversa assuntos
que na Capital necas /nadas
lá é aquela gente correndo
— corredeira sem-fim
pra qualquer decá aquela palha.
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980, p. 45.
Limite
e quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.
e quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.
e quanto a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.
e quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.
e quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.
a palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Minha avó
vovó justina
preta minas
preta mina
preta forra
preta de forno
& fogão.
vovó justina
preta forró
preta mucama
preta de cama
& cambão.
- Adão Ventura, em "A cor da pele". Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Natal II
Um menino lerdo
num lençol de embira
mesmo qu’uma fonte
de estimada ira.
um menino lama
num anzol que fira
algum porte e corpo
e alma de safira.
um menino cápsula
de tesoura e crina
– ritual de crisma
sem fé ou parafina.
um menino-corpo
de machado e chão
a arrastar cueiros
de chistes e trovão
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980.
Negro forro
Minha carta de alforria
Não me deu fazendas,
Nem dinheiro no banco,
Nem bigodes retorcidos.
Minha carta de alforria
Costurou meus passos
Aos corredores da noite de minha pele.
- Adão Ventura, em "Os cem melhores poemas brasileiros do século". [organização Ítalo Moriconi]. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 275.
Paisagem do Jequitinhonha
Quem dança no vento
no ventre das águas
do Jequitinhonha?
Quem percorre o leve
de breves passos
nas margens do Araçuaí?
Quem detém dos pássaros
o ziguezaguear de vôos
recompondo sombras
sobre lixívias e lavras
de Chapada do Norte?
Quem imprime
em argila
a singeleza dos gestos
dos artesãos de Minas Novas?
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980.
Papai-moçambique
papai-moçambique
-viola e sapateio
-desafio de versos
fogosos.
papai-moçambique
senta pé na fogueira
&
de um salto
pára o olho
no ar
banzando saudades
d´outras Áfricas.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Para um negro
para um negro
a cor da pele
É uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco
para um negro
a cor da pele
É uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Procissão
Gente
de velas
na mão
vela-se
ao santo.
entre as
curvas
das ruas
curva-se
ao santo.
no dobrar
das esquinas
dobram-se
ao santo
os joelhos genuflexos
e puros para o milagre.
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980, p. 27.
Quilombo
mundo onde me fecho
eu-zumbi
caçador de capitão do mato,
traço tudo no tiro
e asso em coivaras
- Adão Ventura, em "Texturaafro". Belo Horizonte: Editora Lê, 1992.
Senzala
senzala
é minha carne retalhada
pelo dia-a-dia
senzala
é a sombra que tenho aprisionada
nos ghetos da minha pele.
- Adão Ventura, em "A cor da pele". Belo Horizonte: Edição do Autor, 1980.
Três
o meu sangue-cachoeira
é terreiro de folia,
dor jogada ao vento,
cachaça engolida inteira,
sapateio de meia-noite,
noite de São João,
-jogo de cartas,
conversas de preto velho.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Um
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarraram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando me impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Zumbi
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
tenho terreiros e tambores
e danço a dança do Sol.
Eu-Zumbi enfrento o vento
que ainda tarda
dessas cartas de alforria.
Eu-Zumbi jogo por terra
a caneta de ouro
de todas as Leis-Áureas.
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
Tenho terreiros
e tambores
e danço a dança do Sol
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
FORTUNA CRÍTICA DE ADÃO VENTURA
[Estudos acadêmicos - teses, dissertações, ensaios, artigos e livros]
ALMEIDA, Márcio. Alguns Aspectos da poesia de Adão Ventura. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 800, p. 3-4, jan.1982.
MACIEL, Luiz
Carlos Junqueira. A cor da pele/ Juca
mulato. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, p. 6-7, 1983.
DOCUMENTÁRIO
Filme: Dançantes
Sinopse: O envolvimento de personagens do congado na tradicional festa de Nossa Sra do Rosário no Serro, e em Milho Verde. Dança, música, histórias, representações e fé são apresentados pelos dançantes e por Adão Ventura - poeta nascido na região do Serro.
Ficha técnica
Ano/país: 2004, Brasil
Duração: 23 min.
Formato: Vídeo, colorido
Gênero: Documentário
Direção e roteiro: Elisa Tostes Gazzinelli
Fotografia: Elisa Gazzinelli, Sávio Leite
Elenco e música: Dançantes do Serro/MG
Som direto: Gustavo Campos
Direção de arte: Elisa Gazzinelli
Montagem: Angela Maris
Produção: Olhar XXI
:: Fonte: Portal Curtas
AFRICA EM PAUTA
:: África em Pauta - memória, história, arte
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
:: Antonio Miranda
:: Geledes
:: Literafro
:: Mallarmargens
:: Revista Modo de Usar
© Direitos reservados ao autor/e ou ao seus herdeiros
“A iniqüidade do mundo e o mistério da vida gritam na sonoridade de seus versos”
- Manoel Lobato (escreveu sobre os poemas de Ventura)
POEMAS ESCOLHIDOS DE ADÃO VENTURA
Adão Ventura - foto: Arquivo da família |
de pés no chão
palmilhei duros eitos
movidos a chuva e sol.
de pé no chão
atravessei frios ghetos
de duras cicatrizes.
de pés no chão
Teodoro, meu avô
envelheceu mansamente
as suas mãos escravas.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Flash back
áfricas noites viajadas em navios
e correntes,
imprimem porões de amargo sal
no meu rosto,
construindo paredes
de antigas datas e ferrugens,
selando em elos e cadeias,
o mofo de velhos rótulos deixados
no puir dos olhos.
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Iam
não sei não. mas aqui a gente
conversa assuntos
que na Capital necas /nadas
lá é aquela gente correndo
— corredeira sem-fim
pra qualquer decá aquela palha.
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980, p. 45.
Limite
e quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.
e quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.
e quanto a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.
e quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.
e quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.
a palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Minha avó
vovó justina
preta minas
preta mina
preta forra
preta de forno
& fogão.
vovó justina
preta forró
preta mucama
preta de cama
& cambão.
- Adão Ventura, em "A cor da pele". Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Natal II
Um menino lerdo
num lençol de embira
mesmo qu’uma fonte
de estimada ira.
um menino lama
num anzol que fira
algum porte e corpo
e alma de safira.
um menino cápsula
de tesoura e crina
– ritual de crisma
sem fé ou parafina.
um menino-corpo
de machado e chão
a arrastar cueiros
de chistes e trovão
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980.
Negro forro
Minha carta de alforria
Não me deu fazendas,
Nem dinheiro no banco,
Nem bigodes retorcidos.
Minha carta de alforria
Costurou meus passos
Aos corredores da noite de minha pele.
- Adão Ventura, em "Os cem melhores poemas brasileiros do século". [organização Ítalo Moriconi]. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 275.
Adão Ventura - foto (...) |
Quem dança no vento
no ventre das águas
do Jequitinhonha?
Quem percorre o leve
de breves passos
nas margens do Araçuaí?
Quem detém dos pássaros
o ziguezaguear de vôos
recompondo sombras
sobre lixívias e lavras
de Chapada do Norte?
Quem imprime
em argila
a singeleza dos gestos
dos artesãos de Minas Novas?
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980.
Papai-moçambique
papai-moçambique
-viola e sapateio
-desafio de versos
fogosos.
papai-moçambique
senta pé na fogueira
&
de um salto
pára o olho
no ar
banzando saudades
d´outras Áfricas.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Para um negro
para um negro
a cor da pele
É uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco
para um negro
a cor da pele
É uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Procissão
Gente
de velas
na mão
vela-se
ao santo.
entre as
curvas
das ruas
curva-se
ao santo.
no dobrar
das esquinas
dobram-se
ao santo
os joelhos genuflexos
e puros para o milagre.
- Adão Ventura, em "Jequitinhonha: poemas do Vale". Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980, p. 27.
Quilombo
mundo onde me fecho
eu-zumbi
caçador de capitão do mato,
traço tudo no tiro
e asso em coivaras
- Adão Ventura, em "Texturaafro". Belo Horizonte: Editora Lê, 1992.
Senzala
senzala
é minha carne retalhada
pelo dia-a-dia
senzala
é a sombra que tenho aprisionada
nos ghetos da minha pele.
- Adão Ventura, em "A cor da pele". Belo Horizonte: Edição do Autor, 1980.
Três
o meu sangue-cachoeira
é terreiro de folia,
dor jogada ao vento,
cachaça engolida inteira,
sapateio de meia-noite,
noite de São João,
-jogo de cartas,
conversas de preto velho.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Adão Ventura - foto: Arquivo EM |
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarraram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando me impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis.
- Adão Ventura, em "Cor da pele". 5ª ed., Belo Horizonte: Edição do Autor, 1988.
Zumbi
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
tenho terreiros e tambores
e danço a dança do Sol.
Eu-Zumbi enfrento o vento
que ainda tarda
dessas cartas de alforria.
Eu-Zumbi jogo por terra
a caneta de ouro
de todas as Leis-Áureas.
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
Tenho terreiros
e tambores
e danço a dança do Sol
- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: Edições Dubolsinho, 2006.
Adão Ventura - foto: Arquivo EM |
[Estudos acadêmicos - teses, dissertações, ensaios, artigos e livros]
ALMEIDA, Márcio. Alguns Aspectos da poesia de Adão Ventura. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 800, p. 3-4, jan.1982.
ALVES,
Guilherme L. A cor da pele. Belo
Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 743, p. 8, 1980.
ALVES,
Guilherme L.. Adão: uma aventura da cor da pele. Belo Horizonte, Suplemento
Literário de Minas Gerais, n. 813, p. 8, 1982.
BARRETO,
Lázaro. Abrir-se um abutre ou mesmo
depois de deduzir dele o azul. Belo Horizonte, Suplemento Literário de
Minas Gerais, n. 197, p. 7, jun.1970.
BRANCO, Wilson
Castelo. A cor da pele. Belo
Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 736, p. 3, nov. 1980.
CHAMA, Fred
Castro. A questão do duplo. Belo
Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 813, p. 9,1982.
DAMASCENO,
Benedita Gouveia. Poesia negra no
modernismo brasileiro. Campinas, São Paulo: Pontes Editores, 1988. p.
117-121.
EVARISTO, Conceição. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2º sem. 2009. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
FILHO,Campomizzi.
Ventura e Desventura. Belo Horizonte,
Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 233, p. 7, fev. 1971.
NUNES, Sebastião. Adão Ventura, poemas inéditos. Suplmento Literário, Belo Horizonte, Setembro/outubro, 2012. p. 18-23. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
LACERDA, Dayse.
O arco do Adão. Belo Horizonte,
Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 598, p. 4, 1978.
LOPES, Elisângela; PEREIRA, Maria do Rosário Alves. Adão Ventura. In: DUARTE, Eduardo de Assis. (Org.). Literatura Afro-Brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI. 1ª ed., Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2014, v. 1, p. 140-142.
Adão Ventura - foto: Arquivo Psiu Poético |
OLIVEIRA, Anelito. O drama da expressão. Rascunho - jornal de literatura do Brasil, maio de 2015. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
PEREIRA,
Edgard. Adão Ventura. In: DUARTE,
Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia
crítica. Vol. 2, Consolidação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
PEREIRA, Edimilson de Almeida. Poesia brasileira contemporânea: invenção e liberdade na tradição cultural afro-brasileira. Verbo de Minas: Letras, Juiz de Fora, 2006. Disponível no link. (acessado em 11.06.2015).
PEREIRA, Édimo de Almeida. Metamorfoses do abutre: a diversidade como eixo na poética de Adão Ventura. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, 2004.
PEREIRA, Édimo
de Almeida. Metamorfoses do abutre: a
diversidade como eixo na poética de Adão Ventura. Belo Horizonte: Nandyala,
2010.
PEREIRA, Édimo de Almeida. Texturas da linguagem: surrealismo e cultura popular na poética de Adão Ventura. In: Edimilson de Almeida Pereira. (Org.). Um tigre na floresta de signos: estudos sobre poesia e demandas sociais. 1ª ed., Belo Horizonte: Mazza Edições Ltda, 2010, v. Único, p. 438-459.
PEREIRA, Édimo de Almeida. Adão Ventura: o poeta e sua linguagem. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, v. 1264, 2004.
PEREIRA, Maria do Rosário Alves. Adão Ventura: a consciência da negritude na literatura afro-brasileira. (Graduação em Letras). Universidade Federal de Minas Gerais, 2204.
PEREIRA, Maria
do Rosário Alves. A poesia de Adão
Ventura. MARRECO, Maria Inês de Moraes; PEREIRA, Maria do Rosário Alves.
Linhas cruzadas: literatura, arte, gênero e etnicidade. Rio de Janeiro: Edições
Galo Branco, 2011. p. 154-162.
PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos Avançados, vol.18 nº 50, São Paulo Jan./Abr 2004. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
RIBEIRO, Patrícia. O olhar de Minas: diálogo entre Conceição Evaristo e Adão Ventura. Cadernos CESPUC, Belo Horizonte, nº 20, 2010. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
REIS, Edgar
Pereira dos. Abrir-se de um abutre ou
mesmo depois de deduzir dele o azul. Belo Horizonte, Suplemento Literário
de Minas Gerais, n. 197, p. 7, junho 1970.
SÁBER, Rogério Lobo. Adão Ventura: uma poesia-alarme.. In: I Simpósio "Espaço, Sociabilidade e Ensino", 2011, Pouso Alegre. I Simpósio "Espaço, Sociabilidade e Ensino" - Anais de artigos completos. Pouso Alegre: Universidade do Vale do Sapucaí, 2011. v. 1. p. 263-272.
SALLES, Fritz
Teixeira de. O dono da metáfora. Belo
Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 231, p. 7, 1971.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Comentário. In: VENTURA, Adão. As musculaturas do arco do triunfo. (Prosa poética). Belo Horizonte: Editora Comunicação, 1976.
SANTIAGO, Silviano. A cor da pele. In: _____. Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-sociais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SANTIAGO, Silviano. A cor da pele. In: _____. Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-sociais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SANTOS, Carlos
Alberto dos. Aspectos estilísticos dos
poemas de A cor da pele. (Dissertação de Mestrado em Letras). Universidade
Federal Fluminense, UFF, 1994.
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino. 4ª ed., Belo Horizonte: Itatiaia, 1976.
SANTOS,
Jussara. Afrodicções: identidade e
alteridade na construção poética de três escritores negros brasileiros. (Dissertação
de Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica, PUC Minas, 1998.
SANTOS, Jussara. A não cor do poema ou uma escrita acima de qualquer suspeita?. Boletim do CESP – v. 20, n. 27 – jul./dez. 2000, p.123-130.
SOUTO, Maria Generosa Ferreira; BRANDÃO, Carlos Alberto Ferreira; RODRIGUES JUNIOR, Francisco. Literatura das “bordas” do São Francisco. Revista Litteris, nº 6, novembro de 2010. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
SOUZA, Ângela Leite de. A cor da pele. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 816, p. 2, 1982.
SOUZA, Gustavo Tanus Cesário de.. Constelações do poeta negro: imagens de Adão Ventura no arquivo literário. (Dissertação Mestrado em Estudo Literários). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, 2017. Disponível no link. (acessado em 30.3.2022).
SOUZA, Gustavo Tanus Cesário de.. Panorama da fortuna crítica de Adão Ventura. Literafro, UFMG, Belo Horizonte. Disponível no link. (acessado em 11.6.2015).
ENTREVISTA COM O POETA ADÃO VENTURA
Programa "Vereda Literária, entrevista o poeta Adão Ventura
Data: 7 de maio de 1996
Pesquisa e apresentação: Helton Gonçalves de Souza.
Direção: Melquíades Lima
Produção: Abel Amâncio Silva
Entrevista com o poeta Adão Ventura
DOCUMENTÁRIO
Filme: Dançantes
Sinopse: O envolvimento de personagens do congado na tradicional festa de Nossa Sra do Rosário no Serro, e em Milho Verde. Dança, música, histórias, representações e fé são apresentados pelos dançantes e por Adão Ventura - poeta nascido na região do Serro.
Ficha técnica
Ano/país: 2004, Brasil
Duração: 23 min.
Formato: Vídeo, colorido
Gênero: Documentário
Direção e roteiro: Elisa Tostes Gazzinelli
Fotografia: Elisa Gazzinelli, Sávio Leite
Elenco e música: Dançantes do Serro/MG
Som direto: Gustavo Campos
Direção de arte: Elisa Gazzinelli
Montagem: Angela Maris
Produção: Olhar XXI
:: Fonte: Portal Curtas
"A história
do negro
é um traço
num abraço
de ferro e fogo."
- Adão Ventura, em "Texturaafro". Belo Horizonte: Editora Lê, 1992.
Adão Ventura - foto (...) |
:: África em Pauta - memória, história, arte
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
:: Antonio Miranda
:: Geledes
:: Literafro
:: Mallarmargens
:: Revista Modo de Usar
© Direitos reservados ao autor/e ou ao seus herdeiros
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina.
Conteúdo, textos, fotos, caricaturas, charges, imagens e afins
:: Sem identificação: nos ajude a identificar o autor, fontes e afins.
:: Autor(a): caso não concorde com a utilização do seu trabalho entre em contato.
Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Adão Ventura - o homem da síntese. Templo Cultural Delfos, março2022. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
** Página atualizada em 30.3.2022.