COMPARTILHE NAS SUAS REDES

Joseph Brodsky - o poeta e o mundo

 Joseph Brodsky
Joseph Brodsky (Иосиф Бродский), pseudônimo de Iosif Aleksandrovich Brodsky (Leningrado, 24 de maio de 1940 — Nova Iorque, 28 de janeiro de 1996)  poeta, romancista, ensaísta, tradutor e dramaturgo
russo naturalizado americano, que escrevia em russo e em inglês. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1987. De família judaica, Joseph Brodsky, provavelmente o maior poeta russo do século 20, nasceu em 1940 em São Petersburgo, então Leningrado. Seu pai, Aleksándr Brodsky, um fotógrafo, trabalhou como correspondente de guerra. De 1942 a 1944, já durante o Cerco de Leningrado, Joseph esteve na evacuação com sua mãe, Maria Volpert.
Brodsky largou o colégio aos 15 anos de idade – por um lado, para ajudar os pais e, por outro, por não adaptar-se aos ditames soviéticos – e então passou por diversos trabalhos, como o de torneiro mecânico e o de assistente numa expedição geológica. Começou a escrever aos 18, 19 anos de idade e educou-se sozinho (aprendeu polonês, inglês, filosofia clássica, mitologia e religião). 
Em 1963, depois de um artigo que difamava um de seus poemas, Brodsky foi detido e mandado para uma instituição de doentes mentais e, em seguida, preso e acusado de “parasitismo social” (trechos deste estranho processo, no qual ele se declara poeta, foram usados na peça Liberdade, liberdade, escrita por Millôr Fernandes e Flavio Rangel em 1965). Como sentença, foi mandado ao exílio para cumprir cinco anos de trabalhos forçados. Protestos de figuras do quilate de Jean Paul Sartre, Dmítri Chostakóvitch e Anna Akhmátova fizeram com que Brodsky fosse solto em 1965. Aliás, como se sabe, Anna Akhmátova louvou publicamente o trabalho do então jovem poeta e foi quem o apresentou a Marina Basmanova, uma jovem e enigmática pintora, com quem ele casou e teve seu primeiro filho e a quem dedicou muitos de seus poemas. Depois de alguns anos, Marina o deixou. 
Joseph Brodsky
Em 1972, Brodsky, obrigado a sair da Rússia, seguiu para Viena, onde conheceu o poeta W. H. Auden, que o ajudou a integrá-lo à Universidade de Michigan. Foi professor visitante em várias universidades importantes, como Columbia e Cambridge. Em 1979 recebeu o título honorário de doutor em letras pela Yale. Outros tantos títulos e prêmios passaram a fazer parte de seu currículo.
Além de poeta, Joseph Brodsky foi ensaísta, dramaturgo e tradutor e escrevia tanto em russo como em inglês (ele mesmo traduzia seus poemas para o inglês). Traduzido desde a década de 1960 para várias línguas (na Rússia circulou por muito tempo basicamente em edições clandestinas), seu nome tornou-se ainda mais conhecido depois do prêmio Nobel, que recebeu em 1987, e por seus pontos de vista ─ eruditos, independentes, irônicos e líricos. 
Já tendo passado por uma operação no coração, no dia 28 de novembro de 1996, em Nova Iorque, um ataque cardíaco lhe tirou a vida aos 55 anos de idade. 
:: Fonte: Editora Kalinka


OBRA DE JOSEPH BRODSKY EM PORTUGUÊS
Joseph Brodsky, ca. 1988.  foto: Anefo/Croes, R.C.
BRASIL
Poesia
:: Quase uma elegia. Joseph Brodsky. [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.

Ensaio
:: Menos que um: ensaios. Joseph Brodsky. [tradução de Sergio Flaksman]. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
:: Marca d’Água. Joseph Brodsky. [tradução Júlio Castañon Guimarães]. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

Antologia (participação)
:: Poesia soviética. [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.


PORTUGAL
:: Marca de Água. Joseph Brodsky.. [tradução de Ana Luísa Faria]. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
:: Um ateu no campo. Joseph Brodsky. [tradução/versão de João Rodrigues]. Lisboa: Edições Pirata, 2000.
:: Paisagem com inundação. Joseph Brodsky (Iosif Brodskii). [introdução e tradução de Carlos Leite]. Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.


 Joseph Brodsky - foto: Maria Sozzani
POEMAS DE JOSEPH BRODSKY

QUASE UMA ELEGIA
Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
minha suposição. Pois algum dia
também eu fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava sorrateiro
uma beldade -rápido- descendo
a escada principal.
Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o "aonde" acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Pêras pensas,
cheias de seiva nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.

(Outono 1968)
.

ПОЧТИ ЭЛЕГИЯ
В былые дни и я пережидал
холодный дождь под колоннадой Биржи.
И полагал, что это - божий дар.
И, может быть, не ошибался. Был же
и я когда-то счастлив. Жил в плену
у ангелов. Ходил на вурдалаков.
Сбегавшую по лестнице одну
красавицу в парадном, как Иаков,
подстерегал.
Куда-то навсегда
ушло все это. Спряталось. Однако,
смотрю в окно и, написав "куда",
не ставлю вопросительного знака.
Теперь сентябрь. Передо мною - сад.
Далекий гром закладывает уши.
В густой листве налившиеся груши
как мужеские признаки висят.
И только ливень в дремлющий мой ум,
как в кухню дальних родственников - скаред,
мой слух об эту пору пропускает:
не музыку еще, уже не шум.

(Осень 1968)
- Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), no livro "Quase uma elegia". [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher; Introdução e textos complementares de Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

§

SOBRE A MORTE DE JÚKOV
Eu vejo netos, fila a fila, atentos,
A carreta, o cavalo e um ataúde.
O vento que me chega não alude
Aos sopros russos a tocar lamentos.
Condecorado jaz quem fora forte:
O grande Jukov parte para a morte.

Guerreiro que arrasou muros malgrado
Uma espada pior que a do oponente,
Que, ao manobrar com brilho inigualado,
Foi o Aníbal do Volga – e surdamente
findou seus dias como Belisário
ou Pompeu, em desgraça e sem amparo.

Derramar tanto sangue de soldado
no estrangeiro o deixara contrafeito?
Lembrou-se deles ao morrer num leito
branco e civil? Quem sabe está calado.
Que lhes dirá quando, no inferno agora,
encontrá-los? “Lutei pela vitória.”

Jukov não há de erguer mais, pelejando
por uma causa justa, a mão direita.
Repousa! A história russa não rejeita
Uma página àqueles que, em comando,
Marchavam bravos sobre solo alheio,
Mas voltavam ao próprio com receio.

O Letes – Marechal! – há de sedento
tragar estas palavras e os teus restos.
Recebe-as, pois tributos são modestos
a quem salvou a pátria – isto eu sustento.
Rufa, tambor, ressoa sem demora,
flauta marcial, que nem ave canora.


(1974)
.

НА СМЕРТЬ ЖУКОВА
Вижу колонны замерших звуков,
гроб на лафете, лошади круп.
Ветер сюда не доносит мне звуков
русских военных плачущих труб.
Вижу в регалиях убранный труп:
в смерть уезжает пламенный Жуков.

Воин, пред коим многие пали
стены, хоть меч был вражьих тупей,
блеском маневра о Ганнибале
напоминавший средь волжских степей.
Кончивший дни свои глухо в опале,
как Велизарий или Помпей.

Сколько он пролил крови солдатской
в землю чужую! Что ж, горевал?
Вспомнил ли их, умирающий в штатской
белой кровати? Полный провал.
Что он ответит, встретившись в адской
области с ними? "Я воевал".

К правому делу Жуков десницы
больше уже не приложит в бою.
Спи! У истории русской страницы
хватит для тех, кто в пехотном строю
смело входили в чужие столицы,
но возвращались в страхе в свою.

Маршал! поглотит алчная Лета
эти слова и твои прахоря.
Все же, прими их – жалкая лепта
родину спасшему, вслух говоря.
Бей, барабан, и военная флейта,
громко свисти на манер снегиря.

(1974)
- Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), no livro "Quase uma elegia". [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher; Introdução e textos complementares de Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

§

ODISSEU A TELÊMACO
Caro Telêmaco,
                            encerrou-se a Guerra
de Tróia. Quem venceu, não lembro. Gregos,
sem dúvida: só gregos deixariam
tantos defuntos longe de seu lar.
Mesmo assim, o caminho para casa
mostrou-se demasiado longo, como
se Posseidon, enquanto ali perdíamos
nosso tempo, tivesse ampliado o espaço.

Não sei nem onde estou nem o que tenho
diante de mim, que suja ilhota é esta,
que moitas, casas, porcos a grunhir,
jardins abandonados, que rainha,
capim, raízes, pedras. Meu Telêmaco,
as ilhas todas se parecem quando
já se viaja há tanto tempo, o cérebro
confunde-se contando as ondas, o olho
chora entulhado de horizonte e a carne
das águas nos entope enfim o ouvido.
Não lembro como terminou a guerra
e quantos anos tens, tampouco lembro.

Cresce, Telêmaco meu filho, os deuses,
só eles sabem se nos reveremos.
Não és mais o garoto em frente a quem
contive touros bravos. Viveríamos
juntos os dois, não fosse Palamedes,
que estava, talvez, certo, pois, sem mim,
podes, liberto das paixões de Édipo,
ter sonhos, meu Telêmaco, impolutos.

(1972)
.

ОДИССЕЙ ТЕЛЕМАКУ
Мой Телемак,
         Троянская война
окончена. Кто победил -- не помню.
Должно быть, греки: столько мертвецов
вне дома бросить могут только греки...
И все-таки ведущая домой
дорога оказалась слишком длинной,
как будто Посейдон, пока мы там
теряли время, растянул пространство.
Мне неизвестно, где я нахожусь,
что предо мной. Какой-то грязный остров,
кусты, постройки, хрюканье свиней,
заросший сад, какая-то царица,
трава да камни... Милый Телемак,
все острова похожи друг на друга,
когда так долго странствуешь, и мозг
уже сбивается, считая волны,
глаз, засоренный горизонтом, плачет,
и водяное мясо застит слух.
Не помню я, чем кончилась война,
и сколько лет тебе сейчас, не помню.

Расти большой, мой Телемак, расти.
Лишь боги знают, свидимся ли снова.
Ты и сейчас уже не тот младенец,
перед которым я сдержал быков.
Когда б не Паламед, мы жили вместе.
Но может быть и прав он: без меня
ты от страстей Эдиповых избавлен,
и сны твои, мой Телемак, безгрешны.

(1972)
- Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), no livro "Quase uma elegia". [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher; Introdução e textos complementares de Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

§

Eu era apenas quanto...
Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.

Eu era, embaixo, quanto
notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.

Foste quem logo, ardente,
criou-me a sussurrar,
seja à direita, à esquerda,
a concha auricular.

Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.

Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.

E, assim, criam-se mundos
que são postos de lado,
girando, quando prontos,
presente abandonado. 

Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio.
.

Я был только тем, чего...
Я был только тем, чего
ты касалась ладонью,
над чем в глухую, воронью
ночь склоняла чело.

Я был лишь тем, что ты
там, внизу, различала:
смутный облик сначала,
много позже - черты.

Это ты, горяча,
ошую, одесную
раковину ушную
мне творила, шепча.

Это ты, теребя
штору, в сырую полость
рта вложила мне голос,
окликавший тебя.

Я был попросту слеп.
Ты, возникая, прячась,
даровала мне зрячесть.
Так оставляют след.

Так творятся миры.
Так, сотворив их, часто
оставляют вращаться,
расточая дары.

Так, бросаем то в жар,
то в холод, то в свет, то в темень,
в мирозданьи потерян,
кружится шар.
- Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), no livro "Quase uma elegia". [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher; Introdução e textos complementares de Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

§

24 DE MAIO DE 1980  
Enfrentei, na falta de feras, jaulas de aço,
escavei meu apelido, e o tempo que me faltava para cumprir,
em colunas e paredes nuas de concreto,
vivi à beira-mar, tirei azes da manga num oásis,
jantei com só-o-Diabo-sabe-quem, de casaca, comendo trufas.
Do alto de uma geleira. olhei meio mundo, a terra
quase inteira. Quase me afoguei duas vezes,
por três deixei que facas esburacassem a minha pança.
Abandonei o país em que nasci e que me viu crescer.
Os que me esqueceram dariam a população de uma cidade inteira.
Percorri as estepes que viram os Hunos berrando do alto de suas selas,
usei roupas que, hoje, por toda parte, estão voltando à moda,
plantei centeio, cobri de pixe o telheiro de estábulos e chiqueiros,
nesta vida só não bebi água seca.
Deixei que o terceiro olho das sentinelas se esgueirasse para dentro
de meus sonhos úmidos e sinistros. Comi o pão do exílio, mofado, encaroçado.
Concedi a meus pulmões todos os sons, exceto o urro;
preferi o gemido. Hoje, estou fazendo quarenta anos.
Que posso dizer da vida? Que é longa e detesta a transparência.
Ovos quebrados me entristecem; mas omeletes me enjoam.
E, no entanto, até que me enfiem argila pela goela abaixo,
tudo o que posso fazer sair dela é gratidão.

(1980)
.

Я входил вместо дикого зверя в клетку... 
Я входил вместо дикого зверя в клетку,
выжигал свой срок и кликуху гвоздем в бараке,
жил у моря, играл в рулетку,
обедал черт знает с кем во фраке.
С высоты ледника я озирал полмира,
трижды тонул, дважды бывал распорот.
Бросил страну, что меня вскормила.
Из забывших меня можно составить город.
Я слонялся в степях, помнящих вопли гунна,
надевал на себя что сызнова входит в моду,
сеял рожь, покрывал черной толью гумна
и не пил только сухую воду.
Я впустил в свои сны вороненый зрачок конвоя,
жрал хлеб изгнанья, не оставляя корок.
Позволял своим связкам все звуки, помимо воя;
перешел на шепот. Теперь мне сорок.
Что сказать мне о жизни? Что оказалась длинной.
Только с горем я чувствую солидарность.
Но пока мне рот не забили глиной,
из него раздаваться будет лишь благодарность.

(1980)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

ALLENBY ROAD
Ao entardecer, quando as ruas paralisadas perdem
as esperanças de ouvir soar uma ambulância, decidindo-se afinal
por chineses que passeiam a esmo, enquanto os olmos imitam o mapa
de um país vestido com roupa khaki, que embala seus inimigos,
a vida vai pouco a pouco ficando míope, remendada,
aquilina, geométrica, sem brilho
e sem detalhes – cornijas, maçanetas de porta, Cristos –
que realcem as silhuetas: chaminés, telhados, um crucifixo.
Teu gesto de fechar as persianas desencadeia a teoria
do dominó, pois não importa o tamanho do nó
que se desfaça em tua garganta, as futuras bolas de neve,
à luz da lâmpada, sempre formarão o perfil de um inevitável “não”.
Não é porque, ultimamente, os preços andem salgados,
mas ninguém ousa pegar essa bolsinha de tijolos
cheia de trocados, que mal dá para pagar uma boa noite de sono.

(1981)
.

ALLENBY ROAD
На закате, когда у ослабших улиц надежды нет
на сирену скорой, когда на них ступит нога
китаёзы, вязы перенимают очертанья и цвет
страны цвета хаки, убаюкивающей врага,
жизнь становится близорука, озираясь окрест 
взором орла, которому не дано
вникнуть в детали — так видят лишь форму, крест,
не замечая Христа, что распят на нём.
Хлопнув ставней, запустишь эффект домино толчком,
сколь ни плавится в глотке льда, с каждым «нет»
разбухает грядущего снежный ком,
измышляя посредством лампы твой силуэт.
И вовсе не потому, что вины с лихвой,
не потому, что здесь запредельна цена,
уже никто из кармана не выкрадет твой
кирпич, чтобы обрести хоть немного сна.

(1981)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

Joseph Brodsky, by CastrumAethereu
À NOITE
A neve polvilhou o feno

por um buraco no telhado.

Procurei dentro do feno,
encontrei a borboleta.
Da morte certa se salvou 
a borboleta. A borboleta
dentro do feno se meteu,
ali invernando se salvou.

Dele se desprende, olha o morcego
no teto, a parede de tábuas,
iluminada e clara, o meu rosto.
Tomo-a nos dedos, vejo o seu pólen,
distante do fogo e de minhas mãos.

Completamente sós
no crepúsculo sombrio,
meus dedos estão cálidos
como um dia de junho.

(1965)
.

ЗИМНИМ ВЕЧЕРОМ НА СЕНОВАЛЕ 
Снег сено запорошил
сквозь щели под потолком.
Я сено разворошил
и встретился с мотыльком.
Мотылек, мотылек,
от смерти себя сберег,
забравшись на сеновал.
Выжил, зазимовал.

Выбрался и глядит,
как "летучая мышь" чадит,
как ярко освещена
бревенчатая стена.
Приблизив его к лицу,
я вижу его пыльцу
отчетливей, чем огонь,
чем собственную ладонь.

Среди вечерней мглы
мы тут совсем одни.
И пальцы мои теплы,
как июльские дни.

(1965)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

A URÂNIA                  
para I.K.

Tudo tem limite, inclusive a mágoa.
O olhar esbarra na vidraça como a folha na grade.
Podes engolir em seco. Agitar tuas chaves.
A solidão é o homem ao quadrado.
O dromedário franze o cenho ao farejar os trilhos.
O vazio se estende como uma perspectiva infinita.
E afinal o que é o espaço, senão
a ausência de um corpo a cada ponto dado?
Por isso é que Urânia é mais velha que Clio.
De dia, ou à luz de sebosos candeeiros,
veja: ela nada oculta
e, se olhares fixo para o globo, é a sua nuca que verás.
Ei-los, os bosques carregados de mirtilos,
os rios, onde se pode pescar esturjões com a mão,
e as cidades cujos catálogos telefônicos
já não te incluem. Mais para o sul,
melhor dizendo, para sudeste, erguem-se as escuras montanhas,
éguas selvagens correm entre as bétulas
e os rostos amarelecem. Mais adiante, singram os cruzadores
e a amplidão fica azul clarinho como roupa de baixo rendada.
.

КУРАНИИ
И.К.

У всего есть предел: в том числе, у печали.
Взгляд застревает в окне, точно лист ≈ в ограде.
Можно налить воды. Позвенеть ключами.
Одиночество есть человек в квадрате.
Так дромадер нюхает, морщась, рельсы.
Пустота раздвигается, как портьера.
Да и что вообще есть пространство, если
не отсутствие в каждой точке тела?
Оттого-то Урания старше Клио.
Днем, и при свете слепых коптилок,
видишь: она ничего не скрыла
и, глядя на глобус, глядишь в затылок.
Вот они, те леса, где полно черники,
реки, где ловят рукой белугу,
либо ≈ город, в чьей телефонной книге
ты уже не числишься. Дальше, к югу,
то есть, к юго-востоку, коричневеют горы,
бродят в осоке лошади-пржевали;
лица желтеют. А дальше ≈ плывут линкоры,
и простор голубеет, как белье с кружевами.
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

ALDEIAS DE PEDRA
As aldeias da Inglaterra feitas de pedra.
Uma catedral engarrafada numa janela de pub.
Vacas dispersos pelo campo afora.
Monumentos para reis.

Um homem, dentro de um terno comido pelas traças,
vê um trem partir rumo, como todo o resto aqui, ao mar;
e sorri para a sua filha, que está indo para o leste.
Um apito sopra.

E o céu interminável sobre as telhas
fica mais azul ao encher-se com o expansivo canto dos pássaros...
quanto mais clara se ouvir a canção,
menor é o pássaro.

(1975-6)
.

английские каменные деревни. 
бутылка собора в окне харчевни. 
коровы, разбредшиеся по полям. 
памятники королям.
человек в костюме побитом молью 
провожает поезд, идущий, как все тут, к морю, 
улыбается дочке, уезжающей на восток. 
раздается свисток.
и бескрайнее небо над черепицей 
тем синее, чем громче птицей 
оглашаемо. и чем громче поет она, 
тем все меньше видна.

(1975-6)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

AMANTE HOLANDESA *
para Pauline Aarts

Um hotel em cujos registros as partidas são mais proeminentes do que chegadas.
Com úmidos Koh-i-noors a chuva de outubro
açoita o que sobrou do cérebro nu.
Neste país, que foi feito plano para o benefício dos rios,
a cerveja cheira a Alemanha e as gaivotas estão
no ar como os cantos dobrados de uma página de livro.
A manhã entra pela casa adentro com a pontualidade 
de um legista, encosta a orelha
nas costelas de um aquecedor frio, detecta abaixo de zero:
o pós-vida tem de começar em alguma parte.
Ao mesmo tempo, os cachos angelicais
ficam mais louros, a pele ganha uma alvura 
distante e senhorial, enquanto a roupa de cama já se enrosca
desesperadamente na lavanderia do porão.

(1981)
.

DUTCH MISTRESS
To Pauline Aarts

A hotel in whose ledgers departures are more prominent than arrivals.
With wet Koh-i-noors the October rain
strokes what’s left of the naked brain.
In this country laid flat for the sake of rivers,
beer smells of Germany and seagulls are
in the air like a page’s soiled corners.
Morning enters the premises with a coroner’s
punctuality, puts its ear
to the ribs of a cold radiator, detects sub-zero:
the afterlife has to start somewhere.
Correspondingly, the angelic curls
grow more blond, the skin gains its distant, lordly
white, while the bedding already coils
desperately in the basement laundry.

(1981)
.

ГОЛЛАНДСКАЯ ПОДРУГА
Паулине Аартс

Отель, в чьих гроссбухах отъезды от вселений отличны резко.
Октябрьский дождь, штрихующий под шумок
сырым кохинором мой обнажённый мозг.
В этой плоской стране, где раздолье рекам,
пиво пахнет Германией, чаек полёт 
подобен страницам с засаленными уголками.
Утро как коронер в комнаты проникает —
пунктуальное, ухом прильнёт
к рёбрам твоей батареи и констатирует: «ноль».
Где начинаться грядущему, не всё одно ль?
Аналогично, ангельские локоны у неё
чуть светлее, и кожа под стать белизною бальной —
холодна и надменна. Покамест постельное бельё
отчаянно извивается в прачечной полуподвальной.

(1981)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.
* Poema escrito originalmente em inglês 

§

AMOR
Duas vezes despertei, durante a noite, e fui
para a janela. As lâmpadas, na rua,
eram um pedaço de uma frase dita em sonhos,
levando a parte alguma, como reticências,
sem trazer consolo ou alegria.

Sonhei contigo, quando grávida, e hoje;
tenho vivido tantos anos longe de ti,
senti toda a minha culpa; e suas mãos,
ao tocaram alegremente o teu ventre,
estavam na verdade remexendo

no interruptor da luz. Indo até a janela,
percebi ter-te deixado lá sozinha,
no escuro, no sonho, onde pacientemente
me esperaste, sem me culpar,
até que voltei daquela insólita

interrupção. Pois o escuro, este que a luz
finalmente rompe, dura muito;
nele nos casamos, foi nele que fizemos
amor; e as crianças vieram para
justificar nossa nudez.

Em alguma noite do futuro virás
de novo para mim, cansada, mais magra,
e verei um filho ou filha,
ainda sem nome – desta vez
não correrei para a tomada, nem

tirarei a mãos, pois não tenho o direito
de te abandonar nos domínios das sombras
silenciosas, diante da cerca dos dias,
caindo na dependência de uma realidade
que me contém – e inatingível.
.

ЛЮБОВЬ
Я дважды пробуждался этой ночью
и брел к окну, и фонари в окне,
обрывок фразы, сказанной во сне,
сводя на нет, подобно многоточью,
не приносили утешенья мне.

Ты снилась мне беременной, и вот,
проживши столько лет с тобой в разлуке,
я чувствовал вину свою, и руки,
ощупывая с радостью живот,
на практике нашаривали брюки

и выключатель. И бредя к окну,
я знал, что оставлял тебя одну
там, в темноте, во сне, где терпеливо
ждала ты, и не ставила в вину,
когда я возвращался, перерыва

умышленного. Ибо в темноте —
там длится то, что сорвалось при свете.
Мы там женаты, венчаны, мы те
двуспинные чудовища, и дети
лишь оправданье нашей наготе.

В какую-нибудь будущую ночь
ты вновь придешь усталая, худая,
и я увижу сына или дочь,
еще никак не названных,— тогда я
не дернусь к выключателю и прочь

руки не протяну уже, не вправе
оставить вас в том царствии теней,
безмолвных, перед изгородью дней,
впадающих в зависимость от яви,

с моей недосягаемостью в ней.
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

CANÇÃO DE BELFAST
Esta garota é de uma cidade perigosa.
Corta seu cabelo bem curtinho
para que uma parte a menos de seu corpo se arrepie  
quando ferem alguém.

Dobra as suas memórias como um páraquedas.
Abandonada, recolhe a turfa
e cozinha em casa os seus legumes: aqui, 
eles comem onde matam.

Ah, nestas partes há mais céu do que, digamos,
terra. Donde o timbre de sua voz;
um olhar que te mancha a retina como um olho
cinzento quando mudas

de hemisfério, e a saia xadrez curtinha, cortada 
de modo a flutuar no vento.
Sonho com ela bem amada ou bem matada,
pois esta cidade é pequena.

(1986)
.

BELFAST TUNE
Мотив Белфаста

Девушка из опасного места
коротко стрижена — чтоб
стать при стрельбе мишенью поменьше,
не морщить от ран лоб.

Память — её парашют. А дома
на торфе кипит вода,
варятся овощи. Здесь это норма:
стрелять там, где едят.

В этих краях больше неба, чем тверди —
поэтому чист мотив.
Серые лампочки глаз ответят
сетчатке, переключив

полушарья. Тяжёлая юбка —
чтобы ветер не смял.
То мёртвой мне снится — то любящей, юной.
Слишком уж город мал.

(1986)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

CARTA A UM ARQUEÓLOGO**
Cidadão, inimigo, filhinho da mamãe, lixo
total, mendigo, refujew, verrucht;
um escalpo tantas vezes escaldado em água quente
que o débil cérebro sente-se cozido.
Sim, aqui moramos: neste monte de entulho,
concreto, tijolos, madeira que ora vens peneirar.
Cruzados, farpados eram nossos arames, entrelaçados, enroscados.
Não amávamos nossas mulheres e, assim mesmo, elas concebiam.
Agudo é o som da picareta que bate em ferro puro
e, no entanto, é mais suave do que o que nos diziam,
ou o que éramos forçados a dizer.
Estrangeiro! Cuidado ao andar sobre a nossa putrefação:
o que é podridão para ti é a liberdade para as nossas células.
Esquece nossos nomes. Não tenta reconstruir estas vogais,
consoantes etc., pois elas não soam como cotovias
e, sim, como mastins enlouquecidos, que devoram
suas próprias fezes e pegadas, e latem, e latem.

(1985)
.

LETTER TO AN ARCHAEOLOGIST
Citizen, enemy, mama’s boy, sucker, utter
garbage, panhandler, swine, refujew, verrucht;
a scalp so often scalded with boiling water
that the puny brain feels completely cooked.
Yes, we have dwelt here: in this concrete, brick, wooden
rubble which you now arrive to sift.
All our wires were crossed, barbed, tangled, or interwoven.
Also: we didn’t love our women, but they conceived.
Sharp is the sound of the pickax that hurts dead iron;
still, it’s gentler than what we’ve been told or have said ourselves.
Stranger! move carefully through our carrion:
what seems carrion to you is freedom to our cells.
Leave our names alone. Don’t reconstruct those vowels,
consonants, and so forth: they won’t resemble larks
but a demented bloodhound whose maw devours
its own traces, feces, and barks, and barks.

(1985)
.

ПИСЬМО АРХЕОЛОГУ
Горожанин, стервец, сосунок, паразит, воришка,
тунеядец, убоище, бе́жидец, швайн, кретин.
Хилый мозг в черепушке, должно быть, давно сварился —
столько раз был ошпарен скальп кипятком крутым.
Да, мы жили в этих обломках, на этой свалке,
что ты прибыл просеивать, чтя своё ремесло.
Провода были для колючек, а не для связи.
Мы подруг не любили, но пузо у них росло.
Омерзителен звук кирки, задевшей железо —
но нежнее тех звуков, что были у нас в чести.
Незнакомец! касайся падали нашей, жалея:
в ней свобода от клеток. Апофеоз частиц.*
Пощади имена. Не упорствуй в гласных, согласных
и т.д.: там не птичьи трели — терзающий мозг
визг безумной дворняги, жрущей с зубовным лязгом
за собою собственное дерьмо.
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.
* Ср.: "Только пепел знает, что значит сгореть дотла". 
** Poema escrito originalmente em inglês 

§

DEFINIÇÃO DA POESIA
À memória de Federico Garcia Lorca.
           Conta a lenda que, antes de ser
         fuzilado, ele viu o sol erguer-se
          por detrás dos soldados e disse:
                       “E no entanto ele ainda
                                           se levanta”.
                       Talvez fosse o início do
                                   um novo poema.
.
Rever por um instante a paisagem
por traz de janelas em que se debruçam 
nossas mulheres,
nossos semelhantes,
nossos poetas.
Rever a paisagem 
por trás do túmulo de nossos camaradas
e a neve que cai devagar
quando o amor nos desafia.
Rever
a torrente suja da chuva deslizando
sobre os azulejos e confundindo tudo,
desmanchando as palavras de ordem.
Rever,
sobre a terra inóspita,
a cruz que estende seus derradeiros braços
enrijecidos.
Numa noite de lua
rever a sombra alongada
das arvores e dos homens.
Numa noite de lua,
rever a água benta do rio
brilhando como calças
muito gastas.
Depois, ao raiar do dia,
Ver mais uma vez a estrada branca
por onde surgirá o pelotão. 
E finalmente rever
o sol que se levanta por entre as nucas estrangeiras
dos soldados.

(1959)
.

ОПРЕДЕЛЕНИЕ ПОЭЗИИ
                  / памяти Федерико Гарсия Лорки/
/Существует своего рода легенда, что перед расстрелом 
он увидел, как над головами солдат поднимается солнце. 
И тогда он произнес:
– А все-таки восходит солнце....
Возможно, это было началом стихотворения./
.
Запоминать пейзажи
за окнами в комнатах женщин,
за окнами в квартирах родственников,
за окнами в кабинетах сотрудников.
Запоминать пейзажи
за могилами единоверцев.
Запоминать
как медленно опускается снег,
когда нас призывают к любви.
Запоминать небо,
лежащее на мокром асфальте,
когда напоминают о любви к ближнему.
Запоминать
как сползающие по стеклу мутные потоки дождя,
искажают пропорции зданий,
когда нам объясняют, что мы должны делать.
Запоминать
как над бесприютной землей
простирает последние прямые руки
крест.
Лунной ночью
запоминать длинную тень,
отброшенную деревом или человеком.
Лунной ночью
запоминать тяжелые речные волны
блестящие, словно складки поношенных брюк.
А на рассвете
запоминать белую дорогу,
с которой сворачивают конвоиры.
запоминать
как восходит солнце
над чужими затылками конвоиров.

(1959)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

O EXPLORADOR POLAR
Ele já comeu todos os cães. Não há mais espaço
livre em seu diário. As rápidas contas do colar
de palavras se espalham sobre o rosto cor de sépia de sua esposa
e a data fica parecendo uma pintinha em sua linda bochecha.
Depois, é  a foto da irmã. Nenhum parente é poupado:
afinal, ele atingiu a mais alta latitude possível.
E pela perna acima, como a meia de seda de uma rainha
semi-nua de teatro de revistas, ele a sente subir: a gangrena.
.

EXPLORADOR POLAR (2ª versão)*
Todos os cães foram devorados. No diário
já não resta uma só página vazia. Um colar de palavras
cobre a foto de sua esposa; na bochecha,
a data fica parecendo uma pintinha.
A próxima é o instantâneo da irmã. Nem a irmã ele poupa:
afinal, atingiu a mais extrema latitude!
E a gangrena, negrejando, sobe pela coxa
como a meia de seda de uma vedete de variedades.
.

A POLAR EXPLORER
All the huskies are eaten. There is no space 
left in the diary, And the beads of quick 
words scatter over his spouse's sepia-shaded face 
adding the date in question like a mole to her lovely cheek. 
Next, the snapshot of his sister. He doesn't spare his kin: 
what's been reached is the highest possible latitude! 
And, like the silk stocking of a burlesque half-nude 
queen, it climbs up his thigh: gangrene.
.

ПОЛЯРНЫЙ ИССЛЕДОВАТЕЛЬ     
Все собаки съедены. В дневнике
не осталось чистой страницы. И бисер слов
покрывает фото супруги, к ее щеке
мушку даты сомнительной приколов.
Дальше -- снимок сестры. Он не щадит сестру:
речь идет о достигнутой широте!
И гангрена, чернея, взбирается по бедру,
как чулок девицы из варьете.

(1978)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.
* Traduzido do original russo; a tradução anterior baseou-se na versão inglesa reescrita pelo próprio autor, incluída em To Urania (Noonday Press: Ferrar, Straus & Giroux, Nova Iorque, 1988).

§

EX VOTO *
para Jonathan Aaron

Algo como uma planície da Hungria, mas sem 
a sua inocência. Algo como um longo rio, mas sem
as pontes. Acima, qual indescritível trema,
dois olhos manchando e magoando a vista.
Uma paisagem póstuma cujas palavras pertencem
muito mais ao eco do que àquilo que dizem.
Um anjo nas nuvens como um menino louro
que se foi num Auschwitz de vendas de camelô.
E uma pedra marca o lugar o pardal pousou.
Nas vitrines, os leques de espantar mosca profetizam,
ao mosquito que ameaça a fachada luxuosa
mansão – ou, melhor ainda, do hotel – 
o seu esborrachado futuro. Quanto mais a gente avança,
menos se interessa pelo terreno em que anda.
Ao iceberg sem rumo desagrada ser maltratado na imprensa: 
ele sofre, derrete-se e forma um cérebro.

(1987)
.

EX VOTO
To Jonathan Aaron

Something like a field in Hungary, but without
its innocence. Something like a long river, short
of its bridges. Above, an unutterable umlaut
of eyes staining the view with hurt.
A posthumous vista where words belong
to their echo much more than to what one says.
An angel resembles in the clouds a blond
gone in an Auschwitz of sidewalk sales.
And a stone marks the ground where a sparrow sat.
In shop windows, the palms of the quay foretell
to a mosquito challenging the facade
of a villa — or, better yet, hotel —
his flat future. The farther one goes, the less
one is interested in the terrain.
An aimless iceberg resents bad press:
it suffers a meltdown, and forms a brain.

(1987)
.

EX VOTO
Джонатану Аарону

Вроде полей венгерских — но не умиляет
невинностью. Вроде реки, длящейся не спеша,
промеж мостов. А выше — непроизносимый умляут
глаз, окрасивших болью ландшафт.
Посмертная перспектива: словам тесноват один
сказанный смысл — они от эха впадают в раж.
Ангел в облаках выглядит как блондин,
теряющийся в Аушвице уличных распродаж.
Камнем отмечено место, где птаха коснулась земли.
Пальмы в витринах пытаются предупредить
москита, исследующего архитектурный лик
виллы или отеля, что впереди
плоское будущее: ввысь устремляясь, он
позабудет о почве. Это намёк.
Бесцельный айсберг, рецензиями утомлён,
тая, всё больше напоминает мозг.

(1987)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.
* Poema escrito originalmente em inglês 

§

GALATÉIA DE NOVO
Como se tivesse mercúrio sob a língua, ela nada
diz. Como se no esfíncter o mercúrio estivesse,
imóvel junto ao laguinho coberto de folhas, 
branquinha a estátua se ergue, qual praga de inverno.
Após tanta neve, nada mais restou: o entra 
e sai dos séculos, urze inoportuna.
Isso é o que significa fechar o círculo –
quando tuas feições começam a assemelhar-se ao clima,
quando Pigmalião se desvanece. E estás livre
para nublar tuas dobras, para desnudar o umbigo.
O futuro afinal!  Isto é, o alvo detrito
de uma geleira, entre as cinco letras de “nunca”.
Donde a rotina da deusa, nascida 
do alabastro, que deixa suas pupilas errarem de um para outro lado,
fartando-se com o coração das cores e o calor de seus joelhos.
É assim que é uma virgem por dentro.

(1983)
.

ПРОДОЛЖЕНИЕ ГАЛАТЕИ
Так, словно ртутный градусник под языком — она
безмолвна. Так, словно градусник втиснут в интимное место —
недвижима. Пруд, покрытый листьями. Белизна
статуи — зимней отравы примета.
После такого снега нет ничего: смешны
хитросплетенья столетий, докучные всплески моды.
Вот что приход на кру́ги значит со стороны —
это когда лицо обретает черты погоды,
когда Пигмалион исчез. Тебе дозволено всё:
и обнажаться, и корчить неприступную буку.
Вот оно, будущее! Разнообразный сор,
оставшийся от ледника, и — никогда — по буквам.
Дальше — подёнка богинь, которые рождены
из алебастра, как правило неодеты:
щекотка пресыщенных взглядов, блеск похотливой слюны.
Именно так это выглядит с точки зрения девы.

(1983)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

para MB
Lancei os braços à volta desses ombros,
olhando para o que emergia por trás dessas costas,
e vi uma cadeira levemente empurrada para a frente,
fundindo-se agora com a parede iluminada.
A lâmpada reluzia, muito clara, mostrando
a desmazelada mobília de forma lisonjeira,
e é por isso que o sofá de couro marrom
brilhava, num canto, parecendo dourado.
A mesa surgia nua, o assoalho reluzente,
o fogão bastante enegrecido e, numa 
moldura empoeirada, uma passagem 
não se movia. Só o guarda-louça me dava
a impressão de animar-se um pouco.
Mas uma mariposa voava pelo quaro,
fazendo com que meu olhar parado se movesse;
e se, em alguma época, um fantasma tiver morado aqui,
até ele já foi embora, abandonando esta casa.

2 de fevereiro de 1962
.

М. Б.

Я обнял эти плечи и взглянул
на то, что оказалось за спиною,
и увидал, что выдвинутый стул
сливался с освещенною стеною.
Был в лампочке повышенный накал,
невыгодный для мебели истертой,
и потому диван в углу сверкал
коричневою кожей, словно желтой.
Стол пустовал. Поблескивал паркет.
Темнела печка. В раме запыленной
застыл пейзаж. И лишь один буфет
казался мне тогда одушевленным.

Но мотылек по комнате кружил,
и он мой взгляд с недвижимости сдвинул.
И если призрак здесь когда-то жил,
то он покинул этот дом. Покинул.

2 февраля 1962
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

O FUNERAL DE BOBÓ
1
Bobó morreu, mas não tirem seu chapéu.
Não podem explicar porque não há consolo.
Não podemos espetar uma borboleta
na torre do Almirantado – só a amassaríamos.

Quadrados de janelas onde quer que
se olhe, de um lado ou de outro. E em resposta
à pergunta “o que houve”, abres uma
lata vazia: “Parece que foi isso”.

Bobó morreu. Quarta-feira se encerra.
Em ruas onde não há onde passar a noite
está branco, tão branco. Só a água escura
no rio noturno não retém a neve.

2
Bobó morreu – um verso cheio de dor.
Quadrado de janelas, arco em semicírculo,
geada tão geada que, se for para morrer,
melhor que seja a tiros.

Adeus Bobó, linda Bobó. As minhas lágrimas
acompanham bem o queijo em fatias.
Somos fracos demais para te seguir
mas não fortes demais para aguentar o tranco.

Por mais que esteja quente ou frio de rachar,
já sei, a tua imagem não desaparecerá 
– ao contrário, há de ficar – das inimitáveis
perspectivas que Rossi desenhou. 

3
Bobó morreu. Este é um sentimento que pode
ser compartilhado, mas é escorregadio como sabão.
Hoje sonhei que estava deitado
em minha cama. E estava de fato.

Arrancar uma página, corrigir a data:
a lista de perdas se abre com um zero.
Sonhos com Bobó sugerem a realidade.
Um quadrado de ar entra pela janela.

Bobó morreu. Com lábios entreabertos,
gostaríamos de poder dizer: “não pode ser”.
O vazio, sem dúvida, segue-se à morte.
Ambos bem mais prováveis – e piores – do que o Inferno.

4
Eras tudo. Mas porque agora
estás morta, minha Bobó, transformas-te
em nada – ou mais precisamente, numa bolha de vazio.
O que, se se pensa bem, é ate abastante.

Bobó morreu. Para os olhos arregalados,
a linha do horizonte é um fio de faca,
Mas em Kiki nem Zazá, Bobó,
tomarão teu lugar. É impossível. 

Quinta está chegando. Acredito no vazio.
É igualzinho ao inferno, só que mais sujo.
E o novo Dante inclina-se a página
e, num lugarzinho vazio, escreve uma palavra.
(1972)
.

ПОХОРОНЫ БОБО 
- 1 - 
Бобо мертва, но шапки не долой. 
Чем объяснить, что утешаться нечем. 
Мы не приколем бабочку иглой 
Адмиралтейства - только изувечим. 
Квадраты окон, сколько ни смотри 
по сторонам. И в качестве ответа 
на "Что стряслось" пустую изнутри 
открой жестянку: "Видимо, вот это". 
Бобо мертва. Кончается среда. 
На улицах, где не найдёшь ночлега, 
белым-бело. Лишь чёрная вода 
ночной реки не принимает снега. 
- 2 - 
Бобо мертва, и в этой строчке грусть. 
Квадраты окон, арок полукружья. 
Такой мороз, что коль убьют, то пусть 
из огнестрельного оружья. 
Прощай, Бобо, прекрасная Бобо. 
Слеза к лицу разрезанному сыру. 
Нам за тобой последовать слабо, 
но и стоять на месте не под силу. 
Твой образ будет, знаю наперёд, 
в жару и при морозе-ломоносе 
не уменьшаться, но наоборот 
в неповторимой перспективе Росси. 
- 3 - 
Бобо мертва. Вот чувство, дележу 
доступное, но скользкое, как мыло. 
Сегодня мне приснилось, что лежу 
в своей кровати. Так оно и было. 
Сорви листок, но дату переправь: 
нуль открывает перечень утратам. 
Сны без Бобо напоминают явь, 
и воздух входит в комнату квадратом. 
Бобо мертва. И хочется,уста 
слегка разжав, произнести: "Не надо". 
Наверно, после смерти - пустота. 
И вероятнее, и хуже Ада. 
- 4 - 
Ты всем была. Но, потому что ты 
теперь мертва, Бобо моя, ты стала 
ничем - точнее, сгустком пустоты. 
Что тоже, как подумаешь, немало. 
Бобо мертва. На круглые глаза 
вид горизонта действует, как нож, но 
тебя, Бобо, Кики или Заза 
им не заменят. Это невозможно. 
Идёт четверг. Я верю в пустоту. 
В ней как в Аду, но более херово. 
И новый Дант склоняется к листу 
и на пустое место ставит слово. 
(1972)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

O MONUMENTO A PÚSHKIN
...e Púshkin cai 
na neve azulada e áspera...
Eduard Bagrítski
.
...o silêncio.
Nem uma palavra mais.
Um eco.
E a exaustão.
...Seus versos
calados flutuaram
para o chão,
para a poça de sangue.
Olharam à sua volta
devagar, timidamente.
Sentiam-se desconjuntados,
frios, estranhos.
Acima deles erguiam-se os médicos grisalhos
e as testemunhas, solícitas e inúteis.
Mas acima as estrelas, que ainda cantavam
e estremeciam.
Acima deles, os quatro ventos
congelavam-se...

                           ...Uma avenida vazia.
O lamento da tempestade.
Uma avenida vazia.
O monumento ao poeta.
Uma avenida vazia.
O lamento da tempestade.
A cabeça que se inclina:
exaustão.

...Numa noite assim,
é melhor deita-se
numa cama quentinha
                                       do que ficar em pé
em cima de um pedestal.

(196?)
.

ПАМЯТНИК ПУШКИНУ
«…И Пушкин падает в голубоватый колючий снег.»
Багрицкий
.
...И тишина.
И более ни слова.
И эхо.
Да еще усталость.
...Свои стихи
доканчивая кровью,
они на землю глухо опускались.
Потом глядели медленно
и нежно.
Им было дико, холодно
и странно.
Над ними наклонялись безнадежно
седые доктора и секунданты.
Над ними звезды, вздрагивая,
пели,
над ними останавливались
ветры...

Пустой бульвар.
И пение метели.
Пустой бульвар.
И памятник поэту.
Пустой бульвар.
И пение метели.
И голова
опущена устало.

...В такую ночь
ворочаться в постели
приятней, чем стоять
на пьедесталах.

(196?)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

OS VERBOS
Os verbos cercam-me em silêncio
verbos estrangeiros
verbos,
verbos famintos verbos nus
verbos essenciais verbos surdos
verbos anônimos só verbos
verbos que vivem nas cavernas
falam nas cavernas
nascem nas cavernas
sob os abismos indecisos 
do otimismo universal
Vão trabalhar toda manhã
misturam cimento arrastam pedras
constroem a cidade... Não! erguem
um monumento à sua própria solidão.
Partem do mesmo jeito que nos perdemos na memória
dos outros. Passo a passo desfilam diante das palavras e,
arrastando modos e tempos,
escalam o seu Gólgota
O céu plana sobre eles
pássaro sobre um cemitério
De pé
diante de uma porta fechada
um homem bate enfia pregos
no passado
no presente
no futuro
Ninguém jamais virá testemunhar
As marteladas ressoam
ao ritmo lento da  eternidade
Sob os verbos jaz a hipérbole da terra 
Sobre eles navega a metáfora do céu

(1960)
.

ГЛАГОЛЫ 
Меня окружают молчаливые глаголы,
похожие на чужие головы
глаголы,
голодные глаголы, голые глаголы,
главные глаголы, глухие глаголы.
Глаголы без существительных. Глаголы -- просто.
Глаголы,
которые живут в подвалах,
говорят -- в подвалах, рождаются -- в подвалах
под несколькими этажами
всеобщего оптимизма.
Каждое утро они идут на работу,
раствор мешают и камни таскают,
но, возводя город, возводят не город,
а собственному одиночеству памятник воздвигают.
И уходя, как уходят в чужую память,
мерно ступая от слова к слову,
всеми своими тремя временами
глаголы однажды восходят на Голгофу.
И небо над ними
как птица над погостом,
и, словно стоя
перед запертой дверью,
некто стучит, забивая гвозди
в прошедшее,
в настоящее,
в будущее время.
Никто не придет, и никто не снимет.
Стук молотка
вечным ритмом станет.
Земли гипербол лежит под ними,
как небо метафор плывет над нами!

(1960)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.

§

PARA A MINHA FILHA *
Deem-me outra vida e estarei cantando  
no Caffè Rafaella. Ou estarei sentado em uma mesa,
apenas. Ou de pé, como um móvel no corredor,
se essa vida for menos generosa do que a anterior.
Porém, em parte porque nenhum século, daqui para frente,
conseguirá viver sem jazz ou cafeína, hei de aguentar esse desaforo
e, pelas minhas veias e poros, cobertas de verniz e todo e de pó,
observarei, daqui a uns vinte anos, como a tua flor desabrochou.
De modo geral, lembra-te de que ainda estou por aqui. Ou melhor, que
esse objeto inanimado pode ser o teu pai, especialmente
se os objetos forem mais velhos ou maiores do que tu. Não
os perca de vista, pois não há dúvida de que te julgarão.

Seja como for, ama essas coisas, com ou sem encontro.
Pode ser que ainda te lembres de uma silhueta, de um perfil.
Eu, até isso perderei, junto com a minha bagagem.
Por isso te faço estes versos, um tanto toscos, na nossa língua comum.
(1994)
.

TO MY DAUGHTER 
Give me another life, and I'll be singing
in Caffè Rafaella. Or simply sitting
there. Or standing there, as furniture in the corner,
in case that life is a bit less generous than the former.
Yet partly because no century from now on will ever manage
without caffeine or jazz. I'll sustain this damage,
and through my cracks and pores, varnish and dust all over,
observe you, in twenty years, in your full flower.
On the whole, bear in mind that I'll be around. Or rather,
that an inanimate object might be your father,
especially if the objects are older than you, or larger.
So keep an eye on them always, for they no doubt will judge you.
Love those things anyway, encounter or no encounter.
Besides, you may still remember a silhouette, a contour,
while I'll lose even that, along with the other luggage.
Hence, these somewhat wooden lines in our common language.
(1994)
.

TO MY DAUGHTER / МОЕЙ ДОЧЕРИ **
Дай мне другую жизнь — и я буду петь
в кафе «Рафаэлла». Или просто сидеть
там же. Хоть шкафом в углу торчать до поры,
если жизнь и Создатель будут не столь щедры.

Всё же, поскольку веку не обойтись
без джаза и кофеина, я принимаю мысль
стоять рассохшись, лет двадцать сквозь пыль и лак
щурясь на свет, расцвет твой и на твои дела.

В общем, учти — я буду рядом. Возможно, это
часть моего отцовства — стать для тебя предметом,
в особенности когда предметы старше тебя и больше,
строгие и молчат: это помнится дольше.

Так что люби их, даже зная о них немного, —
пусть призраком-силуэтом, вещью, что можно трогать,
вместе с никчёмным скарбом, что оставляю здесь я
на языке, нам общем, в сих неуклюжих песнях.

(1994)

перевод с английского 
Перевод Андрея Олеара
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский), em "Poesia soviética". [seleção, tradução e notas Lauro Machado Coelho]. São Paulo: Algol, 2007.
* Este poema, dedicado à sua filha Irina, nascida nos Estados Unidos, foi escrito em inglês, “a nossa língua comum”. 
 ** Tradução em russo do poema originalmente escrito em inglês.

§

VARIAÇÕES SOBRE O V DA VITÓRIA
“Pássaros voando sobre a armada que bate em retirada!
Por que não viras, de súbito, e avanças contra o inimigo,
no sentido contrário ao das nuvens? Ainda não fomos derrotados.
Dispersaram-nos, é certo, mas ainda nos sobra energia”.

“Porque seu número diminuiu, já não somos capazes de ouvir
nossas canções? Deixaram de ser uma atenta plateia?
Abutres vêm planando substituir-nos e Valquírias. O vento
leste açoita o horizonte de abetos como foles denteados de acordeom”. 

“Bicadas cuneiformes! Explosões que fazem germinar as palmeiras!
Tuas canções também serão varridas do céu pelos gritos que vão para oeste.
Confiêmo-las à memória, que é um país bem mais extenso.
Ninguém conhece o futuro, mas sempre haverá o ontem”.

“É, mais é curta a vida. Não há tumba ou pira
para gente como nós e, sim, camomila, cravo, chicória
ou tomilho. Tua canção de despedida diz! 'Fogo! fogo! fogo!'.
somos cada vez menos compreensíveis. Por isso precisamos de uma vitória”.

(1983)
.

ПОБЕДНАЯ ВАРИАЦИЯ
«Птицы, парящие в небе над отступающим войском!
Почему вы от нас устремились к врагам безжалостным,
в отличие от облаков? Мы что, разгромлены вовсе?
Да, мы рассеяны, но сражение продолжается».

«Вас теперь слишком мало. То есть мало настолько,
что вам не до наших песен. Вы больше не аудитория.
Стервятники и Валькирии сменят нас. Ветер с востока
за горизонт еловый с пьяной гармошкой топает».

«Клинопись клювов! Пальмы взрывов! Предсмертные стоны!
Пронзительный ветер западный с неба напев ваш выдует.
Но мы затвердим его в памяти — стране обширной настолько,
что будущее неведомо, а вчера неизменно, видимо».

«Увы, мы живём недолго. Не нам ожидать за собою
костров погребальных, памятников — мы клевером и первоцветами
будем укрыты. А ваше прощальное слово: “К бою!”
Мы менее постижимы. Но мы летим за победами».

(1983)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

PAISAGEM COM INUNDAÇÃO
Uma paisagem absolutamente canónica, melhorada pela inundação.
Apenas se vê o topo das árvores, campanários e cúpulas.
O que se quer dizer assoma à boca suflando pela emoção
e do novelo das palavras apenas se salva 'era'.
Analogamente, o espelho reflecte do veterano a testa e a calvície,
mas não o seu rosto, para não falar dos colhões. Por baixo, a água
leva tudo o que se escreveu e disse. Por cima,
um farrapo de nuvem. E tu de pé no meio da água.
Provavelmente o lugar de acção é algures nos Países Baixos.
antes de serem os diques e as rendas, nomes como De Moll
ou Van Dyke. Ou então na Ásia, nos trópicos, onde estão habituados
à chuva que amacia o solo, só que tu não és arroz.
Vê-se que está a subir há muito, gota a gota, dia após dia, ano após ano,
e que toda esta água doce anseia por novos hectares salgados.
E chegou a altura de pôr a criança aos ombros, como um periscópio,
para avistar o fumo dos navios do inimigo que se aproximam.

(1993, Amsterdam)
.

ПЕЙЗАЖ С НАВОДНЕНИЕМ
Вполне стандартный пейзаж, улучшенный наводнением.
Видны только кроны деревьев, шпили и купола.
Хочется что-то сказать, захлебываясь, с волнением,
но из множества слов уцелело одно «была».
Так отражаются к старости в зеркале бровь и лысина,
но никакого лица, не говоря - муде.
Повсюду сплошное размытое устно-письменно,
сверху - рваное облако и ты стоишь в воде.
Скорей всего, место действия - где-то в сырой Голландии,
еще до внедренья плотины, кружев, имен де Фриз
или ван Дайк. Либо - в Азии, в тропиках, где заладили
дожди, разрыхляя почву; но ты не рис.
Ясно, что долго накапливалось - в день или в год по капле, чьи
пресные качества грезят о новых соленых га.
И впору поднять перископом ребенка на плечи,
 чтоб разглядеть, как дымят вдали корабли врага.

(1993, Амстердам)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

EM MEMÓRIA DE MEU PAI: AUSTRÁLIA
No meu sonho estavas outra vez vivo e tinhas
ido para a Austrália. A tua voz, triplicada pelo eco,
interpelava-me, queixavas-te do clima
e do apartamento, há que o alugar, tem de ser,
pena não seja no centro mas à beira-mar,
um terceiro andar sem elevador mas com banheira,
tenho os pés inchados, não sei onde deixei as cuecas
- tudo isto claramente, num tom prático.
E logo a seguir o receptor uiva: “Adelaide, Adelaide!”,
em estouros e estalos, como uma porta
a bater contra a parede, prestes a saltar dos gonzos.

No entanto, antes isto que a urna com as macias
cinzas no banco como garantia –
antes estes fiapos de voz, esta fala,
este arremedo de misantropia

pela primeira vez desde que te transformaste em fumo.

(1989)
.

ПАМЯТИ ОТЦА: АВСТРАЛИЯ
Ты ожил, снилось мне, и уехал
в Австралию. Голос с трехкратным эхом
окликал и жаловался на климат
и обои: квартиру никак не снимут,
жалко, не в центре, а около океана,
третий этаж без лифта, зато есть ванна,
пухнут ноги, "А тапочки я оставил" -
прозвучавшее внятно и деловито.
И внезапно в трубке завыло "Аделаида! Аделаида!"
загремело, захлопало, точно ставень
бился о стенку, готовый сорваться с петель.

Все-таки это лучше, чем мягкий пепел
крематория в банке, ее залога -
эти обрывки голоса, монолога
и попытки прикинуться нелюдимом

в первый раз с той поры, как ты обернулся дымом.

(1989)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

VERTUMNO

VII

E eu assentei praça num mundo onde o teu gesto e a tua palavra
eram imperativos. O mimetismo, a imitação
passavam por lealdade. Tornei-me mestre na arte
de me confundir com a paisagem, com os móveis ou as cortinas
(com o tempo, invadiu o meu guarda-roupa).
A boca deixa escapar, no decurso de uma conversa,
a primeira pessoa do plural
e nos dedos despertou a sensibilidade do espinho da sebe.
Deixei também de olhar por cima do ombro. Se ouço passos
atrás de mim, já não me sobressalto. Dantes sentia um calafrio
nas omoplatas, mas hoje sei que nas minhas costas
se estende a rua ajoujada de colunatas,
e também que onde acaba brilham as ondas turquesa
do Adriático. As ondas e as colunatas são, claramente,
um presente teu, Vertumno. Trocos, se quiseres, umas moedas
de prata com que, de vez em quando, a generosa eternidade
inunda o efémero. Em parte por superstição,
em parte, talvez, porque só ele,
o efémero, é capaz de sentir, de ser feliz.

(1990)
.

ВЕРТУМН

VII

И я водворился в мире, в котором твой жест и слово
были непререкаемы. Мимикрия, подражанье
расценивались как лояльность. Я овладел искусством
сливаться с ландшафтом, как с мебелью или шторой
(что сказалось с годами на качестве гардероба).
С уст моих в разговоре стало порой срываться
личное местоимение множественного числа,
и в пальцах проснулась живость боярышника в ограде.
Также я бросил оглядываться. Заслышав сзади топот,
теперь я не вздрагиваю. Лопатками, как сквозняк,
я чувствую, что и за моей спиною
теперь тоже тянется улица, заросшая колоннадой,
что в дальнем ее конце тоже синеют волны
Адриатики. Сумма их, безусловно,
твой подарок, Вертумн. Если угодно -- сдача,
мелочь, которой щедрая бесконечность
порой осыпает временное. Отчасти -- из суеверья,
отчасти, наверно, поскольку оно одно --
временное -- и способно на ощущенье счастья.

(1990)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

M.B.
Querida, hoje saí de casa já muito ao fim da tarde
para respirar o ar fresco que vinha do oceano.
O sol fundia-se como um leque vermelho no teatro
e uma nuvem erguia a cauda enorme como um piano.

Há um quarto de século adoravas tâmaras e carne no braseiro,
tentavas o canto, fazias desenhos num bloco-notas,
divertias-te comigo, mas depois encontraste um engenheiro
e, a julgar pelas cartas, tomaste-te aflitivamente idiota.

Ultimamente têm-te visto em igrejas da capital e da província,
em missas de defuntos pelos nossos comuns amigos; agora
não param (as missas). E alegra-me que no mundo existam ainda
distâncias mais inconcebíveis que a que nos separa.

Não me interpretes mal: a tua voz, o teu corpo, o teu nome
já não mexem com nada cá dentro. Não que alguém os destruísse,
só que um homem, para esquecer uma vida, precisa pelo menos
de viver outra ainda. E eu há muito que gastei tudo isso.

Tu tiveste sorte: onde estarias para sempre – salvo talvez
numa fotografia - de sorriso trocista, sem uma ruga, jovem, alegre?
Pois o tempo, ao dar de caras com a memória, reconhece a invalidez
dos seus direitos. Fumo no escuro e respiro as algas podres.

(1989)
.

М. Б.
Дорогая, я вышел сегодня из дому поздно вечером
подышать свежим воздухом, веющим с океана.
Закат догорал в партере китайским веером,
и туча клубилась, как крышка концертного фортепьяно.

Четверть века назад ты питала пристрастье к люля и к финикам,
рисовала тушью в блокноте, немножко пела,
развлекалась со мной; но потом сошлась с инженером-химиком
и, судя по письмам, чудовищно поглупела.

Теперь тебя видят в церквях в провинции и в метрополии
на панихидах по общим друзьям, идущих теперь сплошною
чередой; и я рад, что на свете есть расстоянья более
немыслимые, чем между тобой и мною.

Не пойми меня дурно. С твоим голосом, телом, именем
ничего уже больше не связано; никто их не уничтожил,
но забыть одну жизнь -- человеку нужна, как минимум,
еще одна жизнь. И я эту долю прожил.

Повезло и тебе: где еще, кроме разве что фотографии,
ты пребудешь всегда без морщин, молода, весела, глумлива?
Ибо время, столкнувшись с памятью, узнает о своем бесправии.
Я курю в темноте и вдыхаю гнилье отлива.

(1989)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

VIDA NOVA
Imagina que a guerra acabou, que em todo o lado reina a paz.
Que ainda te podes mirar o gelo. Que é a pêga ou o melro,
e não um Junkers, que nos ramos faz "craz, craz, craz".
Que da janela não vês as ruínas duma cidade, mas o seu barroco,
pinheiros, palmeiras, magnólias, a hera tenaz, relva,
loureiros. Que o ferro forjado por cuja renda a lua ansiava
acabou por sucumbir ao assalto da mimosa e ao pujante rebentar
da piteira. Que a vida tem de voltar a começar.

As pessoas saem de casa onde cadeiras como a letra "b"
ou o número "6" às vezes as salvam de desmaiar.
Ninguém precisa delas, a não ser elas mes
mas, as pedras da calçada e a espécie - para se multiplicar.
É a força das estátuas. Dos nichos vazios, mais propriamente.
Isto é, já que a santidade rareia, quedemo-nos por um seu sinônimo.
Imagina que tudo isto é verdade. Imagina que falas de ti
enquanto falas delas, de qualquer coisa supérflua, anônima.

A vida recomeça exatamente assim: como um quadro mostrando
a erupção dum vulcão, um barco apanhado na tormenta.
Com a sensação afim de que só tu estás atento
à catástrofe. Com a sensação de que, a qualquer momento,
vais desviar o olhar, rever o divã, as flores em bouquet
na jarra de porcelana amarela ao lado do café
frio. As suas cores garridas, as suas bocas ressequidas,
prenunciam todavia também a catástrofe.

As coisas são vulneráveis. Mas esquecemos célere
o pensamento numa coisa, infelizmente. São servas
do pensamento as coisas. Daí suas formas - cortes do cérebro -
o seu apego ao lugar, o seu lado Penélope, aquela
tendência para o futuro. O galo canta ao nascer-do-sol.
Na nova vida, no hotel, ao saíres do banho envolto na toalha,
mais pareces o pastor do rebanho dos móveis
de mogno e ferro forjado de quatro patas.

Imagina que a epopéia acaba em idílio. Que as palavras são
o contrário das línguas de fogo, do monólogo irado
que devorou os melhores do que tu como ramo seco;
que de ti as chamas tiraram pouco que preste,
pouco calor. Por isso sobreviveste.
Por isso não sofres sobremaneira com a indiferença
das Pomonas, dos Vertumnos, das Ceres que povoam
o lugar. Por isso nos teus lábios há essa cantiga de pastores.

Quanto tempo pode alguém justificar-se? Por mais
que escondas o ás, na mesa batem valetes dum naipe incolor.
Imagina que quanto mais
sincera é a voz, menor nela são as lágrimas, o amor, a paixão, o terror.
Imagina que de vez em quando apanhas na rádio o velho hino.
Imagina que, também aqui, no poema, cada caracter é seguido
de outros que involuntariamente formam ora "betsy", ora "ibrahim",
levando a pena para lá fora da fronteira do alfabeto e do sentido.

Um fim de tarde na nova vida. Cigarras com o seu tse-tse-tse; e
uma avenida clássica onde falta um tanque
ou um nevoeiro malsão para lhe ofuscar o fundo; e
as nuas tábuas dum soalho que nunca sentiram um tango.
Na nova vida não se diz ao momento "Detém-te!"
pois, se ele se detém, cessa e desfaz-se em fumo.
E, para cúmulo, as linhas do teu rosto não têm
brilho que dê para escrevinhar "Olá" no lado mate e colar o selo.

As paredes brancas do quarto tornam-se mais brancas
devido ao olhar de aviso que lhes lançam,
mais depressa habituado, o olhar, não aos largos campos,
mas à ausência, no espectro, dos pigmentos que se anulam.
A uma coisa pode-se perdoar muita coisa, especial
mente onde afusela, onde chega ao fim. A arte, em última
análise, não é mais do que a atração por esses espaços
desérticos, pelas suas paisagens desprovidas de intenção última.

Na nova vida, um céu com nuvens é melhor que o Sol. A chuva,
ao repetir-se no futuro, permite-te conheceres-te melhor.
Por outro lado, o inesperado comboio que já não esperavas
na plataforma chega sem atrasos maior.
A vela, ao longe, dita a sentença ao horizonte.
O olhar prefere o sabão que escorrega à esponja ou à espuma.
E se alguém te perguntar "Quem és tu?", responde,
"Eu? Ninguém", como uma vez Ulisses a Polifemo.

(1988)
.

НОВАЯ ЖИЗНЬ
Представь, что война окончена, что воцарился мир.
Что ты еще отражаешься в зеркале. Что сорока
или дрозд, а не юнкерс, щебечет на ветке "чирр".
Что за окном не развалины города, а барокко
города; пинии, пальмы, магнолии, цепкий плющ,
лавр. Что чугунная вязь, в чьих кружевах скучала
луна, в результате вынесла натиск мимозы, плюс
взрывы агавы. Что жизнь нужно начать сначала.

Люди выходят из комнат, где стулья как буква "б"
или как мягкий знак, спасают от головокруженья.
Они не нужны, никому, только самим себе,
плитняку мостовой и правилам умноженья.
Это -- влияние статуй. Вернее, их полых ниш.
То есть, если не святость, то хоть ее синоним.
Представь, что все это -- правда. Представь, что ты говоришь
о себе, говоря о них, о лишнем, о постороннем.

Жизнь начинается заново именно так -- с картин
изверженья вулкана, шлюпки, попавшей в бурю.
С порожденного ими чувства, что ты один
смотришь на катастрофу. С чувства, что ты в любую
минуту готов отвернуться, увидеть диван, цветы
в желтой китайской вазе рядом с остывшим кофе.
Их кричащие краски, их увядшие рты
тоже предупреждают, впрочем, о катастрофе.

Каждая вещь уязвима. Самая мысль, увы,
о ней легко забывается. Вещи вообще холопы
мысли. Отсюда их формы, взятые из головы,
их привязанность к месту, качества Пенелопы,
то есть потребность в будущем. Утром кричит петух.
В новой жизни, в гостинице, ты, выходя из ванной,
кутаясь в простыню, выглядишь как пастух
четвероногой мебели, железной и деревянной.

Представь, что эпос кончается идиллией. Что слова --
обратное языку пламени: монологу,
пожиравшему лучших, чем ты, с жадностью, как дрова;
что в тебе оно видело мало проку,
мало тепла. Поэтому ты уцелел.
Поэтому ты не страдаешь слишком от равнодушья
местных помон, вертумнов, венер, церер.
Поэтому на устах у тебя эта песнь пастушья.

Сколько можно оправдываться. Как ни скрывай тузы,
на стол ложатся вальты неизвестной масти.
Представь, что чем искренней голос, тем меньше в нем слезы,
любви к чему бы то ни было, страха, страсти.
Представь, что порой по радио ты ловишь старый гимн.
Представь, что за каждой буквой здесь тоже плетется свита
букв, слагаясь невольно то в "бетси", то в "ибрагим",
перо выводя за пределы смысла и алфавита.

Сумерки в новой жизни. Цикады с их звонким "ц";
классическая перспектива, где не хватает танка
либо -- сырого тумана в ее конце;
голый паркет, никогда не осязавший танго.
В новой жизни мгновенью не говорят "постой":
остановившись, оно быстро идет насмарку.
Да и глянца в чертах твоих хватит уже, чтоб с той
их стороны черкнуть "привет" и приклеить марку.

Белые стены комнаты делаются белей
от брошенного на них якобы для острастки
взгляда, скорей привыкшего не к ширине полей,
но в отсутствию в спектре их отрешенной краски.
Многое можно простить вещи -- тем паче там,
где эта вещь кончается. В конечном счете, чувство
любопытства к этим пустым местам,
к их беспредметным ландшафтам и есть искусство.

Облако в новой жизни лучше, чем солнце. Дождь,
будучи непрерывен -- вроде самопознанья.
В свою очередь, поезд, которого ты не ждешь
на перроне в плаще, приходит без опозданья.
Там, где есть горизонт, парус ему судья.
Глаз предпочтет обмылок, чем тряпочку или пену.
И если кто-нибудь спросит: "кто ты?" ответь: "кто я,
я -- никто", как Улисс некогда Полифему.

(1988)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

FIN DE SIÈCLE 
O século está a finar-se, mas eu finar-me-ei primeiro.
Esta não é porém a mensagem do joelho a tremer.
Antes o efeito do não ser
sobre o ser. Do caçador, por assim dizer, sobre a narceja,
aorta ou parede de vermelho tijolo que seja.
Obsceno, o chicote estraleja:
ouvimo-lo e em vão procuramos os nomes dos que nos amaram,
amassados nas mãos gordurosas do curandeiro do lugar.
Mas o mundo perdeu o andar
de quando era um lugar onde um sofá, um fox-trot, o padrão creme
dum abat-jour, um corpete, uma piada atrevida reinavam supremos.
Quem podia adivinhar que a do tempo blasfema
borracha apagaria todas essas coisas como ilegível garatuja
num canhenho? Ninguém, nem uma bruxa.
Contudo, sem que o ritmo dos pés lhe fuja,
foi o que a sua dança arrastada fez. Censura-o, vá.
Hoje em todo lado há antenas, punks; cepos em vez
de árvores. Nem penses em surpreender no café
os amigos do peito destruídos pela malapata, no bar
o anjo do vestido de seda que não se conseguiu elevar
acima da sua pessoa e do cocktail de whiskey, açúcar,
limão e gelo. E em todo o lado gente que escurece a visão,
fazendo ora comprida fila, ora densa multidão.
O tirano já não é um papão,
mas uma mediocridade banal. O automóvel, do mesmo mo
do, não é um luxo, mas o meio de varrer o pó
da rua onde a perna pos
tiça do veterano de guerra para sempre se calou, sim senhor.
E o menino está convencido de que o lobo é pior
que os soldados ou os aviadores.
E sem saberes porquê, o lenço passa cada vez mais frequentemente ao lado
do nariz e assalta o olho, no ramalhar das folhas adestrado,
chamando a si o mais pequeno hiato
que se abra na sebe que isola o inominado,
os tempos em eu, tu, ou proclamando o passado,
o suspense cantado
numa voz de cuco. Hoje isto soa mais plebeu
do que, digamos, Cavaradossi. Mais ou menos como: "Olá, cá estou eu!",
ou na melhor das hipóteses: "Meu,
tens de deixar de beber", e escorrega-te a garrafa da mão morta,
embora não sejam padre nem rabi quem aqui bate à porta,
mas a era denominada "fin
de siècle." O preto está na moda: top, calcinhas, meias.
Mas quando, no fim, de tudo isso a desenleias,
a tua humilde morada de repente incendeias
com qualquer coisa como uns vinte watts.
E em vez dum exuberante "Vivat!",
os lábios deixam cair num baque
"Lamento". Tempos novos! Lamentáveis, tristes tempos!
Propondo diminutivos, as montras dos merceeiros
desafiam-nos a adivinhar os nomes inteiros
das coisas que derivam facilmente
daqueloutras que, atrasados tecnologicamente,
equiparamos actualmente
à velha demanda do homem não já do que permita poupar energia
como de uma espécie de escravo inanimado,
ou, generalizando, do anonimato
em segurança. E o lógico mas malquisto fim
de multiplicar tudo, da tendência demográfica cuja origem
não está no Oriente nem
no fecho éclair, mas na electricidade. O século está a ficar sem corda.
Exigindo ruínas, vítimas, o vórtice do tempo lança pela borda
Baalbek. E também o homem não o engorda.
Não, dai-lhe emoções! Dai-lhe ideias e um suplemento
de memórias. Tal é o do tempo, e lamento,
amoroso dente. Bom, problemas eu não levanto
e dou. Não me furto. Estou pronto, por mim,
a ser coisa do passado, se para ele é assim
tão interessante, enfim,
que olha de alto ou por cima do ombro a sua miserável presa -
que alguma agitação, mas pouco mais, ainda mostra,
e ao tacto ainda é quente.
Estou pronto a deixar-me cobrir pela areia mutável.
E a que um viajante de passo instável
não faça de mim o al
vo do vidrado olho da sua câmara, e a que
não lhe instile um qualquer sentimento forte a que
não resista. O que se passa é que
não suporto um tempo que passe. Tempo que não passa
ainda posso suportar. Como uma fachada compacta
cujo estilo repete ora um depósito de lata
ora um tabuleiro de xadrez. O século não foi assim tão mau, realmente.
Bom, talvez de mortos tenha havido excedente.
Mas de vivos igualmente.
Tantos são, de facto,
actualmente que podiam ser salgados, embalados,
e selados
a ver se se atraíam uns clientes siderais, conhecidos pela grande qualidade
dos seus magnos sistemas de ultracongelação. A não ser, é verdade,
que insistam no queijo. Que se pode, com a mesma facilidade,
arranjar; os buracos na memória colectiva são disso a prova.
Ao som de catástrofes aéreas em sítios não muito fora
de mão, o século chega ao fim. Um prof,
de dedo no ar, perora sobre as camadas da atmos
fera, explicando o calor e os medos correlatos,
mas não como se faz o trato
daqui até onde a maciça face das nuvens
se enche dos nossos "perdoa-me", e "não me aban
dones", que forçam
o raio solar a trocar por essa argêntea mancha espermática o seu ouro.
Contudo o século, às voltas no seu escritório,
acha até isso retro.
Bom, vejam esta pequena maravilha: quanto mais ele tica
e taca, quanto mais atarefadas estão as jovens pilas,
mais farto é o mercado das coisas antigas
e das relíquias, incluindo o planeta, espremi
do na sua órbita, a namorar, como um imbecil,
a trajectória em funil
dum cometa; incluindo as marcas de leitura do arquivo
dos gigantes caídos, já que as balas, num silvo,
voam do futuro, que bri
ga o seu urgente negócio com o presente e por isso precisa de espaço
já. Assim sendo, nenhum objecto herdado
fica à porta pousado
muito tempo. No Polo ladra um husky e uma bandeira ainda esvoaça.
No Oeste vigiam de punhos cerrados a leste a ameaça,
distinguido no má
ximo os quartéis, subitamente atacados de espertina. Assustadas
      pela floresta de punhos,
também as aves dão à asa e partem rapidamente, rumo ao sul
para os uedes, como é costume,
para os minaretes, turbantes e palmeiras - e mais para baixo rufam
os tam-tam. Mas quanto mais escrutares traços estra
nhos, mais eles se te colam. Concluis então
que, em todo o lado, a relação entre o simples borrão
e, digamos, uma grande tela de clássica demão
reside em que jamais deitarás a mão
a nenhum dos originais. Que a natureza - como o menestrel de antanho
suspirando pelo papel químico, como a câmara secreta guardando
amorosamente o papiro, como a abelha zumbindo
à volta da sua colmeia - aprecia verdadeiramente o múltiplo,
as grandes tiragens, tem horror ao único
e ao desperdício de energia, cujo
melhor guardião é o deixa andar. O espaço é habitado. O tempo
gosta de se roçar na sua nova superfície, tenho
a certeza, infinitamente. Mas mesmo
assim, as tuas pálpebras cerram-se. Só o mar, sem igual,
se mantém sereno e azul, declinando sempre "Vai",
que ao longe soa "Foi".
E quem ouviu tal, tem vontade de largar a pá e a enxada e apanhar
um vapor e navegar e navegar,
para no fim ir saudar
não a ilha, não o bicho por Lineu nunca encontrado,
não os feitiços de novas latitudes, mas o outro lado:
uma coisa sem importância.
(1989)
.

FIN DE SIECLE 
Век скоро кончится, но раньше кончусь я.
Это, боюсь, не вопрос чутья.
Скорее - влиянье небытия
на бытие. Охотника, так сказать, на дичь -
будь то сердечная мышца или кирпич.
Мы слышим, как свищет бич,
пытаясь припомнить отечества тех, кто нас любил,
барахтаясь в скользких руках лепил.
Мир больше не тот, что был
прежде, когда в нем царили страх, абажур, фокстрот,
кушетка и комбинация, соль острот.
Кто думал, что их сотрет,
как резинкой с бумаги усилья карандаша,
время? Никто, ни одна душа.
Однако время, шурша,
сделало именно это. Поди его упрекни.
Теперь повсюду антенны, подростки, пни
вместо деревьев. Ни
в кафе не встретить сподвижника, раздавленного судьбой,
ни в баре уставшего пробовать возвыситься над собой
ангела в голубой
юбке и кофточке. Всюду полно людей,
стоящих то плотной толпой, то в виде очередей;
тиран уже не злодей,
но посредственность. Также автомобиль
больше не роскошь, но способ выбить пыль
из улицы, где костыль

инвалида, поди, навсегда умолк;
и ребенок считает, что серый волк
страшней, чем пехотный полк.
И как-то тянет все чаще прикладывать носовой
к органу зрения, занятому листвой,
принимая на свой
счет возникающий в ней пробел,
глаголы в прошедшем времени, букву "л",
арию, что пропел
голос кукушки. Теперь он звучит грубей,
чем тот же Каварадосси - примерно как "хоть убей"
или "больше не пей" -
и рука выпускает пустой графин.
Однако в дверях не священник и не раввин,
но эра по кличке фин-
де-сьекль. Модно все черное: сорочка, чулки, белье.
Когда в результате вы все это с нее
стаскиваете, жилье
озаряется светом примерно в тридцать ватт,
но с уст вместо радостного "виват!"
срывается "виноват".
Новые времена! Печальные времена!
Вещи в витринах, носящие собственные имена
делятся ими на
те, которыми вы в состоянии пользоваться, и те,
которые, по собственной темноте,
вы приравниваете к мечте
человечества - в сущности, от него
другого ждать не приходится - о нео-
душевленности холуя и о
вообще анонимности. Это, увы, итог
размножения, чей исток
не брюки и не Восток,
но электричество. Век на исходе. Бег
времени требует жертвы, развалины. Баальбек
его не устраивает; человек
тоже. Подай ему чувства, мысли, плюс
воспоминания. Таков аппетит и вкус
времени. Не тороплюсь,
но подаю. Я не трус; я готов быть предметом из
прошлого, если таков каприз
времени, сверху вниз
смотрящего - или через плечо -
на свою добычу, на то, что еще
шевелится и горячо

наощупь. Я готов, чтоб меня песком
занесло и чтоб на меня пешком
путешествующий глазком

объектива не посмотрел и не
исполнился сильных чувств. По мне,
движущееся вовне
время не стоит внимания. Движущееся назад
стоит, или стоит, как иной фасад,
смахивая то на сад,
то на партию в шахматы. Век был, в конце концов,
неплох. Разве что мертвецов
в избытке - но и жильцов,
исключая автора данных строк,
тоже хоть отбавляй, и впрок
впору, давая срок,
мариновать или сбивать их в сыр
в камерной версии черных дыр,
в космосе. Либо - самый мир
сфотографировать и размножить - шесть
на девять, что исключает лесть -
чтоб им после не лезть
впопыхах друг на дружку, как штабель дров.
Под аккомпанемент авиакатастроф,
век кончается. Проф.
бубнит, тыча пальцем вверх, о слоях земной
атмосферы, что объясняет зной,
а не как из одной
точки попасть туда, где к составу туч
примешиваются наши "спаси", "не мучь",
"прости", вынуждая луч
разменивать его золото на серебро.
Но век, собирая свое добро,
расценивает как ретро
и это. На полюсе лает лайка и реет флаг.
На западе глядят на Восток в кулак,
видят забор, барак,
в котором царит оживление. Вспугнуты лесом рук,
птицы вспархивают и летят на юг,
где есть арык, урюк,
пальма, тюрбаны, и где-то звучит там-там.
Но, присматриваясь к чужим чертам,
ясно, что там и там

главное сходство между простым пятном
и, скажем, классическим полотном
в том, что вы их в одном
экземпляре не встретите. Природа, как бард вчера -
копирку, как мысль чела -
букву, как рой - пчела,
искренне ценит принцип массовости, тираж,
страшась исключительности, пропаж
энергии, лучший страж
каковой есть распущенность. Пространство заселено.
Трению времени о него вольно
усиливаться сколько влезет. Но
ваше веко смыкается. Только одни моря
невозмутимо синеют, издали говоря
то слово "заря", то - "зря".
И, услышавши это, хочется бросить рыть
землю, сесть на пароход и плыть,
и плыть - не с целью открыть
остров или растенье, прелесть иных широт,
новые организмы, но ровно наоборот;
главным образом - рот.
(1989)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

Os palhaços estão a demolir o circo. Os elefantes fugiram para a Índia...
Os palhaços estão a demolir o circo. Os elefantes fugiram para a Índia;
os tigres vendem na rua as riscas e as argolas;
no interior da tenda rota, do trapézio pende,
balançando-se como num guarda-roupa, o fraque
dum desiludido ilusionista,
e os poneys, lançando fora as coberturas bordadas, posam para um retrato
do motor. Na pista,
enterrados em serrim, os palhaços brandem no ar
os martelos com toda a gana e demolem o circo.
Público, ou não há ou não aplaude.
Apenas um cãozinho amestrado
late sem parar, sentindo que está cada vez mais próximo
do torrão de açúcar, ou seja, que está quase a ser
mil novecentos e noventa e cinco.

1995
.

Клоуны разрушают цирк. Слоны убежали в Индию... 
Клоуны разрушают цирк. Слоны убежали в Индию,
тигры торгуют на улице полосами и обручами,
под прохудившимся куполом, точно в шкафу, с трапеции
свешивается, извиваясь, фрак
разочарованного иллюзиониста,
и лошадки, скинув попоны, позируют для портрета
двигателя. На арене,
утопая в опилках, клоуны что есть мочи
размахивают кувалдами и разрушают цирк.
Публики либо нет, либо не аплодирует.
Только вышколенная болонка
тявкает непрерывно, чувствуя, что приближается
к сахару: что вот-вот получится
одна тысяча девятьсот девяносто пять.

(1995)
- Joseph Brodsky/Iósif Bródski (Ио́сиф Бро́дский)em "Paisagem com inundação". [introdução e tradução de Carlos Leite].  Edição bilíngue. Lisboa: Cotovia, 2001.

§

Agora anoto cada vez mais a fadiga,
E dela falo cada vez menos.
Oh! tímidas capturas da minha alma,
Alegre e cálido tropel.

Que géneros de pássaros inventas para ti?
A quem os ofereces, ou será que os vendes?
Acaso habitas ninhos do presente
E do presente é a voz do teu cantar?

Regressa, alma minha, e extrai-me a pena;
Que cante velhas glórias o transístor.
Diz-me, alma, como é que via
A vida o voo do falcão?

Enquanto a neve, vinda do nada,
Revoluteia num qualquer confim,
Pinta sobre a morte, rua minha,
E no teu grito, ave, fala de viver.

Já vês, enquanto eu caminho, tu voas,
Alheia ao nosso mal-estar.
Já vês, eu sigo a minha vida, enquanto tu bates as asas
Gritando, alarmada, num qualquer lugar.

Теперь все чаще чувствую усталость,
все реже говорю о ней теперь,
о, помыслов души моей кустарность,
веселая и теплая артель.

Каких ты птиц себе изобретаешь,
кому их даришь или продаешь,
и в современных гнездах обитаешь,
и современным голосом поешь?

Вернись, душа, и перышко мне вынь!
Пускай о славе радио споет нам.
Скажи, душа, как выглядела жизнь,
как выглядела с птичьего полета?

Покуда снег, как из небытия,
кружит по незатейливым карнизам,
рисуй о смерти, улица моя,
а ты, о птица, вскрикивай о жизни.

Вот я иду, а где-то ты летишь,
уже не слыша сетований наших,
вот я живу, а где-то ты кричишь
и крыльями взволнованными машешь.
- Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), em "Um ateu no campo". [tradução de João Rodrigues]. Lisboa: Edições Pirata, 2000.

Mark Strand, Joseph Brodsky, Adam Zagajewski, e Derek Walcott no jardim de
 Brodsky, New York City, 1986, foto: Jill Krementz

FORTUNA CRÍTICA
KILANOWSKI, Piotr. “Me culparam por tudo, fora o mau tempo…”. Sobre a vida e a poesia de Iossif Brodskii. in: Qorpus/UFSC, edição n. 13. Disponível no link. (acessado em 17.8.2016).
JOSEPH Brodsky (Иосиф Бродский). 1940-1996. in: Arlindo Correia. Disponível no link. (acessado em 17.8.2016).
PLAISSOV, Vladimir I.. Iossif Brodski. Universidade de Coimbra/Portugal. Disponível no link. (acessado em 28.8.2016).



 Joseph Brodsky, por (...)
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
:: Joseph Brodsky - Poetry Foundation
:: Joseph Brodsky - Poet | Academy of American Poets
:: Joseph Brodsky - The Nobel Prize in Literature 1987
:: Joseph Brodsky Memorial Fellowship Fund
::  Joseph Brodsky - Joseph Brodsky Poems

© Direitos reservado aos herdeiros

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva

=== === ===
Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Joseph Brodsky - o poeta e o mundo. Templo Cultural Delfos, agosto/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____


** Página atualizada em 28.8.2016.




Direitos Reservados © 2023 Templo Cultural Delfos

Um comentário:

Agradecemos a visita. Deixe seu comentário!

COMPARTILHE NAS SUAS REDES