COMPARTILHE NAS SUAS REDES

Nelly Sachs - poeta, dramaturga e tradutora alemã de origem judaica

  • Nelly Sachs, prêmio 'Nobel de Literatura', 1966


Nelly Sachs - poeta, dramaturga e tradutora alemã de origem judaica
Nasceu em Berlim, em 10 de dezembro de 1891. Prêmio Nobel de Literatura de 1966, tem a obra marcada pela experiência nazista, o que a torna uma das mais ardentes porta-vozes do sofrimento e do anseio do povo judeu. Em 1966, o Prêmio Nobel da Literatura é atribuído a dois autores, Nelly Sachs e Shmuel Yosef Agnon. Praticamente um quarto de século havia passado desde a última atribuição de um Nobel da Literatura a uma mulher. O prêmio Nobel é-lhe atribuído "pela sua notável escrita lírica e dramática, que interpreta o destino de Israel com uma força comovente”

Nelly Leonie Sachs nasce na cidade de Berlim. Filha de um rico industrial, aos 17 anos começa a escrever poesia, num estilo romântico e convencional. Seus primeiros poemas são publicados em jornais, durante a década de 20, mas apenas para o próprio entretenimento. O advento do nazismo transforma sua vida, e ela busca consolo em antigos escritos judeus.

Em 1940 é mandada para um campo de trabalho forçado, mas foge para a Suécia com a ajuda da escritora sueca Selma Lagerlöf. Nelly vive com a mãe em um apartamento de um cômodo, aprende sueco e traduz poetas alemães para esse idioma. Continua a escrever os próprios poemas, que combinam simplicidade com nítida tendência mística.

Entre eles o mais famoso é O die Schornsteine (As Lareiras), no qual os corpos dos judeus são levados para cima, como fumaça, dos campos de concentração nazistas. Também escreve para o teatro, e sua peça mais conhecida é Eli: Ein Mysterienspiel vom Leiden Israels (Eli: Uma Misteriosa Peça dos Sofrimentos de Israel, 1951).

Em 1965 ganha o Prêmio da Paz dos Editores Alemães. Ao aceitá-lo, dado pelo país do qual fora obrigada a fugir há tanto tempo, ela afirmou: "A despeito de todos os horrores do passado, eu acredito em vocês". Morreu em Estocolmo/Suécia, no dia 12 de maio de 1970.


  • Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica

NELLY SACHS - OBRA PUBLICADA EM PORTUGUÊS


No Brasil
:: Poemas. Nelly Sachs / Gedichte. [tradução Paulo Quintela; estudo introdutório Joseph Bernfeld; ilustrações Jean-Michel Perche]. Coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975. {não bilíngue}

Em antologia
:: Bem acima do silêncio escrevo teu nome - Poesia e Holocausto. [idealização e organização Francisco Mallmann e Laura Nicolli; vários tradutores]. Associação Casa de Cultura Beit Yaacov; Museu do Holocausto de Curitiba, s/data. {poetas presentes: Anne Ranasinghe, Charlotte Delbo, Ingeborg Bachmann, Irena Klepfisz, Jerzy Ficowski, Mascha Kaléko Motele, Nelly Sachs, Paul Celan, Paul Éluard, Peretz Markish, René Char, Rose Ausländer, Santino Spinelli, Selma Merbaum, Tadeusz Różewicz, W. H. Auden, Wislawa Szymborska}. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).


Em Portugal
:: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela; capa João da Câmara Leme. Colecção 'Poetas de Hoje', n. 24. Lisboa: Portugália Editora, 1967.
-----
:: Poemas de Nelly Sachs. versão portuguesa e nota introdutória de Paulo Quintela. Separata do nº 230, da Vértice - Revista de Cultura e Arte, Coimbra, 1963, 22p.

Em antologia
:: Às vezes são precisas rimas destas. antologia bilingue: Poesia Política Portuguesa e de Expressão Alemã / Manchmal Braucht Man Solche Reime: Politische Poesie in Portugal und in Beutschsprachigen Raum (1914-2014). [organização de Goethe-Institut Portugal, com Fernando J.B. Martinho, João Barrento, Helena Topa e Joachim Sartorius]. Lisboa: Tinta-da-China, 2017. {Nelly Sachs /*tradução Paulo Quintela}.

Em espanhol
:: En las moradas de la muerte: Poemas. Nelly Sachs. [traducción de Javier Tubía]. Colección 'Los Premios Nobel', n. 70. Barcelona: Orbis, 1983. 
:: Viaje a la transparencia. Nelly Sachs. [tradução José Luis Reina  Palazón]. Madrid: Trotta, 2009. 
:: Correspondencia entre Nelly Sachs y Paul Celan. [edición de Barbara Wiedemann; traducción de Antonio Javier Bueno Tubía]. Madrid/España: Editorial Trotta, 2007.

****

"Em N.S., a dificuldade nunca é de origem técnica; ela não é motivada por um distanciamento ou um cálculo, sua poesia não é nem código nem imagem ambígua; enfrentamos aqui enigmas que não se esgotam na sua solução, mas que mantêm um resto – e é este resto que importa."
*
"Bei Nelly Sachs ist sie [die Schwierigkeit] niemals technischer Herkunft; sie hat weder Verfremdung noch Kalkül im Sinn, ihre Poesie ist weder Codeschrift noch Vexierbild; wir haben es hier mit Rätseln zu tun, die in ihrer Lösung nicht aufgehen, sondern einen Rest behalten – und auf diesen Rest kommt es an." 
- Hans Magnus Enzensberger [tradução Helmut Galle]. In: ENZENSBERGER, Hans Magnus. "Über die Gedichte der Nelly Sachs".. HOLMQVIST, Bengt (Ed.). Das Buch der Nelly Sachs. Frankfurt a.M., Suhrkamp 1977, p. 356 // GALLE, Helmut. A poeta das “moradas da morte”. Sobre a obra lírica de Nelly Sachs Pandaemonium Germanicum. In: Revista de Estudos Germanísticos, USP, São Paulo. n. 10, 2006.


  • Nelly Sachs, prêmio 'Nobel de Literatura', 1966 

SELETA DE POEMAS DA ESCRITORA E POETA NELLY SACHS | EM EDIÇÃO BILÍNGUE


Observamos que em alguns poemas não constam os originais, na medida que encontrarmos os mesmos vamos inseri-los aqui.


MÃE DE LUTO
Depois do deserto do dia,
no deserto do entardecer,
sobre a ponte q o amor
com lágrimas construiu sobre dois mundos,
veio o teu menino morto.
Todos os teus caídos castelos no ar
os cacos dos teus palácios devorados pelas chamas,
cânticos e bênçãos
desmoronados no teu luto,
cintilam à volta dele como um castelo
que a morte não conquistou.

A sua boca orvalhada de leite,
a sua mão que se adiantou à tua,
a sua sombra na parede do quarto
uma asa da noite,
com a lâmpada extinta regressando a casa -
na praia para Deus
espalhado como cibo pra pássaros num mar
o som do eco da prece de criança
e o beijo caído por sobre o debrum do sono -
Ó mãe de lembrança,
nada mais é teu
e tudo -
pois as estrelas cadentes buscam
através dos campos de papoilas do esquecimento
no seu caminho de regresso o teu coração,
pois todo o teu conceber
é dor desamparada.

**

TRAUERNDE MUTTER 
Nach der Wüste des Tages,
in der Oase des Abends,
über die Brücke welche
die Liebe sich über zwei Welten weinte,
5 kam dein toter Knabe.
Alle deine versunkenen Luftschlösser
die Scherben deiner flammenversehrten Paläste,
Gesänge und Segnungen
untergegangen in deiner Trauer,  umfunkeln ihn wie eine Feste,
die der Tod nicht eingenommen hat.

Sein milchbetauter Mund, 
seine Hand, die deine überholt hat, 
sein Schatten an der Zimmerwand 
ein Flügel der Nacht, 
mit der gelöschten Lampe heimwärtssinkend – 
am Strande zu Gott 
hingestreut wie Vogelbrocken in ein Meer 
des Kindesgebetes Echolaut 
und übern Rand des Schlafs gefallener Kuß – 
O Mutter, Erinnernde, 
nichts ist mehr dein 
und alles -
denn die stürzenden Sterne suchen 
durch die Mohnfelder der Vergessenheit 
auf ihrem Heimweg dein Herz, 
denn alle deine Empfängnis 
ist hilfloses Leid.
.
(de Escurecer as Estrelas / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

MAS DE NOITE
Mas de noite, 
quando os sonhos c'uma lufada de ar
levam paredes e tectos de quartos,
começa a peregrinação pra os mortos.
Sob o pó de estrelas os procuras –

A tua saudade vai construindo a irmã –
dos elementos que a mantêm escondida,
traze-la cá pra dentro
até que ela respira no teu leito –
mas o irmão vai dobrar a esquina
e o esposo regressou já muito alto
então a humildade faz-te emudecer –

Mas depois - quem interrompeu a viagem –
começa o regresso 
Como os queixumes das criancinhas
assustadas co'a Terra
estás tu –
A morte dos mortos abateu-se
c'o tecto do quarto –
protectora jaz a minha cabeça sobre o teu coração
o amor – entre ti e a morte –

Assim chega o crepúsculo
espalhado co'a semente rubra do Sol
e a noite desfez-se em lágrimas
dia dentro –

**

ABER IN DER NACHT
Aber in der Nacht,
wenn die Träume mit einem Luftzug
Wände und Zimmerdecke fortziehen,
beginnt die Wanderung zu den Toten.
Unter dem Sternstaub suchst du sie –

Deine Sehnsucht baut an der Schwester –
aus den Elementen, die sie verborgen halten,
holst du sie herein
bis sie aufatmet in deinem Bett –
der Bruder aber ist um die Ecke gegangen
und der Gatte zu hoch schon eingekehrt
du läßt die Demut dich verstummen –

Aber dann – wer hat die Reise unterbrochen –
beginnt die Rückkehr
Wie der kleinen Kinder Wehklagen
erschrocken an der Erde
bist du –
Der Tod der Toten ist mit der Zimmerdecke
herabgesunken –
schützend liegt mein Kopf auf deinem Herzen
die Liebe – zwischen dir und dem Tod –

So kommt die Dämmerung
mit dem roten Sonnensamen hingestreut
und die Nacht hat sich ausgeweint
in den Tag –
.
(de Escurecer as Estrelas / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

ESCURO CICIAR DO VENTO
Escuro ciciar do vento
na seara
A vítima pronta ao sofrimento
As raízes estão caladas
mas as espigas
sabem muitas línguas maternas -

E o sal no mar
chora na distância
A pedra é uma existência de fogo
e os elementos puxam pelas cadias
pra a união
quando a escrita espectral das nuvens
recolhe imagens primevas

Mistério na fronteira da morte
«Põe o dedo nos lábios:
Silêncio Silêncio Silêncio» -

**

DUNKLES ZISCHELN DES WINDES
Dunkles Zischeln des Windes
im Getreide
Das Opfer zum Leiden bereit
Die Wurzeln sind still
aber die Ähren
wissen viele Muttersprachen –
 
Und das Salz im Meer
weint in der Ferne
Der Stein ist eine feurige Existenz
und die Elemente reißen an ihren Ketten
zur Vereinigung
wenn die Geisterschrift der Wolken
Urbilder heimholt
 
Geheimnis an der Grenze des Todes
"Lege den Finger an den Mund:
Schweigen Schweigen Schweigen" –
.
(de Enigmas em Brasa / Gluhende Ratsel, incluído em Spate Gedichte, Francoforte do Meno, 1965)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

MAS QUEM 
Mas quem despejou a areia dos vossos sapatos
Quando tivestes de erguer-vos pra morrer?
A areia, que Israel trouxe pra casa,
A sua areia de peregrinar?
Areia ardente do Sinai,
Misturada co'as gargantas dos rouxinóis,
Misturada co'as asas da borboleta,
Misturada c'o pó de saudade das serpentes,
Misturada com tudo o que caiu da Sabedoria de Salomão,
Misturada c'o amargor do mistério do vermute -

Ó vós dedos
Que despejastes a areia de sapatos de mortos,  
Amanhã já vós sereis pó
Nos sapatos de vindouros!

**

WER ABER
Wer aber leerte den Sand aus euren Schuhen,
Als ihr zum Sterben aufstehen musstet?
Den Sand, den Israel heimholte,
Seinen Wandersand?
Brennenden Sinaisand,
Mit den Kehlen von Nachtigallen vermischt,
Mit den Flügeln des Schmetterlings vermischt,
Mit dem Sehnsuchtsstaub der Schlangen vermischt,
Mit allem was abfiel von der Weisheit Salomos vermischt,
Mit dem Bitteren aus des Wermuts Geheimnis vermischt –

O ihr Finger,
Die ihr den Sand aus Totenschuhen leertet,
Morgen schon werdet ihr Staub sein
In den Schuhen Kommender!
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

OH A NOITE DAS CRIANÇAS 
Oh a noite das crianças que choram! 
A noite das crianças marcadas para a morte! 
O sono já não tem por onde entrar. 
Enfermeiras terríveis 
Vieram ocupar o lugar das mães, 
Distenderam a morte falsa nos músculos das suas mãos, 
Semeiam-na nas paredes e nas traves -
Por toda a parte no choco nos ninhos do terror. 
Medo amamenta as crianças em vez de leite materno.

Ontem ainda a mãe atraía 
Como uma lua branca o sono,
A boneca com o vermelho das faces gasto dos beijos 
Vinha pousar num dos braços, 
O bicho empalhado, tornado 
Vivo já no amor, 
Vinha pousar no outro, - 
Agora sopra o vento do morrer, 
Leva as camisas por sobre os cabelos 
Que ninguém mais penteará. 

**

O DER WEINENDEN KINDER NACHT!
O der weinenden Kinder Nacht!
Der zum Tode gezeichneten Kinder der Nacht!
Der Schlaf hat keinen Eingang mehr.
Schreckliche Wärterinnen
Sind an die Stelle der Mütter getreten,
Haben den falschen Tod in ihre Handmuskeln gespannt,
Säen ihn in die Wände und ins Gebälk -
Überall brütet es in den Nestern des Grauens.
Angst säugt die Kleinen statt der Muttermilch.

Zog die Mutter noch gestern
Wie ein weißer Mond den Schlaf heran,
Kam die Puppe mit fortgeküsstem Wangenrot
In den einen Arm,
Kam das ausgestopfte Tier, lebendig
In der Liebe schon geworden,
In den andern Arm,-
Weht nun der Wind des Sterbens,
Bläst die Hemden über die Haare fort,
Die niemand mehr kämmen wird.
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

HÁ MUITO JÁ
Há muito já caíram as sombras. 
Não me refiro agora 
As pancadas silentes do tempo 
Que enchem a morte - 
Folhas caídas da árvore da vida -

As sombras do Terrível caíram 
Pela ampulheta dos sonhos,
Iluminadas pela luz de intérprete de Daniel.

Floresta negra cresceu abafante em volta de Israel, 
Cantora-da-meia-noite de Deus.
Passou no escuro,
Feita anónima.

O rouxinois de todas as florestas da Terra! 
Herdeiros emplumados do povo morto, 
Guias dos corações partidos, 
Que de dia vos encheis de lágrimas,
Gastai em soluços, gastai em soluços
O silêncio terrível da garganta ante a Morte.
**
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§


VOZ DA TERRA SANTA
Ó Meus filhos
A morte passou pelos vossos corações
Como por uma vinha -
Pintou Israel a vermelho em todas as paredes da Terra.

Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?
Através dos canais da solidão
Falam as vozes dos mortos:

Deponde sobre o campo as armas da vingança
Pra que elas falem baixo -
Pois também o ferro e o trigo são irmãos
No seio da Terra -

Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?

A criança no sono assassinada
Levanta-se; torce pra baixo a árvore dos milénios
E prende a estrela branca anelante
Que outrora se chamou Israel
Na sua coroa.

Reergue-te de novo, diz ela
Pra lá, onde lágrimas significam Eternidade.

**

STIMME DES HEILIGEN LANDES
O meine Kinder,
Der Tod ist durch eure Herzen gefahren
Wie durch einen Weinberg -
Malte Israel rot an alle Wände der Erde.

Wo soll die kleine Heiligkeit hin
Die noch in meinem Sande wohnt?
Durch die Röhren der Abgeschiedenheit
Sprechen die Stimmen der Toten:

Leget auf den Acker die Waffen der Rache
Damit sie leise werden -
Denn auch Eisen und Korn sind Geschwister
Im Schoße der Erde -

Wo soll denn die kleine Heiligkeit hin
Die noch in meinem Sande wohnt?

Das Kind im Schlafe gemordet
Steht auf; biegt den Baum der Jahrtausende hinab
Und heftet den weißen, atmenden Stern
Der einmal Israel hieß
An seine Krone.

Schnelle zurück, spricht es
Dorthin, wo Tränen Ewigkeit bedeuten.
.
(De 'Chöre Nach der Mitternacht' / 'Coros Depois da Meia-Noite', 1946)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

TERRA DE ISRAEL
Não cantos de luta vos vou eu cantar
Irmãos, expostos ante as portas do mundo.

Herdeiros dos salvadores da luz, que da areia
arrancaram os raios enterrados
da eternidade.
Que nas mãos seguraram
astros cintilantes como troféus de vitória.
Não canções de luta
vos vou eu cantar
Amados,
só estancar o sangue
e as lágrimas, que gelaram nas câmaras da morte,
degelá-las.

E buscar as lembranças perdidas
que rescendem proféticas através da Terra
e dormem sobre a pedra
em que os canteiros dos sonhos enraízam
e a escada da nostalgia
que ultrapassa a Morte.

**

IM LANDE ISRAEL
Nicht kampfgesänge will ich euch singen
Geschwister, Ausgesetzte vor den Türen der Welt.

Erben der Lichterlöser, die aus dem Sande
aufrissen die vergrabenen Strahlen
der Ewigkeit.
Die in ihren Händen hielten
funkelnde Gestirne als Siegestrophöen.
Nicht Kampflieder
will ich euch singen,
Geliebte, nur das Blut stillen
und die Tränen , die in Totenkammern gefrorenen,
auftauen.

Und die verlorenen Erinnerungen suchen
die durch die Erde weissagend duften
und auf dem Stein schlafen
darin die Beete der Träume wurzeln
und die Heimwehleiter
die den Tod übersteigt.
.
(De 'Terra de Istrael' / 'Land Israel', 1951)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

VÓS QUE NOS DESERTOS
Vós que nos desertos
buscais veios de água ocultos -
de dorso curvado
escutais à luz nupcial do Sol -
filhos duma nova solidão com Ele -

As vossas pegadas
calcam a saudade
para os mares de sono -
enquanto o vosso corpo
lança a folha escura de flor da sombra
e em terra de novo sagrada
o diálogo que mede o tempo
entre estrela e estrela começa.

**
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

CORO DOS QUE SE SALVARAM
Nós que nos salvámos,
De cujos ossos ocos a Morte já cortava as suas flautas,
Em cujos tendões a Morte já passava o seu arco -
Os nossos corpos ainda gemem
Com a sua música mutilada.
Nós que nos salvámos,
Ainda pendem os baraços torcidos para os nossos pescoços
Em frente de nós no ar azul -
As ampulhetas ainda se enchem com o nosso sangue gotejante.
Nós que nos salvámos,
Ainda em nós roem os vermes do medo.
A nossa estrela está enterrada no pó.
Nós que nos salvámos
Vos pedimos:
Mostrai-nos devagar o vosso Sol.
Levai-nos a passo de estrela em estrela.
Deixai-nos aprender devagar de novo a vida.
De contrário poderia a canção dum pássaro,
O encher do balde no poço
Fazer rebentar a nossa dor mal selada
E arrastar-nos em espuma -
Nós vos pedimos:
Não nos mostreis ainda um cão que morde -
Poderia ser, poderia ser
Que nos desfizéssemos em pó -
Perante os vossos olhos em pó nos desfizéssemos.
O que é que aguenta ainda inteira a nossa teia?
Nós que nos tornámos sem hálito,
Cuja alma fugiu para Ele da meia-noite
Muito antes de nos terem salvado o corpo
Na arca do momento.
Nós que nos salvámos,
Apertamo-vos a mão,
Reconhecemos o vosso olhar -
Mas só e ainda nos aguenta a despedida,
A despedida no pó
Nos aguenta convosco.

**

CHOR DER GERETTETEN
Wir Geretteten,
Aus deren hohlem Gebein der Tod schon seine Flöten schnitt,
An deren Sehnen der Tod schon seinen Bogen strich -
Unsere Leiber klagen noch nach
Mit ihrer verstümmelten Musik.
Wir Geretteten,
Immer noch hängen die Schlingen für unsere Hälse gedreht
Vor uns in der blauen Luft -
Immer noch füllen sich die Stundenuhren mit unserem tropfenden Blut.
Wir Geretteten,
Immer noch essen an uns die Würmer der Angst.
Unser Gestirn ist vergraben im Staub.
Wir Geretteten
Bitten euch:
Zeigt uns langsam eure Sonne.
Führt uns von Stern zu Stern im Schritt.
Laßt uns das Leben leise wieder lernen.
Es könnte sonst eines Vogels Lied,
Das Füllen des Eimers am Brunnen
Unseren schlecht versiegelten Schmerz aufbrechen lassen
Und uns wegschäumen -
Wir bitten euch:
Zeigt uns noch nicht einen beißenden Hund -
Es könnte sein, es könnte sein
Daß wir zu Staub zerfallen -
Vor euren Augen zerfallen in Staub.
Was hält denn unsere Webe zusammen?
Wir odemlos gewordene,
Deren Seele zu Ihm floh aus der Mitternacht
Lange bevor man unseren Leib rettete
In die Arche des Augenblicks.
Wir Geretteten,
Wir drücken eure Hand,
Wir erkennen euer Auge -
Aber zusammen hält uns nur noch der Abschied,
Der Abschied im Staub
Hält uns mit euch zusammen.
.
(De 'In den Wohoungen des Todes' / 'Nas Moradas da Morte', 1946)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

SE OS PROFETAS ARROMBASSEM... *
Se os profetas arrombassem
as portas da noite,
fazendo brilhar de ouro as órbitas de estrelas percorridas
nas palmas das mãos –

para os que há muito mergulharam no sono –

Se os Profetas arrombassem
as portas da noite
rasgando feridas co’as suas palavras
nos campos da habituação,
trazendo algo de muito remoto
para o jornaleiro

que há muito já não espera ao anoitecer –

Se os Profetas arrombassem
as portas da noite
e buscassem um ouvido como uma pátria –

Ouvido da Humanidade
fechado de ortigas,
ouvirias tu?
Se a voz dos Profetas
soprasse (…)

Ouvido da Humanidade
ocupado c’o mesquinho escutar,
ouvirias tu?

Se os Profetas
irrompessem co’as asas de tempestade da Eternidade
se te arrombassem os tímpanos co’as palavras:
Qual de vós quer fazer guerra contra um mistério
quem quer inventar a morte da estrela?

Se os Profetas se erguessem
na noite da Humanidade
como amantes que buscam o coração do amado,
Noite da Humanidade,
terias tu coração pra perdoar?

**

WENN DIE PROPHETEN EINBRÄCHEN...
Wenn die Propheten einbrächen
durch Türen der Nacht,
den Tierkreis der Dämonengötter
wie einen schauerlichen Blumenkranz
ums Haupt gewunden -
die Geheimnisse der stürzenden und sich hebenden
Himmel mit den Schultern wiegend -

für die längst vom Schauer Fortgezogenen -

Wenn die Propheten einbrächen
durch Türen der Nacht,
die Sternenstraßen gezogen in ihren Handflächen
golden aufleuchten lassend -

für die längst im Schlaf Versunkenen -

Wenn die Propheten einbrächen
durch Türen der Nacht
mit ihren Worten Wunden reißend
in die Felder der Gewohnheit,
ein weit Entlegenes hereinholend
für den Tagelöhner

der längst nicht mehr wartet am Abend -

Wenn die Propheten einbrächen
durch Türen der Nacht
und ein Ohr wie eine Heimat suchten -

Ohr der Menschheit
du nesselverwachsenes,
würdest du hören?
Wenn die Stimme der Propheten
auf dem Flötengebein der ermordeten Kinder
blasen würde,
die vom Märtyrerschrei verbrannten Lüfte
ausatmete -
wenn sie eine Brücke aus verendeten Greisenseufzern
baute -

Ohr der Menschheit
du mit dem kleinen Lauschen beschäftigtes,
würdest du hören?

Wenn die Propheten
mit den Sturmschwingen der Ewigkeit hineinführen
wenn sie aufbrächen deinen Gehörgang mit den Worten:
Wer von euch will Krieg führen gegen ein Geheimnis
wer will den Sterntod erfinden?

Wenn die Propheten aufständen
in der Nacht der Menschheit
wie Liebende, die das Herz des Geliebten suchen,
Nacht der Menschheit
würdest du ein Herz zu vergeben haben?
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.
------------
* Nota: O poema na versão traduzida não está completo.

§§

DEPRESSA SE AFASTA A MORTE
Depressa se afasta a morte do olhar
Os elementos rebelam-se
Mas as esferas a desabrochar
Intrometem-se já com ressurreição
E o inefável cura a estrela doente – 

**

SCHNELL IST DER TOD
Schnell ist der Tod aus dem Blick geschafft
Die Elemente machen Aufruhr
doch die knospenden Sphären
drängen schon mit Auferstehung ein
und das Wortlose heilt den erkrankten Stern -
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas de Nelly Sachs. antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela. Colecção 'Poetas de Hoje'. Lisboa: Portugália Editora, 1967.

§§

SE VIER ALGUÉM
Se vier alguém
de longe
com uma língua
que talvez encerre
os sons
com o relinchar da égua
ou
o piar
dos melros novos
ou
mesmo como uma serra rangente
que corta tudo o que é próximo –

Se vier alguém
de longe
com movimentos de cão
ou
talvez de ratazana
e se for Inverno
veste-o bem quente
pode também ser
que ele tenha fogo debaixo das solas
(talvez cavalgasse
num meteoro)
não lhe ralhes
se o teu tapete esburacado gritar –

Um estranho tem sempre
a pátria nos braços
como uma órfã
para a qual talvez nada mais
busque do que uma sepultura.

**

KOMMT EINER VON FERNE
Kommt einer
von ferne
mit einer Sprache
die vielleicht die Laute
verschließt
mit dem Wiehern der Stute
oder
dem Piepen
junger Schwarzamseln
oder
auch wie eine knirschende Säge
die alle Nähe zerschneidet

Kommt einer
von ferne
mit Bewegungen des Hundes
oder
vielleicht der Ratte
und es ist Winter
so kleide ihn warm
kann auch sein
er hat Feuer unter den Sohlen
(vielleicht ritt er
auf einem Meteor)
so schilt ihn nicht
falls dein Teppich durchlöchert schreit –

Ein Fremder hat immer
seine Heimat im Arm
wie eine Waise
für die er vielleicht nichts
als ein Grab sucht.

.
(De 'Flucht Und Verwandlung / 'Fuga e Transfiguração', 1959)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas. Nelly Sachs. [tradução Paulo Quintela; estudo introdutório Joseph Bernfeld; ilustrações Jean-Michel Perche]. Coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975.

§§

CORO DOS ÓRFÃOS
Nós órfãos
Queixamo-nos ao mundo:
Cortaram-nos o nosso ramo
E atiraram-no ao fogo –
Lenha de queimar fizeram dos nossos protestos –
Nós órfãos jazemos nos campos da solidão.
Nós órfãos
Queixemo-nos ao mundo:
Na noite os nossos pais jogam conosco às escondidas –
Por trás das dobras negras da noite
As suas faces nos olham,
Falam as suas bocas:
Lenha seca fomos nós na mão dum lenhador –
Mas os nossos olhos fizeram-se olhos de anjos
E olham para vós,
Através das dobras negras da noite
Eles olham –

Nós órfãos
Queixemo-nos ao mundo:
Das pedras fizemos os nossos brinquedos,
Pedras têm caras, de pai e mãe
Não murcham como flores, não mordem como bichos –
E não ardem como lenha seca quando as metem no forno –
Nós órfãos queixemo-nos ao mundo:
Mundo porque nos tiraste as nossas mães tenras
E os pais que dizem: meu filho és parecido comigo!
Nós órfãos não somos parecidos com ninguém mais no mundo!
Ó Mundo
Queixamo-nos de ti!  

**

CHOR DER WAISEN
Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
Herabgehauen hat man unseren Ast
Und ins Feuer geworfen –
Brennholz hat man aus unseren Beschützern gemacht –
Wir Waisen liegen auf den Feldern der Einsamkeit.
Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
In der Nacht spielen unsere Eltern Verstecken mit uns –
Hinter den schwarzen Falten der Nacht
Schauen uns ihre Gesichter an,
Sprechen ihre Münder:
Dürrholz waren wir in eines Holzhauers Hand –
Aber unsere Augen sind Engelaugen geworden
Und sehen euch an,
Durch die schwarzen Falten der Nacht
Blicken sie hindurch –

Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
Steine sind unser Spielzeug geworden,
Steine haben Gesichter, Vater- und Muttergesichter
Sie verwelken nicht wie Blumen, sie beißen nicht wie Tiere ─
Und sie brennen nicht wie Dürrholz, wenn man sie in den Ofen wirft ─
Wir Waisen wir klagen der Welt:
Welt warum hast Du uns die weichen Mütter genommen
Und die Väter, die sagen: Mein Kind, du gleichst mir!
Wir Waisen gleichen niemand mehr auf der Welt!
O Welt
Wir klagen dich an!
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas. Nelly Sachs. [tradução Paulo Quintela e Cora Rónai Vieira; estudo introdutório Joseph Bernfeld; ilustrações Jean-Michel Perche]. Coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975.

§§

CORO DAS PEDRAS
Nós pedras
Quando alguém nos ergue
Ergue tempos primevos –
Quando alguém nos ergue
Ergue o Jardim do Éden –
Quando alguém nos ergue
Ergue o reconhecimento de Adão e Eva
E a sedução, que come pó, da Serpente.
 
Quando alguém nos ergue
Ergue biliões de lembranças na mão
Que não se dissolvem no sangue
Como o anoitecer.
Pois nós somos monumentos mortuários
Que abrangem todo o morrer.
 
Um surrão cheio de vida vivida somos nós.
Quem nos ergue, ergue as campas endurecidas da Terra.
Ó cabeças de Jacob,
As raízes dos sonhos mantemo-las nós escondidas pra vós,
Deixamos as aéreas escadas dos anjos
Brotar como braços dum canteiro de trepadeiras.
 
Quando alguém nos toca
Toca um muro de lamentações.
Como o diamante o vosso lamento corta a nossa dureza
Até que ela cai e se faz coração brando –
Enquanto vós empedernis.
Quando alguém nos toca
Toca as encruzilhadas da meia-noite
Ressoantes de nascimento e morte.
 
Quando alguém nos atira –
Atira o Jardim do Éden –
O vinho das estrelas –
Os olhos dos amantes e toda a traição –
 
Quando alguém nos atira com ira
Atira leões de corações partidos
E de borboletas de seda.
 
Cuidado, cuidado
Não atireis com uma pedra em ira –
A nossa mistura está repassada do espírito.
Endureceu no mistério
Mas pode acordar com um beijo.

**

CHAR DER STEINE 
Wir Steine
Wenn einer uns hebt
Hebt er Urzeiten empor –
Venn einer uns hebt
Hebt er den Garten Eden empor –
Wenn einer uns hebt
Hebt er Adam und Evas Erkenntnis empor
Und der Schlange staubessende Verführung.
 
Wenn einer uns hebt
Hebt er Billionen Erinnerungen in seiner Hand
Die sich nicht auflösen im Blute
Wie der Abend.
Denn Gedenksteine sind wir
Alles Sterben umfassend.
 
Ein Ranzen voll gelebten Lebens sind wir.
Wer uns hebt, hebt die hartgewordenen Gräber der Erde.
Ihr Jakobshäupter,
Die Wurzeln der Träume halten wir versteckt für euch,
Lassen die luftigen Engelsleitern
Wie Ranken eines Windenbeetes spriessen.
 
Wenn einer uns anrührt
Rührt er eine Klagemauer an.
Wie der Diamant zerschneidet eure Klage unsere Härte
Bis sie zerfällt und weiches Herz wird –
Während ihr versteint.
Wenn einer uns anrührt
Rührt er die Wegscheiden der Mitternacht an
Klingend von Geburt und Tod.
 
Wenn einer uns wirft –
Wirft er den Garten Eden –
Den Wein der Sterne –
Die Augen der Liebenden und allen Verrat –
 
Wenn einer uns wirft im Zorne
So wirft er Äonen gebrochener Herzen
Und seidener Schmetterlinge.
 
Hütet euch, hütet euch
Zu werfen im Zorne mit einem Stein –
Unser Gemisch ist ein vom Odem Durchblasenes.
Es erstarrte im Geheimnis
Aber kann erwachen an einem Kuss.
.
(De 'In den Wohnungen des Todes', 1947 / 'Nas Moradas da Morte', 1947)
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas. Nelly Sachs. [tradução Paulo Quintela; estudo introdutório Joseph Bernfeld; ilustrações Jean-Michel Perche]. Coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975.

§§

MORTE
cântico de mar
banhando-me o corpo em volta
uva salgada
a atrair sede na minha boca —

Feres as cordas das minhas veias
até que elas cantando rebentam
desabrochando das chagas
pra tocar a música do meu amor —

Os teus horizontes em leque desdobrados
com a coroa dentada do morrer
já posta em volta do pescoço
o ritual da partida 
com o som regougado da respiração
começado
abandonaste como um sedutor
antes do casamento a vítima enfeitiçada
despida quase já até à areia
expulsa
de dois reinos
já só suspiros
entre noite e noite —
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Poemas. Nelly Sachs. [tradução Paulo Quintela; estudo introdutório Joseph Bernfeld; ilustrações Jean-Michel Perche]. Coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975.

§§

CORO DOS ANDANTES
Nós andantes,
Arrastando atrás de nós nossos caminhos como bagagem
Com um farrapo da terra onde fazemos parada
Estamos vestidos –
Do tacho da língua, por nós aprendida sob lágrimas
Alimentamo-nos.

Nós andantes, 
a cada encruzilhada uma porta nos espera
Atrás, uma corça, o Israel-olhos-órfãos dos animais
Desaparece em suas florestas murmurantes
Cotovia cantando alegre em campos dourados.
Um mar de solidão fica calmo conosco
Onde batemos (e nos debatemos)
Ó vós, Guardiões armados com espadas flamejantes,
Sementes de poeira sob nossos pés andantes
Já começam a movimentar o sangue em nossos netos –

Ó nós andantes diante das portas da terra,
Saudando o distante
Nossos chapéus já acenderam estrelas.
Como metros de madeira jazem nossos corpos sobre a terra
E medem longe o horizonte –

Ó nós andantes,
Vermes rastejando para sapatos futuros
nossa morte será como um limiar
Diante de vossas portas fechadas!

**

CHOR DER WANDERNDEN
Wir Wandernde
Unsere Wege ziehen wir als Gepäck hinter uns her –
Mit einem Fetzen des Landes darin wir Rast hielten
Sind wir bekleidet –
Aus dem Kochtopf der Sprache, die wir unter Tränen erlernten,
ernähren wir uns.
 
Wir Wandernde,
an jeder Wegkreuzung erwartet uns eine Tür
dahinter das Reh, der waisenäugige Israel der Tiere
in seine rauschende Wälder verschwindet
Und die Lerche über den goldenen Äckern jauchzt.
Ein Meer von Einsamkeit steht mit uns still
Wo wir anklopfen.
O ihr Hüter mit flammenden Schwertern ausgerüstet,
Die Staubkörner unter unseren Wanderfüßen,
Beginnen schon das Blut in unseren Enkeln zu treiben –
 
O Wir wandernde vor den Türen der Erde,
vom Grüßen in die Ferne
Haben unsere Hüte schon Sterne angesteckt.
Wie Zollstöcke liegen unsere Leiber auf der Erde
Und messen den Horizont aus –
 
O wir Wandernde,
kriechende Würmer für kommende Schuhe,
unser Tod wird wie eine Schwelle liegen
vor euren verschlossenen Türen!
- Nelly Sachs [tradução Marcia Sá Cavalcanti Schuback]. In: SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcanti. A poética de Nelly Sachs. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.19, 2011.

§§

O SONÂMBULO
O sonâmbulo
orbitando sua estrela
e a pluma branca da manhã
desperta –
a mancha de sangue nela lhe lembra –
deixa que a Lua
caia, assustado –
os flocos de neve se espatifam
contra a ágata negra da noite –
maculada com sonhos 

Não há um branco puro na Terra –

**

DER SCHLAFWANDLER
Der Schlafwandler
kreisend auf seinem Stern
an der weißen Feder des Morgens
erwacht—
der Blutfleck darauf erinnerte ihn—
läßt den Mond
erschrocken fallen—
die Schneebeere zerbricht
am schwarzen Achat der Nacht—
traumbesudelt—

Kein reines Weiß auf Erden—
- Nelly Sachs [tradução a partir do alemão por Luciano R. Mendes]. In: MENDES, Luciano R.. Paranoia e Mágoa: a poesia de Nelly Sachs. Revista Sinuosa, 5 de agosto de 2012.

§§

OS VELHOS
 Lá,
nas rugas dessas estrelas,
coberto com farrapos da noite,
eles estão esperando por Deus.
Sua boca tem um espinho a fechando,
seu idioma se perdeu em seus olhos
e as conversas são
como um cadáver afogado.
Ah, os velhos,
cujos olhos carregam os herdeiros cremados
como único bem.

**

GREISE
Da,
in den Falten dieses Sterns,
zugedeckt mit einem Fetzen Nacht,
stehen sie, und warten Gott ab.
Ihr Mund hat ein Dorn verschlossen.
ihre Sprache ist an ihre Augen verlorengegangen,
die reden wie Brunnen
darin ein Leichnam ertrunken ist.
O die Alten,
die ihre verbrannte Nachfolge in den Augen tragen
als einzigen Besitz.
.
(De  'Escurecer as Estrelas' (1949), Sub título 'Sobreviventes' / 'Sternverdunkelung' (1949), sub-cycle Überlebende).
- Nelly Sachs [tradução a partir do alemão por Luciano R. Mendes]. In: MENDES, Luciano R.. Paranoia e Mágoa: a poesia de Nelly Sachs. Revista Sinuosa, 5 de agosto de 2012.

§§

O CISNE
Nada
sobre a água
e logo dependura-se num piscar de olhos
anserina
geometria
de raiz aquática
engavinhando-se para cima
e novamente se inclinando
sorvendo a poeira
e, com o ar, sopesando
o Cosmos –

**

DER SCHWAN
Nichts
über den Wassern
und schon hängt am Augenschlag
schwanenhafte
Geometrie
wasserbewurzelt
aufrankend
und wieder geneigt
Staubschluckend
und mit der Luft massnehmend
am Weltall -
- Nelly Sachs [tradução a partir do alemão por Luciano R. Mendes]. In: MENDES, Luciano R.. Paranoia e Mágoa: a poesia de Nelly Sachs. Revista Sinuosa, 5 de agosto de 2012.

§§

CORO DAS ESTRELAS
Nós as estrelas, nós as estrelas
Nós pó itinerante, cintilante, cantante –
A nossa irmã Terra tornou-se a cega
Entre os luzeiros do céu –
Tornou-se um grito
Entre os seres que cantam –
Ela, a mais cheia de saudade
que no pó começou a sua obra: formar anjos –

Ela, que traz a beatitude em seu mistério
Como águas que arrastam ouro –
Ei-la derramada na noite
Como vinho nas ruelas –
Sobre o seu corpo flutuam as luzes amarelas e sulfúreas do Mal.

Ó Terra, Terra
Estrela de todas as estrelas
Sulcada dos rastos da saudade da pátria
Que o próprio Deus inaugurou –
Não há em ti ninguém que lembre a tua juventude?
Ninguém que se entregue como nadador
Aos oceanos da morte?
De ninguém a saudade amadureceu
Até se erguer como a semente que voa, angélica,
Da flor do dente-de-leão?

Terra, Terra, tornaste-te uma cega
Aos olhos sororais das Plêiades
Ou da ponderada visão da Balança?

Mãos assassinas deram a Israel um espelho
Onde ao morrer assistisse ao seu morrer –

Terra, ó Terra
Estrela de todas as estrelas
Um dia haverá uma constelação chamada Espelho.
E então, ó cega, tornarás a ver!

**

CHOR DER STERNE
Wir Sterne, wir Sterne,
Wir wandernder, glänzender, singender Staub –
Unsere Schwester die Erde ist die Blinde geworden
Unter den Leuchtbildern des Himmels –
Ein Schrei ist sie geworden
Unter den Singenden –
Sie, die Sehnsuchtsvollste
Die im Staube begann ihr Werk: Engel zu bilden –
Sie, die die Seligkeit in ihrem Geheimnis trägt
Wie goldführendes Gewässer –
Ausgeschüttet in der Nacht liegt sie
Wie Wein auf den Gassen –
Des Bösen gelbe Schwefellichter hüpfen auf ihrem Leib.

O Erde, Erde
Stern aller Sterne
Durchzogen von den Spuren des Heimwehs
Die Gott selbst begann –
Ist niemand auf dir, der sich erinnert an deine Jugend?
Niemand, der sich hingibt als Schwimmer
Den Meeren von Tod? Ist niemandes Sehnsucht reif geworden
Daß sie sich erhebt wie der engelhaft fliegende Samen
Der Löwenzahnblüte?

Erde, Erde, bist du eine Blinde geworden
Vor den Schwesternaugen der Plejaden
Oder der Waage prüfendem Blick?

Mörderhände gaben Israel einen Spiegel
Darin es sterbend sein Sterben erblickte –

Erde, o Erde
Stern aller Sterne

Einmal wird ein Sternbild Spiegel heißen.
Dann o Blinde wirst du wieder sehn!
.
(De 'In den Wohnungen des Todes', 1943-1947)
- Nelly Sachs [tradução Maria Armanda Saint-Maurice]. In: SAINT-MAURICE, Maria Armanda de.. Variações sobre o tema da “intricada comunhão entre Bíblia e Cultura” - Nelly Sachs e Fernando Pessoa.. Vozes Consonantes, Clepul - Universidade de Lisboa; Gradiva, 2012. 

§§

ESTAMOS TÃO FERIDOS
Estamos tão feridos
que julgamos morrer
quando a rua nos atira uma palavra má.
A rua não o sabe,
mas ela não aguenta um fardo tal;
nem tem por hábito ver irromper dela
um Vesúvio de dores.
As recordações de tempos originários foram extirpadas nela
desde que a luz se tornou artificial
e os anjos já só com pássaros e flores brincam
ou no sonho de uma criança sorriem. 

**

WIR SIND SO WUND
Wir sind so wund,
daß wir zu sterben glauben
wenn die Gasse uns ein böses Wort nachwirft.
Die Gasse weiß es nicht,
aber sie erträgt nicht eine solche Belastung;
nicht gewohnt ist sie einen Vesuv der Schmerzen
auf ihr ausbrechen zu sehn.
Die Erinnerungen an Urzeiten sind ausgetilgt bei ihr,
seitdem das Licht künstlich wurde
und die Engel nur noch mit Vögeln und Blumen spielen
oder im Traume eines Kindes lächeln
.
(De 'Wir sind so wund'/ série sobre 'Os sobreviventes')
- Nelly Sachs [tradução Maria Armanda Saint-Maurice]. In: SAINT-MAURICE, Maria Armanda de.. Variações sobre o tema da “intricada comunhão entre Bíblia e Cultura” - Nelly Sachs e Fernando Pessoa.. Vozes Consonantes, Clepul - Universidade de Lisboa; Gradiva, 2012. 

§§

NA FUGA
Na fuga
que grande recepção 
a caminho —

Embrulhados
no pano dos ventos
pés na oração da areia
que nunca pode dizer ámen 
pois tem de ir
da barbatana à asa
e mais além — 

A borboleta doente
breve sabe de novo do mar — 
Esta pedra
com a inscrição da mosca 
entregou-se-me na mão —

Em vez de Pátria
seguro as metamorfoses do mundo —

**

IN DER FLUCHT 
In der Flucht
welch großer Empfang 
unterwegs —

Eingehüllt
in der Winde Tuch
Füße im Gebet des Sandes 
der niemals Amen sagen kann 
denn er muß
von der Flosse in den Flügel 
und weiter —

Der kranke Schmetterling
weiß bald wieder vom Meer — 
Dieser Stein
mit der Inschrift der Fliege
hat sich mir in die Hand gegeben —

An Stelle von Heimat
halte ich die Verwandlungen der Welt —  
- Nelly Sachs [tradução Paulo Quintela]. In: Às vezes são precisas rimas destas. antologia bilingue: Poesia Política Portuguesa e de Expressão Alemã. [organização de Goethe-Institut Portugal, com Fernando J.B. Martinho, João Barrento, Helena Topa e Joachim Sartorius]. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.

§§

OH, AS CHAMINÉS
E quando esta minha pele tiver se consumido,
então, sem minha carne, contemplarei a Deus.
............................................................

Oh, as chaminés
Sobre as moradas da morte, engenhosamente imaginadas,
Quando o corpo de Israel se elevou, desfeito em fumaça
Pelo ar –
Uma estrela, como limpador de chaminés, o acolheu
E enegreceu
Ou foi um raio de sol?

Oh, as chaminés!
Caminhos de liberdade para o pó de Jeremias e Jó –
Quem vos imaginou e construiu, pedra sobre pedra,
O caminho para os fugitivos-fumaça?

Oh, as moradas da morte,
Convidativamente arranjadas
Para o anfitrião, outrora hóspede –
Ó dedos,
Assentando o limiar da entrada,
Como faca entre a vida e a morte –

Ó chaminés,
Ó dedos,
E o corpo de Israel na fumaça, pelo ar!

**

O DIE SCHORNSTEINE
Und wenn diese meine Haut zerschlagen sein wird,
 so werde ich ohne Fleisch Gott schauen
.....................................................Hiob

O die Schornsteine
Auf den sinnreich erdachten Wohnungen des Todes,
Als Israels Leib zog aufgelöst in Rauch
Durch die Luft –
Als Essenkehrer ihn ein Stern empfing
Der schwarz wurde
Oder war es ein Sonnenstrahl?

O die Schornsteine!
Freiheitswege für Jeremias und Hiobs Staub –
Wer erdachte euch und baute Stein auf Stein
Den Weg für Flüchtlinge aus Rauch?

O die Wohnungen des Todes,
Einladend hergerichtet
Für den Wirt des Hauses, der sonst Gast war –
O ihr Finger,
Die Eingangsschwelle legend
Wie ein Messer zwischen Leben und Tod –

O ihr Schornsteine,
O ihr Finger,
Und Israels Leib im Rauch durch die Luft!
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

A VÓS, QUE CONSTRUÍS A NOVA MORADA
Há pedras como almas.
Rabbi Nachman

Quando levantares de novo tuas paredes –
Fogão, catre, mesa e cadeira –
Não os enfeites com tuas lágrimas, os que partiram
Que não mais habitarão contigo
Na pedra
Nem na madeira –
Senão haverá choro no teu sono
No curto sono que ainda tens de dormir.
Não suspires ao estenderes teu lençol –
Senão misturam-se teus sonhos
Com o suor dos mortos.
Ah, paredes e utensílios
São sensíveis como harpas eólicas
E como um campo onde viceja tua dor,
E sentem o que em ti é parente do pó.
Constrói enquanto escorre a clepsidra
Mas não chores os minutos que correm
Junto com o pó
Que encobre a luz.

**

AN EUCH, DIE DAS NEUE HAUS BAUEN
Es gibt Steine wie Seelen.
...... Rabbi Nachman

Wenn du dir deine Wände neu aufrichtest –
Deinen Herd, Schlafstatt, Tisch und Stuhl –
Hänge nicht deine Tränen um sie, die dahingegangen,
Die nicht mehr mit dir wohnen werden
An den Stein
Nicht an das Holz –
Es weint sonst in deinen Schlaf hinein,
Den kurzen, den du noch tun musst.
Seufze nicht, wenn du dein Laken bettest,
Es mischen sich sonst deine Träume
Mit dem Schweiß der Toten.
Ach, es sind die Wände und die Geräte
Wie die Windharfen empfänglich
Und wie ein Acker, darin dein Leid wächst,
Und spüren das Staubverwandte in dir.
Baue, wenn die Stundenuhr rieselt,
Aber weine nicht die Minuten fort
Mit dem Staub zusammen,
Der das Licht verdeckt.
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

CORO DOS SALVOS
Nós, salvos,
Em cuja ossada vazia a morte já entalhou suas flautas,
Em cujos tendões a morte já roçou seu arco –
Nossos corpos ainda se lamentam
Com sua música mutilada.
Nós, salvos,
Os laços urdidos para nossas gargantas pendem ainda
Diante de nós, no ar azul –
As clepsidras ainda se enchem com nosso sangue gotejante.
Nós, salvos,
Os vermes do medo ainda nos corroem.
Nossa estrela está soterrada no pó.
Nós, salvos,
Vos pedimos:
Mostrai-nos lentamente o vosso sol.
Conduzi-nos, de estrela em estrela, passo a passo.
Deixai que reaprendamos a vida suavemente.
Senão o canto de um pássaro,
O encher do balde no poço
Poderiam romper nossa dor mal-lacrada
E nos levar em espumas.
Nós vos pedimos:
Não nos mostreis ainda um cão mordente –
Poderia ser, poderia ser
Que nos desfizéssemos em pó –
Que ante vossos olhos nos desfizéssemos em pó.
O que nos mantém de pé, então?
Nós, que nos tornamos sem alento,
Nós, cuja alma fugiu para Ele, saindo da meia-noite,
Antes, bem antes que nosso corpo tivesse sido salvo
Na arca do instante.
Nós, salvos,
Apertamos a vossa mão,
Reconhecemos o vosso olho –
Mas apenas a despedida nos une,
A despedida no pó
Nos une a vós.

**

CHOR DER GERETTETEN
Wir Geretteten,
Aus deren hohlem Gebein der Tod schon seine Flöten schnitt,
An deren Sehnen der Tod schon seinen Bogen strich –
Unsere leiber klagen noch nach
Mit ihrer verstümmelten Musik.
Wir Geretteten,
Immer noch hängen die Schlingen für unsere Hälse gedreht
Vor uns in der blauen Luft –
Immer noch füllen sich die Stundenuhren mit unserem tropfenden Blut.
Wir Geretteten,
Immer noch essen an uns die Würmer der Angst.
Unser Gestirn ist vergraben im Staub.
Wir Geretteten
Bitten euch:
Zeigt uns langsam eure Sonne.
Führt uns von Stern zu Stern im Schritt.
Lässt uns das Leben leise wieder lernen.
Es könnte sonst eines Vogels Lied,
Das Füllen des Eimers am Brunnen
Unseren schlecht versiegelten Schmerz aufbrechen lassen
Und uns wegschäumen –
Wir bitten euch:
Zeigt uns noch nicht einen beißenden Hund –
Es könnte sein, es könnte sein
Dass wir zu Staub zerfallen –
Vor euren Augen zerfallen in Staub.
Was hält denn unsere Webe zusammen?
Wir odemlos gewordene,
Deren Seele zu Ihm floh aus der Mitternacht
Lange bevor man unseren Leib rettete
In die Arche des Augenblicks.
Wir Geretteten,
Wir drücken eure Hand,
Wir erkennen euer Auge –
Aber zusammen hält uns nur noch der Abschied,
Der Abschied im Staub.
Hält uns mit euch zusammen.
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

MAS QUEM
Mas quem bateu a areia de vossos sapatos,
Quando tivestes de vos levantar para morrer?
A areia que Israel trouxe para casa,
Sua areia peregrina?
Ardente areia do Sinai,
Misturada com as gargantas dos rouxinóis,
Misturada com as asas da borboleta,
Misturada com o pó nostálgico das serpentes,
Misturada com tudo que transbordou da sabedoria de Salomão,
Misturada com o amargor do mistério do absinto –

Ó dedos,
Que batestes a areia dos sapatos dos mortos,
Já amanhã sereis pó
Nos sapatos dos vindouros!

**

WER ABER
Wer aber leerte den Sand aus euren Schuhen,
Als ihr zum Sterben aufstehen musstet?
Den Sand, den Israel heimholte,
Seinen Wandersand?
Brennenden Sinaisand,
Mit den Kehlen von Nachtigallen vermischt,
Mit den Flügeln des Schmetterlings vermischt,
Mit dem Sehnsuchtsstaub der Schlangen vermischt,
Mit allem was abfiel von der Weisheit Salomos vermischt,
Mit dem Bitteren aus des Wermuts Geheimnis vermischt –

O ihr Finger,
Die ihr den Sand aus Totenschuhen leertet,
Morgen schon werdet ihr Staub sein
In den Schuhen Kommender!
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

NESTA AMETISTA
Nesta ametista
estão sedimentadas as eras da noite
e uma prístina inteligência de luz
inflamou a amargura
ainda líquida
e chorou

Tua morte resplandece ainda
dura violeta

**

IN DIESEM AMETHYST
In diesem Amethyst
sind die Zeitalter der Nacht gelagert
und eine frühe Lichtintelligenz
zündete die Schwermut an
die war noch flüssig
und weinte

Immer noch gläntz dein Sterben
hartes Veilchen
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

QUANTOS MARES
Quantos mares se apagam na areia,
Quanta areia sedimentada na pedra,
Quanto tempo pranteado na concha sussurrante dos caracóis,
Quanta desolação mortal
Nos olhos de pérola dos peixes,
Quantas trombetas matinais no coral,
Quantos padrões estelares no cristal,
Quantos embriões de hilaridade na garganta da gaivota,
Quantos fios de saudade
Percorreram as noturnas rotas constelares
Quanta terra fecunda
Para a raiz da palavra
Tu –
Por detrás de todas as grades dos mistérios
que vão sendo derrubadas
Tu –

**

WIEVIELE MEERE
Wieviele Meere im Sande verlaufen,
wieviel Sand hart gebetet im Stein,
wieviel Zeit im Sanghorn der Muscheln
verweint,
wieviel Todverlassenheit
in den Perlenaugen der Fische,
wieviele Morgentrompeten in der Koralle,
wieviel Sternenmuster im Kristall,
wieviel Lachkeime in der Kehle der Möwe,
wieviel Heimwehfäden
auf nächtlichen Gestirnbahnen gefahren,
wieviel fruchtbares Erdreich
für die Wurzel des Wortes:
Du –
hinter allen stürzenden Gittern
der Geheimnisse
Du –
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

QUEM CHAMA?
Quem chama?
A própria voz!
Quem responde?
Morte!
A amizade naufraga
no bivaque do sono?
Sim!
Por que um galo não canta?
Ele espera até que o beijo do alecrim
flutue sobre as águas!

O que é isto?

O instante de desolação
do qual se desprendeu o tempo
morto de eternidade!

O que é isto?

Sono e morte não têm características

**

WER RUFT?
Wer ruft?
Die eigene Stimme!
Wer antwortet?
Tod!
Geht die Freundschaft unter
im Heerlager des Schlafes?
Ja!
Warum kräht kein Hahn?
Er wartet bis der Rosmarinkuss
auf dem Wasser schwimmt!
Was ist das?

Der Augenblick Verlassenheit
aus dem die Zeit fortfiel
getötet von Ewigkeit!

Was ist das?

Schlaf und Sterben sind eigenschaftslos
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

EM MEU QUARTO
Em meu quarto,
onde fica minha cama
uma mesa uma cadeira
o fogão
o universo está ajoelhado como em toda parte
para ser salvo
da invisibilidade –
Eu traço uma linha
escrevo o alfabeto
pinto o lema suicida na parede
de onde brotam imediatamente os renascimentos
já prendo as constelações à verdade
então a terra começa a martelar
a noite se afrouxa
desprende-se
dente morto da dentadura –

**

IN MEINER KAMMER
In meiner Kammer
wo mein Bett steht
ein Tisch ein Stuhl
der Küchenherd
kniet das Universum wie überall
um erlöst zu werden
von der Unsichtbarkeit –
Ich mache einen Strich
schreibe das Alphabeth
male den selbstmörderischen Spruch an die Wand
an dem die Neugeburten sofort knospen
schon halte ich die Gestirne an der Wahrheit fest
da beginnt die Erde zu hämmern
die Nacht wird lose
fällt aus
toter Zahn vom Gebiss –
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

QUATRO DIAS QUATRO NOITES
Quatro dias quatro noites
teu esconderijo foi um caixão
sobreviver inspirou – e expirou –
para retardar a morte –
Entre quatro tábuas
jazia a dor do mundo –

Lá fora o minuto crescia pleno de flores
nuvens brincavam no céu –

**

VIER TAGE VIER NÄCHTE
Vier Tage vier Nächte
war ein Sarg dein Versteck
Überleben atmete ein – und aus –
Tod zu verspäten –
Zwischen vier Brettern
lag das Leiden der Welt –

Draußen wuchs die Minute voller Blumen
am Himmel spielten Wolken –
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

CORO DAS SOMBRAS
Nós, sombras, oh, nós, sombras!
Sombras de carrascos
Presas ao pó de vossos crimes –
Sombras de vítimas
Desenhando o drama do vosso sangue numa parede.
Oh, nós, desamparadas borboletas do luto
Aprisionadas numa estrela, que segue queimando em paz,
Enquanto temos de dançar em infernos.
Nossos titereiros sabem tão somente a morte.
Tu, ama dourada que nos alimenta
Para tamanho desespero,
Ó Sol, afasta a tua face
Para que também mergulhemos –
Ou deixa-nos espelhar um júbilo infantil
Dedos erguidos
E a leve alegria de uma libélula
Sobre a borda do poço.

**

CHOR DER SCHATTEN
Wir Schatten, o wir Schatten!
Schatten von Henkern
Geheftet am Staube eurer Untaten –
Schatten von Opfern
Zeichnend das Drama eures Blutes an eine Wand.
O wir hilflosen Trauerfalter
Eingefangen auf einem Stern, der ruhig weiterbrennt
Wenn wir in Höllen tanzen müssen.
Unsere Marionettenspieler wissen nur noch den Tod.
Goldene Amme, die du uns nährst
Zu solcher Verzweiflung,
Wende ab o Sonne dein Angesicht
Auf dass auch wir versinken –
oder lass uns spiegeln eines Kindes Jauchzend
Erhobene Finger
Und einer Libelle leichtes Glück
Über dem Brunnenrand
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

ESTOU NO ESTRANGEIRO
Estou no estrangeiro
que é protegido pelo 8
o santo anjo do laço
Que está sempre a caminho
através de nossa carne
semeando a inquietude
e deixando o pó maduro para voar –

**

BIN IN DER FREMDE
Bin in der Fremde
die ist behütet von der 8
dem heiligen Schleifenengel
Der ist immer unterwegs
durch unser Fleisch
Unruhe stiftend
und den Staub flugreif machend –
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

EU O VI SAIR DE CASA
Eu o vi sair de casa
o fogo o havia chamuscado
mas não o queimara
Trazia uma pasta de sono
sob o braço
lá dentro o peso de letras e números
toda uma matemática
Em seu braço estava marcado a ferro
7337 o número-guia
Esses números conspiraram entre si
O homem media os espaços
Logo seus pés se elevaram da terra
Alguém o aguardava lá em cima
Para erguer um novo paraíso
“Mas espera só – em breve descansarás também –”

**

ICH SAH IHN AUS DEM HAUS TRETEN
Ich sah ihn aus dem Haus treten
das Feuer hatte ihn angebrannt
aber nicht verbrannt
Er trug eine Aktentasche aus Schlaf
unter dem Arm
darinnen war es schwer von Buchstaben und Zahlen
eine ganze Mathematik –
In seinem Arm war eingebrannt:
7337 die Leitzahl
Diese Zahlen hatten sich miteinander verschworen
Der Mann war Raumvermesser
Schon hoben sich seine Füße von der Erde
Einer wartete oben auf ihn
um ein neues Paradies zu erbauen
“Aber warte nur – balde ruhest du auch –”
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

MÃOS
Dos jardineiros da morte,
Que da camomila do berço,
Que nas duras pastagens viceja
Ou na encosta,
Criastes a morte, o monstro de estufa do vosso ofício,
Mãos,
Arrombando o tabernáculo do corpo,
Agarrando como dentes de tigre os sinais dos mistérios –
Mãos,
Que fazíeis vós
Quando éreis as mãos de crianças pequenas?
Seguráveis uma gaita, a crina
De um cavalinho de balanço, agarráveis a saia da mãe no escuro,
Apontáveis para uma palavra no livro de leitura? –
Era Deus talvez, ou homem?

Vós, mãos que estrangulais,
Estaria morta Vossa mãe,
Vossa esposa, vosso filho?
Para que nas mãos tão somente a morte tivésseis,
Nas mãos estranguladoras?

**

HÄNDE
Der Todesgärtner,
Die ihr aus der Wiegenkamille Tod,
Die auf den harten Triften gedeiht
Oder am Abhang,
Das Treibhausungeheuer eures Gewerbes gezuchtet habt,
Hände,
Des Leibes Tabernakel aufbrechend,
Der Geheimnisse Zeichen wie Tigerzähne packend –
Hände,
Was tatet ihr,
Als ihr die Hände von kleinen Kindern waret?
Hieltet ihr eine Mundharmonika, die Mähne
Eines Schaukelpferdes, fasstet der Mutter Rock im Dunkel,
Zeigtet auf ein Wort im Kinderlesebuch –
War es Gott vielleicht, oder Mensch?

Ihr würgenden Hände,
War eure Mutter tot,
Eure Frau, euer Kind?
Dass ihr nur noch den Tod in den Händen hieltet,
In den würgenden Händen?
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

É UM ESCURO COMO
É um escuro como
caos antes do verbo
Leonardo procurou esse escuro
por detrás do escuro
Jó estava envolto
no corpo materno dos astros
Alguém sacode a escuridão
até que a maçã Terra caia
madura no fim
Um suspiro
será isso a alma – ?

**

ES IST EIN SCHWARZ WIE
Es ist ein schwarz wie
Chaos vor dem Wort
Leonardo suchte dieses Schwarz
hinter dem Schwarz
Hiob war eingewickelt
in den Guburtenleib der Sterne
Jemand schüttelt die Schwärze
bis der Apfel Erde fällt
gereift ans Ende
Ein Seufzer
ist das die Seele – ?
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

POVOS DA TERRA
Povos da Terra,
vós, que com a força das desconhecidas
constelações vos envolveis como carretéis,
que coseis e de novo descoseis o que cosestes,
que entrais na confusão das línguas
como em colmeias,
para no doce picardes
e serdes picados –

Povos da Terra,
não destruais o universo das palavras,
não retalheis com as lâminas do ódio
o som que nasceu ao mesmo tempo em que o sopro.

Povos da Terra,
Oh, que ninguém pense em morte quando diz vida –
e que ninguém pense em sangue quando diz berço –

Povos da Terra,
deixai as palavras junto à sua fonte,
pois são elas que podem arrojar
os horizontes até aos céus verdadeiros
e com sua face oculta
como uma máscara por detrás a noite boceja
ajudar no parto das estrelas.

**

VÖLKER DER ERDE
Völker der Erde
ihr, die ihr euch mit der Kraft der unbekannten
Gestirne umwickelt wie Garnrollen,
die ihr näht und wieder auftrennt das Genähte,
die ihr in die Sprachverwirrung steigt
wie in Bienenkörbe,
um im Süßen zu stechen
und gestochen zu werden –

Völker der Erde,
zerstöret nicht das Weltall der Worte,
zerschneidet nicht mit den Messern des Hasses
den Laut, der mit dem Atem zugleich geboren wurde.

Völker der Erde,
O dass nicht Einer Tod meine, wenn er Leben sagt –
und nicht Einer Blut, wenn er Wiege spricht –

Völker der Erde,
lasset die Worte an ihrer Quelle,
denn sie sind es, die die Horizonte
in die wahren Himmel rücken können
und mit ihrer abgewandten Seite
wie eine Maske dahinter die Nacht gähnt
die Sterne gebären helfen –
.
(De 'Escurecer as Estrelas' / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

CORO DOS ÓRFÃOS
Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Deceparam nosso ramo
E lançaram-no ao fogo –
Transformaram em lenha quem nos protegia –
Nós, órfãos, jazemos nos campos da solidão.
Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Na noite nossos pais brincam conosco de esconde-esconde –
Por detrás das negras dobras da noite
Fitam-nos seus rostos,
Falam suas bocas:
Fomos lenha seca na mão de um lenhador –
Mas nossos olhos tornaram-se olhos de anjos
E olham para vós,
Por entre as negras dobras da noite
Eles olham –

Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Pedras tornaram-se nosso brinquedo,
Pedras têm rostos, rostos de pai e mãe,
Não murcham como flores, não mordem como bichos –
E não ardem como lenha seca quando lançadas no forno –
Nós, órfãos, queixamo-nos do mundo:
Mundo por que nos tiraste as ternas mães
E os pais que dizem: Tu te pareces comigo!
Nós, órfãos, não nos parecemos com ninguém mais no mundo!
Ó Mundo,
Nós te acusamos!

**

CHOR DER WAISEN
Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
Herabgehauen hat man unseren Ast
Und ins Feuer geworfen –
Brennholz hat man aus unseren Beschützern gemacht –
Wir Waisen liegen auf den Feldern der Einsamkeit.
Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
In der Nacht spielen unsere Eltern Verstecken mit uns –
Hinter den schwarzen Falten der Nacht
Schauen uns ihre Gesichter an,
Sprechen ihre Münder:
Dürrholz waren wir in eines Holzhauers Hand –
Aber unsere Augen sind Engelaugen geworden
Und sehen euch an,
Durch die schwarzen Falten der Nacht
Blicken sie hindurch –

Wir Waisen
Wir klagen der Welt:
Steine sind unser Spielzeug geworden,
Steine haben Gesichter, Vater- und Muttergesichter
Sie verwelken nicht wie Blumen, sie beißen nicht wie Tiere ─
Und sie brennen nicht wie Dürrholz, wenn man sie in den Ofen wirft ─
Wir Waisen wir klagen der Welt:
Welt warum hast Du uns die weichen Mütter genommen
Und die Väter, die sagen: Mein Kind, du gleichst mir!
Wir Waisen gleichen niemand mehr auf der Welt!
O Welt
Wir klagen dich an!
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

CINGIDA JÁ PELO BRAÇO DO CONSOLO CELESTE
Eis a mãe enlouquecida,
Com os farrapos de sua razão estraçalhada,
Com o rastilho de sua razão incinerada,
Deitando no caixão sua criança morta,
Deitando no caixão sua luz perdida,
Curvando as mãos em cântaros,
Enchendo-os de ar com o corpo de sua criança,
Enchendo-os de ar com seus olhos, seus cabelos,
E seu coração esvoaçante –
Depois, beija o que nasceu do ar
E morre!

**

SCHON VOM ARM DES HIMMLISCHEN TROSTES UMFANGEN
Steht die wahnsinnige Mutter
Mit den Fetzen ihres zerrissenen Verstandes,
Mit den Zundern ihres verbrannten Verstandes
Ihr totes Kind einsargend,
Ihr verlorenes Licht einsargend,
Ihre Hände zu Krügen biegend,
Aus der Luft füllend mit dem Leib ihres Kindes,
Aus der Luft füllend mit seinen Augen, seinen Haaren
Und seinem flatternden Herzen –
Dann küsst sie das Luftgeborene
Und stirbt!
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

OH, NOITE DAS CRIANÇAS QUE CHORAM!
Oh, noite das crianças que choram!
Noite das crianças marcadas para a morte!
O sono já não consegue entrar.
Vigias medonhas
Ocuparam o lugar das mães,
Premeram a morte errada nos músculos de suas mãos,
semeiam-na pelas paredes e pelas vigas –
Por toda parte chocam os ovos nos ninhos do terror.
Medo amamenta os pequeninos em lugar do leite da mãe.
Ainda ontem a mãe chamava
O sono, como uma lua branca,
A boneca, com o carmim das faces lavado de beijos,
Vinha num dos braços,
O bicho de pelúcia, tornado
Já vivo por força do amor,
Vinha no outro, –
Sopra agora o vento do morrer,
Arrebata as camisas por sobre os cabelos
que ninguém mais penteará.

**

O DER WEINENDEN KINDER NACHT!
O der weinenden kinder nacht!
Der zum Tode gezeichneten Kinder Nacht!
Der Schlaf hat keinen Eingang mehr.
Schreckliche Wärterinnen
Sind an die Stelle der Mütter getreten,
Haben den falschen Tod in ihre Handmuskeln gespannt,
Säen ihn in die Wände und ins Gebälk –
Überall brütet es in den Nestern des Grauens.
Angst säugt die kleinen statt der Muttermilch.
Zog die Mutter noch gestern
Wie ein weißer Mond den Schlaf heran.
Kam die Puppe mit dem fortgeküssten Wangenrot
In den einen Arm,
Kam das ausgestopfte Tier, lebendig
In der Liebe schon geworden,
In den andern Arm, –
Weht nun der Wind des Sterbens,
Bläst die Hemden über die Haare fort,
Die Niemand mehr kämen wird.
- Nelly Sachs  [tradução Celso Fraga da Fonseca] In: FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017.

§§

EM VÃO
Em vão
queimam as epístolas
na noite das noites
na fogueira da fuga                 
porque o amor se liberta de seu arbusto de espinhos
flagelado em martírio
e começa já com línguas de fogo
a beijar seu céu invisível
quando a vigília lança sombras sobre o muro
e o vento
trêmulo de presságios
com o nó de forca do perseguidor soprado ao vento
reza:

Espera
até que as letras retornem para casa
do deserto chamejante
e sejam alimento de santas bocas
Espera
até que a geologia espiritual do amor
se rache
e que seu tempo arda
e que incandescendo de bem-aventurados sinais
torne a encontrar seu verbo de criação:

lá sobre o papel
que canta a morrer:

Era
no princípio
                    Era
                          Amado
                                      Era –

**

VERGEBENS
Vergebens 
verbrennen die Briefe
in der Nacht der Nächte
auf dem Scheiterhaufen der Flucht
denn die Liebe windet sich aus ihrem Dornenstrauch
gestäupt im Martyrium
und beginnt schon mit Flammenzungen
ihren unsichtbaren Himmel zu küssen
wenn Nachtwache Finsternisse an die Wand wirft
und die Luft
zitternd vor Ahnungen
mit der Schlinge des anwehenden Verfolgers
betet:

Warte
bis die Buchstaben heimgekehrt sind
aus der lodernden Wüste
und gegessen von heiligen Mündern
Warte
bis die Geistergeologie der Liebe
aufgerissen
und ihre Zeitalter durchglüht
und leuchtend von seligen Fingerzeigen
wieder ihr Schöpfungswort fand:

da auf dem Papier
das sterbend singt:

Es war
am Anfang
                    Es war
                          Geliebter
                                      Es war –
- Nelly Sachs  [tradução Matheus Guménin Barreto].  In: BARRETO, Matheus Guménin. Um poema de Nelly Sachs. Revista Sibila, 2020.

§§

AH, AS CHAMINÉS
"E depois que esta minha pele for destroçada,
 mesmo então, sem carne, contemplarei Deus
                                                                  - Jó"

Sobre as moradas da morte, meticulosamente arquitetadas,
Quando o corpo de Israel subiu desfeito em fumaça
Pelo ar —
Uma estrela a acolheu, limpa-chaminés
Envolta em fuligem,
Ou era um raio de sol?
Ah, as chaminés!
Trilhas de liberdade para o pó de Jeremias e de Jó —
Quem vos arquitetou e quem ergueu, pedra por pedra,
A trilha aos imigrantes de fumaça?
Ah, as moradas da morte,
Convidativamente organizadas
Para o hospedeiro da casa, que já foi hóspede —
Ah, vós, dedos
Que pousam o umbral de entrada
Como lâmina entre a vida e a morte —
Ah, vós, chaminés
Ah, vós, dedos
E o corpo de Israel na fumaça pelo ar!

**

O DIE SCHORNSTEINE
Und wenn diese meine Haut zerschlagen sein wird,
 so werde ich ohne Fleisch Gott schauen
.....................................................Hiob

O die Schornsteine
Auf den sinnreich erdachten Wohnungen des Todes,
Als Israels Leib zog aufgelöst in Rauch
Durch die Luft –
Als Essenkehrer ihn ein Stern empfing
Der schwarz wurde
Oder war es ein Sonnenstrahl?

O die Schornsteine!
Freiheitswege für Jeremias und Hiobs Staub –
Wer erdachte euch und baute Stein auf Stein
Den Weg für Flüchtlinge aus Rauch?

O die Wohnungen des Todes,
Einladend hergerichtet
Für den Wirt des Hauses, der sonst Gast war –
O ihr Finger,
Die Eingangsschwelle legend
Wie ein Messer zwischen Leben und Tod –

O ihr Schornsteine,
O ihr Finger,
Und Israels Leib im Rauch durch die Luft!
- Nelly Sachs  [tradução Matheus Guménin Barreto]. Página do autor/19 de outubro de 2020  

§§

POVOS DA TERRA
Povos da Terra
vocês, com a força do desconhecido
firmamento, envoltos como rolos de fios,
vocês, que costuram e de novo desfazem o cosido,
vocês, que adentram o embaraçado das línguas
como em colmeias,
para picar o açúcar
e ser picados –

Povos da Terra,
não destrocem o universo das palavras,
nem retalhem com as facas do ódio
o som, que nasceu com o sopro.

Povos da Terra,
ah, que ninguém pense em morte ao dizer vida –
e não em sangue, ao falar berço –

Povos da Terra,
fiquem as palavras na origem,
pois são elas que podem
aproximar os horizontes dos céus verdadeiros
e, pelo seu avesso,
como a noite bocejando atrás da máscara,
ajudar as estrelas a nascer –

**

VÖLKER DER ERDE
Völker der Erde
ihr, die ihr euch mit der Kraft der unbekannten
Gestirne umwickelt wie Garnrollen,
die ihr näht und wieder auftrennt das Genähte,
die ihr in die Sprachverwirrung steigt
wie in Bienenkörbe,
um im Süßen zu stechen
und gestochen zu werden –

Völker der Erde,
zerstöret nicht das Weltall der Worte,
zerschneidet nicht mit den Messern des Hasses
den Laut, der mit dem Atem zugleich geboren wurde.

Völker der Erde,
O dass nicht Einer Tod meine, wenn er Leben sagt –
und nicht einer Blut, wenn er Wiege spricht –

Völker der Erde,
lasset die Worte an ihrer Quelle,
denn sie sind es, die die Horizonte
in die wahren Himmel rücken können
und mit ihrer abgewandten Seite
wie eine Maske dahinter die Nacht gähnt
die Sterne gebären helfen –
(de Escurecer as Estrelas / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)
- Nelly Sachs [tradução Claudia Cavalcanti]. CAVALCANTI, Claudia. Nelly Sachs: poemas pinçados – tradução de Claudia Cavalcanti. In: Revista Piparote, 5 de maio de 2022.

§§

TODOS OS PAÍSES ESTÃO PRONTOS...
Todos os países estão prontos para levantar-se
do mapa.
Para livrar-se de sua pele de estrelas
ajeitar nas costas
os feixes azuis de seus mares
encaixar suas montanhas nos rastros de fogo
como gorros nos cabelos esfumaçantes.

Estão prontos para levar na mala
o último peso de melancolia, essa boneca-borboleta
sobre cujas asas eles um dia terminarão
a viagem.

**

BEREIT SIND ALLE LÄNDER AUFZUSTEHEN...
Bereit sind alle Länder aufzustehen
von der Landkarte.
Abzuschütteln ihre Sternenhaut
die blauen Bündel ihrer Meere
auf dem Rücken zu knüpfen
ihre Berge mit den Feuerwurzeln
als Mützen auf die rauchenden Haare zu setzen.

Bereit das letzte Schwermutgewicht
im Koffer zu tragen, diese Schmetterlingspuppe,
auf deren Flugel sie die Reise einmal
beenden werden.
.
(De 'E ninguém mais sabe', 1957) 
- Nelly Sachs [tradução Claudia Cavalcanti]. CAVALCANTI, Claudia. Nelly Sachs: poemas pinçados – tradução de Claudia Cavalcanti. In: Revista Piparote, 5 de maio de 2022.

§§

A LINHA RETORCIDA DO SOFRIMENTO
A linha retorcida do sofrimento
apalpando a geometria divinamente inflamada
do Universo
sempre no rastro iluminado até você
e de novo escurecido na vertigem
dessa impaciência de chegar ao fim –

E aqui nas quatro paredes nada
além da mão do tempo pintando
embrião da eternidade
com a luz original sobre a cabeça
e o coração fugitivo acorrentado
saltando de sua vocação: ser uma ferida –

**

DIE GEKRÜMMTE LINIE DES LEIDENS
Die gekrümmte Linie des Leidens
nachtastend die göttlich entzündete Geometrie
des Weltalls
immer auf der Leuchtspur zu dir
und verdunkelt wieder in der Fallsucht
dieser Ungeduld ans Ende zu kommen –
 
Und hier in den vier Wänden nichts
als die malende Hand der Zeit
der Ewigkeit Embryo
mit dem Urlicht über dem Haupte
und das Herz der gefesselte Flüchtling
springend aus seiner Berufung: Wunde zu sein –

.
(De 'Morte ainda celebra a vida', 1961)
- Nelly Sachs [tradução Claudia Cavalcanti]. CAVALCANTI, Claudia. Nelly Sachs: poemas pinçados – tradução de Claudia Cavalcanti. In: Revista Piparote, 5 de maio de 2022.

§§

EM MEU QUARTO
Em meu quarto
onde fica minha cama
uma mesa uma cadeira
um forno de cozinhar
o universo ajoelha-se como em toda parte
para se redimir –
Faço um traço
escrevo o alfabeto
rabisco na parede a sentença suicida
de onde logo brotam os renascimentos
prendo já o firmamento na verdade
e a Terra começa a martelar
a noite se solta
cai
um dente morto da boca –

**

IN MEINER KAMMER
In meiner Kammer
wo mein Bett steht
ein Tisch ein Stuhl
der Küchenherd
kniet das Universum wie überall
um erlöst zu werden
von der Unsichtbarkeit –
Ich mache einen Strich
schreibe das Alphabet
male den selbstmörderischen Spruch an die Wand
an dem die Neugeburten sofort knospen
schon halte ich die Gestirne an der Wahrheit fest
da beginnt die Erde zu hämmern
die Nacht wird lose
fällt aus
toter Zahn vom Gebiß –

.
(De 'Enigmas abrasadores' - 1962-1966)
- Nelly Sachs [tradução Claudia Cavalcanti]. CAVALCANTI, Claudia. Nelly Sachs: poemas pinçados – tradução de Claudia Cavalcanti. In: Revista Piparote, 5 de maio de 2022.

§§

CORO DOS SALVOS
Nós, os salvos,
De cujos ocos ossos a Morte já talhou suas flautas,
Em cujos tendões a Morte já tocou seu arco -
Soa ainda o clamor dos nossos corpos
Com sua música mutilada.
Nós, os salvos,
Pendem ainda as cordas com nós para os nossos pescoços
No céu azul ante nós -
Enchem-se ainda as ampulhetas com o nosso gotejante sangue.
Nós, os salvos,
Devoram-nos ainda os vermes do medo.
Nossas estrelas jazem enterradas na poeira.
Nós, os salvos,
Vos suplicamos:
Mostrai-nos devagar vosso sol.
Guiai-nos passo a passo de estrela em estrela.
Fazei-nos aprender de novo, aos poucos, a vida.
Do contrário, um cantar de pássaro,
O encher-se do balde na fonte
Poderiam reabrir nossas mal cicatrizadas dores
E nos varrer para longe -
Nós vos suplicamos:
Não nos mostreis ainda um cão que possa morder
Pode ser, pode ser
Que viremos pó -
Que viremos pó bem debaixo dos vossos olhos.
O que é que mantém unidos nossos fios?
Nós, os que tornamo-nos sem fôlego,
Cuja alma fugiu da meia-noite para junto d'Ele
Muito antes que o corpo nosso fosse salvo
Na Arca do Instante.
Nós, os salvos,
Nós apertamos vossa mão,
Nós reconhecemos vosso olhar -
No entanto, só o adeus nos mantém ainda unidos,
O adeus em meio ao pó
Nos mantém a vós unidos.

**

CHOR DER GERETTETEN
Wir Geretteten,
Aus deren hohlem Gebein der Tod schon seine Flöten schnitt,
An deren Sehnen der Tod schon seinen Bogen strich –
Unsere leiber klagen noch nach
Mit ihrer verstümmelten Musik.
Wir Geretteten,
Immer noch hängen die Schlingen für unsere Hälse gedreht
Vor uns in der blauen Luft –
Immer noch füllen sich die Stundenuhren mit unserem tropfenden Blut.
Wir Geretteten,
Immer noch essen an uns die Würmer der Angst.
Unser Gestirn ist vergraben im Staub.
Wir Geretteten
Bitten euch:
Zeigt uns langsam eure Sonne.
Führt uns von Stern zu Stern im Schritt.
Lässt uns das Leben leise wieder lernen.
Es könnte sonst eines Vogels Lied,
Das Füllen des Eimers am Brunnen
Unseren schlecht versiegelten Schmerz aufbrechen lassen
Und uns wegschäumen –
Wir bitten euch:
Zeigt uns noch nicht einen beißenden Hund –
Es könnte sein, es könnte sein
Dass wir zu Staub zerfallen –
Vor euren Augen zerfallen in Staub.
Was hält denn unsere Webe zusammen?
Wir odemlos gewordene,
Deren Seele zu Ihm floh aus der Mitternacht
Lange bevor man unseren Leib rettete
In die Arche des Augenblicks.
Wir Geretteten,
Wir drücken eure Hand,
Wir erkennen euer Auge –
Aber zusammen hält uns nur noch der Abschied,
Der Abschied im Staub.
Hält uns mit euch zusammen.
.
(De 'In den Wohnungen des Todes' / 'Nas moradas da morte', 1947)
- Nelly Sachs [tradução Matheus Guménin Barreto]. In:  Tradução & Poesia por Matheus Guménin Barreto. In: A Capivara Cultural, 15 de abril 2023



  • Nelly Sachs, prêmio 'Nobel de Literatura', 1966

FORTUNA CRÍTICA DE NELLY SACHS


BARLOEWEN, Constantin von. Livro dos Saberes: Diálogos com grandes intelectuais do nosso tempo. tradução de Will Moritz. Osasco: Novo Século Editora, 2010.
BARRETO, Matheus Guménin. Um poema de Nelly Sachs. [tradução]. In: Revista Sibila, 2020. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
BARRETO, Matheus Guménin. Nelly Sachs - Tradução & Poesia por Matheus Guménin Barreto. In: A Capivara Cultural, 15 de abril de 2023. Disponível no link.(acessado em 12.3.2024)
EYBEN, Piero Luis Zanetti. Sisudas e herméticas (6 poetas alemãs: Rose Ausländer, Hilde Domin, Mascha Kaléko, Else Lasker-Schüler, Ilse Aichinger e Nelly Sachs).. [tradução]. Brasília: c14, 2019.
CAVALCANTI, Claudia. Nelly Sachs: poemas pinçados – tradução de Claudia Cavalcanti. In: Revista Piparote, 5 de maio de 2022. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
CONSTENHA, Tereixa. A escritora Prêmio Nobel de Literatura que salvou do nazismo outra escritora Prêmio Nobel de Literatura. In: Letras In.Verso e Re.Verso, 19 de dezembro 2017. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
CRAVEIRO, Maria José Rainho. Os Anjos não deixam pegadas: a figura do Anjo em Rainer Maria Rilke e Nelly Sachs. IN: Didaskalia - Universidade Católica Portuguesa,  v. 29 n. 1-2, 1999. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
DURZAK, Manfred (hrsg.). Die deutsché Exilliteratur 1933-1945. Stuttgart: Philipp Reclam Jun, 1973. 
FERRES, Dionísio Moreno. Nelly Sachs: uma poetisa da dor e do amor pelo pertencimento. In: Arquivo Maaravi - Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 17, n. 33, p. 90-105, nov. 2023. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
FONSECA, Celso Fraga da.. Nas moradas da morte: poemas de Nelly Sachs. In: Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 43-76, 2017. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
HÖRSTER, Maria António.. ‘In der Flucht’: a escritora do exílio Nelly Sachs. Elementos para o estudo da sua recepção em Portugal. Edition tranvía, 2007. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
HÖRSTER, Maria António; AZENHA JUNIOR, João; SOUZA, Celeste Henriques Marquês Ribeiro de.. . Aspectos da recepção de Nelly Sachs em Portugal. In: Tradução e recepção Crítico-Valorativa., 2007.
GALLE, Helmut. A poeta das “moradas da morte”. Sobre a obra lírica de Nelly Sachs Pandaemonium Germanicum. In: Revista de Estudos Germanísticos, USP, São Paulo. n. 10, p. 89-112, 2006. Disponível no link. e link. (acessado em 12.3.2024).
LIMA, Christini Roman de.. A escrita do deslocamento - intelectuais exilados e literatura de exílio. In: TL - Todas as Letras: Revista de Língua e Literatura, v. 24, n. 2, p. 1–17. Disponível no link. (acessado 16.3.2024).
LOPES, José Luís Pimenta. A recepção do Holocausto em Portugal: mediação e debate intelectual do pós-guerra até 1968. (Tese de Doutoramento em Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes e Culturas). Universidade do Minho - Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas. 2022. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
MENEZES, Filipe Amaral Rocha de.. Elementos do trágico em Nelly Sachs. In: Nascimento, Lyslei. (Org.). Estudos judaicos: mulheres. 1ª ed., Campinas: Mercado de Letras, 2022, v. 1, p. 96-107.
MENDES, Luciano R.. Paranoia e Mágoa: a poesia de Nelly Sachs. {poemas traduzidos: 'O sonâmbulo'; 'Os velhos'; e ''O cisne' / tradução a partir do alemão por Luciano R. Mendes}. In: Revista Sinuosa, 5 de agosto de 2012. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
MENEZES, Filipe Amaral Rocha de.. Elementos  do  trágico:  os  coros  de  Nelly  Sachs. In: Arquivo  Maaravi:  Revista  Digital  de  Estudos  Judaicos  da  UFMG.  Belo  Horizonte,  v.  6,  n.  10,  mar.  2012. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
MENEZES, Filipe Amaral Rocha de.. A culpa judaica nos poemas de Nelly Sachs. In: IX Congresso Latino-Americano de Estudos do Discursos, 2011, Belo Horizonte. Resumos & Programação - ALED 2011. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2011.
PEREZ, Juliana P.. À margem do abismo: uma interpretação poetológica de “Zürich, zum Storchen”, de Paul Celan. In: Pandaemonium Germanicum v. 10, p. 113-138, 2006. Disponível no link. (acessado em 17.3.2024).
POEMAS. Nelly Sachs. Antología poética por José Luis Reina Palazón. In: Turia, s/data. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024) 
QUINTELA, Paulo. Nelly Sachs. In: Diário de Lisboa, Vida literária e Artística, p. 4-5, 27 de outubro, 1996.
SAGER, Peter. Nelly Sachs. Untersuchungen zu Stil und Motivik ihrer Lyrik. (Dissertation Universitãt Bonn). Bonn: Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universitãt, 1970.
SAGER, Peter. Die Lyrikerin Nelly Sachs. In: Neue Deutsche Hefte, 128, 17. Jg., H. 4, s. 26-45, 1970.
SAINT-MAURICE, Maria Armanda de.. Variações sobre o tema da “intricada comunhão entre Bíblia e Cultura” - Nelly Sachs e Fernando Pessoa. In. Vozes Consonantes, Clepul - Universidade de Lisboa; Gradiva, 2012. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).  
SANTOS, Beatriz de Souza. 'Erstling im Morgengrauenkampf' Uma leitura da imagem de Israel na Lírica de Nelly Sachs (Dissertação Mestrado em Língua e Literatura Alemã). Universidade de São Paulo, 2024.
SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcanti. A poética de Nelly Sachs. In: Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.19, 2011. Disponível no link. (acessado em 12.3.2024).
SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcanti. Nelly Sachs' Chorus Poetics. In: Words, Bodies, Memory. A Festschrift in honor of Irina Sandomirskaja. 1ª ed., Huddinge: Södertöns Högskola, 2019, v. , p. 125-141.
TEODORO, Jorge Benedito de Freitas. A poesia da negatividade [manuscrito]: a poética de Paul Celan sob o olhar teórico de Walter Benjamin. (Tese Doutorado em Letras: Estudos Literários). Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, 2018. Disponível no link. (acessado em 16.3.2024)

****


Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica


OBRAS COMPLETAS DE NELLY SACHS EM ALEMÃO
[Edição comentada em quatro volumes]. Suhrkamp Verlang.
:: Nelly Sachs: Werke. Band 1: Gedichte 1940-1950. [herausgeber/organização Matthias Weichelt]. Berlin: Suhrkamp Verlag, 2010.
:: Nelly Sachs Werke – Band 2. Gedichte 1951-1970. [herausgeber/organização Ariane Huml e Matthias Weichelt]. Berlin: Suhrkamp Verlag, 2010.
:: Nelly Sachs Werke – Band 3: Szenische Dichtungen. [herausgeber/organização Aris Fioretos]. Berlin: Suhrkamp, 2010.
:: Nelly Sachs Werke – Band 4: Prosa und Übertragungen. [herausgeber/organização Aris Fioretos]. Berlin: Suhrkamp Verlag, 2010.

CORRESPONDÊNCIA
:: Briefe der Nelly Sachs. [herausgeber/organização Ruth Dinesen e Helmut Müssener]. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984.
:: Paul Celan, Nelly Sachs: Briefwechsel. [herausgeber/organização Barbara Wiedemann]. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.
:: Hilde Domin / Nelly Sachs. Briefwechsel. [herausgeber/organização e posfácio de Nikola Herweg und Christoph Willmitzer]. Marbach am Neckar: Deutsche Schillergesellschaft, 2016.
-----------------
Informações biográficas / e edições Nelly Sachs
KRICH-AIGNER, Kirsten. Nelly Leonie Sachs (1891–1970). In: The Shavi / Hyman Encyclopedia of Jewish Women, Last updated October 24, 2023. Disponível no link. (acessado em 13.3.2024).

****

Portrat von Nelly Sachs, by Helga Tiemann (Öl auf Leinwand, 1968)


OS DESAPARECIDOS
............................................... a Nelly Sachs

Não foi a terra que os engoliu. Foi o ar?
Tão numerosos como a areia, mas não se tornaram
areia, e sim nada. Em massa
foram esquecidos. Muitas vezes, de mãos dadas, 

como os minutos. Mais do que nós,
porém sem memória. Não registrados,
não decifráveis no pó, mas desaparecidos
seus nomes, colheres e solas. 

Não nos fazem arrepender. Ninguém
os lembra: nasceram,
fugiram, morreram? Saudade deles
não se sente. Sem vazios
é o mundo, porém seguro
pelos que não moram nele,
os desaparecidos. Eles estão em todas as partes. 

Sem os ausentes não haveria nada.
Sem os fugitivos nada seria firme.
Sem os esquecidos nada seria certo. 

Os desaparecidos são justos.
Assim também se vão nossos búzios.

**

DIE VERSCHWUNDENEN
.....................................für Nelly Sachs

Nicht die Erde hat sie verschluckt. War es die Luft?
Wie der Sand sind sie zahlreich, doch nicht zu Sand
sind sie geworden, sondern zu nichte. In Scharen
sind sie vergessen. Häufig und Hand in Hand, 

wie die Minuten. Mehr als wir,
doch ohne Andenken. Nicht verzeichnet,
nicht abzulesen im Staub, sondern verschwunden
sind ihre Namen, Löffel und Sohlen. 

Sie reuen uns nicht. Es kann sich niemand
auf sie besinnen: Sind sie geboren,
geflohen, gestorben? Vermißt
sind sie nicht worden. Lückenlos
ist die Welt, doch zusammengehalten
von dem was sie nicht behaust,
von den Verschwundenen. Sie sind überall. 

Ohne die Abwesenden wäre nichts da.
Ohne die Flüchtigen wäre nichts fest.
Ohne die Vergessenen nichts gewiß. 

Die Verschwundenen sind gerecht.
So verschallen wir auch.
- Hans Magnus Enzensberger [tradução Kurt Scharf e Armindo Trevisan]. In: ENZENSBERGER, Hans Magnus. Eu falo dos que não falam: antologia. [seleção Kurt Scharf; tradução Kurt Scharf e Armindo Trevisan; prefácio Bärbel Gutzat]. São Paulo: Brasiliense, 1985. {edição bilíngue}. 

§§

ZURIQUE, NO HOTEL A CEGONHA
..................................................... Para Nelly Sachs

Falávamos do excesso, da
carência. Do Tu
e Contudo-Tu, do
turvo pela claridade, do
judaico, do
teu Deus.

Dis-
-so.
No dia de uma ascensão, a
catedral ficava acolá, vinha
com algum ouro sobre as águas.

Falávamos do teu Deus, eu falava
contra ele, eu
deixei o coração que possuía
ter esperança:
na
sua palavra suprema, agonizada, na sua
palavra quezilenta –

Teu olho fitou-me, desviou-se
tua boca
seguiu o olho, eu escutei:

Nós
não sabemos mesmo, sabes,
nós
não sabemos mesmo
o que
importa.

**

ZÜRICH, ZUM STOCHEN
........................................................ Für Nelly Sachs

Vom Zuviel war die Rede, vom
Zuwenig. Von Du
und Aber-Du, von
der Trübung durch Helles, von

Jüdischem, von
deinem Gott.
Da- 
von. 
Am Tag einer Himmelfahrt, das

Münster stand drüben, es kam
mit einigem Gold übers Wasser. 
Von deinem Gott war die Rede, ich sprach
gegen ihn, ich
ließ das Herz,
das ich hatte,

hoffen:
auf 
sein höchstes, umröcheltes, sein
haderndes Wort –
Dein Aug sah mir zu, sah hinweg,

dein Mund
sprach sich dem Aug zu, ich hörte: 
Wir 
wissen ja nicht, weißt du, 
wir 

wissen ja nicht, 
was
gilt.
- Paul Celan, em 'Não Sabemos mesmo O Que Importa: Cem Poemas'. [tradução e organização Gilda Lopes Encarnação]. Lisboa. Relógio D’Água, 2014.

****

  • Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica

  • Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica

Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica


Nelly Sachs - dramaturga e poeta alemã de origem judaica | fonte: @europeana

Nelly Sachs receiving the Nobel Prize for Literature from King Gustav Adolf of Sweden: 
Ceremony at City Hall in Stockholm, Sweden  | fonte: @europeana


Nelly Sachs walking with King Gustav Adolf of Sweden at the Nobel Prize Ceremony at City Hall in 
Stockholm. In the background are Princess Sibylla and Professor Ulf von Eulen | fonte: @europeana

Nelly Sachs with Hugo Theorli, Alfred Kastler and Robert S. Miliken fonte: @europeana


  • Photograph of the Nobel laureates Nelly Sachs and Samuel Agnon preparing for the festivities in Stockholm | Taken on 10 December 1966 [1966 Nobel Prize in Literature]



© Pesquisa, seleção, edição e organizaçãoElfi Kürten Fenske
© Seleção e organização dos poemasJosé Alexandre da Silva


© Direitos reservados ao autor/e ou seus herdeiros

=== === ===
Trabalhos sobre o autor 
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

Erros ou atribuições incorretas
:: Caso você encontrar algum erro nos avise através do nosso "e-mail de contato" para que possamos consertar e atualizar as informações;
:: Contribua para que as informações do Templo Cultural Delfos estejam sempre corretas;
:: Primamos pelo conteúdo e a qualidade das informações aqui difundidas;
:: Valorizamos o autor, a obra, o leitor, o patrimônio e a memória cultural da humanidade.

Conteúdo, textos, fotos, caricaturas, charges, imagens e afins
:: Sem identificação: nos ajude a identificar o autor, fontes e afins.
:: Autor(a): caso não concorde com a utilização do seu trabalho entre em contato.

COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten; SILVA
José Alexandre da. (pesquisa, seleção, edição e organização). Nelly Sachs - poeta, dramaturga e tradutora alemã de origem judaica. In: Templo Cultural Delfos, março/2024. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
:: Página atualizada em 17.3.2024.
:: Página original de MARÇO/2024


Direitos Reservados © 2024 Templo Cultural Delfos

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos a visita. Deixe seu comentário!

COMPARTILHE NAS SUAS REDES