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Maria de Arruda Müller - pioneira cultural mato-grossense

Maria de Arruda Müller - foto: Divulgação/TVCA
Maria Ponce de Arruda Müller (professora, cronista, poeta e pesquisadora) nasceu em Cuiabá-MT, aos 9 de dezembro de 1898, descendendo de João Pedro de Arruda e Adelina Ponce de Arruda.
Seus estudos iniciais foram obtidos no seio da família, que cultivava o hábito da leitura, o que fez com que a menina Maria Ponce de Arruda fosse alfabetizada aos 5 anos de idade.
Diplomada professora pela Escola Normal Pedro Celestino, onde já demonstrava pendor pela carreira do magistério, veio a lecionar em diversos estabelecimentos de ensino da capital e, temporariamente, no Grupo Escolar de Poconé, onde seu esposo, Júlio S. Müller, foi diretor.
Integrou o grupo feminino que fundou o Grêmio Literário “Júlia Lopes”, instituição que por quase meio século foi responsável pela publicação da Revista A Violeta, que circulou durante a primeira metade do século XX. Foi no interior do Grêmio que Maria de Arruda Müller, ao lado de outras companheiras, deu início a um forte movimento, ainda nos primeiros anos da década de 1930, em prol do voto feminino a ser consignado na Constituição de 1934, ocasião em que conclamou as mulheres mato-grossenses a se inscrever como eleitoras.
No ano de 1992, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, na gestão do Des. Odiles Freitas Souza, prestou homenagem a Maria de Arruda Müller, uma das primeiras mulheres a obter o título de eleitor, ela já com 94 anos e ainda votava.
Fundou o Abrigo dos Velhos e das Crianças de Cuiabá e teve uma importante atuação junto ao Conselho Estadual da Legião Brasileira de Assistência (MT), fundando também a Sociedade de Proteção à Maternidade e Infância de Cuiabá.
Maria de Arruda Müller -
foto: Divulgação/
Olhar Direto
Quando Cuiabá completava 200 anos, em abril de 1919, casou-se com Júlio Strübing Müller, estadista nomeado Interventor de Mato Grosso durante o Estado Novo (1937-1945).
O reconhecimento maior pelo seu trabalho didático ocorreu em 2002, quando o então Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, entregou-lhe, em mãos, a comenda da Ordem Nacional do Mérito Educativo na residência da homenageada. Assim, a Acadêmica Maria de Arruda Müller se tornou, aos 103 anos de idade, a Professora do Brasil. Esse evento teve uma repercussão nacional e diversos jornalistas do Sudeste estiveram em Cuiabá para entrevistá-la.
Maria de Arruda Müller foi sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e efetiva da Academia Mato-Grossense de Letras. Integrou também inúmeras Instituições internacionais.
Faleceu em Cuiabá-MT, no dia 4 de dezembro de 2003, aos 105 anos incompletos, fazendo-se presente e viva na história e na cultura mato-grossense.
:: Fonte: Academia de Letras do Mato Grosso. (atualizado pelos editores do site)


OBRA PUBLICADA DE MARIA DE ARRUDA MÜLLER
:: Família Arruda. Cuiabá: Gráfica Vieira, 1972.
:: Cuiabá ao longo de 100 anos . (crônicas).. [co-autora Dunga Rodrigues]. Cuiabá: FIEMT, 1994.
:: Sons Longínquos (coletânea de poemas).  Cuiabá: Secretaria Municipal de Cultura,
1998.



Maria de Arruda Müller - foto: Divulgação/Olhar Direto

POEMAS ESCOLHIDOS DE MARIA DE ARRUDA MÜLLER

Ante a queimada
A macega, ontem verde, perfilada,
Quais colunas de posfiro e metal,
Dobra-se triste, desclorofilada,
Espectro da ardente vida vegetal!

O chão tão ressequido, atormentado,
Nos meses de verão, impiedoso,
Desfaz-se, em leve pó, imponderado
Que o vênto remoinha, descuidoso!

Escuta-se uma súplica, um lamento,
Té as entranhas profundas do solo...
De sede, ou angústia, martírio incruento!

A mata e os seres pungem sem consolo...
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Aspiração
Bojando a vela sobre o mar sem alma,
Vai, asa branca, ao ritmo do vento.
Circunfletindo, oscila e corta a espalma
Imensidão que espelha o firmamento.

No ar rarefeito treme a leve palma...
Se a tempestade vier, o oceano é cruento...
E ela não sente quando a tarde é calma,
Insídias de borrasca em céu sedento.

Quisera ver minha alma - neste instante -
Como a vela boiar, e se sumindo
No horizonte, indo além, bem mais distante...

E indo a vogar meu pensamento com ela,
Livre da ronda das paixões (que lindo!)
Como a alvura que aclara a branca vela.
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Conformismo
 À minha Mãe

Ensinar a viver, eis minha sina!
No trabalho mostrar que “trabalho é oração”.
No lar, na escola, na oficina...
Ai! Quantas vezes, sangrando o coração!

Qual Cirineu, meu dever é servir!
Aliviar a cruz, que o próximo carrega,
Lenir dores tantas, tantas súplicas ouvir,
Que de dor, o próprio peito verga!

Contra o destino, às vezes me revolto:
Sentir que a carga pesa, em demasia!...
Sei, porém, que a alma no pecado envolta,

Necessita aceitar, dobrar-se ao jugo;
Se no erro, no mal, no crime comprazia
Precisa ser réu, quem foi verdugo...
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.



Cromo
 Ao Júlio

Sol de bruma, sol de agosto...
Uma canoa sobe o rio,
Deslizando, mansamente.
Água crespa, saltitante
Que o remo esfrola, de arrepio.

Pia, a inambu solitária:
Margem ensombrada, reflete.
Troncos, folhas, saranzais
Tremulantes, desiguais:
– Imagens, que o vento reflete!

Vésper, ainda sozinha, estadeia
O sol descai: rápido ele vai...
Para trás da colina, na outra margem,
Doce, áureo-rosa miragem
De um bem querer que não se esvai.
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Cuiabá
Maria de Arruda Müller  -
foto: Divulgação/Olhar Direto
Os lusos, rasgaram de Afrodite o seio,
Chantando as “Quinas”, nas brasílias praia!
Após dois séculos, as “bandeiras”, sem receio,
Rumo d’oéste, estenderam nossas raias!

Intrépido, frio, o piratiningano,
Aniquilou de Castela, a pretensão...
Aniquilou a unidade pátria, sem engano,
A língua de Camões, em toda essa extensão!

As “minas do Cuiabá”, de tão famosas,
Atraem fina flôr da gente paulistana;
Também tigres, nas façanhas monstruosas!...

Na terra de Poseidon, do “El Dorado”,
De alta e viva aspiração humana,
És cuiabá! Coração predestinado!

- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Deus te abençoe
 Ao meu Augusto, ao completar 12 anos

Queres ver, filho querido,
Quando te falo, severa,
Por que parece ferido
Teu coraçãozinho? Impera

Em meu carinho, este aviso:
Quando os teus anjos te negam
O doce favo de um riso,
É que de lágrimas regam

Flores que murcham e caem,
Em vez de instilar perfumes,
À vida de tua mãe...
O que isso é, nem presumes!

Mas, se os meus olhos revelam,
Carícias, vejo que os teus,
Quais finos dardos, anelam
Transfixar claros os meus.

Tudo vejo, nesse brilho,
Como nos meus, vês, ele diz:
Deus te abençoe, caro filho,

Deus te faça bem feliz...
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Melancolia
Estou hoje, tão sozinha!
Amanhã já não estarei...
    Da folia rainha,
O cortejo passar, não verei...
    Todos saíram,
Meu pequenino dorme:
    A casa enorme,
No silêncio se aninha...
    Cantos, gritos que deslizam,
No frenesi do Carnaval:
– Que importa tudo, no mundo
Se não estou ao teu lado?
    Meu amado...
Anoitece. Do sino grande, profundo
Som ressoa... Ele cobra o aval
Das nossas contas a Deus...
    ! Meu pequenino, acorda:
Seu grito forte na casa ecoa
E, se casa, e entoa
A queixa, que por fim desborda:

Não quero mais dizer-te adeus! 
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.


Para Júlio
Viemos da mesma galáxia.

Você preferiu descer no altiplano, onde
pululam as cachoeiras e os saltos cantam de
alturas imponderáveis a sinfonia das águas;
eu vim para a planície onde águas apenas
murmuram, correndo em volteios até
chegarem às lonjuras do mar.

Lá, no alto da serra, onde os lusos, “Corrêa da
Costa”, como também os “Moreira Serra”, os
“Pinto de Castro” ergueram a Fazenda “Bom
Jardim”, estenderam suas terras pelo planalto
abaixo e construíram o casarão colonial que
ainda até há pouco impunha sua imponência,
você conheceu a terra formosa da Chapada
Cuiabana.

Eu vim de lusos e espanhóis, os “Arruda e
Sá”, os “Paes de Barros”, os “Ponce de Leon”
e os “Falcões”, que preferiram a baixada;
onde em eras passadas foi o mar de Xaraés e,
mais tarde, este Pantanal famoso e rico que
nos envaidece, conhecido como é no
mundo inteiro.

Encontramo-nos, unimos nossas almas e
também os nossos corações. A prole que
formamos, numerosa e inteligente, rica de
talento, vai estadeando pela Pátria toda a
fama e o valor da gente Cuiabana.

Um dia chegará que nos devolverá de novo,

Juntos, à mesma galáxia de onde viemos.
- Maria de Arruda Müller, em "Sons Longínquos". 1998.



Maria de Arruda Müller  - foto: Divulgação/Olhar Direto
FORTUNA CRÍTICA DE MARIA PONCE DE ARRUDA MÜLLER
ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira; BERNADES, Elizabeth Lannes; SANTOS, Maria de Fátima Souza. A construção da identidade feminina, em Cuiabá, na Primeira República. Revista de Educação Pública, Cuiabá-MT, v. 7, n.11, p. 51-70, 1998. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
ALMEIDA, Ines Parolin de. A Nação em a Violeta: um roteiro de leitura. (Dissertação Mestrado em Teoria e História Literária). Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2003. Disponível no link. (acessado em 3.5.2015).
ARAÚJO, Valdinéia Souza de. Maria Muller: honorável mato-grossense. Diário de Cuiabá, Edição nº 10488 09/12/2002. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
BARRETO, Neila maria de Souza. Maria Ponce de Arruda Muller - Lição de vida! in: A Imprensa de Cuyabá.Disponível no link.(acessado em 5.5.2015).
CLARO, Adenil da Costa. Poesia Mato-grossense de  exaltação da terra. (Dissertação Mestrado em Estudos Literários). Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, 2005. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
COSTA, Laís Dias Souza da. Factos e cousas nas crônicas da revista mato-grossense A Violeta. Revista Estação Literária. Londrina, Volume 11, p. 195-208, jul. 2013. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
FREIRE, Otávio Bandeira de Lamônica. Revista A Violeta: um estudo de mídia impressa e gênero. (Dissertação em Comunicação). Universidade Paulista, UNIP, 2007. Disponível no link e link. (acessado em 5.5.2015).
MARQUES, Ana Maria. O feminismo nas narrativas de mulheres da revista A Violeta - Cuiabá: 1916-1950. In: Revista Territórios e Fronteiras, v. 4, n. 1, jan-jul/2011. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
MARQUES, Tinho Costa. Ministro da Educação condecora Maria Müller. in: MT/Gov. 27 de fevereiro de 2002. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
MESQUITA, José de. A mulher e o modernismo. A Violeta, Cuiabá-MT, n. 265, p. 7, 30 jun. 1940.
NADAF, Yasmin Jamil. Sob o signo de uma flor: estudo da revista A Violeta, publicação do Grêmio Literário "Júlia Lopes", 1916 a 1950. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1993.
NADAF, Yasmin Jamil (Org.). Catálogo de títulos sobre a mulher. Cuiabá: UFMT,1997.
NADAF, Yasmin Jamil. Os caminhos da pesquisa sobre a mulher e a escrita em Mato Grosso. In: Ildney Cavalcanti; Ana Cecília Lima; Liane Schneider. (Org.). Da mulher às mulheres: dialogando sobre literatura, gênero e identidades. 1ªed., Maceió - AL: EDUFAL, 2006, v. 1, p. 65-75.
, Nicanor Palhares. Memória de educadores. In: II Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002, Natal. História e memória da educação brasileira. Natal: SBHE/ Núcleo de Arte e Cultura da UFRN, 2002. v. 1. p. 1-8. Disponível no link. (acessado em 5.5.2015).
SANTOS, Linet de Sá. Mulher mato-grossense na era Vargas: educação e representações. (Dissertação em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, 2014.
SILVA, Gisleine Crepaldi. Uma mulher educada, educa cem homens: a Revista “A Violeta” e a educação feminina durante o período estadonovista em Cuiabá. (Dissertação Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, 2003.
SILVA, Rosana Rodrigues da. A poesia mato-grossense na mira do historiador, crítico e poeta Rubens de Mendonça. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 9 (2007) – 1-124. Disponível no link. (acessado em 3.5.2015).
SIMIÃO, Regina Aparecida Versoza; , Nicanor Palhares. Memórias de Educadores Mato-grossenses: Uma primeira abordagem. In: II Jornada do HISTEDBR, 2002, Ponta Grossa/Curitiba. A Produção em História da Educação na Região Sul do Brasil. Campinas,SP: Graf. FE: HISTEDBR, 2002, 2002. p. 1-151. Disponível no link. (acessado em 3.5.2015).
SIMIÃO, Regina Aparecida Versoza. História e memórias: ciclos de vida de professores matogrossenses. In: ISCHE XXV - International Standing Conference for the History of Education, 2003, São Paulo - Brasil. Escola e modernidade: saberes, instituições e práticas:resumos. São Paulo-SP: Editora Plêiade Ltda., 2003. p. 332-334.
WALKER, Marli Terezinha. Ruptura e Continuidade em Três Séculos de Poesia Feminina em Mato Grosso. (Tese Doutorado em Literatura e Práticas Sociais). Universidade de Brasília, UnB, 2013. Disponível no link. (acessado em 3.5.2015).


Maria Ponce de Arruda e Júlio Müller

REVISTA 'A VIOLETA'
Revista “A Violeta”, fundada em 1916, por um grupo de jovens da escola normal e de senhoras da sociedade cuiabana, editada pelo Grêmio Literário “Júlia Lopes”. 
O Grêmio Literário “Júlia Lopes”, fundado em 26 de novembro de 1916, era formado essencialmente por senhoras e senhoritas da sociedade cuiabana, e editou por cerca de 40 anos a sua revista A Violeta, importante espaço editorial para a divulgação da produção de um sem numero de intelectuais da época.  A primeira diretoria era composta por Leonor Borralho, Presidente, e as demais diretoras, Maria Luiza Pimenta, Maria Ponce de Arruda, Maria da Gloria Figueiredo e Maria Dimpina de Arruda Lobo. Eram objetivos dessa sociedade, alem da publicação de sua revista, organização de palestras literárias feitas pelas associadas ou por pessoas estranhas a convite do Grêmio e impulsionar qualquer movimento literário. A redação da revista A Violeta, era composta de Tereza de Arruda Lobo, Regina Silva Prado, Mariana Povoas e Bartira de Mendonça. Essa interessante revista foi editada continuamente ate cerca de 1950.


Capa da Revista "A Violeta", edição nº 239, de 30 de
 agosto de 1938. (Arquivo Eurípedes Andreatto/Misc
)

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© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske

Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Maria de Arruda Müller. Templo Cultural Delfos, maio/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
** Página atualizada em 6.5.2015.



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