Dina Salústio - foto Expressão Ilha |
Autora de um conhecido estudo sobre a violência contra as mulheres, oportunamente editado em forma de livro, bem como de um livro de literatura infanto-juvenil escrito em parceria com Marilene Pereira, Dina Salústio é também autora da colectânea de contos/estórias/crônicas 'Mornas eram as Noites' (o celebrado e muito reeditado livro no qual caustica, de forma poética e impiedosa, a sociedade cabo-verdiana e a atualidade das suas maleitas sociais, com especial incidência nos problemas da marginalidade social, da miséria e da pobreza, bem como nas questões relacionadas com a mulher, que lhe valeu a obtenção do Prêmio de Literatura Infantil de Cabo Verde. Publicou ainda o romance 'A louca de Serrano' (1998). Para além desses escritos, Dina Salústio é também criadora de poemas e de outros textos dispersos pelas revistas “Mudjer”, “Ponto& Vírgula”, “Fragmentos”, "Fragata", pelo jornal “A Semana” e pela antologia Mirabilis-de-Veias ao Sol.
OBRA DE DINA SALÚSTIO
© Michel Rauscher |
:: Mornas eram as noites. Praia: Instituto caboverdiano do livro e do disco, 1994; Lisboa: Instituto Camões, 1999.
Romance
:: A louca de serrano. Praia: Spleen Edições, 1998.
:: Filhas do vento. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1999.
Ensaio
:: Violência contra as mulheres. (estudo). Praia: ICF, 1999, 93p.
infanto-juvenil
:: A estrelinha tlim tlim. [ilustrações Júlio Resende]. Praia; Mindelo: Centro Cultural Português, 1998.
:: Que os olhos não vêem. [Dina Salústio em co-autoria Marilene Pereira]. Praia: Centro Cultural Português, 2002.
Artigos e ensaios
SALÚSTIO, Dina. Insularidade na literatura cabo-verdiana. in: Cabo Verde: insularidade e literatura, org. Manuel Veiga, Paris: Karthala, 1998, p 33.
_______ . Forçosamente mulher, forçosamente mãe in Mornas eram as noites. Instituto da Biblioteca Nacional – Direção do Livro – Praia, 2002, p.35-36.
_______ . Vitreas labaredas. In: Cabo Verde: insularidade e literatura. [coordenação Manuel Veiga]. Paris: Editions Karthala, 1998, p. 209-213.
Antologia
:: Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos. [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Instituto Caboverdiano do Livro, 1991.
:: Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX. [organização e coordenação Carmen Lucia Tindó Secco]. Rio de Janeiro: UFRJ 1999.
© Michel Rauscher |
Chegam notícias de barcos no fundo...
Chegam notícias de barcos no fundo
copos em cacos
cacos em corpos
papéis vazios
bocas seladas
crianças vendidas
brinquedos sem dono
ventos sem brisa
violão sem cordas
meninos sem riso
braços sem abraços
céus sem espaço
Por que drama por uma amizade que morre?
- Dina Salústio, em "Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos". [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1988.
§
Estranha-me que aragens e arrepios...
Estranha-me que aragens e arrepios
não corram pelo bosque em propostas inquietantes
de desassossego louco e ciclones rudes.
E que sombras nubladas não passeiem pelos olhos em jogo
e se desfaçam em raios brasa ao chegar ao fim
Espanta-me que as areias não tomem vida
e contem estórias agarradas ao corpo
de outras horas que por lá passaram.
E que gotas salgadas não se transformem num rio gritante
de caudal azul e inundem o solo de fantasias brancas
Admira-me que cicatrizes recusem novas dores
promessas de vida
para renascerem em chagas abertas fantasiadas de arlequim
num dia negro solene e sério.
E que as pernas não se tornem asas
para com a brisa voarem o espaço de um sorriso
Assombra-me que a ausência não provoque alucinações
e não traga visões de deserto solidão e frio.
Dói-me que a folha em branco
não exija nada
não grite palavras
não risque a pele
não acorde sentidos
não rasgue a paz
- Dina Salústio, em "Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos". [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1988.
§
Apanhar é ruim demais
Eram deuses contava-se
e diabos e loucos e tinham um altar
cheiravam a maresia a madeira verde
e desfiavam sonhos e liam sinas
nos cabelos sem dono ao amanhecerEram deuses e diabos contava-se
e perturbavam com seu canto
e ameaçavam o som aceite
Juntaram-se cordas e leis e facas
e afiaram-se línguas e palavras
Armaram-se cercos e armadilhas par os apanhar
Resolveram-se templos e bares
Praias e castelos
Os cães não ladraram
os anjos adormeceram
a lua se escondeu.
Os corpos fecharam-se e a ameaça cumpriu-se
Nem deuses loucos ou demônios
Humanos apenas. Humanos amantes.
Uma mosca vomitou de náusea
o céu soluçou estrelas
as vagas cuspiram raiva
o vento envergonhado desfez -se em pó.
a noite caiu e fez meu choro em pedaços.
Éramos eu e tu
dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.
Mãos agarradas
Pulsos acariciados
um afago nas faces.
Éramos tu e eu
dentro de ti
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.
Éramos tu e eu
dentro de nós.
As contrações cada vez mais rápidas
o descontrolo
a emoção
a ciência atenta
o oxigênio
a mão amiga.
De repente a grande urgência
a Hora
a Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É a nossa dor.
São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua o filho é meu.
Os lábios esquecem o riso
os olhos a luz
o corpo a dor
A exaustão total
o correr do pano
o fim do parto
Toco os teus campos de neve
e entrego-me aos fantasmas da minha infância
Religiosamente bebo a gota esquecida na palma
da minha mão.
Brisas sutis deixam em arcos tensos
as pétalas que me enfeitam
E estupidamente me trazem ruas empedradas
veias do meu mundo
onde a bússola e o desejo se confundem
confundindo o destino de nós.
Na ternura das vozes que me envolvem
há um convite ao poema que não consigo.
E as tuas montanhas sacodem
lembranças de outras cavernas
gemendo à noitinha estórias
de aves fugindo e picaretas cantando,
murmúrios de piratinhas,
sussurros de prazeres dolorosamente cambiados em mercado negro.
Pouco a pouco lês no meu olhar ausente
a existência de outra ilha
E sentes a minha fé
e o braço se afrouxa
perante o adeus que adivinhas
no silêncio do meu corpo.
- Dina Salústio, em "Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos". [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1988.
§
Geme-se grita-se e expulsa-se...
Geme-se grita-se e expulsa-se
é um nascimento barato
Entra-se come-se e paga-se
é uma casa barata
Bebe-se encharca-se e cai-se
é um bar barato
Encosta-se mija-se e cospe-se
é uma rua barata
Enrola-se fuma-se e tosse-se
é um tabaco barato
Toca-se torce-se e esgota-se
é um amor barato
Trabalha-se cumpre-se e assina-se
é um ofício barato
Levanta-se mexe-se e dorme-se
é um viver barato
Deita-se olha-se e morre-se
é uma morte barata
Escreve-se lê-se e rasga-se
é um poema barato
- Dina Salústio, em "Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos". [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1988.
§
Por que havias de chegar...
Por que havias de chegar
num dia enevoado de bruma
nessa manhã de vento forte que me roubou
a (minha) máscara?
Por que havias de entrar
num dia de porta aberta
e me surpreender nua
a um canto tiritando
procurando confusa os trapos
para me tapar?
Por que nesse maldito dia
em que desprevenida
lavava uma saudade
e arrumava a um canto
um tempo que me doía?
Por que terias que me abraçar
e me chamar mulher
e abrir a janela e inventar um sol,
sussurrar uma canção?
Para quê?
Se foi o tempo de um cigarro?
- Dina Salústio, em "Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos". [seleção e apresentação de José Luís Hopffer Almada]. Lisboa: Editora Caminho | Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1988.
§
FORTUNA CRÍTICA DE DINA SALÚSTIO
© Michel Rauscher |
ALMADA, José Hopffer Cordeiro. A poética cabo-verdiana pós-Claridade: alguns traços essenciais da sua arquitectura. In: VEIGA, Manuel (Org.). Cabo Verde: insularidade e literatura. Paris: Karthala, 1998.
ALMADA, José Luís Hopffer Cordeiro. A Louca de Serrano, de Dina Salústio. in: A Semana, 30 de dezembro de 2007. Disponível no link. (acessado em 19.9.2016).
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BRAGA, Juliana Primi. Entre dois mundos: a loucura feminina em A Louca de Serrano, de Dina Salústio. In: Simone Caputo Gomes; Antonio Aparecido Mantovani; Érica Antunes Pereira. (Org.). Literatura Cabo-verdiana: leituras universitárias. 1ª ed., Cáceres: UNEMAT, 2015, v. 1, p. 86-98.
BRAGA, Juliana Primi. Entre dois mundos: um olhar sobre a loucura feminina nos romances O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane e A Louca de Serrano, de Dina Salústio. Cadernos CESPUC de Pesquisa, v. 20, p. 196-203, 2010.
BRAGA, Juliana Primi. Entre dois mundos: a loucura feminina em A Louca de Serrano, de Dina Salústio e O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane. Scripta (PUCMG), v. 18, p. 87-104, 2014.
BRAGA, Juliana Primi. Mulheres de Serrano: uma leitura de A Louca de Serrano, de Dina Salústio. In: Seminário Mulher e Literatura, 2011, Brasília. Palavra e poder: representações literárias. Brasília, 2011. v. 1. Disponível no link. (acessado em 29.9.2016).
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COSTA, Luana Antunes. A voz da noite: subversão feminina na escrita de Dina Salústio. In: Anais do VII Seminário Internacional e XVI Seminário Nacional Mulher e Literatura. Caxias do Sul: EDUCS, 2015. v. 1. p. 63-70.
DENIRA, Rozário. Palavra de poeta: Cabo Verde e Angola. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Fundação Biblioteca Nacional, 1999.
FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.
FONSECA, Julia Hissa Ribeiro da.. Mulheres caboverdianas: os perfis na obra de Dina Salústio. Revista Augustus, Rio de Janeiro, v. 9, 1999.
GOMES, Letícia Nunes. Memória e loucura: o movimento da insularidade, em A louca de serrano, de Dina Salústio. (Dissertação Mestrado em História da Literatura). Universidade Federal do Rio Grande, FURG, 2010. Disponível no link. (acessado em 29.9.2016).GOMES, Simone Caputo. Cabo Verde: literatura em chão de cultura. São Paulo -Praia: Ateliê Editorial/UNEMAT - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro de Cabo verde, 2008.
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GOMES, Simone Caputo. O conto de Dina Salústio: um marco na literatura cabo-verdiana. Idioma (UERJ), v. 25, p. 52-70, 2013.
GOMES, Simone Caputo. O conto de Dina Salústio: um marco na literatura cabo-verdiana. Forma Breve (Universidade de Aveiro), v. 9, p. 265-284, 2012. Disponível no link. (acessado em 29.9.2016).
GOMES, Simone Caputo. Dina Salústio e vera Duarte: a mulher (se) escreve em Cabo verde. in: Congresso Internacional o rosto feminino da expansão portuguesa II. São Paulo: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1995.
LARANJEIRA, Pires. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.
LARANJEIRA, Pires. Literatura calibanesca. Porto: Afrontamento, 1985.
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MATA, Inocência. Mulheres de África no espaço da escrita: a inscrição da mulher na sua diferença. In:_______ A Mulher em África: vozes de uma margem sempre presente. Lisboa: Colibri, 2007.
MATA, Inocência; PADILHA, Laura (Org.). A mulher em África: vozes de uma margem sempre presente. Lisboa: Colibri, 2007.
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RIOS, Mauricio Oliveira. Literatura Cabo-verdiana e discussão de gênero: propostas para masculinidades e feminilidades em obras de Evel Rocha, Germano Almeida e Dina Salústio. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 2012.
© Michel Rauscher |
RISO, Ricardo. Dina Salústio: “Mornas eram as noites”. in: Riso - sonhos não envelhecem, 30 de janeiro de 2008. Disponível no link. (acessado em 29.9.2016).
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SILVA, Maria Teresa Salgado Guimaraes da.. Dina Salústio , formas de valorizar experiências. Vozes Femininas de África. 1ª ed., Franckfurt am Main: Peter Lang, 2014, v. 1, p. 179-.
SILVA, Patrícia Lucas da.. Uma leitura da poética de Dina Salústio/Monteiro Lobato. (Monografia Graduação em Letras - Português). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, 2007.
SOUZA, Ricardo Silva Ramos de.. Conceição Evaristo e Dina Salústio. A Nação, Praia, p. E22 - E22, 15 mar. 2012.
SOUZA, Ricardo Silva Ramos de.. Dina Salústio - contra a violência, a literatura. A Nação nº 127, Cidade da Praia, Cabo Verde, p. 33 - 33, 4 fev. 2010.
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SILVA, Maria Teresa Salgado Guimaraes da.. Noites nada mornas de Dina Salústio: a oportunidade do diálogo. Santa Barbara Portuguese Studies, v. X, p. 169-175, 2009.
SILVA, Maria Teresa Salgado Guimaraes da.. Dina Salústio , formas de valorizar experiências. Vozes Femininas de África. 1ª ed., Franckfurt am Main: Peter Lang, 2014, v. 1, p. 179-.
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SOUZA, Ricardo Silva Ramos de.. Dina Salústio - contra a violência, a literatura. A Nação nº 127, Cidade da Praia, Cabo Verde, p. 33 - 33, 4 fev. 2010.
SPÍNOLA, Daniel. Mornas eram as noites. in cabo Verde: insularidade e literatura. Paris: Karthala, p. 205-208, 1998.
VALENTIM, Jorge Vicente.. Do conto ao canto: as mornas cabo-verdianas na voz feminina de Dina Salústio. in: Inocência Mata; Laura C. Padilha. (Org.). A mulher em África: vozes de uma margem sempre presente. 1ª ed., Lisboa: Edições Colibri, 2007, v. 1, p. 253-268.
VALENTIM, Jorge Vicente.. Música do Silêncio: o canto e a voz em MORNAS ERAM AS NOITES, de Dina Salústio. in: Silvio Renato Jorge; Ida Maria S. F. Alves. (Org.). A palavra silenciada. Estudos de Literatura Portuguesa e Africana. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001, v. 1, p. 101-107.
VEIGA, Manuel. Cabo Verde: insularidade e literatura. Paris: Karthala, 1998.
“acabou-se Serrano e a sua maldição. Acabou-se tudo. A Louca de Serrano afastou-se, o seu destino cumprido e, pela primeira vez, nas suas centenas de vidas, chorava de saudade, enquanto os foguetes acompanhavam-lhe os derradeiros gestos. Filipa sentia-se realmente livre e só.”
- Dina Salústio, em 'A louca de serrano'. Praia: Spleen Edições, 1998.
- Dina Salústio, em 'A louca de serrano'. Praia: Spleen Edições, 1998.
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Dina Salústio - poeta e prosadora cabo-verdiana. Templo Cultural Delfos, dezembro/2022. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 5.12.2022.
* Página original OUTUBRO 2016.