Vinicius de Moraes |
Minha namorada
Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê
Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois
- Vinicius de Moraes
Nada como ter um amor
Nada como ter carinho
Nada como estar pertinho
Ao se enternecer
Bem baixinho, assim, dizer:
Só hei de amar você
Nada como viver juntos
Sempre assim, querer e muito
Nada como ter alegria de viver
E ver o sol aparecer
No sempre novo resplendor
E não ter nada como ter amor
-
Vinicius de Moraes
Soneto
do maior amor
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
do amor total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
-
Vinicius de Moraes
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos
teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus
gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos
eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam
melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te
deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a
fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da
alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento
de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito
quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.
-
Vinicius de Moraes
A
rosa de Hiroxima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
-
Vinicius de Moraes
Solidão
A maior solidão é a do ser que não ama. A
maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se
recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em
si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar
de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o
que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo,
do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também
tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa
às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado
em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.
-
Vinicius de Moraes
O
terceiro filho
Em busca dos irmãos que tinham ido
Eu parti com pouco ouro e muita bênção
Sob o olhar dos pais aflitos.
Eu encontrei os meus irmãos
Que a ira do Senhor transformou em pedra
Mas ainda não encontrei o velho mendigo
Que ficava na encruzilhada do bom e do mau
caminho
E que se parecia com Jesus de Nazaré...
-
Vinicius de Moraes
O
poeta
A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de
beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito
distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém
compreende.
Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da
vida.
O poeta tem o coração claro das aves
E a sensibilidade das crianças.
O poeta chora.
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas
tristes
Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri.
Sorri à vida e à beleza e à amizade
Sorri com a sua mocidade a todas as
mulheres que passam.
O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres
impuras
Sua alma as compreende na luz e na lama
Ele é cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio de respeito para as coisas da
morte.
O poeta não teme a morte.
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de
um novo mistério.
A sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angústia.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos,
pisando a terra e olhando o céu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.
-
Vinicius de Moraes
Minha
mãe
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.
Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: - Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
-
Vinicius de Moraes
A minha pátria é como se não fosse, é
íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança
dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria,
direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e
a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos
cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido
(auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem
sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que
não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que
permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me
sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no
Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada
terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o
monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem
luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é
florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande
rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria
tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te
ama…
Vinicius de Moraes."
-
Vinicius de Moraes
O
verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
-
Vinicius de Moraes
Saudade
que dá
E a lua aparecendo
Diz baixinho uma oração
Não há coisa mais bonita
Que o luar do meu sertão
Terra seca mais danada
Não dá nada, dá saudade
Saudade, saudade que dá
Não dá nada, dá vontade
Vontade de voltar pra lá
Vou mandar rezar um terço
Para ver se de Deus mereço
Uma última bênção
E morrer junto ao meu berço
No luar do meu sertão
-
Vinicius de Moraes
A
cidade antiga
Houve tempo em que a cidade tinha pêlo na
axila
E em que os parques usavam cinto de
castidade
As gaivotas do Pharoux não contavam em
absoluto
Com a posterior invenção dos kamikazes
De resto, a metrópole era inexpugnável
Com Joãozinho da Lapa e Ataliba de Lara.
Houve tempo em que se dizia: LU-GO-LI-NA
U, loura; O, morena; I, ruiva; A, mulata!
Vogais! tônico para o cabelo da poesia
Já escrevi, certa vez, vossa triste balada
Entre os minuetos sutis do comércio
imediato
As portadoras de êxtase e de permanganato!
Houve um tempo em que um morro era apenas
um morro
E não um camelô de colete brilhante
Piscando intermitente o grito de socorro
Da livre concorrência: um pequeno gigante
Que nunca se curvava, ou somente nos dias
Em que o Melo Maluco praticava acrobacias.
Houve tempo em que se exclamava: Asfalto!
Em que se comentava: Verso livre! com
receio...
Em que, para se mostrar, alguém dizia alto:
"Então às seis, sob a marquise do
Passeio..."
Em que se ia ver a bem-amada sepulcral
Decompor o espectro de um sorvete na
Paschoal
Houve tempo em que o amor era melancolia
E a tuberculose se chamava consumpção
De geométrico na cidade só existia
A palamenta dos ioles, de manhã...
Mas em compensação, que abundância de tudo!
Água, sonhos, marfim, nádegas, pão, veludo!
Houve tempo em que apareceu diante do
espelho
A flapper cheia de it, a esfuziante miss
A boca em coração, a saia acima do joelho
Sempre a tremelicar os ombros e os quadris
Nos shimmies: a mulher moderna... Ó Nancy!
Ó Nita!
Que vos transformastes em dízima
infinita...
Houve tempo... e em verdade eu vos digo:
havia tempo
Tempo para a peteca e tempo para o soneto
Tempo para trabalhar e para dar tempo ao
tempo
Tempo para envelhecer sem ficar obsoleto...
Eis por que, para que volte o tempo, e o
sonho, e a rima
Eu fiz, de humor irônico, esta poesia
acima.
-
Vinicius de Moraes
Revolta
Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.
Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.
De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é
fria.
Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.
-
Vinicius de Moraes
Bom
dia, tristeza
Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você
Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
-
Vinicius de Moraes
A
ponte de Van Gogh
O lugar não importa: pode ser o Japão, a
Holanda, a campina inglesa.
Mas é absolutamente preciso que seja
domingo.
O azul do céu ecoa na esmeralda do rio
E o rio reflete docemente as margens de
relva verde-laranja
Dir-se-ia que da mansão da esquerda voou o
lençol virginal de miss
Para ser no céu sem mancha a única nuvem.
A calma é velha, de uma velhice sem pátina
As cores são simples, ingênuas
A estação é feliz: o guarda da ponte chegou
a pintar
De listas vermelhas o teto de sua
casinhola.
E, meu Deus, se não fossem esses diabinhos
de pinheiros a fazer caretas
E a pressa com que o homem da charrete vai:
- A pressa de quem atravessou um vago
perigo
Tudo estivesse perfeito, e não me viesse
esse medo tolo de a pequena ponte levadiça
Desabe e se molhe o vestido preto de
Cristina Georgina Rosseti
Que vai de umbrela especialmente para ouvir
a prédica do novo pastor da vila
-
Vinicius de Moraes
Desde
sempre
Na minha frente, no cinema escuro e
silencioso
Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas
Narrando a beleza suave de um drama de
amor.
Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso
Ouço vozes surdas, viciadas
Vivendo a miséria de uma comédia de carne.
Cada beijo longo e casto do drama
Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual
da comédia
Minha alma recolhe a carícia de um
E a minha carne a brutalidade do outro.
Eu me angustio.
Desespera-me não me perder da comédia
ridícula e falsa
Para me integrar definitivamente no drama.
Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às
palavras implorantes
Que ambos se trocam na agitação do sexo.
Tento fugir para a imagem pura e melodiosa
Mas ouço terrivelmente tudo
Sem poder tapar os ouvidos.
Num impulso fujo, vou para longe do casal
impudico
Para somente poder ver a imagem.
Mas é tarde. Olho o drama sem mais
penetrar-lhe a beleza
Minha imaginação cria o fim da comédia que
é sempre o mesmo fim
E me penetra a alma uma tristeza infinita
Como se para mim tudo tivesse morrido.
-
Vinicius de Moraes
Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
-
Vinicius de Moraes
Amor
nos três pavimentos
Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo
cicuta
Eu faço tudo que você quiser.
Você querendo, você me pede, um brinco, um
namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!...
você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.
Se você quisesse!... até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você...
-
Vinicius de Moraes
Rua
da amargura
A minha rua é longa e silenciosa como um
caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de
noite
Quando a minha angústia passa olhando o
alto.
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com
medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente
à morte.
A minha rua tem gatos que não fogem e cães
que não ladram
Tem árvores grandes que tremem na noite
silente
Fugindo as grandes sombras dos pés
aterrados.
A minha rua é soturna…
Na capela da igreja há sempre uma voz que
murmura louvemos
Sozinha e prostrada diante da imagem
Sem medo das costas que a vaga penumbra
apunhala.
A minha rua tem um lampião apagado
Na frente da casa onde a filha matou o pai
Porque não queria ser dele.
No escuro da casa só brilha uma chapa
gritando quarenta.
A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres
inchados
De ventres inchados que vão perder meninas
pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os
filhinhos nas portas das casas.
É a impossibilidade de fuga diante da vida
É o pecado e a desolação do pecado
É a aceitação da tragédia e a indiferença
ao degredo
Como negação do aniquilamento.
É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo
desencontro de noite.
É a rua por onde eu passo a minha angústia
Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de
prazeres inacabados.
É a longa rua que me leva ao horror do meu
quarto
Pelo desejo de fugir à sua murmuração
tenebrosa
Que me leva à solidão gelada do meu
quarto...
Rua da amargura…
-
Vinicius de Moraes
Sei
lá... a vida tem sempre razão
Tem dias que eu fico
Pensando na vida
E sinceramente
Não vejo saída
Como é, por exemplo
Que dá pra entender
A gente mal nasce
Começa a morrer
Depois da chegada
Vem sempre a partida
Porque não há nada
Sem separação
Sei lá, sei lá
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá
Só sei que ela está com a razão
A gente nem sabe
Que males se apronta
Fazendo de conta
Fingindo esquecer
Que nada renasce
Antes que se acabe
E o sol que desponta
Tem que anoitecer
De nada adianta
Ficar-se de fora
A hora do sim
É um descuido do não
Sei lá, sei lá
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão
-
Vinicius de Moraes
Pelos
caminhos da vida
Vai, segue o caminho
Encontrarás meu rosto triste
Em todas as estradas
Os velhos caminhos
Desertos e sem fim
Que seguem sozinhos
Sem vida e sem amor
E que te querem levar
De mim
Ouvirás na voz do vento
Meu constante adeus
E meu coração batendo
No mesmo passo dos teus
Vai, segue o caminho
Encontrarás em toda parte
A minha grande mágoa
A mágoa das horas
Tão desesperada
Das noites e auroras
Ao longo das estradas
Velhos caminhos
Que não têm fim
Ouvirás na voz do vento
Meu constante adeus
E meu coração batendo
No mesmo passo dos teus
Vai, segue o caminho
Encontrarás meu rosto triste
Em todas as estradas
Estradas de sol
Varridas pelo vento
Cobertas de estrelas
Em pleno firmamento
E que te trazem de volta
A mim
-
Vinicius de Moraes
Um
beijo
Um minuto o nosso beijo
Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo
Quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas
Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas
Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo
Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo
Quanta morte pela vida!
Quantos adeuses efêmeros
Tornados o último adeus
Quantas tíbias, quantos fêmures
Quanta loucura de Deus!
Que mundo de mal-amadas
Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas
Que pomar de suicidas!
Que mar de entranhas correndo
De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo
Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes
Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho
Em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho
Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros
Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros
Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas
A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas
Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros
Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos
Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente
Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente
Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício
Cujo amanhã será tarde
Quanta tara, quanto vício
Quanto enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto
Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto
Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto
Mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade
E a vida, de tanta morte.
-
Vinicius de Moraes
Elegia
ao primeiro amigo
Seguramente não sou eu
Ou antes: não é o ser que eu sou, sem
finalidade e sem história.
É antes uma vontade indizível de te falar
docemente
De te lembrar tanta aventura vivida, tanto
meandro de ternura
Neste momento de solidão e desmesurado
perigo em que me encontro.
Talvez seja o menino que um dia escreveu um
soneto para o dia de teus anos
E te confessava um terrível pudor de amar,
e que chorava às escondidas
Porque via em muitos dúvidas sobre uma
inteligência que ele estimava genial.
Seguramente não é a minha forma.
A forma que uma tarde, na montanha,
entrevi, e que me fez tão tristemente temer minha própria poesia.
É apenas um prenúncio do mistério
Um suspiro da morte íntima, ainda não
desencantada...
Vim para ser lembrado
Para ser tocado de emoção, para chorar
Vim para ouvir o mar contigo
Como no tempo em que o sonho da mulher nos
alucinava, e nós
Encontrávamos força para sorrir à luz
fantástica da manhã.
Nossos olhos enegreciam lentamente de dor
Nossos corpos duros e insensíveis
Caminhavam léguas - e éramos o mesmo afeto
Para aquele que, entre nós, ferido de
beleza
Aquele de rosto de pedra
De mãos assassinas e corpo hermético de
mártir
Nos criava e nos destruía à sombra convulsa
do mar.
Pouco importa que tenha passado, e agora
Eu te possa ver subindo e descendo os frios
vales
Ou nunca mais irei, eu
Que muita vez neles me perdi para afrontar
o medo da treva...
Trazes ao teu braço a companheira dolorosa
A quem te deste como quem se dá ao abismo,
e para quem cantas o teu desespero Como um grande pássaro sem ar.
Tão bem te conheço, meu irmão; no entanto
Quem és, amigo, tu que inventaste a
angústia
E abrigaste em ti todo o patético?
Não sei o que tenho de te falar assim: sei
Que te amo de uma poderosa ternura que nada
pede nem dá
Imediata e silenciosa; sei que poderias
morrer
E eu nada diria de grave; decerto
Foi a primavera temporã que desceu sobre o
meu quarto de mendigo
Com seu azul de outono, seu cheiro de rosas
e de velhos livros...
Pensar-te agora na velha estrada me dá
tanta saudade de mim mesmo
Me renova tanta coisa, me traz à lembrança
tanto instante vivido:
Tudo isso que vais hoje revelar à tua
amiga, e que nós descobrimos numa incomparável aventura
Que é como se me voltasse aos olhos a
inocência com que um dia dormi nos braços de uma mulher que queria me matar.
Evidentemente (e eu tenho pudor de dizê-lo)
Quero um bem enorme a vocês dois, acho
vocês formidáveis
Fosse tudo para dar em desastre no fim, o
que não vejo possível
(Vá lá por conta da necessária
gentileza...)
No entanto, delicadamente, me desprenderei
da vossa companhia, deixar-me-ei ficar para trás, para trás...
Existo também; de algum lugar
Uma mulher me vê viver; de noite, às vezes
Escuto vozes ermas
Que me chamam para o silêncio.
Sofro
O horror dos espaços
O pânico do infinito
O tédio das beatitudes.
Sinto
Refazerem-se em mim mãos que decepei de
meus braços
Que viveram sexos nauseabundos, seios em
putrefação.
Ah, meu irmão, muito sofro! de algum lugar,
na sombra
Uma mulher me vê viver... - perdi o meio da
vida
E o equilíbrio da luz; sou como um pântano
ao luar.
Falarei baixo
Para não perturbar tua amiga adormecida
Serei delicado. Sou muito delicado. Morro
de delicadeza.
Tudo me merece um olhar. Trago
Nos dedos um constante afago para afagar;
na boca
Um constante beijo para beijar; meus olhos
Acarinham sem ver; minha barba é delicada
na pele das mulheres.
Mato com delicadeza. Faço chorar
delicadamente
E me deleito. Inventei o carinho dos pés;
minha palma
Áspera de menino de ilha pousa com
delicadeza sobre um corpo de adúltera.
Na verdade, sou um homem de muitas
mulheres, e com todas delicado e atento
Se me entediam, abandono-as delicadamente,
desprendendo-me delas com uma doçura de água
Se as quero, sou delicadíssimo; tudo em mim
Desprende esse fluido que as envolve de
maneira irremissível
Sou um meigo energúmeno. Até hoje só bati
numa mulher
Mas com singular delicadeza. Não sou bom
Nem mau: sou delicado. Preciso ser delicado
Porque dentro de mim mora um ser feroz e
fratricida
Como um lobo. Se não fosse delicado
Já não seria mais. Ninguém me injuria
Porque sou delicado; também não conheço o
dom da injúria.
Meu comércio com os homens é leal e
delicado; prezo ao absurdo
A liberdade alheia; não existe
Ser mais delicado que eu; sou um místico da
delicadeza
Sou um mártir da delicadeza; sou
Um monstro de delicadeza.
Seguramente não sou eu:
É a tarde, talvez, assim parada
Me impedindo de pensar. Ah, meu amigo
Quisera poder dizer-te tudo; no entanto
Preciso desprender-me de toda lembrança; de
algum lugar
Uma mulher me vê viver, que me chama; devo
Segui-Ia, porque tal é o meu destino.
Seguirei
Todas as mulheres em meu caminho, de tal
forma
Que ela seja, em sua rota, uma dispersão de
pegadas
Para o alto, e não me reste de tudo, ao fim
Senão o sentimento desta missão e o consolo
de saber
Que fui amante, e que entre a mulher e eu
alguma coisa existe
Maior que o amor e a carne, um secreto
acordo, uma promessa
De socorro, de compreensão e de fidelidade
para a vida.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
à lua
Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?
Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?
Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:
E és tampouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!
-
Vinicius de Moraes
Balada
da praia do Vidigal
A lua foi companheira
Na praia do Vidigal
Não surgiu, mas mesmo oculta
Nos recordou seu luar
Teu ventre de maré cheia
Vinha em ondas me puxar
Eram-me os dedos de areia
Eram-te os lábios de sal.
Do rochedo em miramar
Eu soube te amar, menina
Na praia do Vidigal...
Havia tanto silêncio
Que para o desencantar
Nem meus clamores de vento
Nem teus soluços de água.
Minhas mãos te confundiam
Com a fria areia molhada
Vencendo as mãos dos alísios
Nas ondas da tua saia.
Meus olhos baços de brumas
Junto aos teus olhos de alga
Viam-te envolta de espumas
Como a menina afogada.
E que doçura entregar-me
Àquela mole de peixes
Cegando-te o olhar vazio
Com meu cardume de beijos!
Muito lutamos, menina
Naquele pego selvagem
Entre areias assassinas
Junto ao rochedo da margem.
Três vezes submergiste
Três vezes voltaste à flor
E te afogaras não fossem
As redes do meu amor.
Quando voltamos, a noite
Parecia em tua face
Tinhas vento em teus cabelos
Gotas d'água em tua carne.
No verde lençol da areia
Um marco ficou cravado
Moldando a forma de um corpo
No meio da cruz de uns braços.
Talvez que o marco, criança
Já o tenha lavado o mar
Mas nunca leva a lembrança
Daquela noite de amores
Na praia do Vidigal.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
-
Vinicius de Moraes
A
que há de vir
Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.
Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo
E virá a mim com os peitos e virá a mim com
os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas
tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu
sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida
do seu coração
Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de
sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela
dele.
Ela é o amor vivendo de si mesmo.
É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do
mundo.
Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os lábios e
com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é
do forte e a poesia é do poeta
-
Vinicius de Moraes
O
vale do paraíso
Quando vier de novo o céu de maio largando
estrelas
Eu irei, lá onde os pinheiros recendem nas
manhãs úmidas
Lá onde a aragem não desdenha a pequenina
flor das encostas
Será como sempre, na estrada vermelha a
grande pedra recolherá sol
E os pequenos insetos irão e virão, e longe
um cão ladrará
E nos tufos dos arbustos haverá enredados
de orvalho nas teias de aranha.
As montanhas, vejo-as iluminadas, ardendo
no grande sol amarelo
As vertentes algodoadas de neblina,
lembro-as suspendendo árvores nas nuvens
As matas, sinto-as ainda vibrando na
comunhão das sensações
Como uma epiderme verde, porejada.
Na eminência a casa estará rindo no
lampejar dos vidros das suas mil janelas
A sineta tocará matinas e a presença de
Deus não permitirá a Ave-Maria
Apenas a poesia estará nas ramadas que
entram pela porta
E a água estará fria e todos correrão pela
grama
E o pão estará fresco e os olhos estarão
satisfeitos.
Eu irei, será como sempre, nunca o silêncio
sem remédio das insônias
O vento cantará nas frinchas e os grilos
trilarão folhas secas
E haverá coaxos distantes a cada instante
Depois as grandes chuvas encharcando o
barro e esmagando a erva
E batendo nas latas vagas monotonias de
cidade.
Eu me recolherei um minuto e escreverei: -
"Onde estará a volúpia?..."
E as borboletas se fecundando não me
responderão.
Será como sempre, será a altura, será a
proximidade da suprema inexistência
Lá onde à noite o frio imobiliza a luz
cadente das estrelas
Lá onde eu irei.
-
Vinicius de Moraes
Tempo
feliz
Feliz o tempo que passou, passou
Tempo tão cheio de recordações
Tantas canções ele deixou, deixou
Trazendo paz a tantos corações
Que sons mais lindos tinha pelo ar
Que alegria de viver
Ah, meu amor, que tristeza me dá
Vendo o dia querendo amanhecer
E ninguém cantar
Mas, meu bem
Deixa estar, tempo vai
Tempo vem
E quando um dia esse tempo voltar
Eu nem quero pensar no que vai ser
Até o sol raiar
-
Vinicius de Moraes
Místico
O ar está cheio de murmúrios misteriosos
E na névoa clara das coisas há um vago
sentido de espiritualização…
Tudo está cheio de ruídos sonolentos
Que vêm do céu, que vêm do chão
E que esmagam o infinito do meu desespero.
Através do tenuíssimo de névoa que o céu
cobre
Eu sinto a luz desesperadamente
Bater no fosco da bruma que a suspende.
As grandes nuvens brancas e paradas -
Suspensas e paradas
Como aves solícitas de luz -
Ritmam interiormente o movimento da luz:
Dão ao lago do céu
A beleza plácida dos grandes blocos de
gelo.
No olhar aberto que eu ponho nas coisas do
alto
Há todo um amor à divindade.
No coração aberto que eu tenho para as
coisas do alto
Há todo um amor ao mundo.
No espírito que eu tenho embebido das
coisas do alto
Há toda uma compreensão.
Almas que povoais o caminho de luz
Que, longas, passeais nas noites lindas
Que andais suspensas a caminhar no sentido
da luz
O que buscais, almas irmãs da minha?
Por que vos arrastais dentro da noite
murmurosa
Com os vossos braços longos em atitude de
êxtase?
Vedes alguma coisa
Que esta luz que me ofusca esconde à minha
visão?
Sentis alguma coisa
Que eu não sinta talvez?
Por que as vossas mãos de nuvem e névoa
Se espalmam na suprema adoração?
É o castigo, talvez?
Eu já de há muito tempo vos espio
Na vossa estranha caminhada.
Como quisera estar entre o vosso cortejo
Para viver entre vós a minha vida humana...
Talvez, unido a vós, solto por entre vós
Eu pudesse quebrar os grilhões que vos
prendem...
Sou bem melhor que vós, almas acorrentadas
Porque eu também estou acorrentado
E nem vos passa, talvez, a idéia do
auxílio.
Eu estou acorrentado à noite murmurosa
E não me libertais...
Sou bem melhor que vós, almas cheias de
humildade.
Solta ao mundo, a minha alma jamais irá
viver convosco.
Eu sei que ela já tem o seu lugar
Bem junto ao trono da divindade
Para a verdadeira adoração.
Tem o lugar dos escolhidos
Dos que sofreram, dos que viveram e dos que
compreenderam.
-
Vinicius de Moraes
Mormaço
No silêncio morno das coisas do meio-dia
Eu me esvaio no aniquilamento dos
agudíssimos do violino
Que a menina pálida estuda há anos sem
compreender.
Eu sinto o letargo das dissonâncias harmônicas
Do vendedor de modinhas e da pedra do
amolador
Que trazem a visão de mulheres macilentas
dançando no espaço
Na moleza das espatifadas da carne.
Eu vou pouco a pouco adormecendo
Sentindo os gritos do violino que penetram
em todas as frestas
E ressecam os lábios entreabertos na
respiração
Mas que dão a impressão da mediocridade
feliz e boa.
Que importa que a imagem do Cristo pregada
na parede seja a verdade...
Eu sinto que a verdade é a grande calma do
sono
Que vem com o cantar longínquo dos galos
E que me esmaga nos cílios longos beijos
luxuriosos...
Eu sinto a queda de tudo na lassidão...
Adormeço aos poucos na apatia dos ruídos da
rua
E na constância nostálgica da tosse do
vizinho tuberculoso
Que há um ano espera a morte que eu morro
no sono do meio-dia.
-
Vinicius de Moraes
O
único caminho
No tempo em que o Espírito habitava a terra
E em que os homens sentiam na carne a
beleza da arte
Eu ainda não tinha aparecido.
Naquele tempo as pombas brincavam com as
crianças
E os homens morriam na guerra cobertos de
sangue.
Naquele tempo as mulheres davam de dia o
trabalho da palha e da lã
E davam de noite, ao homem cansado, a
volúpia amorosa do corpo.
Eu ainda não tinha aparecido.
No tempo que vinham mudando os seres e as
coisas
Chegavam também os primeiros gritos da
vinda do homem novo
Que vinha trazer à carne um novo sentido de
prazer
E vinha expulsar o Espírito dos seres e das
coisas.
Eu já tinha aparecido.
No caos, no horror, no parado, eu vi o
caminho que ninguém via
O caminho que só o homem de Deus pressente
na treva.
Eu quis fugir da perdição dos outros
caminhos
Mas eu caí.
Eu não tinha como o homem de outrora a
força da luta
Eu não matei quando devia matar
Eu cedi ao prazer e à luxúria da carne do
mundo.
Eu vi que o caminho se ia afastando da
minha vista
Se ia sumindo, ficando indeciso,
desaparecendo.
Quis andar para a frente.
Mas o corpo cansado tombou ao beijo da
última mulher que ficara.
Mas não.
Eu sei que a Verdade ainda habita minha
alma
E a alma que é da Verdade é como a raiz que
é da terra.
O caminho fugiu dos olhos do meu corpo
Mas não desapareceu dos olhos do meu
espírito
Meu espírito sabe...
Ele sabe que longe da carne e do amor do
mundo
Fica a longa vereda dos destinados do
profeta.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Na verdade o que subsiste é o forte que
luta
O fraco que foge é a lama que corre do
monte para o vale.
A águia dos precipícios não é do beiral das
casas
Ela voa na tempestade e repousa na bonança.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Tenho esperanças no meu espírito
extraordinário
E tenho esperança na minha alma
extraordinária.
O filho dos homens antigos
Cujo cadáver não era possuído da terra
Há de um dia ver o caminho de luz que
existe na treva
E então, Senhor
Ele há de caminhar de braços abertos, de
olhos abertos
Para o profeta que a sua alma ama mas que
seu espírito ainda não possuiu.
-
Vinicius de Moraes
Grande
paixão
Sofro por ti meu amor
Grande paixão
Grande paixão
Desilusão
Ai quem me dera
Ai quem me dera
O teu langor
A primavera
A primavera
É toda em flor
Retorna a mim esquecida
Que existe o adeus
E vem jazer
Morta enfim
Nos braços meus
Ah, minha amada
Sem fim
Na solidão
Volta que dói
Tanto em mim
Grande paixão
-
Vinicius de Moraes
Primavera
O meu amor sozinho
É assim como um jardim sem flor
Só queria poder ir dizer a ela
Como é triste se sentir saudade
É que eu gosto tanto dela
Que é capaz dela gostar de mim
E acontece que eu estou mais longe dela
Que da estrela a reluzir na tarde
Estrela, eu lhe diria
Desce à terra, o amor existe
E a poesia só espera ver
Nascer a primavera
Para não morrer
Não há amor sozinho
É juntinho que ele fica bom
Eu queria dar-lhe todo o meu carinho
Eu queria ter felicidade
É que o meu amor é tanto
Um encanto que não tem mais fim
E no entanto ele nem sabe que isso existe
É tão triste se sentir saudade
Amor, eu lhe direi
Amor que eu tanto procurei
Ah, quem me dera eu pudesse ser
A tua primavera
E depois morrer
-
Vinicius de Moraes
Soneto
ao inverno
Inverno, doce inverno das manhãs
Translúcidas, tardias e distantes
Propício ao sentimento das irmãs
E ao mistério da carne das amantes:
Quem és, que transfiguras as maçãs
Em iluminações dessemelhantes
E enlouqueces as rosas temporãs
Rosa-dos-ventos, rosa dos instantes?
Por que ruflaste as tremulantes asas
Alma do céu? o amor das coisas várias
Fez-te migrar - inverno sobre casas!
Anjo tutelar das luminárias
Preservador de santas e de estrelas...
Que importa a noite lúgubre escondê-las?
-
Vinicius de Moraes
A
carta que não foi mandada
Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de
dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais
-
Vinicius de Moraes
O
operário em construção
E o Diabo, levando-o a um alto monte,
mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória,
porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares,
tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito:
adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
do só
(Parábola
de Malte Laurids Brigge)
Sentiu-se pobre e triste como Jó
Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
Espantado, parou. Depois foi só.
Depois veio a poesia ensimesmada
Em espelhos. Sofreu de fazer dó
Viu a face do Cristo ensangüentada
Da sua, imagem - e orou. Depois foi só.
Depois veio o verão e veio o medo
Desceu de seu castelo até o rochedo
Sobre a noite e do mar lhe veio a voz
A anunciar os anjos sanguinários...
Depois cerrou os olhos solitários
E só então foi totalmente a sós.
-
Vinicius de Moraes
Variação
sobre um soneto de Shakespeare
És como um dia cálido de estio...
Azul? Não, és mais linda e mais amena
O verão como tudo traz o frio
E o verão é inconstante, e tu serena.
Tu não trazes o frio, nem a pena
Da luz foste - tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.
Não morre o estio em ti - e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhã E as tristezas suaves do sol-posto.
Sem as marcas cruéis da noite vã. E a morte
que em ser também se deita Em tua alma descansa satisfeita.
-
Vinicius de Moraes
Sonoridade
Meus ouvidos pousam na noite dormente como
aves calmas
Há iluminações no céu se desfazendo...
O grilo é um coração pulsando no sono do
espaço
E as folhas farfalham um murmúrio de coisas
passadas
Devagarinho…
Em árvores longínquas pássaros sonâmbulos
pipilam
E águas desconhecidas escorrem sussurros
brancos na treva.
Na escuta meus olhos se fecham, meus lábios
se oprimem
Tudo em mim é o instante de percepção de
todas as vibrações.
Pela reta invisível os galos são vigilantes
que gritam sossego
Mais forte, mais fraco, mais brando, mais
longe, sumindo
Voltando, mais longe, mais brando, mais
fraco, mais forte.
Batidos distantes de passos caminham no
escuro sem almas
Amantes que voltam...
Pouco a pouco todos os ruídos se vão
penetrando como dedos
E a noite ora.
Eu ouço a estranha ladainha
E ponho os olhos no alto, sonolento.
Um vento leve começa a descer como um sopro
de bênção
Ora pro nobis...
Os primeiros perfumes ascendem da terra
Como emanações de calor de um corpo jovem.
Na treva os lírios tremem, as rosas se
desfolham...
O silêncio sopra sono pelo vento
Tudo se dilata um momento e se enlanguesce
E dorme.
Eu vou me desprendendo de mansinho...
A noite dorme.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
de carnaval
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim
De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
de agosto
Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.
Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.
Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil...
E para a glória do teu ser mais franco
Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
simples
Chegara enfim o mesmo que partira: a porta
aberta e o coração voando ao encontro dos olhos e das mãos. Velhos pássaros,
velhas criaturas, algumas cinzas plácidas passando - somente a amiga é como o
melro branco!
E enfim partira o mesmo que chegara; o
horizonte transpondo o pensamento e nas auroras plácidas passando o doce perfil
da amiga adormecida. Desejo de morrer de nostalgia da noite dos vales tristes e
perdidos… (foi quando desceu do céu a poesia como um grito de luz nos meus
ouvidos…)
-
Vinicius de Moraes
Soneto
de contrição
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
-
Vinicius de Moraes
Soneto
de devoção
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
-
Vinicius de Moraes
Soneto
de quarta-feira de cinzas
Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada
Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada
Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura
Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.
-
Vinicius de Moraes
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*** Todos os poemas de Vinicius de Moraes desta pagina foram extraídos do Site Oficial do autor.
© Pesquisa, seleção e organização: Gabriela Fenske Feldkircher
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