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Astrid Cabral - a sagração da memória

Astrid Cabral - foto (...)


Astrid Cabral
Félix de Sousa
 (poeta, contista, tradutora e professora), nasceu
no dia 25 de setembro de 1936, em Manaus-AM, onde fez os primeiros estudos e integrou o movimento renovador Clube da Madrugada. Adolescente ainda transferiu-se para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na atual UFRJ, e mais tarde como professora de inglês pelo IBEU. Lecionou língua e literatura no ensino médio e na Universidade de Brasília, onde integrou a primeira turma de docentes saindo em 1965 em conseqüência do golpe militar. Em 1968 ingressou por concurso no Itamaraty, tendo servido como Oficial de Chancelaria em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Com a anistia, em 1988 foi reintegrada à UnB. Ao longo de sua vida profissional desempenhou os mais variados trabalhos, fora e dentro da área cultural. Detentora de importantes prêmios, participa de numerosas antologias no Brasil e no exterior. Colabora com assiduidade em jornais e revistas especializadas. Viúva do poeta Afonso Félix de Sousa, é mãe de cinco filhos.

Em 1979 publicou “Ponto de Cruz” com grande recepção crítica. A partir de então, vem construindo uma sólida obra poética, onde uma lírica precisa e versos cuidadosamente dosados investigam ora a interioridade, ora as imprevisibilidades do mundo, ora os pequenos sustos de existir. A inexorabilidade da morte e a celeridade da vida também estão presentes.
:: Fonte: jornal de poesia (acessado em 11.01.2016).



PRÊMIOS DE ASTRID CABRAL
1987 - Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, com a obra "Lição de Alice";
1998 - Prêmio Nacional de Poesia Helena Kolody, da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, com a obra "Intramuros";
2004 - Prêmio Nacional de Poesia, da Academia Brasileira de Letras, com a obra "Rasos d`água";
2012Prêmio Troféu Rio de Personalidade Cultural 2012, da UBE-RJ/ União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro.


Astrid Cabral - foto: Selmo Vasconcellos

OBRA DE ASTRID CABRAL

Poesia
:: Ponto de cruz (poesia). Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1979. 
:: Torna-viagem (poesia). Recife: Editora Pirata, 1981, 84p. 
:: Lição de Alice (poesia).. [Coleção Poesia sempre, 7]. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, 112p.  
:: Visgo da terra (poesia). Manaus: Edições Puxirum, 1986; 3ª ed., revista pela autora. [organização Tenório Teles].  Manaus: Valer Editora; Governo do Estado do Amazonas; Edua; UniNorte, 2005. 128p. 
:: Rês desgarrada (poesia). Brasília: Editora Thesaurus, 1994. 
:: De déu em déu (poesia reunida). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, 422p.
:: Intramuros (poesia). Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, 1998; 2ª ed., revista pela autora.  Manaus: Valer Editora, 2011, 114p. 
:: Rasos d’água (poesia). Manaus: Editora Valer; Governo do Amazonas,2003.
:: Jaula (poesia). Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2006, 78p.
:: Ante-sala (poesia). Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2007, 88p.
:: Antologia pessoal (poesia). Brasília: Thesaurus Editora, 2008, 152p.
:: 50 Poemas escolhidos pelo autor (poesia).. [Coleção Cinquenta poemas escolhidos pelo autor, v. 28]. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008, 116p.
:: Palavra na berlinda. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2011, 60p.
:: Infância em franjas. Rio de Janeiro: editora KD, 2014, 64p.

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Conto

:: Alameda (contos). Rio de Janeiro: Editora GRD, 1963. 

Infanto-juvenil
:: Zé Pirulito. Rio de Janeiro: Editora Agir; INL, 1982.

Antologia (participação)
:: A poesia Amazonense no século XX: antologia. [organização e seleção Heliodoro Balbi]. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1998, 233p.
:: Cem anos de poesia: um panorama da poesia brasileira no século XX. [organização Claufe Rodrigues e Alexandra maria]. 2 vol's., Rio de Janeiro: Overso Edições, 2001.
:: Fourteen female voices from Brazil: interviews and work. [edited by Elzbieta Szoka; introduction by Jean Franco]Austin, Texas: Host Publications, INC., 2003. {included in this anthology: Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Helena Parente Cunha, Astrid Cabral, Marly de Oliveira, Jandira Martini, Leilah Assumpção, Maria Adelaide Amaral, Myriam Campello, Sonia Coutinho, Esmerelda Ribeiro, Miriam Alves, Conceição Evaristo e Renata Pallottini}.  

Obra traduzida
:: Les doigts dans l'eau. [tradução Fontanay Le Conte]. Collection les fruits étranges. France: Chez les arêtes, 2008.
:: Cage. [tradução Alexis Levitin].  Austin/Texas: Host Publications Inc., 2008, 91p.



TRADUÇÕES
THOREAU, Henry David. Walden, ou a vida nos bosques. [tradução Astrid Cabral]. São Paulo: Global editora, 1984. 
THOREAU, Henry David. A desobediência civil[tradução Astrid Cabral]. São Paulo: Global editora, 1984. 


ENTREVISTAS
AGUIAR, Cláudio. Astrid Cabral [entrevista]. in: PEN Clube do Brasil. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
VASCONCELLOS, Selmo. Astrid Cabral. [entrevista]. in: Selmo Vasconcellos, 03 de setembro de 2009. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).


A palavra na berlinda
As palavras se contaminam
de cada um de nós.
Bebem nosso único sangue.
Engravidam das vivências
de específicos destinos.
Quando alçadas em abstrações
prévias estagiaram no cerne
de nossa própria carne.
Por isso descaminhos se traçam
e se cavam abismos e abismos
entre bocas e ouvidos.
O que se expressa e vigora
em aparente senha comum
não cintila a sua aura
e de nós o essencial ignora.
- Astrid Cabral, em "Palavra na berlinda". Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2011.



  • Astrid Cabral - poeta, contista, tradutora e professora

POEMAS ESCOLHIDOS DE ASTRUD CABRAL

Ante- sala
Este o mundo
de mistérios
refratários
a microscópios.
Este o mundo
de muralhas
inexpugnáveis
a máquinas.
Aqui a noite
opaca parca
de estrelas.
Aqui os olhos embrulhados
em dobras e sombras.
Esta a ante-sala:
áspera espera
de outra era.
- Astrid Cabral, em "Ante-sala". Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2007, p. 13.


Áureos tempos
Áureos tempos aqueles
quando na manhãzinha goiaba
colhíamos no cerrado gabirobas
ainda vestidas de orvalho.
Pés e patas competiam no capim
pródigo de carrapichos.
Gestos elásticos ultra-rápidos
assustávamos insetos e aves.
Um séquito de suaves súditos
nos seguia em semi-adoração
nós, os príncipes daquele feudo.
Depois, o asfalto rasgou o campo.
Cogumelos de concreto brotaram.
Cresceram as crianças e a cidade.
Anãs ficaram as árvores aos pés
de edifícios colossais. Sumiram
pássaros gabirobas araçás.
Fim de passeios e piqueniques.
Só ficou a fome funda das frutas
no vão sem remissão das bocas .
- Astrid Cabral, em "Rasos d'água". Manaus: Secretaria de Cultura de Amazonas; Valer, 2003, p. 45.


Boca
livre trânsito
de vocábulos e aves
fruições e frutos.
Boca
sede de gozo e poder
pombos lhe pousam
entre os dentes ávidos
pêssegos se imolam
cindindo-lhe os lábios.
Boca
sítio de martírio
se a contragosto
de fome se fecha
ou em pânico se cala
atrás de uma mordaça. 
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 17. 


Busca
Minha infância é hoje
aquele peixe de prata
que me escorregou da mão
como se fosse sabão.
     Mergulho no antigo rio
     atrás do peixe vadio
     – Quem viu? Quem viu?
Minha infância é hoje
aquele papagaio fujão
no ar, sua muda canção.
     Subo nos galhos da goiabeira
     atrás do falaz papagaio
     – me segura, me segura
     senão eu caio.
- Astrid Cabral, em "Visgo da terra". Edições Puxirum: Manaus, 1986, p. 78.


Astrid Cabral - foto (...)
Canção trôpega
A vida não tem volta.
Sobra o séquito de sombras
e uma canção trôpega
atravessada no peito:
espada, rubra espada
cravada de mau jeito.
Aqueles rapazes esbeltos
ai, estrangularam-se
nas gravatas da rotina.
Ai, crucificaram-se
no lenho das doenças.
Aqueles rapazes tão belos
não fazem mais acrobacias
nem discursos inflamados
Arrastam chinelos e redes
ruminam silêncio amargo.
Um dia fui bela, filha,
digo a surpreendê-la.
Devo provar com retratos
o que tem ar de mentira. 
- Astrid Cabral, em "Rasos d'água". Manaus: Secretaria de Cultura de Amazonas; Valer, 2003, p. 35.


Careiro
Aquela terra, muitos dizem, permanece
em que pese a fúria da corrente corroendo-lhe
o corpo de barro ao sol.
Ali, o reino de avós e pacíficos
bichos, bois de cordiais apelidos
cavalos já mansos sob os selins
pastando em matagais de carrapichos.
Terra de grelos e de cambuquiras
bambus, cipós, ervas-de-passarinhos
ovos de onde explodem cascos e penas
cajus disputados ao bico de aves
luas ceifando piranhas nas águas
rolos de cobras quais fumos de corda.
Cavalgando barrancas derrocadas
o perfume dos pendões de angélicas
rosas cambraias e manacás no sereno
aporta em mim varando o rude tempo.
Ali o reino que meu sonho tece.
Aquela terra, também digo, permanece.
- Astrid Cabral, do livro " Visgo da terra", em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 175.


Cenário arcaico
O mundo? Aquele quintal
pulando cercas e ruas
até mergulhar raízes
no raso rio vizinho.
Ah verde dossel de folhas
periquitos papagaios
mil sombras à flor da terra
retalhos de azul e sol!
Chuvas de frutas maduras
pedras tingidas de limo
troncos de pardas orelhas.
Era uma vez a mangueira
encantada, tinha ancas
lombo e crinas de cavalo.
Manga espada manga rosa
manga jasmim manga sapo.
Mosquitos zumbiam zin
zin ávidos na carniça
das ácidas graviolas.
Gravetos e folhas secas
fuçavam o chão nos turvos
riachos das enxurradas.
Entre galinhas de Angola
a ciscarem grãos de milho
um jabuti tartamudo
arrastava-se no exílio.
Ossos de animais brotavam
da terra recém-lavada:
sinal da morte nascendo
em irônica semente.
(Meus olhos ciscando o mundo.)
- Astrid Cabral, do livro " Visgo da terra", em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 162.


Cercas
 “Good fences make good neighbours”

No meu país, as cercas
são visíveis e inúteis.
Na infância, rouba-se fruta
do quintal alheio, as goiabas
do vizinho mais gostosas.
Após a colheita das chuvas
põe-se alguidar2
com mangas
em cima dos muros baixos
dádiva à gula de quem passar.
Embrulhos de café e açúcar
vasilhas de ovos e azeitonas
cruzam as cercas pro formas
em vaivéns fraternos.
Neste país de jardins abertos
e altos muros de reservas
as cercas estão fincadas
no coração dos homens.
- Astrid Cabral, em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 336. 


De mãos atadas
Enquanto com as mãos intatas
Garatujo este poema inútil
Assalta-me a cifra macabra:
Em mil novecentos e oitenta e seis
Oitocentos mil operários brasileiros
Tiveram as mãos mutiladas.
Escrever pra quê se a palavra
Não é espada que transpasse
O coração de pedra do poder
Há séculos de mãos cruzadas?
- Astrid Cabral, em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 343.


Filosofia de bolso
O mistério é grande
mas a gente vai
e quebra a cabeça.
A água é funda
mas a gente dá
com os burros n'água.
A vida é dura
mas a gente dá murro
em ponto de faca.
A fome é feia
mas a gente tira
leite das pedras.
Tudo pra num triz
num piscar de olhos
vestir pijama de madeira
e ir come capim pela raiz.
 - Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 43.


Iniciação
Infalível, dia após dia
mergulhas no mar das trevas
decúbito na cama esquife
entre lençóis mortalha.
O cansaço te prostra
e arrasta pelas sendas
abissais do nada.
Em parêntesis de tempo
sonhos irrompem tênues
devolvendo-te do mundo
quebra-cabeças e farelos.
Firme instala-se o hábito
da ausência e da renúncia:
vais ensaiando a morte,
última exigência do corpo,
em teu colchão de espuma
- Astrid Cabral, do livro "Ponto de cruz", em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 48.


Metamorfose
Ainda nos chamam
pelos mesmos nomes.
Acaso seremos os mesmos
ou é a cegueira alheia?
Éramos formosos
afortunados donos
de sesmarias de sonhos.
Tínhamos frescor de frondes
ímpetos de fontes e fogos
destemor de duelos, dúvidas
que não machucavam quase.
Éramos potros selvagens
farejando precipícios
pelas pastagens do mundo.

No curral ainda nos sobra
a noção do tesouro perdido
e essa ração de memória
é a esmola que nos cabe.
- Astrid Cabral, em "Rasos d'água". Manaus: Secretaria de Cultura de Amazonas; Valer, 2003, p. 37.


Navio-esquife
Correm as águas do rio
Corre veloz o navio
Entre as faces do vento
Entre as faces do tempo
Corremos nós.
Ao abraço de que foz
Viajam as águas
Viajamos nós?
Árvores nas margens
Céleres passam
Sob remansos de céu
Onde se apaga o sol.
Eis que longe o porto acende seu colar de luzes:
Grinalda para os mortos
Que no navio-esquife
Ante-somos todos.
- Astrid Cabral, em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 52.


No silêncio
No silêncio êncioêncio...
ouve-se o rio de sangue
correndo o leito do corpo
o surdo arfar da madeira
nos poros dos móveis
nos veios das árvores.
No silêncio êncioêncio...
cantam oceanos e rios
em romarias pagãs
sopram anônimos ventos
varando o ventre das manhãs
tocam estrelas suas música
em teclas ao léu do céu
a vida inscrito ruído 
nas faixas do infinito.
No silêncio não há silêncio. 
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p.  21.


O anjo bom
Entre montanhas de roupas
e colinas-pilhas de louça
afogava-se nas águas
de pias, tanques, baldes
e mágoas represadas.
E perseguia a poeira
e a fome num desvelo
que era novelo sem fim
desenrolando-lhe os dias.
Onipresente, mas tão muda
que se fazia invisível,
era o anjo bom do lar
– exilada sem asas –
no chão do seu inferno.
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 38.


Astrid Cabral - foto (...)
Resíduos
Varre-se a alma
mas entre as gretas
sempre resta
estática poeira.

Jamais devolverás, memória,
a juventude em carne e osso.
O que nos sobra além de fotos
é carne mumificada sem sangue
sem esperança e sem alvoroço.

Dias de sol
e fomos espigas.
Hoje não somos
mais que sabugos.
Onde os grãos?
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p.  90.


Rio do tempo
Rio do tempo, por tuas águas
de silêncio é que navego
a montante buscando
a inatingível nascente
de onde jorra o ser.
A refluir entre correntes
de pretérita amargura
bendigo o presente alivia
e em remansos de findo gozo
chora ilhas de céus submersos.
Nessa viagem de regresso
nostalgia movendo velas
de punhos atados ante
o destino cumprido, reluto
e grita contra a vertigem

que me conduz ao abismo.
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 75. 


Selvagem repasto
Leão voraz o tempo
devora as horas
contumaz pertinaz.
Com ventre de avestruz
ele ingere e digere
fétidos e bons bocados
em sua goela de lobo
vou sendo engolida
deglutida em ávidos
nhacotes nhacotes.
Nas suas mandíbulas
mais dia menos dia
preso como por fíbulas
estará entre destroços
o pó destes meus ossos.
- Astrid Cabral, em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 69.


Sendas de rugas
A insônia a e o sono

habitam o rosto dessas mulheres

de sorrisos maculados de metais.

Elas caminham para a morte

pelas sendas de suas rugas

e cobrem os seios lassos

não de tecidos grossos

mas de restos de sonhos.

Da memória de outros dias

elas se nutrem e não
das carnes que temperam
com cebolas.
 - Astrid Cabral, em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 80.


Tragediazinha
Cansou-se da eterna espera
o morno amor chove-não-molha
e retirou seu cavalinho
da chuva peneirando lá fora.
Casou-se com a igreja
o fogão a máquina de costura
e recheou os frios dias
de tríduos e novenas
biscoitos bolos rendas.
Mas na calada da noite
no recato escuro
ainda embala o velho sonho
de um amor absoluto.
- Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 39.


Transitória
Enquanto
    folhas folham
    árvores arvoram
    e o dia irradia
sigo
    figo
       no ramo da tarde.
Até que a noite anoiteça
o fruto apodreça
e na terra em fome
         tombe
sem alarde.
- Astrid Cabral, em "Ante-sala". Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2007,  p. 21.


Viagem à revelia 
Se por enquanto deslizo
pelas espáduas do rio
e mal lhe distingo as margens
se tudo agora ignoro
sobre a fonte ou mesmo a foz
salvo a aresta da pergunta
que o peito me dilacera
se por enquanto me visto
com lantejoulas de sol
ou às vezes me descubro
órfã no luto da noite
uma lição aprendi:
devo apascentar as ondas
e louvar a companhia
que me faz a própria sombra
na viagem à revelia.
- Astrid Cabral, em "Rasos d'água". Manaus: Secretaria de Cultura de Amazonas; Valer, 2003,  p. 99.


I
Em Tiro o mar é morno
e entre conchas e ondas
moram mates mosaicos
de um tempo morto.
Garotos faturam a História
cunhando moedas falsas
entre antigas crateras
de vidro cor de cobalto.
Colunas e capitéis
decapitados de tronos
de frágil glória
repousam reles na relva.
Sarcófagos estuprados
embalam fantasmas
nos sinistros berços.
Folhas de acanto
fósseis florescem
em verde vivo solo.
Em Tiro o mar é eterno:
fenício e romano
mas também anônimo
de um tempo antes
e depois de Cristo
aquém e além do homem
e seus impérios. 
- Astrid Cabral, do livro "Torna-viagem", em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 89.


V
O mar me presenteia
(mero acaso ou desígnio?)
com a alça de um vaso
constelada de crustáceos.
De que longínquo jarro
de azeite ou vinho tinto?
Na palma antes parece
estranha orelha de barro
escancarada ao marulho
do mar a arfar eterno.
Em que recanto da terra
restará o corpo amputado?
Que bojo de náufrago navio
ocultará a restante parte?
Atrás de que vetusta vitrine
exibir-se-á o ex-ser total?
Oh mundo indevassável enigma
mar de abstrações e extravios.
Quando enfim adivinharemos
o todo de que somos fragmento?
- Astrid Cabral, do livro "Torna-viagem", em "De déu em déu". Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, p. 93.



Astrid Cabral - foto: Selmo Vasconcellos


FORTUNA CRÍTICA DE ASTRID CABRAL

ASTRID Cabral. Discurso de posse no P.E.N Clube do Brasil. Saudação de Lélia Coelho Frota. in: jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
ATROCH, Daniel Cavalcanti; ZUCOLO, N. P.. Traços existenciais e soteriológicos do conto 'A orquídea da exposição' de Astrid Cabral. Somanlu (UFAM), v. 9, p. 87-93, 2009.
AZEVEDO, Kenedi Santos. A cidade nos poemas de Astrid Cabral e Al Berto. In: III Colóquio Internacional Poéticas do Imaginário, 2012, Manaus. Anais do III Colóquio Internacional Poéticas do Imaginário: Amazônia: Literatura e Cultura. Manaus: UEA Edições, 2012. v. 1. p. 207-212.
BARBOSA FILHO, Hildeberto. A enunciação poética essencial. in: jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 12.01.2016).
CLUBE da Madrugada - Manaus. in: KRUGER, Marcos Aleixo Frederico. Verbete publicado originalmente no Estado do Amazonas em Verbetes. Organizado por Santos, f.j. & SAMPAIO, P.M. 2002,P.49 e 50./ Portal Amazonia. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
Astrid Cabral - foto: Fernando Lemos
DANTAS, Maria Socorro da Silva; ANDREATTA, Elaine Pereira. Sophia Andresen e Astrid Cabral no intervalo da vida e da morte.. Manaus-Amazonas: UEA- Edições, 2012.
ENGRÁCIO, Arthur (org.). Poetas e prosadores contemporâneos do Amazonas: súmula biobibliográfica. Manaus: Universidade do Amazonas,  1994, 181p.
FAGUNDES, Igor. Do espanto às indagações: a zoopoética de Astrid Cabral/in: Poeta da vez. in: Panorama da Palavra. Disponível no link. (acessado em 12.01.2016).
FERREIRA, Izacyl Guimarães. Uma lição de Astrid Cabral. in: jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 12.01.2016).
GRAÇA, Antônio Paulo. A poesia de Astrid Cabral. in: jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 12.01.2016).
GUEDELHA, Carlos Antônio Magalhães. Manaus de águas passadas - a recriação poética de Manaus em Visgo da Terra, de Astrid Cabral. (Dissertação Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia). Universidade Federal do Amazonas, UFAM, 2001.
GUEDELHA, Carlos Antônio Magalhães. Astrid Cabral, entre o pão e a palavra. Textos JC. Manaus: Jornal do Commercio, 03 de abril de 2000.
GUEDELHA, Carlos Antônio Magalhães; SAMPAIO, Enderson de Souza. Eros e tânatos em o instante da açucena, de Astrid Cabral. Revista Decifrar, v. 01, p. 185-198, 2014. Disponível no link. (acessado em 10.01.2016).
LEÃO, Allison (org.). Amazônia: literatura e cultura. Manaus: UEA Edições, 2012. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
OLIVEIRA, Irenísia Torres de.. O cotidiano em três poemas de Astrid Cabral. Revista do Livro, Rio de Janeiro, p. 99 - 110.
LIMA, Eliane F.C.. Astrid Cabral e a poética do espanto. in: Literatura em Vida, 26 de novembro de 2011. Disponível no link. (acessado em 10.01.2016).
LIMA, Eliane F.C.. Vários olhares sobre a velhice - Palavras sobre palavras in: Literatura em Vida, 06 de novembro de 2010. Disponível no link. (acessado em 10.01.2016).
LIMA, Eliane F.C.. "Coisa de mulher" - Literatura, já 16/Palavras sobre palavras 18. in: Literatura em Vida,  27 de junho de 2010. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
LIMA, Pollyanna Furtado. Lírica de sagração em Lição de Alice, de Astrid Cabral. in: Revista Estação Literária, Londrina, Volume 13, p. 161-175, jan. 2015. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
PEIXOTO, Lina Tâmega. Palavra e silêncio na poesia de Astrid Cabral. in: Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 54, p. 91-100, jul./dez. 2013. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
SAMPAIO, Enderson de Souza; SILVEIRA, Ederson Luís. Astrid Cabral e a literatura amazonense: sobre escritas e exterioridades nas poéticas da memória. in: revista eletrônica interdisciplinar Univar, v. 1, nº 13, 2015. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dos.. Astrid Cabral: poesia e cartografias da memória. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, 2009. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dos; CRUZ, Antonio Donizeti da.. O fazer poético em Astrid Cabral, Neide Archanjo e Olga Savary. Anais da ... Jornada de Estudos Lingüísticos e Literários, v. 10, p. 442-447, 2007.
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dosCRUZ, Antonio Donizeti da.. Poesia e modernidade em Astrid Cabral. Anais da ... Jornada de Estudos Lingüísticos e Literários, v. 1, p. 383-388, 2007.
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dosCRUZ, Antonio Donizeti da.. Memória, viagem e natureza na poesia de Astrid Cabral. Anais da Jornada de Estudos Lingüísticos e Literários, v. 1, p. 305-308, 2006.
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dosCRUZ, Antonio Donizeti da.. Poesia e Memória em Astrid Cabral. In: Anais do V EPPEL - Encontro Paranaense Pós-graduado em Estudos Literários, I EPPLI - Econtro Paranaense de Pós-graduação em Linguística e VI SPLE - Seminário de Pesquisa em Letras. Maringá: Editora da UEM, 2008. v. 1. p. 1-12.
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dosCRUZ, Antonio Donizeti da.. A poesia de Astrid Cabral: uma leitura de Ante-sala. In: Anais do VIII Seminário Nacional de Literatura, História e Memória - Literatura e Cultura na América Latina e II Simpósio de Pesquisas em Letras da UNIOESTE. Cascavel - PR: Edunioeste, 2008. v. 1. p. 1-12.
SANTOS, Lucinéia Rodrigues dosCRUZ, Antonio Donizeti da.. Viagem e memória em Astrid Cabral. In: Simpósio Nacional em Ciências Humanas: Universidade e Sociedade, 2006, Marechal Cândido Rondon. Anais do Simpósio Nacional em Ciências Humanas: Universidade e Sociedade. Cascavel: Gráfica Scussiatto, 2006. v. 1. p. 1-10.
Astrid Cabral - foto (...)

SANTOS, Pablo Edgardo Monteiro; PÁSCOA, Luciane Vieira Barros. Reflexões sobre a produção do Clube da Madrugada através dos Suplementos Literários e Artísticos do Amazonas: o caso do Caderno Madrugada em O Jornal – 1961-1966. Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - Edição 03/2007.
SILVA, Marcos Fabrício Lopes da.. A crítica do marketing na poesia de Astrid Cabral. Comunicologia (Brasília), v. 1, p. 114-138, 2010. Disponível no link. (acessado em 10.01.2016.
SOARES, Angelica Maria Santos. A marginalização social das mulheres na poesia de Silvia Jacintho e Astrid Cabral. Revista de letras (UNESP. Online), v. 48, p. 37-51, 2008.
SOARES, Angelica Maria Santos. Ilimitáveis da memória / Exercícios de metamemória (Cecília Meireles, Marly de Oliveira, Helena Parente Cunha, Astrid Cabral). Scripta (PUCMG), v. 01, p. 95-107, 2006. Disponível no link. (acessado em 10.01.2016).
SOARES, Angelica Maria Santos. Por uma compreensão Poética da Memória (Adélia Prado e Astrid Cabral). Revista Texto Poético, v. 04, p. 02-06, 2007. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
SOUZA, Marcio. Astrid Cabral. in: blog do Francisco Gomes. Disponível no link. (acessado em 11.01.2016).
TELLES, Tenório Nunes. Mais que uma sensibilidade feminina. in: jornal de poesia. Disponível no link. (acessado em 12.01.2016).


Cave canem
Dentro de mim há cachorros
que uivam em horas de raiva
contra as jaulas da cortesia
e as coleiras do bom senso.
Solto-os em nome da justiça
tomada de coragem homicida.
Mas sabendo que raiva mata
à míngua de tomar meus cães
vacinei-os. Ladrem mas não mordam
e caso mordam, não matem.
- Astrid Cabral, em "Jaula". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2006.


Infância em franjas

                A infância não passou de todo.
                Recolheu-se a um armário de
               lembranças-fantasmas, de onde
              às vezes escapam e me visitam.

Me apoiei numa pedra
pra poder me levantar.
(O limo me enganou)
A pedra saltou longe.
Era um baita sapo de
 olho esbugalhado em mim.
Foi um susto mútuo:
meus dedos na pele fria
fogo na cacunda dele.
Se espirrasse veneno
e eu ficasse cega?
Abalo de súbito medo
bateu-me no estômago
nojo ânsia de vômito.
Se nos contos de fada
sapos viravam príncipes
na minha experiência
pedras viravam sapos. 
- Astrid Cabral, em "Infância em franjas". Rio de Janeiro: editora KD, 2014.


Astrid Cabral - foto (...)
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Astrid Cabral - a sagração da memória. Templo Cultural Delfos, janeiro/2016. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 12.1.2016.
* Página original JANEIRO/2016.



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Friedrich Hölderlin - poemas (bilíngue)

Friedrich Holderlin (Lauffen-Am-Neckar, 1770,
Tubingen, 1843).
"A vida e a obra de Hölderlin (1770-1843) confundem-se e fundem-se numa unidade totalizadora: a Poesia. Destinado à carreira eclesiástica por uma mãe dominadora, depressa se apercebe de que o seu caminho é o da criação pela palavra poética, a que prende todo o seu pensar, sentir e agir. (...) A partir de 1802, ano em que morre a sua Diotima - Susette Gontard, esposa do banqueiro de Frankfurt, em casa de quem desempenhou funções de preceptor desde 1796 até 1798 - passa a sofrer de perturbações psíquicas que se vão agravando com o tempo. Surge então a mitificação do "poeta louco", mais alvo de curiosidade do que de respeito, e muitos dos seus manuscritos são destruídos por conhecidos e amigos que procuram reunir e editar a sua obra poética e acham que tudo o que foi escrito a partir daquela data é apenas fruto de um estado psíquico alterado. Na Torre de Tübingen, junto ao rio Nécar, onde através da sua janela o poeta vê as águas, os cisnes, os campos até às montanhas do Alb suábio, Hölderlin vive ainda de 1807 a 1843, ano em que morre, a 7 de junho. O marceneiro Zimmer, dono da casa, que aceitou tomá-lo aos seus cuidados - em boa parte porque admirava o autor de "Hipérion", que lera com entusiasmo - depois da clínica Autenrieth o dar por incurável e com poucos meses de vida, veio a proporcionar-lhe, com a sua família, o ambiente de afeto e convívio de que o poeta carecera quase toda a sua vida. Neste último período, a produção poética cai numa maior rigidez formal, mas não perde o seu alcance lírico nem os seus ideais de humanismo helénico. 
A grande revolução da poesia de Hölderlin ficou bem patente nos "Hinos Tardios" que apenas vêm a ser descobertos e editados em 1914 pelo escritor ligado ao Círculo George, Norbert von Hellingrath, que a breve trecho veio a morrer, durante a Primeira Grande Guerra. Em 1914, quando Rainer Maria Rilke lê, deslumbrado, tanto o volume dos "Hinos Tardios", como o "Hipérion", encontra em Hölderlin um novo modelo exemplar para a sua obra poética, sobretudo para as "Elegias de Duíno" e "Sonetos a Orfeu" que de algum modo ecoam a audácia sintática, rítmica e imagética dessas obras, lidas nesse ano. Depois de Rilke, toda uma plêiade de poetas tem assumido a herança de Hölderlin, nas mais variadas línguas e culturas. A unidade matricial da poesia hölderliniana, pela sua universalidade e pela sua essência fundamentalmente humana e intrinsecamente inovadora é captada nos mais diversos ângulos e temáticas, demonstrando a inesgotabilidade do autor e o carácter fundacional da sua obra." 
- Maria Teresa Dias Furtado, in "A Phala", nº 57/Editora Assírio & Alvim. (acessado em 10.01.2016). 


OBRA DE FRIEDRICH HÖLDERLIN
:: A morte de empédocles (fragmentos). 1797|1800.
:: Hyperion ou O eremita na Grécia. 1797|1799.
:: Tragédias de Sófocles. 1804.
:: Poemas de Friedrich Hölderlin. [edição Ludwig Uhland e Gustav Schwab]. 1826.


OBRAS DE FRIEDRICH HÖLDERLIN TRADUZIDAS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
Portugal
Friedrich Holderlin
:: Poemas - Friedrich Hölderlin. [prefácio, selecção e tradução Paulo Quintela]. 2 vol's., Coimbra: Atlântida, 1959; Lisboa: Relógio D’Água, 1991.
:: Elegias - Friedrich Hölderlin. [tradução Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Assírio e Alvim, 1992.
:: Hinos tardios – Friedrich Hölderlin. [tradução Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Editora Assírio & Alvim, 2000.
:: Hipérion ou o Eremita da Grécia. [tradução e prefácio  Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Editora Assírio & Alvim, 1997.
:: Fragmentos de Píndaro - Friedrich Holderlin. [tradução, notas e prefácio de Bruno C. Duarte]. Porto: Editora Assírio & Alvim, 2010.

Brasil
:: Canto do destino e outros cantos - Friedrich Hölderlin. [organização, tradução e ensaio Antônio Medina Rodrigues]. São Paulo: Iluminuras, 1994.
:: Poemas - Friedrich Hölderlin. [seleção, tradução, introdução e notas José Paulo Paes]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
:: Reflexões - Friedrich Hölderlin. [tradução Márcia de Sá Cavalcante e Antonio Abranches]. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
:: Hipérion ou o Eremita na Grécia. [tradução Erlon José Pascoal]. São Paulo: Nova Alexandria, 2003.
:: A morte de empédocles - Friedrich Hölderlin. [tradução e introdução Marise Moassab Curiori]. São Paulo: Iluminuras, 2008.

Antologias e outros estudos
:: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira[poesia traduzida]. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
:: KEMPF, Roswitha (versão). A poesia alemã - breve antologia.  [Lavant, Kaschnitz, Enzensberger, Brecht, Benn, Trakl, Rilke, Heine, Hölderlin, Schiller, Goethe].. (edição bilíngue alemão/português). São Paulo: Massao Ohno Editor, 1981.
:: Hölderlin e outros estudos. in: QUINTELA, Paulo. Obras Completas de Paulo Quintela. Volumes II, III e IV. Lisboa: Calouste Guilbekian. 1999.
:: Observações sobre Édipo e Antígona. in: ROSENFIELD, K. Antígona – de Sófocles a Hölderlin. Porto Alegre: L&PM. 2000.



Friedrich Hölderlin,  Franz Karl Hiemer (1792)
POEMAS DE FRIEDRICH HÖLDERLIN - BILÍNGUE

A árvore
Quando menino, tímido te plantei
     Bela planta! quão diferentes nos vemos
Magnífica estás                              e 
     como um menino.
*
Der baum
Da ich ein Kind, zag pflanzt ich dich
     Schöne Pflanze! wie sehn wir nun verändert uns
Herrlich stehest                           und
         wie ein Kind vor.
Friedrich Hölderlin. "A árvore"/"Der baum". in: Hölderlin: Poemas. (organização e tradução Paulo Quintela). Coimbra: Atlântida, 1959.

§

Ás parcas
Dai-me, Potestades, mais um verão apenas, 
Apenas um outono de maduro canto, 
Que de bom grado, o coração já farto 
Do suave jogo, morrerei então.

A alma que em vida nunca desfrutou os seus 
Direitos divinos nem no Orco acha repouso; 
Mas se eu lograr o que é sagrado, o que 
Trago em meu coração, a Poesia,

Serás bem-vinda então, paz do mundo das sombras! 
Contente ficarei, mesmo que a minha lira 
Não leve comigo; uma vez, ao menos, 
Vivi como os deuses, e é quanto basta. 
*
An die parzen
Nur Einen Sommer gönnt, ihr Gewaltigen!
Und einen Herbst zu reifem Gesange mir,
Daß williger mein Herz, vom süßen
Spiele gesättiget, dann mir sterbe.

Die Seele, der im Leben ihr göttlich Recht
Nicht ward, sie ruht auch drunten im Orkus nicht;
Doch ist mir einst das Heilige, das am
Herzen mir liegt, das Gedicht, gelungen,

Willkommen dann, o Stille der Schattenwelt!
Zufrieden bin ich, wenn auch mein Saitenspiel
Mich nicht hinabgeleitet; Einmal
Lebt ich, wie Götter, und mehr bedarfs nicht.
Friedrich Hölderlin. "An die Parzen"/"Ás parcas", [tradução José Paulo Paes]. in: in: HÖLDERLIN, Friedrich. Poemas. [seleção, tradução, introdução e notas José Paulo Paes]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.87.
HÖLDERLIN, Friedrich. Sämtliche Werke. (Von Friedrich Beissner, hrsg., Kleine Stuttgarter Ausgabe, 6 Vol.). Stuttgart: Kohlhammer, 1954, vol. 1, p. 247.

§

Curso da vida
Coisas maiores querias tu também, mas o amor
A todos vence, a dor curva ainda mais,
E não é em vão que o nosso círculo
Volta ao ponto donde veio!

Para cima ou para baixo! Não sopra em noite sagrada,
Onde a Natureza muda medita dias futuros,
Não domina no Orco mais torto
Um direito, uma justiça também?

Foi isso que aprendi. Pois nunca, como os mestres mortais,
Vós, ó celestiais, ó deuses que tudo mantendes,
Que eu saiba, nunca com cuidado
Me guiastes por caminho plano.

Tudo experimente o homem, dizem os deuses,
Que ele, alimentado com forte mantença, aprenda a ser grato por                                                                                   [tudo,     
E compreenda a liberdade
De partir para onde queira.
*
Lebenslauf
Größers wolltest auch du, aber die Liebe zwingt
All uns nieder, das Leid beuget gewaltiger,
Doch es kehret umsonst nicht
Unser Bogen, woher er kommt.
Aufwärts oder hinab! herrschet in heilger Nacht,
Wo die stumme Natur werdende Tage sinnt,
Herrscht im schiefesten Orkus
Nicht ein Grades, ein Recht noch auch ?

Dies erfuhr ich. Denn nie, sterblichen Meistern gleich,
Habt ihr Himmlischen, ihr Alleserhaltenden,
Daß ich wüßte, mit Vorsicht
Mich des ebenen Pfades geführt.

Alles prüfe der Mensch, sagen die Himmlischen,
Daß er, kräftig genährt, danken für Alles lern,
Und verstehe die Freiheit,
Aufzubrechen, wohin er will.
Friedrich Hölderlin. "Lebenslauf"/"Curso da vida". in: Hölderlin: Poemas. (organização e tradução Paulo Quintela). Coimbra: Atlântida, 1959.

§

Diotima
Vem, dulçor da musa etérea — e para mim aplaca
   O caos do tempo, ó tu, que outrora os elementos irmanaste,
Em tons de paz do céu me suaviza a fera luta,
   Até que aos seios dos mortais se amaine a intriga,
Até que a suave, a ingente, a velha natureza dos humanos
   Brote enfim do fermentar do tempo alegre e forte.
E que à viva forma voltes, da gente aos corações sedentos!
   Voltes à mesa hospitaleira, e ao santuário voltes!
Pois que, do Espírito colmada, como em neve as flores finas,
   Vive ainda e a remirar o sol está Diotima.
Mas foi-se deste mundo o sol do Espírito, o mais belo,  
   E em caliginosa treva raivam agora tão somente os furacões.
*
Diotima
Komm und besänftige mir, die du einst Elemente versöhntest,
   Wonne der himmlischen Muse, das Chaos der Zeit,
Ordne den tobenden Kampf mit Friedenstönen des Himmels,
   Bis in der sterblichen Brust sich das Entzweite vereint,
Bis der Menschen alte Natur, die ruhige, große,
   Aus der gärenden Zeit mächtig und heiter sich hebt.
Kehr’ in die dürftigen Herzen des Volks, lebendige Schönheit!
   Kehr’ an den gastlichen Tisch, kehr’ in den Tempel zurück!
Denn Diotima lebt, wie die zarten Blüten im Winter,
   Reich an eigenem Geist, sucht sie die Sonne doch auch.
Aber die Sonne des Geists, die schönere Welt, ist hinunter
   Und in frostiger Nacht zanken Orkane sich nur.
Friedrich Hölderlin. "Diotima". [tradução Antonio Medina Rodrigues]. In:_____. Canto do destino e outros cantos. (Organização, tradução e ensaio por Antonio Medina Rodrigues). São Paulo: Ilulminuras, 1994.  

§

Empédocles
Buscas a vida, buscas, e eis te brota e brilha
Um fogo divino do fundo da terra,
E tu, em ânsia horrífica, lanças-te
Lá para baixo, pra as chamas do Etna.

Assim dissolveu pérolas no vinho a insolência
Da rainha; e que o fizesse! Não tivesses tu,
Ó Poeta, imolado a tua riqueza
No cálice refervente!

Mas pra mim és sagrado, como a força da terra
Que te arrebatou, ó vítima ousada!
E seguiria para as profundezas,
Se o amor me não detivesse, o herói.
*
Empedokles
Das Leben suchst du, suchst, und es quillt und glänzt
Ein göttlich Feuer tief aus der Erde dir,
Und du in schauderndem Verlangen
Wirfst dich hinab, in des Ätna Flammen.

So schmelzt' im Weine Perlen der Übermut
Der Königin; und mochte sie doch! hättest du
Nur deinen Reichtum nicht, o Dichter,
Hin in den gärenden Kelch geopfert!

Doch heilig bist du mir, wie der Erde Macht,
Die dich hinwegnahm, kühner Getöteter!
Und folgen möcht ich in die Tiefe,
Hielte die Liebe mich nicht, dem Helden.
Friedrich Hölderlin. "Empedokles"/"Empédocles". in: Hölderlin: Poemas. (organização e tradução Paulo Quintela). Coimbra: Atlântida, 1959.

§

Metade da vida
Peras amarelas 
E rosas silvestres 
Da paisagem sobre a Lagoa. 
Ó cisnes graciosos, 
Bêbedos de beijos, 
Enfiando a cabeça 
Na água santa e sóbria!

Ai de mim, aonde, se 
É inverno agora, achar as 
Flores? E aonde 
O calor do sol 
E a sombra da terra? 
Os muros avultam 
Mudos e frios; à fria nortada 
Rangem os cata-ventos.
*
Hälfte des lebens
Mit gelben Birnen hänget
Und voll mit wilden Rosen
Das Land in den See,
Ihr holden Schwäne,
Und trunken von Küssen
Tunkt ihr das Haupt
Ins heilignüchterne Wasser.

Weh mir, wo nehm ich, wenn
Es Winter ist, die Blumen, und wo
Den Sonnenschein,
Und Schatten der Erde?
Die Mauern stehn
Sprachlos und kalt, im Winde
Klirren die Fahnen.
Friedrich Hölderlin. "Hälfte des Lebens"/"Metade da vida", [tradução Manuel Bandeira]. in: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
HÖLDERLIN, Friedrich. Sämtliche Werke und Briefe. München: Carl Hanser Verlag, 1970.

§

O aplauso dos homens
Não trago o coração mais puro e belo e vivo
Desde que amo? Por que me afeiçoáveis mais
Quando era altivo e rude,
Palavroso e vazio?

Ah! só agrada à turba o tumulto das feiras;
Dobra-se humilde o servo ao áspero e violento.
Só creem no divino
Os que o trazem em si.
*
Menschenbeifall
 Ist nicht heilig mein Herz, schöneren Lebens voll,
Seit ich liebe? Warum achtet ihr mich mehr,
Da ich stolzer und wilder,
Wortereicher und leerer war?

Ach! der Menge gefällt, was auf den Marktplatz taugt,
Und es ehret der Knecht nur den Gewaltsamen;
An das Göttliche glauben
Die allein, die es selber sind.
Friedrich Hölderlin: "Menschenbeifall"/"O aplauso dos homens". [tradução Manuel Bandeira]. in: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
HÖLDERLIN, Friedrich. "Gedichte". in:_____. Sämtliche Werke und Briefe. München: Carl Hanser, 1970.

§

O imperdoável
Se vós, amigos, esqueceis, se escarneceis o artista,
E entendeis de modo mesquinho e vulgar o espírito mais fundo,
Deus perdoa-vo-lo; mas não perturbeis
Nunca a paz dos que se amam. 
*
Das unverzeihliche
Wenn ihr Freunde vergeßt, wenn ihr den Künstler höhnt,
Und den tieferen Geist klein und gemein versteht,
Gott vergibt es, doch stört nur
Nie den Frieden der Liebenden.
Friedrich Hölderlin. "Das Unverzeihliche"/"O imperdoável". in: Hölderlin: Poemas. (organização e tradução Paulo Quintela). Coimbra: Atlântida, 1959.

§

Pôr de Sol
Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda
De todas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu [canto da noite. 

Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Ele no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas
Que o honram ainda. 
*
Sonnenuntergang
Wo bist du? trunken dämmert die Seele mir
Von aller deiner Wonne; denn eben ist's,
Dass ich gelauscht, wie, goldner Tone
Voll, der entzückende Sonnenjüngling

Sein Abendlied af himmlischer Leier spielt’;
Es tönten rings die Wälder und Hügel nach.
Doch fern ist er zu frommen Völkern,
Die ihn noch ehren, hinweggegangen.
Friedrich Hölderlin. "Sonnenuntergang"/ "Pôr de sol", [tradução Manuel Bandeira]. in: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
HÖLDERLIN, Friedrich. "Gedichte 1796-1799". Sämtliche Werke und Briefe. München: Carl Hanser, 1970.

§

ELEGIAS
Pão e vinho
(…)
Mas nós, amigo, chegamos demasiado tarde. Certo é que os deuses vivem,
Mas acima de nós, lá em cima, noutro mundo.
Aí o seu domínio é infinito e parecem não se importar
Se estamos vivos, tanto nos querem poupar.
Pois nem sempre pode um frágil vaso contê-los,
O homem apenas algum tempo suporta a plenitude divina.
Depois toda a nossa vida é sonhar com eles. Mas os erros,
Tal como o sono, ajudam, e a necessidade e a noite fortalecem,
Até que haja suficientes heróis, criados em berço de bronze,
De coração corajoso, como dantes, semelhantes aos Celestiais.
Depois eles chegam, trovejantes. Entretanto penso por vezes
Que é melhor dormir do que estar assim sem companheiros,
Nem sei perseverar assim, nem que fazer entretanto,
Nem que dizer, pois para que servem poetas em tempo de indigência?
Mas eles são, dizes, como sacerdotes santos do deus do vinho
Que em noite santa vagueavam de terra em terra.
(…)
*
Brod und wein
(…)
Aber Freund! wir kommen zu spät. Zwar leben die Götter
Aber über dem Haupt droben in anderer Welt.
Endlos wirken sie da und scheinens wenig zu achten,
Ob wir leben, so sehr schonen die Himmlischen uns.
Denn nicht immer vermag ein schwaches Gefäß sie zu fassen,
Nur zu Zeiten erträgt göttliche Fülle der Mensch,
Traum von ihnen ist drauf das Leben. Aber das Irrsal
Hilft, wie Schlummer und stark machet die Not und die Nacht,
Bis daß Helden genug in der ehernen Wiege gewachsen,
Herzen an Kraft, wie sonst, ähnlich den Himmlischen sind.
Donnernd kommen sie drauf. Indessen dünket mir öfters
Besser zu schlafen, wie so ohne Genossen zu sein,
So zu harren und was zu tun indes und zu sagen,
Weiß ich nicht und wozu Dichter in dürftiger Zeit?
Aber sie sind, sagst du, wie des Weingotts heilige Priester,
Welche von Lande zu Land zogen in heiliger Nacht.

(…)
Friedrich Hölderlin. "Elegias". [tradução Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Assírio e Alvim, 1992.

§

HINOS TARDIOS

Tal como num dia de festa...
Tal como num dia de festa, pela manhã sai,
Para ver o campo, o lavrador, quando
Do calor da noite caíram refrescantes raios
Continuamente e já longe ainda ressoa o trovão,
De novo ao seu leito regressa o grande rio
E fresco viceja o solo
E da videira goteja a chuva
Que do céu trouxe alegria e resplandecentes
Ao sol silencioso se erguem as árvores do bosque:
Assim se erguem em propício tempo,
Aqueles que nenhum mestre por inteiro educa, mas aquela
Que é maravilhosa e imensa e de uma leveza envolvente,
A poderosa, a divinamente bela natureza.
Por isso quando ela parece dormir em algumas épocas do ano
No céu ou entre as plantas ou os povos,
O rosto dos poetas também se entristece,
Parecem estar sós, porém sempre estão cheios de pressentimentos.
Pois, pressentindo, ela própria também repousa.
E eis que o dia nasce! Esperei e vi-o aproximar-se,
E para o que vi, sagrada seja a minha palavra.
Pois a própria Natureza, mais antiga do que as eras
E superior aos deuses do ocidente e do oriente,
Acordou agora com o fragor das armas,
E descendo das alturas do Éter até aos abismos
Segundo a firme lei antiga e gerado do sagrado caos,
O entusiamo que tudo cria volta
A fazer-se sentir de modo novo.
E tal como uma chama se acendeu nos olhos do homem
Que projectou coisas sublimes, assim agora
Lavra de novo um fogo nas almas dos poetas
Deflagrado pelos sinais, pelos feitos do mundo.
E o que outrora aconteceu, quase oculto aos sentidos
Apenas agora é revelado,
E aquelas que sorrindo cultivaram o nosso campo,
Assumindo forma de servo, são agoras conhecidas,
As que em si contêm a plenitude da vida, as virtudes dos deuses.
E tu, perguntas por eles? Na canção sopra o teu espírito,
Quando ele brota do sol diurno e da cálida terra
E de borrascas no ar e de outras
Preparadas mais nas profundezas dos tempos
E mais repletas de sentido, e mais perceptíveis,
Se movem entre o Céu e a Terra e entre os povos.
Os pensamentos do espírito a todos comum encontram-se,
Em acalmia final, na alma do poeta,
De tal modo que ela, subitamente atingida, do Infinito
Há muito conhecida, estremece ao recordar-se,
E é-lhe dada a ventura de, inflamada pelo raio sagrado,
Dar à luz o fruto do amor, obra dos deuses e dos homens,
O canto, para que de ambos dê testemunho.
Assim caiu, como dizem os poetas, o raio sobre a casa de Semele,
Quando ela ostensivamente desejou ver o deus
E aquela que o divino feriu, deu à luz
O fruto da trovoada, o Baco sagrado.
Por isso agora bebem os filhos da Terra
Fogo celestial sem qualquer perigo.
Porém a nós compete-nos, ó poetas, permanecer
De cabeça descoberta enquanto passam as trovoadas de Deus,
Segurar nas próprias mãos o próprio raio vindo do Pai
E entregar ao povo, oculta no canto,
A dádiva divina.
Pois se formos apenas de coração puro
Como as crianças, se as nossas mãos forem inocentes,
O raio puro, vindo do Pai, não o queimará
E profundamente abalado, compartilhando a paixão
Do mais forte, o coração permanece mesmo assim firme
Durante as tempestades que do alto se abatem quando o deus se aproxima.
Mas ai de mim! quando de
Ai de mim!
E se logo disser,
Que me aproximei para contemplar os Celestiais,
Eles próprios me lançarão nas profundezas dos vivos,
Como falso sacerdote no escuro, para que eu
Aos que estiverem receptivos cante uma canção de aviso.
Nesse lugar
*
Wie wenn am Feiertage...
Wie wenn am Feiertage, das Feld zu sehn,
Ein Landmann geht, des Morgens, wenn
Aus heißer Nacht die kühlenden Blitze fielen
Die ganze Zeit und fern noch tönet der Donner,
In sein Gestade wieder tritt der Strom,
Und frisch der Boden grünt
Und von des Himmels erfreuendem Regen
Der Weinstock trauft und glänzend
In stiller Sonne stehn die Bäume des Haines:
So stehn sie unter günstiger Witterung,
Sie, die kein Meister allein, die wunderbar
Allgegenwärtig erzieht in leichtem Umfangen
Die mächtige, die göttlichschöne Natur.
Drum wenn zu schlafen sie scheint zu Zeiten des Jahrs
Am Himmel oder unter den Pflanzen oder den Völkern,
So trauert der Dichter Angesicht auch,
Sie scheinen allein zu sein, doch ahnen sie immer.
Denn ahnend ruhet sie selbst auch.
Jetzt aber tagts! Ich harrt und sah es kommen,
Und was ich sah, das Heilige sei mein Wort.
Denn sie, sie selbst, die älter denn die Zeiten
Und über die Götter des Abends und Orients ist,
Die Natur ist jetzt mit Waffenklang erwacht,
Und hoch vom Aether bis zum Abgrund nieder
Nach festem Gesetze, wie einst, aus heiligem Chaos gezeugt,
Fühlt neu die Begeisterung sich,
Die Allerschaffende, wieder.
Und wie im Aug ein Feuer dem Manne glänzt,
Wenn hohes er entwarf, so ist
Von neuem an den Zeichen, den Taten der Welt jetzt
Ein Feuer angezündet in Seelen der Dichter.
Und was zuvor geschah, doch kaum gefühlt,
Ist offenbar erst jetzt,
Und die uns lächelnd den Acker gebauet,
In Knechtsgestalt, sie sind erkannt,
Die Allebendigen, die Kräfte der Götter.
Erfrägst du sie? im Liede wehet ihr Geist,
Wenn es der Sonne des Tags und warmer Erd
Entwächst, und Wettern, die in der Luft, und andern,
Die vorbereiteter in Tiefen der Zeit,
Und deutungsvoller, und vernehmlicher uns
Hinwandeln zwischen Himmel und Erd und unter den Völkern.
Des gemeinsamen Geistes Gedanken sind,
Still endend, in der Seele des Dichters.
Daß schnellbetroffen sie, Unendlichem
Bekannt seit langer Zeit, von Erinnerung
Erbebt, und ihr, von heilgem Strahl entzündet,
Die Frucht in Liebe geboren, der Götter und Menschen Werk,
Der Gesang, damit er beiden zeuge, glückt.
So fiel, wie Dichter sagen, da sie sichtbar
Den Gott zu sehen begehrte, sein Blitz auf Semeles Haus
Und die göttlichgetroffne gebar,
Die Frucht des Gewitters, den heiligen Bacchus.
Und daher trinken himmlisches Feuer jetzt
Die Erdensöhne ohne Gefahr.
Doch uns gebührt es, unter Gottes Gewittern,
Ihr Dichter! mit entblößtem Haupte zu stehen,
Des Vaters Strahl, ihn selbst, mit eigner Hand
Zu fassen und dem Volk ins Lied
Gehüllt die himmlische Gabe zu reichen.
Denn sind nur reinen Herzens,
Wie Kinder, wir, sind schuldlos unsere Hände,
Des Vaters Strahl, der reine, versengt es nicht
Und tieferschüttert, die Leiden des Stärkeren
Mitleidend, bleibt in den hochherstürzenden Stürmen
Des Gottes, wenn er nahet, das Herz doch fest.
Doch weh mir, wenn von
Weh mir!
Und sag ich gleich,
Ich sei genaht, die Himmlischen zu schauen,
Sie selbst, sie werfen mich tief unter die Lebenden,
Den falschen Priester, ins Dunkel, daß ich
Das warnende Lied den Gelehrigen singe,
Dort
Friedrich Hölderlin. "Hinos tardios". [tradução Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Editora Assírio & Alvim, 2000.


Selo comemorativo 200 anos de Hölderlin


© A obra de Friedrich Hölderlin é de domínio público

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva
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** Página atualizada em 10.1.2016.



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