Conceição Lima - escritora e jornalista são-tomense |
© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske
Por gentileza citar conforme consta no final desse trabalho.
* Página original AGOSTO/2016 | ** Publicação revisada, ampliada e atualizada JANEIRO/2022.
Atualizada em 10.1.2023.
O guardião
Sobre todas as coisas, o guardião
venera o eco da própria voz.
No anel de bondade em redor do trono
decretou a obediência do vento
e a vassalagem dos frutos.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê".
Sobre todas as coisas, o guardião
venera o eco da própria voz.
No anel de bondade em redor do trono
decretou a obediência do vento
e a vassalagem dos frutos.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê".
Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
ESBOÇO BIOBIBLIOGRÁFICO DA POETA CONCEIÇÃO LIMA
Conceição Lima (Maria da Conceição de Deus Lima), de São Tomé e Príncipe, nasceu em 8 de dezembro de 1961. Jornalista, poeta e cronista, é membro-fundadora da União Nacional dos Escritores e Artistas São-tomenses, UNEAS. Fez os estudos primários e secundários em São Tomé, onde reside e trabalha como jornalista da TVS, Televisão São-tomense. Foi durante longos anos jornalista e produtora dos Serviços em Língua Portuguesa da BBC, em Londres. É licenciada (com distinção) em Estudos Africanos, Portugueses e Brasileiros pelo King's College of London e possui o grau de Mestre em Estudos Africanos, com especialização em Governos e Políticas na África sub-saariana, pela School of Oriental and African Studies (SOAS) de Londres.
Pela Editorial Caminho, de Lisboa (Portugal), publicou os livros: "O útero da casa" (2004), "A dolorosa raiz do Micondó" (1ª ed., 2006; 2ª ed., 2008) e "O país de Akendenguê" (2011).
Em São Tomé e Príncipe, sua terra, publicou pela editora Lexonics (com patrocínio do Banco Equador), em 2012, os livros: "O útero da casa"; "A dolorosa raiz do Micondó" e "O país de Akendenguê". O seu último livro "Quando florirem salambás no tecto do Pico", foi publicado em 2015, numa edição da Autora.
No Brasil tem publicado o livro "A dolorosa raiz do Micondó", pela Geração Editorial (São Paulo, 2012). Em 2015, venceu o PNBE, Programa Nacional de Bibliotecas Escolares do Brasil, selecionada em primeiro lugar entre mais de 400 títulos concorrentes. O livro "A dolorosa raiz do Micondó" teve uma tiragem de 35.500 exemplares pelo Ministério da Educação (Brasil).
Tem livros traduzidos para o alemão, espanhol e italiano: os seus 4 livros foram traduzidos para o alemão, em edição bilíngue "Útero da casa" e "A dolorosa raiz do Micondó" (Delta, 2010); "O país de Akendenguê" e "Quando florirem salambás no Tecto do pico" (Delta, 2021); para o espanhol, o livro "A dolorosa raiz do Micondó", publicado na Espanha (Baile del Sol, 2011) e na Venezuela (El Perro y la Rana, 2013); e para o italiano "A dolorosa raiz do Micondó" (Kolibris edizioni, 2014). ** Ver detalhes abaixo em: Obra (livros) traduzida em outras línguas.
É o nome mais traduzido da literatura são-tomense de todos os tempos, foi traduzido para o alemão, árabe, espanhol, inglês, francês, italiano, checo, servo-croata, turco e galego. Tem seus poemas publicados em jornais, revistas e antologias em diversos países.
Em 2021, o "World Poetry Movement - WPM" designou 58 coordenadores nacionais, com representados de diversas regiões: América (13), África (17), Europa (18) e Ásia (9). A poeta Conceição Lima foi designada Coordenadora do Movimento Poético Mundial para São Tomé e Príncipe. Os trabalhos do WPM podem ser acompanhados na página e grupo do facebook.
Em setembro de 2021, Conceição Lima vence o importante prêmio ex-aequo, com poema "Afroinsularidade", do primeiro livro da poeta. O prêmio foi concedido dentro do Concurso de Tradução de Poemas 2021, organizado pela prestigiada revista literária Word Without Borders, em parceria com a Academia Americana de Poetas, nos EUA.
Influência poética
"Nos primórdios da minha inclinação para a poesia, está o meu pai - professor, poeta e músico, o facto de ter vivido rodeada por livros em casa e, mais tarde, a grande, fundamental influência da poetisa Alda Espírito Santo, considerada a matriarca das letras e da nação são-tomenses, que me familiarizou a mim e à minha geração com poetas e poesia de várias partes do mundo. (Começando pelos países africanos de língua portuguesa, os poetas da Negritude, os neo-realistas portugueses, entre outros.)" - Conceição Lima
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BIOGRAPHY. Conceição Lima [inglês]. In: IMLR - Instute Of Modern Languages Research. s. data. Disponível no link. (acessado em 1.9.2021).
:: O útero da casa: poesia. Conceição Lima. [apresentação Inocência Mata]. Coleção 'Outras margens ¤ Autores estrangeiros de língua portuguesa', 35. Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
Conceição Lima, por Christian Fischgold / Literaturas africanas 1. v. 2 (2018)
OBRA POÉTICA DE CONCEIÇÃO LIMA
Portugal:: O útero da casa: poesia. Conceição Lima. [apresentação Inocência Mata]. Coleção 'Outras margens ¤ Autores estrangeiros de língua portuguesa', 35. Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
:: A dolorosa raiz do Micondó. Conceição Lima. Lisboa: Editorial Caminho, 2006; 2ª ed., 2008.
:: O país de Akendenguê. Conceição Lima. Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
:: O mundo visto do meio - crónicas seguidas de um Auto do século XX. Conceição Lima. [prefácio de Frederico Gustavo dos Anjos]. Lisboa: Editorial Caminho, 2023.
São Tomé e Príncipe
:: O útero da casa. Conceição Lima. São Tomé: Lexonics, 2012.
:: A dolorosa raiz do Micondó. Conceição Lima. [apresentação Maria Fernanda Pontífice]. São Tomé: Lexonics, 2012.
:: O país de Akendenguê. Conceição Lima. [prefácio Helder Macedo]. São Tomé: Lexonics, 2012.
:: Quando florirem salambás no tecto do Pico. Conceição Lima. São Tomé: Edição da Autora, 2015.
Brasil
:: A dolorosa raiz do Micondó. Conceição Lima. [orelhas de Prisca Agustoni de Almeida Pereira; capa Alan Maia]. São Paulo: Geração Editorial, 2012.
:: A dolorosa raiz do Micondó. Conceição Lima. [orelhas de Prisca Agustoni de Almeida Pereira; capa Alan Maia]. São Paulo: Geração Editorial, 2012.
:: A dolorosa raiz do Micondó. Conceição Lima. Brasília: Programa Nacional de Bibliotecas Escolares do Brasil/MEC, 2015. {edição especial, 35.500 exemplares/ distribuição para as escolas}.
Alemão
:: Die gebärmutter des hauses & Die schmerzvolle wurzel des Affenbrotbaums ("Útero da casa" e "A dolorosa raiz do Micondó). Conceição Lima. [epílogo Tobias Burghardt; tradução Juana e Tobias Burghardt; capa Juana Burghardt]. Edição bilíngue. Estugarda: Edition Delta, 2010.
:: Das Land von Akendengué & Wenn Samt-Tamarinden auf dem Dach des Gipfels blühen ("O país de Akendenguê" e "Quando florirem salambás no Tecto do pico"). Conceição Lima. [tradução Juana Burghardt e Tobias Burghardt]. Edição bilíngue. Stuttgart: Edition Delta, 2021.
Espanhol
:: La dolorosa raíz del Micondó (A dolorosa raiz do Micondó). Conceição Lima. [traducción de Sílvia Capón]. Tenerife/Espanha: Baile del Sol, 2011.
:: La dolorosa raíz del Micondó (A dolorosa raiz do Micondó). Conceição Lima. [traducción de Manuel Moya]. Caracas/Venezuela: El Perro y la Rana, 2013.
Italiano
:: La dolorosa radice del Micondó. (A dolorosa raiz do Micondó). Conceição Lima. [introduzione e traduzione di Chiara De Luca]. Kolibris edizioni, 2014.
Antologia - poética e biográfica (participação)
:: Antologia da poesia feminina dos PALOP (países africanos de língua oficial Portuguesa) .. [organização e tradução Xosé Lois García]. Bilíngue Português/espanhol. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 1998. {autoras presentes por país: Angola: Alda Lara, Ermelinda Pereira Xavier, Amélia Veiga, Eugénia Neto, Maria Eugénia Lima, Manuela Abreu, Deolinda Rodrigues, Maria Celestina Fernandes, Paula Tavares, Lisa Castel, Maria Alexandre Dáskalos, Dorina, Isabel Ferreira, Ana de Santana, Maria Amélia Dalomba, Ana Branco | Cabo Verde: Dina Salústio, Arcília Barreto, Ana Júlia, Vera Duarte, Alzira Cabral, Lara Araujo, Paula Martins | Guiné-Bissau: Eunice Borges, Domingas Samy, Mariana Ribeiro, Maria Odete da Costa Semedo | Moćambique: Glória de Sant'Ana, Clotilde Silva, Noémia de Sousa, Maria Manuela de Sousa Lobo, Josina Machel, Joana Nachaque, Maria Emília Roby, Rosalia Tembe | São Tomé e Príncipe: Maria Manuela Margarido, Alda do Espírito Santo, Ana Maria Deus Lima, Conceição Lima}.
:: Vozes poéticas da lusofonia. [seleção Luís Carlos Patraquim; organização Instituto Camões; Coordenação Alice Brás e Armandina Maia]. Sintra: Edição Câmara Municipal de Sintra, 1999.
:: Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX. Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau. [coordenação Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco]. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.
:: Bendenxa: 25 poemas de São Tomé e Príncipe para os 25 anos de Independência. [org. Inocência Mata]. Lisboa: Editorial Caminho, 2000.
:: Estudos de literaturas africanas: cinco povos, cinco nações. Actas do Congresso Internacional de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. [organização Pires Laranjeira, Maria João Simões e Lola Geraldes Xavier; edição José Manuel da Nóbrega e Nuno Pádua de Mora; revisão Graça Nunes]. Lisboa: Novo Imbondeiro, 2007.
:: Polifonias insulares: Polifonias insulares: cultura e literatura de São Tomé e Príncipe. [organização Inocência Mata]. Lisboa: Edições Colibri, 2010.
:: Literaturas Insulares: Leituras e Escritas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe [edição e organização Margarida Calafate Ribeiro e Silvio Renato Jorge]. Série Textos, 92. Porto: Afrontamento, 2011.
:: The world record: International voices from Southbank Centre's Poetry Parnassus. [editors Neil Astley e Anna Selby]. Poetry Anthologies. Bloodaxe Books/Southbank Centre, 2012. {Inclui o poema "Cataclysm and songs" (O cataclismo e as canções), de Conceição Lima}.
:: O feminino nas literaturas africanas em língua portuguesa. [organização Fabio Mario da Silva]. Lisboa: CLEPUL, 2014. Disponível no link. (acessado em 27.8.2021).
:: Voices, Languages, Discourses: Interpreting the Present and the Memory of Nation in Cape Verde, Guinea-Bissau and São Tomé and Príncipe. [edited by Ana Mafalda Leite, Jessica Falconi, Kamila Krakowska, Sheila Kahn and Carmen Tindó Secco]. Peter Lang Ltd; International Academic Publishers, 2020.
:: Quilombellas amefricanas - coletânea poética. vol. 1. [organização Ana Rita Santiago, Claudia Santos e Mel Adún; apresentação Silvia Regina de Lima Silva e Iya Bunmy; projeto gráfico Guellwaar Adún] direção de arte Dadá Jaques]. Salvador: Ogum’s Toques Editora, 2021. {autoras presentes: Anita Canavarro, Cláudia Santos, Conceição Lima, Cristiane Sobral, Daniela Luciana, Eliane Marques, Elizandra Souza, Esmeralda Ribeiro, Fátima Trinchão, Gabriela Ramos, Geni Guimarães e Gonesa Gonçalves}.
Poema musicado
:: Transitório, de Conceição Lima/ musicado por Isabella Bretz. In: Álbum "Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela Língua Portuguesa". de Isabella Bretz (2017) | O CD contém oito poemas musicados, cada um de um país falante do português, são eles: "Na hora de pôr a mesa", de José Luís Peixoto (Portugal); "O cercado", de Ana Paula Tavares (Angola); "Espiral", de Mia Couto (Moçambique); "Ai se um dia", de Vera Duarte (Cabo Verde); "Poemar", de Odete Semedo (Guiné-Bissau); "Poema ancestral", de Crisódio T. Araújo (Timor-Leste); "Alvará de demolição", de Adélia Prado (Brasil) e "Transitório", de Conceição Lima (São Tomé e Príncipe) | O álbum contou com apoio institucional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP. * Disponível online no link. (acessado em 1.9.2021).
Entrevista
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Conceição Lima - escritora e jornalista são-tomense |
POEMAS ESCOLHIDOS CONCEIÇÃO LIMA
A casa
Aqui projectei a minha casa:
alta, perpétua, de pedra e claridade.
O bsalto negro, poros
viria da Mesquita.
Do Riboque o barro vermelho
da cor dos ibiscos
para o telhado.
Enorme era a janela e de vidro
que a sala exigia um certo ar de praça.
O quintal era plano, redondo
sem tranca nos caminhos.
Sobre os escombros da cidade morta
projectei a minha casa
recortada contra o mar.
Aqui.
Sonho ainda o pilar –
uma rectidão de torre, de altar.
Ouço murmúrios de barcos
na varanda azul.
E reinvento em cada rosto fio
a fio
as linhas inacabadas do projecto
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
A herança
Sei que buscas ainda
o secreto fulgor dos dias
anunciados.
Nada do que te recusam
devora em ti
a memória dos passos calcinados.
É tua casa este exílio
este assombro esta ira.
Tuas as horas dissipadas
o hostil presságio
a herança saqueada.
Quase nada.
Mas quando direito e lúgubre
marchas ao longo da Baía
um clamor antigo
um rumor de promessa
atormenta a Cidade.
A mesma praia te aguarda
com seu ventre de fruta e de carícia
seu silêncio de espanto e de carência.
Começarás de novo, insone
com mãos de húmus e basalto
como quem reescreve uma longa profecia
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
A mão
Toma o ventre da terra
e planta no pedaço que te cabe
esta raiz enxertada de epitáfios.
Não seja tua lágrima a maldição
que seqüestra o ímpeto do grão
levanta do pó a nudez dos ossos,
a estilhaçada mão
e semeia
girassóis ou sinos, não importa
se agora uma gota anuncia
o latente odor dos tomateiros
a viva hora dos teus dedos.
- Conceição Lima, no livro "A dolorosa raiz do micondó". São Paulo: Geração Editorial, 2012.
§
Afroinsularidade
Deixaram nas ilhas um legado
de híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras
Aqui aportaram vindos do Norte
por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas
Nas naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas
E nas roças ficaram pegadas vivas
como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.
E nas ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê d'óchi
no tempi e na ubaga téla
e no calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim
e do mlajincon nos quintais dos luchans
E aos relógios insulares se fundiram
os espectros — ferramentas do império
numa estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas
Às vezes penso em suas lívidas ossadas
seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
Antes do poema
I
Quando o luar caiu
e tingiu de magia os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.
Cheguei quando as sombras revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de limites
o teu nome.
Não eras.
As nuvens estão densas de ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu corpo
mas não és.
Pedra a pedra encho a noite
do teu rosto sem medida
para te construir convoco os dias
pedra a pedra
no tem que te consome
As pedras crescem como vagas
no silêncio do teu corpo
Jorram e rolam
como flores violentas
no silêncio do teu corpo
E sangram. Como pássaros exaustos.
A noite e o vento se entrelaçam
no vazio que te espera.
II
Súbito chegaste
quando falsos deuses subornavam
o tempo
chegaste para despedir
a insónia e o frio
chegaste sem aviso
quando a estrada se abria
como um rio
chegaste para resgatar
sem demora o princípio.
Grave o silêncio rodeia o teu corpo
hostil o silêncio agarra teu corpo.
Mas já tomaste horas e abismos
já a espessura do obô
resplandece em tua testa.
E não bastam pombas em demência
no teu rosto
não bastam consciências soluçantes
em teu rasto
não basta o delírio das lágrimas libertas.
Eu cantarei em pranto
teu regresso sem idade
teu retorno do exílio na saudade
cantarei sobre a terra
teu destino rebelde.
Para te saudar no mar e no palmar
na manhã do canto sem represas
cantarei a praia lisa e o pomar
Direi teu nome e tu serás.
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
CIRCUM-NAVEGAÇÃO
Os barcos regressam
carregados de cidades e distância.
Adormecem os grilos
Uma criança escuta a concavidade de um búzio.
Talvez seja o momento de outra viagem
Na proa, decerto, a decisão da viragem.
Aqui se engendram alquimias
Lentos hinos bordados em lacerações
Sossegaram os mortos
Há grutas e pássaros de fogo
Rebentos de incómodos recados
O difícil ofício de lavrar a paciência.
Acontece a arte da viragem
Tanta aprendizagem de leme e remendo...
É quando o olho imita o exemplo da ilha
E todos os mares explodem na varanda.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê". Alfragide: Editorial Caminho, 2011.§
Descoberta
Após o ardor da reconquista
não caíram manás sobre os nossos campos.
E na dura travessia do deserto
Aprendemos que a terra prometida
era aqui.
Ainda aqui e sempre aqui.
Duas ilhas indómitas a desbravar.
O padrão a ser erguido
pela nudez insepulta dos nossos punhos.
- Conceição Lima, em "Vozes poéticas da lusofonia". [seleção Luís Carlos Patraquim]. Sintra: Edição Câmara Municipal de Sintra, 1999.
§
Escritura
Chove na capital que morto libertaste
Chove em Bissau, derradeiro planalto
e a chuva põe no vento uma rajada e pranto.
Há frescos corpos tombados nas águas
Corpos alheios à vaidades das trincheiras
Inocentes, completos corpos
Somados aos soluços da trombeta.
Que halo circunda esta queda?
Quem gravará seus nomes na epiderme da pedra?
Seus sudários de demora e quezília
Seu pecúlio de desdita e rebento...
Também a desolação é uma escritura.
Também o atraiçoado sobrevive
ao saque do rosto, amassa esquecimentos
dispara um cometa.
A nudez é um caminho, esta procura te inventa.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê". Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
§
Estátuas
Neste país as estátuas desdenham alturas.
Traficam na praça, devassam estradas
Têm mãos pensativas e barro na planta dos pés.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê". Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
§
Haste
Num certo campo de um ermo lugar
um caule dobra agora o dorso – verga
se lhe roça o eco da intempérie.
Em qualquer campo aquém do luar
num estreito canto de um país vulgar
o caule cede o dorso
se lhe bate a mão da ventania –
duplica na coluna o peso do próprio corpo.
Soergue depois a inclinação da linha
e retoma o vertical instinto de sua raiz –
permanece
- Conceição Lima, no livro "A dolorosa raiz do micondó". Lisboa: Editorial Caminho, 2006.
§
Kwame
Deixei longe o clarim.
Vim ouvir a alegria das rosas
Ébrias gaivotas
Esta frescura tingindo de princípio o teu canto.
Além dos retalhos do mapa
Vim tocar as tábuas da profecia.
Acostumo-me ao perpétuo fogo
Na fronte de Acra.
Que diriam as palavras
O que diriam
Sobre o árduo fulgor da tua mortalha?
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê". Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
§
Mátria
Quero-me desperta
se ao útero da casa retorno
para tactear a diurna penumbra
das paredes
na pele dos dedos rever a maciez
dos dias subterrâneos
os momentos idos
Creio nesta amplidão
de praia talvez ou de deserto
creio na insônia que verga
este teatro de sombras
E se me interrogo
é para te explicar
riacho de dor cascata de fúria
pois a chuva demora e o obô entristece
ao meio-dia
Não lastimo a morte dos imbondeiros
a Praça viúva de chilreios e risonhos dedos
Um degrau de basalto emerge do mar
e nas danças das trepadeiras reabito
o teu corpo
templo mátrio
meu castelo melancólico
de tábuas rijas e de prumos
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
Metamorfose
Hoje as palavras nada dizem de naufrágios.
Pétalas apenas
Pétalas não visíveis
Infinitas pétalas
E na ponta dos nossos dedos
O fantasma de uma doce, habitável Cidade
Suas vestes de púrpura e de lenda
Seu corpo, fruto tenaz e justa partilha.
De uma exacta metamorfose somos testemunhas.
- Conceição Lima, no livro "O país de Akendenguê". Alfragide: Editorial Caminho, 2011.
§
O anel das folhas
Viviam plantas, viviam troncos, viviam sapos
vivia a escada, vivia a mesa, a voz dos pratos
um untueiro em tamanho maior que tudo
fruteiras em permanente parto de gordos frutos
palpáveis, acessíveis, incansáveis limoeiros
makêkês, beringelas, pega-latos
verdes kimis, ali dormiam longos swá-swás
e ido-ido era a montanha cheia de espinhos
onde os morcegos iam cair no kapwelé.
O micondó era a força parada e recuada
escutava segredos, era soturno, era a fronteira
e tinha frutos que baloiçavam, baloiçavam
nunca paravam de baloiçar.
Não havia horas, ninguém tinha pressa
senão minha mãe
E eu amava na doce vénia dos canaviais
o restolhar de verdes folhas e ondas mansas.
As viuvinhas e pirikitos e keblankanás
— que eu rastejava para agarrar —
erguiam então um alarido de asas e chilreios.
E o mundo voava, o mundo era alto, o mundo era alado.
As borboletas que nada faziam, que só passeavam
tinham guache nas asas, tinham asas, eram lassas
e nada faziam, nada faziam, só passeavam.
Quando eu fugia com as borboletas
Quando eu voava com as viuvinhas
e me perdia nos canaviais
minha mãe, a voz, descia as escadas
aberta como uma rede.
- Conceição Lima, no livro "A dolorosa raiz do micondó". São Paulo: Geração Editorial, 2012.
§
Os heróis
Na raiz da praça
sob o mastro
ossos visíveis, severos, palpitam.
Pássaros em pânico derrubam trombetas
recuam em silêncio as estátuas
para paisagens longínquas.
Os mortos que morreram sem perguntas
regressam devagar de olhos abertos
indagando por suas asas crucificadas
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
Residência
Regressarás pela ladeira velha
sem aviso.
Será como ontem, ao entardecer:
remoto, repentino, o assobio.
E no caminho, um soluço de festa
derramado.
A luz será húmida
a chuva íntima
sobre a marca dos teus pés.
Dedo a dedo, folha a folha
tocarás os cheiros
os sortilégios do quintal –
o limoeiro anão da avó
o decrépito izaquenteiro
o ocá assombradíssimo
o kimi torto
e à entrada, no barro gravado,
o fantasma do bode branco.
O degrau há-de ranger ao primeiro passo.
Subirás devagar, concreto
sem pisar a tábua solta no soalho.
A porta estará aberta, a tocha acesa.
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
§
Água grande
Falo-te agora de um rio em mim nascente
Lodo e agrião, ondas mansas em corrente
Um rio recôndito como o coração da ilha.
Água Grande não tão Congo não tão Nilo
Água Grande sem canoas sem regatas
apenas rio
Cumprindo no mar seu destino de água.
Mas tu que conheces todas as cidades
Tu de tantos rios peregrino habitante
Não conheces o rosto da minha cidade
Não conheces o rio no corpo da minha
cidade.
Água Grande além de todas as viagens
Rio apenas, irmão de todos os rios.
- Conceição Lima, no livro "Quando Florirem Salambás no Tecto do Pico". Edição Autora, 2015.
§
Vim para acender o teu nome
Vim para acender o teu nome
nas pálpebras do poema.
O teu nome em excesso e carência
geminado
na atónita face de cansados deuses.
Mas a multidão cavalga o dorso
de díspares caminhos
E alguém em mim pergunta pelos
antepassados.
Regresso do fundo da memória
e do esquecimento.
- Conceição Lima, no livro "Quando Florirem Salambás no Tecto do Pico". Edição Autora, 2015.
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FORTUNA CRÍTICA DE CONCEIÇÃO LIMA
[Conceição Lima - teses e dissertações; livros, ensaios e artigos em revistas e jornais (impresso e online)]
ACROBATA. 3 Poemas de Conceição Lima. In: Revista Acrobata, s/ data. Disponível no link. (acessado em 1.9.2021).
ALEIXO, Camila Dias de Souza Christo. Do micondó ao mangue: desenterrar a dolorosa raiz de Conceição Lima. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP, Mariana, 2018. Disponível no link. (acessado em 26.8.2021).
AMORIM, Bernardo Nascimento de.. O local e além: as poéticas em trânsito de Paula Tavares e Conceição Lima. In: Literafro, 1 Julho 2021. Disponível no link. (acessado em 31.8.2021).
AMORIM, Bernardo Nascimento de.. A véspera da casa: sobre a poética de Conceição Lima e certas “pessoas de bem”. In: eLyra - Revista da Rede Internacional Lyracompoetics, v. 13, p. 229-256, jun. 2019. Disponível no link. (acessado em 1.9.2021).
AUGUSTO, Ana Paula Baptista Monteiro Canhoto. Na rota da identidade e da alteridade nas obras O útero da casa e A dolorosa raiz do Micondó de Conceição Lima e na Assomada nocturna (poema de N'Zé di Sant'y Águ) de José Luís Hopffer C. Almada. (Dissertação de Mestrado em Literaturas Lusófonas Comparadas). Universidade Aberta, UAB, Lisboa, 2007. Disponível no link e link. (acessado em 1.9.2021).
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BAYER, Adriana Elisabete. Conceição Lima: a poética cartografia que contesta a resignação e o silêncio. In: Reflexos: revue pluridisciplinaire du monde lusophone, v. 2, p. 1, 2014. Disponível no link. (acessado em 6.8.2016).
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TUTIKIAN, Jane; BRASIL, Luiz Antonio de Assis (org). Mar horizonte: literaturas insulares lusófonas. In: Coleção Memória das Letras, 22. Porto Alegre: EdiPucrs, 2007.
TUTIKIAN, Jane. O poema 'porta aberta tocha acesa' de Conceição Lima. In: ABRIL – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, vol. 5, n° 9, Novembro de 2012, p. 79-92. Disponível no link. (acessado em 6.8.2016).
TUTIKIAN, Jane; BRASIL, Luiz Antonio de Assis (org). Mar horizonte: literaturas insulares lusófonas. In: Coleção Memória das Letras, 22. Porto Alegre: EdiPucrs, 2007.
TUTIKIAN, Jane. O poema 'porta aberta tocha acesa' de Conceição Lima. In: ABRIL – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, vol. 5, n° 9, Novembro de 2012, p. 79-92. Disponível no link. (acessado em 6.8.2016).
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Imagem: (1) Conceição Lima | foto: STP Digital.
Da esquerda para a direita: Rui Nogar, Domingas Samy, Agnelo Regala, Uanhenga Xitu, Conceição Barata, Alda Espírito Santo, Pepetela,
Luandino Vieira, Guilherme Pósser da Costa, Armindo Vaz D'Almeida, Jorge Miranda Alfama, Albertino Bragança
e Conceição Lima | Proclamação da Liga dos Escritores dos Cinco, LEC, São Tomé, 1 de Julho de 1987
Alda do Espirito Santo e Conceição Lima |
Sophia de Mello Breyner e Conceição Lima, em São Tomé e Príncipe | foto: Acervo Biblioteca Nacional de Portugal |
Conceição Lima e Lopito Feijó | foto acervo Lopito Feijó
Inegável
Por dote recebi-te à nascença
e conheço em minha voz a tua fala.
No teu âmago, como a semente na fruta
o verso no poema, existo.
Casa marinha, fonte não eleita
a ti pertenço e chamo-te minha
como à mãe que não escolhi
e contudo amo.
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
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© Direitos reservados a autora
© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske
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Por dote recebi-te à nascença
e conheço em minha voz a tua fala.
No teu âmago, como a semente na fruta
o verso no poema, existo.
Casa marinha, fonte não eleita
a ti pertenço e chamo-te minha
como à mãe que não escolhi
e contudo amo.
- Conceição Lima, no livro "O útero da casa". Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
Conceição Lima - escritora e jornalista são-tomense |
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COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Conceição Lima - a poeta são-tomense. In: Templo Cultural Delfos, janeiro/2023. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Conceição Lima - a poeta são-tomense. In: Templo Cultural Delfos, janeiro/2023. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 10.1.2023.
Parabéns querida amiga e compatriota. Tu és a prova que: A BOA SEMENTE, MESMO CAÍDA NO ALTO MAR, TRANSFORMA-SE NUMA GRANDE ILHA.Os meus parabéns por este brilhante percurso. Espero que continues a proporcionar-nos novas maravilhas que sairão dos teus novos sonhos. Aquele abraço. FELÍCIO MENDES.
ResponderExcluirConceição Lima: casa,raiz,flor,fruta,pássaros, água, rio, mar,sombra,sonho...país...poesia.
ResponderExcluirParabéns são lindos poemas
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