Lou Albergaria - arquivo da autora |
O que dizer de mim
que já não esteja
nos muros da cidade
e no álbum
the wall:
Nos sonhos quero
molduras de ar
e na cidade
– fora das gaiolas –
uma paisagem de pássaro
ao Sol.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
Lou Albergaria, economista e poeta. Nasceu em Ponte Nova (MG), no dia 27 de julho de 1969. Tem poemas publicados em vários sites de Literatura e Cultura como Germina, Vidráguas, Mallarmargens e também na Revista E – Sesc/SP. Está sempre nas redes sociais, esparrAmando poesia, arte e alguma transgressão. Mora em Belo Horizonte. Autora dos livros 'Pessoa e esquinas', 'O Cogumelo que nasce na bosta da vaca profana' e 'Doida alquimia'. Mantém o blog sTRIPalavras.
:: Fonte: Editora Patuá.
OBRA POÉTICA DE LOU ALBERGARIA
:: Pessoas e esquinas. Belo Horizonte: edição da autora, 2009.
:: O cogumelo que nasce na bosta da vaca profana. Porto Alegre RS: Editora Vidráguas, 2011.
:: Doida alquimia. São Paulo: Patuá, 2015.
Antologia (participação)
:: Sobre lagartas e borboletas. [organização Chris Herrmann, Adriane Garcia, Adriana Aneli e Maria Balé]. Editora Tubap Books, 2015.
Henri Lebasque, Nu endormi, c.1900 |
A biologia do segredo
Pensam que a semente feminina é imóvel
contida e imutável, - Ah como se enganam os generais!
Na cozinha e nos porões as fêmeas fremem,
alimentam-se de placenta, lambem a lava
- ainda fumegante e esquizofrênica, expelida
do áureo sincretismo, e lambem-se
nos pelos e nas peles, o recôndito das entrâncias
estâncias sobrenaturais do diáfano no corpo
- Ah o corpo!, o corpo modulado
por uma fina e estreita libélula
acaba de engolir uma nave espacial em chamas:
O óvulo não guia; astuciosamente desorienta
aqueles que o temem.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
El sombrero
Dispo-me de tua pele
Que me arruína
Faz o indulgente
Indigente
A morte anuncia
Promessa de vida não cumprida
A fantasia se rasga
Em milhões de rodopios
Cadafalso esmaga o verso
Morre de asfixia
Hoje não te mereço
Entrego-te sem colocar preço
O dlelírio
Tornou-se por demais sombrio
Restou-me pouco sol
Ao largo sombrero.
- Lou Albergaria, no livro "O cogumelo que nasce na bosta da vaca profana". Porto Alegre RS: Editora Vidráguas, 2011.
§
Eis o erro que tira o pecado do mundo
Poesia é o brinquedo
que mais erro
mesmo assim eu quero
mesmo assim desafinada
feito bossa nova
depois do terceiro uísque
mesmo assim apaixonada
feito rock’n’roll
antes dos 27
Eu disse pra mamãe
que conseguiria
parar os relógios
sem precisar matar
um único cordeiro.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
Ser
Estranho
O ser
Que me estranha
As entranhas
O querer ser amado
Enlaçado
Envolto abraço
Assanha
Aranha carne, pele
Seus lábios
A manjedoura
Que me espera
Expele
O gérmen do amor
Que te guardo
Intocado
Nesse tempo etéreo
- Lou Albergaria, no livro "O cogumelo que nasce na bosta da vaca profana". Porto Alegre RS: Editora Vidráguas, 2011.
§
XI
O poema despe
as máscaras, e
a palavra, – livre & nua
brinca
na gangorra
do Tempo:
enquanto os poetas
todos mascarados
se engalfinham
sob os pilotis
pela lápide mais reluzente.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
24 horas
Ah Hipócrita!, por você
hoje me rendo à rima
e nem vou falar de Hiroshima
ou da falta d’água em São Paulo
nem do escândalo
do impeachment da Dilma.
Hoje sou contemporânea
a Pizarnik, e ainda que haja uma jaula
ela é azul
e tem um sol
e pássaros cantando
(e também defecando
mas hoje não é dia de falar disso)
até o Cruzeiro está na final
de mais um campeonato
e se tiver sorte hoje eu vejo um cometa
e se tiver ainda mais sorte
eu te vejo, e te beijo.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
Black friday
O mundo quer liquidar
as fezes sólidas de Júpiter, – juros
altos e múltiplas prestações
a perder de vista:
o sol a lua a hóstia
a glande a vulva
o desejo de não desejar
será esse o silêncio vital a que
tanto busca o poema?
A humanidade, enfim, saciada:
vender e comprar, verbos arcaicos,
não mais necessários. – Será sonho?
Será divino?
– Aceita cartão?
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
Bagagem
A vida não é justa
é estreita quente
& úmida
onde você penetra
o seu medo de falhar
Não, Amor, eu não posso carregar os seus medos
Estou retida na alfândega
- há séculos
por excesso de bagagem
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
Lou Albergaria - arquivo da autora |
O primeiro pássaro
chama-se tempo
Nasce faminto
Cresce faminto
Canta faminto
E quando se cansa
deixa-nos
Pobre rosto – árida areia –
Mas
por sadismo ou loucura
antes de partir
ensina-nos
o inconsumível voo.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Eros
Do amor
sei pouco
Dói
é vermelho
e tem um enorme
sombrero
azul:
me perdi
entre
as suas tramas
e desapareci.
A quem souber
como
me encontrar
ofereço recompensa.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
oVário
uma bolsa guarda o tempo
e os hormônios
que deixam mais loucos os sonhos
os filhos que não tive
(não terei)
hoje são poetas
embrulhados na noite:
n’oVário sentido
tentam me fazer esquecer
que há tempos
eu desapareci
num rio vermelho
ou, ainda menina
dentro de um sonho inventado
no fundo de uma bolsa amarela
ou talvez de alguma
outra bolsa mágica.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
§
O enigma Orides
(para Orides Fontela)
Ser louca
o bastante para jogar
do sexto andar do edifício
os próprios gatos
pela janela
Ser filósofa
o bastante para saber
somente a essência
permanece
Ser poeta
o bastante para amar
essa inocência
e toda a sua crueldade –
Ou talvez tenha sido
apenas a forma – criança –
encontrada por Orides
para elucidar
qual é O
gato de verdade:
– O mais bonito é meu!
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
O homem novo - Salvador Dalí |
Pouco me importa
a via-láctea
Quero o teu leite, Vida
e toda
essa fumaça tóxica
dentro
dos pulmões
São os automóveis
ou é só o homem
atordoado - e micróbio -
tentando
abrir as portas?
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Gnose
Subo ao penhasco
Penhoro as horas
Fim não há.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Picadeiro
E sou nada.
Crianças não fogem
Ao me ver.
O tigre. O palhaço
A mulher barbada
O cisne
E sobre a sua esperança
A indizível espada
Ninguém vê.
Recolho os seus pedaços
Na multidão:
Morto o homem tem mais identidade.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Seis e trinta à vista
Sonho sempre que caio
Num abismo
O telefone desperta
São seis e trinta e ainda durmo
Digo à minha filha que está na hora
E ainda durmo –
O abismo é o abrigo:
Não há relógios nem ordens
Somos livres e ainda durmo!
O silêncio das
Caixas registradoras é quase paz
(se soubesse o que é paz diria que é paz)
Digo somente ainda durmo
No abismo
Não ouço sirenes nem buzinas
Ninguém
Adoece ou pode
Ser atropelado
Não existe mágoa
Pelo pouco resultado
O abismo é
O silêncio dos números!
(Luz
Amor
Morte
E a vida
Tenta se encaixar entre os vãos dos livros
Dos filmes
E dos compromissos taci-
turnos.)
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
O voo sem estantes
Como seria o poeta
Se nunca tivesse lido
Frida Kahlo em O Abraço do amor do Universo, 1949
|
Ou Whitman?
Ana Cristina, Pizarnik
ou Frida?
Iria querer hoje
ler Proust, avencas ou ayahuasca?
E o que dizer de Cervantes
sem o qual não saberíamos
quem foi o verdadeiro amante
Da história e Da utopia
o seu irreal inventor:
Começar do zero significa perder
Drummonds & Cecílias, E todos
os séculos e séculos
que aglutinam
nossa humanidade cajuína:
– Pra que começar do zero
se podemos começar do amor!
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Serpente
Eu gosto do que morre
Pinga feito seiva e sangue
O sêmen da semente
Mesmo morrendo expande
Transforma / evolui
Dilacera e escorre
A morte e sua árvore
O espectro de mistério
Jamais alcançado
Como a cenoura à frente do burro
Assim é a palavra
Sempre à frente do poeta
Esta sim, comeu o fruto
Muito antes de Eva.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Em todas as línguas
“O que é poesia, professor W?”
Os humanos cerebrais saíram
de suas casas
e estão atrás
das melhores respostas
Eu continuo aqui dentro
no meu pequeno jardim
e sinto germinar
a muda
semente do sonho:
amor-me-quer
amor-me-célula
Amor,
Me cure
Em todas as línguas:
beije minha margarida!
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
A flor
(I versão)
Carnívora
Túrgida
Faminta
ungida em mel
e dentes
morde e mastiga
(re)mói
o amor
e sangra
antes de engolir o mundo.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Perto do sol selvagem
Devagar escreva SOL
abra a braguilha dele
insira a mão
e os olhos
na ponta dos dedos
Abra um pouco mais
o cinto
Inicie o movimento
Queime o que mais sabe
e ainda mais
o que pensa sabê-Lo
E por fim aceite a matéria
de que são feitos
todos os sóis, a natureza
da luz e os seus quartos escuros
eclipse, elipses, o enigma:
Estou numa nave espacial
e não vejo Deus
Daqui, dessa perspectiva
humana
somos somente relógios
e o desejo
de não ser
consumidos
pela pior versão de nós mesmos.
- Lou Albergaria (inédito 2016).
§
Que meu último poema
seja um pássaro, sim
e leve consigo uma folha
nas nádegas: passei por aqui,
e no contrapelo
amei o humano
mais do que poderia ter amado
a mim mesmo.
- Lou Albergaria, no livro "Doida alquimia". São Paulo: Patuá, 2015.
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OUTROS CANTOS: POEMAS DE LOU ALBERGARIA
:: Lou Albergaria. in: Vidráguas. Disponível no link. (acessado em 3.8.2016).
:: lou albergaria: uma rima = poesia. in: Germina - revista de literatura e arte, junho 2013. Disponível no link. (acessado em 3.8.2016).
:: lou albergaria. in: Germina - revista de literatura e arte.. Disponível no link. (acessado em 3.8.2016).
:: Doida alquimia - Lou Albergaria. in: mallamargens - revista de poesia e arte contemporânea, 5 setembro, 2015. Disponível no link. (acessado em 3.8.2016).
:: Com o Cetro: Lou Albergaria (Entrevista). in: Castelo do poeta, 17 de abril de 2012. Disponível no link. (acessado em 3.8.2016).
:: Inéditos & Despertos: mais alguns poemas de Lou Albergaria. in: Mallamargens, 7.8.2016. Disponível no link. (acessado em 8.8.2016).
© Direitos reservados a autora
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske
Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Lou Albergaria - a poética da transgressão. Templo Cultural Delfos, agosto/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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