D. H. Lawrence - escritor inglês |
Fonte: Escamandro.
>> Leia e saiba mais sobre o escritor D. H. Lawrence (biografia, obra publicada no Brasil, outros poemas em edição bilíngue, fortuna crítica e obra adaptada para o cinema). AQUI!
D.H. Lawrence - by Jan Juta (1920) - © collection National Portrait Gallery, London |
- D.H. Lawrence em "Caos em poesia. D.H. Lawrence". [tradução Wladimir Garcia]. Florianópolis: Editora Cultura e Barbárie, 2016, pg. 36.
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Seleção de Poemas de D.H. Lawrence em edição bilíngue
Seleção de Poemas de D.H. Lawrence em edição bilíngue
Os dois lados da medalha
E porque você me ama,
você pensa que não me odeia?
Ah, desde que você me ama
até ao arrebatamento
segue-se que você me odeia
arrebatadamente.
Porque quando você me ouve
ir estrada abaixo fora da casa
você tem que chegar à janela para
me ver,
acha que é pura adoração?
Porque, quando me assento no
quarto,
aqui, na minha própria casa,
e você quer expandir-se com este
meu amigo,
amigo como ele é,
mesmo assim você não pode ir além
da sua consciência de mim,
você se detém por eu estar no
mesmo mundo com você,
pensa que isto é êxtase somente?
harmonia total?
Nenhuma dúvida, se eu estivesse morto,
você deveria
alcança-me na morte,
mas não iria o seu ódio demente
muito além do seu amor?
o seu ódio apaixonado, inacabado?
Visto que você está apaixonada
por mim,
como eu por você,
não fica essa paixão no seu
caminho como o asno de Balaão?
e não sou eu o asno de Balaão
boca de ouro, ocasionalmente?
Acima de tudo, não detesta você
meu zurro?
Desde que você está confinado à
minha órbita
não detesta o confinamento?
Não é até mesmo a beleza e paz de
uma órbita
uma prisão intolerável para você,
como é para todo mundo?
Mas nós aprendemos a nos submeter
cada um de nós à órbita eterna e
equilibrada
na qual circundamos nosso destino
em estranha conjunção.
O que é o caos, meu amor?
Não é liberdade.
Uma desordem de estrelas cadentes
resultando em nada.
*
Both sides of the medal
And because
you love me,
think you
you do not hate me?
Ha, since
you love me
to ecstasy
it follows
you hate me to ecstasy.
Because
when you hear me
go down the
road outside the house
you must
come to the window to watch me go,
do you
think it is pure worship?
Because,
when I sit in the room,
here, in my
own house,
and you
want to enlarge yourself with this friend of mine,
such a
friend as he is,
yet you
cannot get beyond your awareness of me,
you are
held back by my being in the same world with you,
do you
think it is bliss alone?
sheer
harmony?
No doubt if
I were dead, you must
reach into
death after me,
but would
not your hate reach even more madly than your love?
your
impassioned, unfinished hate?
Since you
have a passion for me,
as I for
you,
does not
that passion stand in your way like a Balaam’s ass?
and am I
not Balaam’s ass
golden-mouthed
occasionally?
But mostly,
do you not detest my bray?
Since you
are confined in the orbit of me
do you not
loathe the confinement?
Is not even
the beauty and peace of an orbit
an
intolerable prison to you,
as it is to
everybody?
But we will
learn to submit
each of us
to the balanced, eternal orbit
wherein we
circle on our fate
in strange
conjunction.
What is
chaos, my love?
It is not
freedom.
A disarray
of falling stars coming to nought.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Matrimônio
I
Vem cá, minha pequena, mais pra perto de mim,
Arraste-se para cima, sua cabeça redonda apertada contra meu
peito.
Como amo você toda! Você me percebe envolvendo você
Comigo e meu calor, como uma chama em volta do pavio?
E como não sou nada, exceto uma chama que cresce em você.
Onde te toco, incendeio-me em direção ao ser; mas sou eu, ou
você?
Essa cabeça redonda apertada no meu peito, como uma noz em
sua casca,
E eu a bráctea viva que a embainha: estes seios, estas coxas
e joelhos,
Estes ombros tão quentes e macios: sinto que eu
Sou um raio de sol sobre eles, que os faz brilhar em direção
ao ser.
Como é encantador ser você! Arraste-se para mais perto, para
que eu seja mais.
Esparramo-me sobre você! Encantadores, sua cabeça redonda,
seus braços,
Seus seios, seus joelhos e pés! Sinto que nós
Somos a mesma fogueira, eu, espalhada chama crepitando em
seu redor,
Você, o centro do fogo, arrastado para dentro de mim.
II
E, ó, minha pequena, você que eu envolvo,
Quão tremendamente dependo de você para me manter vivo
Como uma chama num pavio!
Eu, o homem que a envolve e a mantém perto,
Como a minha alma adere ao seu peito enquanto te aperto
A verdadeira essência do meu ser!
Suponha que você não me quisesse! Eu declinaria
Como uma luz que não se sustenta
E se extingue.
Acaricie-me, minha pequenina, acaricia aquele que te
envolve.
Alimente-me, acolha-me, sou somente seu,
Sou sua obra.
Quão inteira e grande como uma chama robusta, feliz
Quando a envolvo, e você se arrasta até mim,
E minha vida é ardente em sua essência
Quando ela vem de você!
III
Minha pequena, minha gigante,
Meu pássaro, meu pardal cinza em meu peito.
Meu esquilo agarrando-se a mim;
Minha pomba, minha pequena, tão quente,
Tão próxima, respirando tão calma.
Minha pequena, minha gigante,
Eu, que sou tão violento e forte, envolvendo-a,
Se você se afasta do meu peito, e me deixa,
Subitamente irei em direção ao nada
Como uma chama que se apaga de súbito.
E você estará diante de mim, alta e elevada,
E eu estarei oscilando incerto
Como uma chama fraca, ávida por sustento.
IV
Mas agora estou inteiro e forte e certo
Com você firme no centro de mim
Mantendo-me.
Quão seguro me sinto, quão forte e cálido e feliz
Quanto ao futuro! Quão seguro o futuro está dentro de mim
Sou como uma semente com uma flor perfeita dentro.
Imagino o que será,
O que virá de nós.
Que flor, minha amada?
Não interessa, estou tão feliz,
Sinto-me como uma raiz firme, fértil, saudável,
Regozijando-se com o que virá.
Como dependo de você completamente,
Minha pequena, minha gigante!
Como tudo que será, não será de mim,
Nem de nenhum de nós
Mas de nós dois.
V
E pense, algo virá de nós,
Nós dois, abraçados juntos, tão pequenos,
Algo virá de nós.
Crianças, atos, expressões,
Talvez apenas felicidade.
Talvez apenas felicidade virá de nós.
Velha tristeza e nova felicidade.
Apenas essa novidade.
Mas isso é tudo que quero.
E eu estou certo disso.
Estamos certos disso.
VI
Mesmo assim enquanto você é você, você não é eu.
Eu sou eu, eu nunca sou você.
Quão terrivelmente diferentes e distantes somos dos nossos
seres!
Mesmo assim estou alegre.
Estou tão contente de você sempre existir além do meu
alcance,
Algo que fica,
Algo que eu nunca serei,
Com o qual sempre hei de me surpreender e esperar,
Procurar como o sopro da vida enquanto viver,
Ainda esperando você, por mais velha que esteja, e eu
também,
Sempre hei de me surpreender com você e procurar você.
*
Wedlock
I
Come, my little
one, closer up against me,
Creep right
up, with your round head pushed in my breast.
How I love
all of you! Do you feel me wrap you
Up with
myself and my warmth, like a flame round the wick?
And how I
am not at all, except a flame that mounts off you.
Where I
touch you, I flame into being; but is it me, or you?
That round
head pushed in my chest, like a nut in its socket,
And I the
swift bracts that sheathe it: those breasts, those thighs and knees,
Those
shoulders so warm and smooth: I feel that I
Am a
sunlight upon them, that shines them into being.
But how
lovely to be you! Creep closer in, that I am more.
I spread
over you! How lovely, your round head, your arms,
Your
breasts, your knees and feet! I feel that we
Are a
bonfire of oneness, me flame flung leaping round you,
You the
core of the fire, crept into me.
II
And oh, my
little one, you whom I enfold,
How
quaveringly I depend on you, to keep me alive
Like a
flame on a wick!
I, the man
who enfolds you and holds you close,
How my soul
cleaves to your bosom as I clasp you,
The very
quick of my being!
Suppose you
didn’t want me! I should sink down
Like a
light that has no sustenance
And sinks
low.
Cherish me,
my tiny one, cherish me who enfold you.
Nourish me,
and endue me, I am only of you,
I am your
issue.
How full
and big like a robust, happy flame
When I
enfold you, and you creep into me,
And my life
is fierce at its quick
Where it
comes off you!
III
My little
one, my big one,
My bird, my
brown sparrow in my breast.
My squirrel
clutching in to me;
My pigeon,
my little one, so warm,
So close,
breathing so still.
My little
one, my big one,
I, who am
so fierce and strong, enfolding you,
If you
start away from my breast, and leave me,
How
suddenly I shall go down into nothing
Like a
flame that falls of a sudden.
And you
will be before me, tall and towering,
And I shall
be wavering uncertain
Like a
sunken flame that grasps for support.
IV
But now I
am full and strong and certain
With you
there firm at the core of me
Keeping me.
How sure I
feel, how warm and strong and happy
For the
future! How sure the future is within me
I am like a
seed with a perfect flower enclosed.
I wonder
what it will be,
What will
come forth of us.
What
flower, my love?
No matter,
I am so happy,
I feel like
a firm, rich, healthy root,
Rejoicing
in what is to come.
How I
depend on you utterly,
My little
one, my big one!
How
everything that will be, will not be of me,
Nor of
either of us,
But of both
of us.
V
And think,
there will something come forth from us,
We two,
folded so small together,
There will
something come forth from us.
Children,
acts, utterance,
Perhaps
only happiness.
Perhaps
only happiness will come forth from us.
Old sorrow,
and new happiness.
Only that
one newness.
But that is
all I want.
And I am
sure of that.
We are sure
of that.
VI
And yet all
the while you are you, you are not me.
And I am I,
I am never you.
How awfully
distinct and far off from each other's being we are!
Yet I am
glad.
I am so
glad there is always you beyond my scope,
Something
that stands over,
Something I
shall never be,
That I
shall always wonder over, and wait for,
Look for
like the breath of life as long as I live,
Still
waiting for you, however old you are, and I am,
I shall
always wonder over you, and look for you.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O desejo está morto
O desejo pode estar morto
e mesmo assim um homem pode ser
um ponto de encontro para o sol e a chuva,
deslumbramento que antecede a dor
como numa árvore invernal.
*
Desire is dead
Desire may
be dead
and still a
man can be
a meeting
place for sun and rain,
wonder
outwaiting pain
as in a
wintry tree.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Manifesto
I
Uma mulher me deu força e
afluência.
Aceito!
Todo o trigo oscilante do Canadá,
amadurecendo agora,
não tem tanta força como o corpo
de uma única mulher
doce espiga, não muito para dar
ainda que alimente nações.
A fome é o verdadeiro Satã.
O medo da fome é Moloch, Belial,
o horrível Deus.
É uma coisa pavorosa ser dominado
pelo medo da fome.
Nem só o pão, nem o estômago, nem
a garganta sedenta.
Nunca fui afetado pelo estômago, pela
falta de pão,
não, nem mesmo de leite e mel.
O medo da necessidade dessas
coisas parece ter sido afastado de mim.
Por tudo isso, agradeço às boas
gerações da humanidade.
II
E o doce, constante, equilibrado calor
do suave sensível corpo, a fome disso
nunca me pegou nem me aterrorizou.
Aqui, de novo, o homem foi bom no seu legado a nós, nessas duas
instâncias primárias.
III
Então a muda, doída, amarga,
desamparada necessidade,
o ânsia de ser iniciado,
ter acesso ao conhecimento que os
grandes mortos
abriram para nós, conhecer,
satisfazer
a grande e dominante fome da
mente;
a colheita mais doce dos séculos,
livros atraentes, impressos,
luminosos, resplandecentes,
primorosa semente de muitas e teimosas
glebas nas trevas reviradas;
agradeço à humanidade com o
coração ardente
pois escapei também a essa fome,
pois eles me foram dados quando
eu deles necessitava,
pois eu sou o filho do homem.
Comi, e bebi, e aqueci e vesti
meu corpo,
foi-me ensinada a linguagem da compreensão,
escolhi entre os luminosos e
maravilhosos livros,
como qualquer príncipe; esses
estoques do suprimento do mundo
estavam abertos a mim, na
sabedoria e bondade do homem.
Até aqui, tudo bem.
Sábia, boa provisão que faz o
coração inflar de amor!
IV
Mas então veio outra fome
muito profunda, e voraz;
o verdadeiro choro do corpo do
corpo
com uma fome mais ameaçadora,
mais profunda
do que a do estômago ou da
garganta ou mesmo da mente;
mais vermelha do que a morte,
mais clamorosa.
A fome da mulher. Ai de mim,
é um Moloch tão profundo, cruel e
forte,
é como o inexprimível nome do
temível Senhor,
que nunca deve ser pronunciado.
Mesmo assim lá está ela, a fome
que nos alcança,
que precisamos aprender a
satisfazer com uma pura, real satisfação;
ou perecer, não
existe alternativa.
Eu achei que era a mulher,
qualquer mulher,
Mero anexo feminino do que eu
era.
Ah, isso era tormento duro o
bastante
e algo a se temer,
um ameaçador, torturante, fálico
Moloch.
Uma mulher saciou essa fome finalmente.
O que muitas mulheres não podem
dar, uma pode;
assim, eu soube.
Ela ficou na minha frente como
riquezas que eram minhas.
Mesmo assim, no escuro, eu estava
torturado, voraz, preso,
Envergonhado, e escandaloso, e
depravado.
Um homem fica aterrorizado por
uma fome forte;
E esse terror é a raiz de toda
crueldade.
Ela me amou e ficou na minha
frente, olhando para mim.
Como eu podia olhar, estando
louco? Olhei de lado, furtivamente,
louco com um desejo voraz.
V
Isso chegou a bom termo
finalmente.
Quando um homem é rico, ele perde
afinal o medo da fome.
Perdi finalmente a ferocidade que
teme morrer de fome.
Pude colocar finalmente meu rosto
entre os seios dela
e saber que eles tinham sido
dados para sempre
que eu nunca mais morreria de
fome,
nunca pereceria;
eu tinha comido do pão que
satisfaz
e o corpo do meu corpo estava
apaziguado,
havia paz e riqueza,
completude.
Deixe quem quiser elogiar o
desejo,
mas somente a satisfação cumpre,
É nossa confirmação,
nosso paraíso, na verdade.
Imortalidade, o paraíso, é
somente uma projeção dessa
estranha mas real completude,
aqui na carne.
Então, outra fome foi apaziguada,
e por isso tenho que agradecer a
uma mulher,
não à humanidade, pois a
humanidade ter-me-ia impedido;
mas a uma mulher
e essa é minha ação de graças em
letra vermelha.
VI
Ser ou não ser ainda é a questão.
Esse desejo ansioso de ser é a
fome fundamental.
E para mim mesmo eu posso dizer
“quase, quase, oh, por pouco”.
Mesmo assim alguma coisa perdura.
Alguma coisa não perdurará
sempre.
Pois o essencial já é completude.
O que perdura em mim é para ser
conhecido enquanto conheço.
Eu a conheço agora: ou talvez, eu
conheça minha própria limitação em relação a ela.
Mergulhando como fiz, sobre,
sobre a beira do abismo
caí finalmente de ponta-cabeça
dentro do nada, mergulhando na
completa e
áspera extinção;
cheguei, como se diz, ao não
saber,
morri, como se diz; cessei de
conhecer; superei-me.
O que posso dizer mais, exceto
que eu sei o que é superar-me?
É um tipo de morte que não é
morte.
É ir um pouco além dos limites.
Como se pode falar, quando há um
silêncio na nossa boca?
Suponho que ela, finalmente, está
completamente além de mim,
Ela é completamente não-eu,
essencialmente.
É a isto que chegamos.
Uma curiosa agonia, e um alívio,
quando toco aquilo que não sou eu
em qualquer sentido,
fere-me de morte com o meu
próprio não-ser; limitação definitiva, inviolável,
e alguma coisa além, muito além,
se você compreende o que significa isso.
É a parte maior do ser, este
superar a si mesmo,
este ter tocado a margem do além,
e sucumbir, e mesmo assim não ter sucumbido.
VII
Apesar disso, quero que ela
obtenha o mesmo de mim.
Ela me toca como se eu fosse ela
mesma, ela própria.
Ela não percebeu ainda, esta
coisa horrenda, que eu sou o outro,
ela pensa que somos uma peça só.
Isso é dolorosamente falso.
Quero que ela me toque
finalmente, ah, na raiz e essência da minha escuridão
e pereça em mim, como pereci
nela.
Então, seremos dois e distintos,
teremos cada um nosso ser separado.
E isso será pura existência,
liberdade real.
Até lá, somos confundidos, uma
mistura, irresolutos, não separados um do outro.
É numa pura, indizível
determinação, distinção do ser, que somos livres,
não na mistura, na fusão, não na
similaridade.
Quando ela colocar suas mãos nas
minhas origens mais sombrias,
secretas, os
mais sombrios eflúvios,
quando ela compreender, como uma
morte, “isto é ele!”
ela não tem parte nisso, nenhuma
parte,
é o terrível outro,
quando ela conhecer a terrível outra carne, ah, escuridão insondável
e terrível,
contígua e concreta,
quando ela for morta junto a mim,
e deixada numa pilha como algo fora da casa,
quando ela falecer como faleci,
sendo empurrada contra o outro,
então ficarei alegre, não ficarei
confundido com ela,
serei iluminado, distinto,
singular como se polido em prata,
sem aderência, nenhuma adesão em
lugar nenhum,
um ser iluminado, polido,
isolado, único,
e ela também, pura, isolada,
completa,
nós dois, indiscutivelmente
distintos, e em conjunção indizível.
Então seremos livres, mais livres
do que anjos, ah, perfeitos.
VIII
Depois disso, somente restará aos
homens separarem-se e tornarem-se únicos,
que fiquemos todos separados,
movendo-nos em liberdade mais que a dos anjos,
condicionados somente pelo nosso
próprio puro ser singular,
não tendo nenhuma lei exceto a
lei do nosso próprio ser.
Cada ser humano será como uma
flor, desimpedido.
Cada movimento será direto.
Apenas ser será uma tal delicia,
cobrimos nossa face quando pensamos nisso
com receio de que nossa face nos
traia a algum demônio extemporâneo.
Cada homem ele mesmo e, portanto,
uma insuperável singularidade do gênero humano.
O tigre fulgurante saltará sobre
o veado, desembaraçado,
a galinha abrigará seus filhotes,
amaremos, odiaremos,
mas será como música, pura
expressão,
saindo diretamente do
desconhecido,
o raio e o arco-íris aparecendo
em nós, espontâneos, incontrolados,
como embaixadores.
Não olharemos antes e depois.
Seremos, agora.
Saberemos totalmente.
Nós, o místico AGORA.
*
Manifesto
I
A woman has
given me strength and affluence.
Admitted!
All the
rocking wheat of Canada, ripening now,
has not so
much of strength as the body of one woman
sweet in
ear, nor so much to give
though it
feed nations.
Hunger is
the very Satan.
The fear of
hunger is Moloch, Belial, the horrible God.
It is a
fearful thing to be dominated by the fear of hunger.
Not bread
alone, not the belly nor the thirsty throat.
I have
never yet been smitten through the belly, with the lack of bread,
no, nor
even milk and honey.
The fear of
the want of these things seems to be quite left out of me.
For so
much, I thank the good generations of mankind.
II
And the
sweet, constant, balanced heat
of the
suave sensitive body, the hunger for this
has never
seized me and terrified me.
Here again,
man has been good in his legacy to us, in these two primary instances.
III
Then the
dumb, aching, bitter, helpless need,
the pining to
be initiated,
to have
access to the knowledge that the great dead
have opened
up for us, to know, to satisfy
the great
and dominant hunger of the mind;
man's
sweetest harvest of the centuries, sweet, printed books,
bright,
glancing, exquisite corn of many a stubborn
glebe in
the upturned darkness;
I thank
mankind with passionate heart
that I just
escaped the hunger for these,
that they
were given when I needed them,
because I
am the son of man.
I have
eaten, and drunk, and warmed and clothed my body,
I have been
taught the language of understanding,
I have
chosen among the bright and marvellous books,
like any
prince, such stores of the world's supply
were open
to me, in the wisdom and goodness of man.
So far, so
good.
Wise, good
provision that makes the heart swell with love!
IV
But then
came another hunger
very deep,
and ravening;
the very
body's body crying out
with a
hunger more frightening, more profound
than
stomach or throat or even the mind;
redder than
death, more clamorous.
The hunger
for the woman. Alas,
it is so
deep a Moloch, ruthless and strong,
'tis like
the unutterable name of the dread Lord,
not to be
spoken aloud.
Yet there
it is, the hunger which comes upon us,
which we
must learn to satisfy with pure, real satisfaction;
or perish,
there is no alternative.
I thought
it was woman, indiscriminate woman,
mere female
adjunct of what I was.
Ah, that
was torment hard enough
and a thing
to be afraid of,
a
threatening, torturing, phallic Moloch.
A woman fed
that hunger in me at last.
What many
women cannot give, one woman can;
so I have
known it.
She stood
before me like riches that were mine.
Even then,
in the dark, I was tortured, ravening, unfree,
Ashamed,
and shameful, and vicious.
A man is so
terrified of strong hunger;
and this
terror is the root of all cruelty.
She loved
me, and stood before me, looking to me.
How could I
look, when I was mad? I looked sideways, furtively,
being mad
with voracious desire.
V
This comes right
at last.
When a man
is rich, he loses at last the hunger fear.
I lost at
last the fierceness that fears it will starve.
I could put
my face at last between her breasts
and know
that they were given for ever
that I
should never starve,
never
perish;
I had eaten
of the bread that satisfies
and my
body's body was appeased,
there was
peace and richness,
fulfilment.
Let them
praise desire who will,
but only
fulfilment will do,
real
fulfilment, nothing short,
It is our
ratification,
our heaven,
as a matter of fact.
Immortality,
the heaven, is only a projection of this strange but actual fulfilment,
here in the
flesh.
So, another
hunger was supplied,
and for
this I have to thank one woman,
not
mankind, for mankind would have prevented me;
but one
woman,
and these
are my red-letter thanksgivings.
VI
To be, or
not to be, is still the question.
This ache
for being is the ultimate hunger.
And for
myself, I can say "almost, almost, oh, very nearly."
Yet
something remains.
Something
shall not always remain.
For the
main already is fulfilment.
What
remains in me, is to be known even as I know.
I know her
now: or perhaps, I know my own limitation against her.
Plunging as
I have done, over, over the brink
I have
dropped at last headlong into nought, plunging upon sheer hard extinction;
I have
come, as it were, not to know,
died, as it
were; ceased from knowing; surpassed myself.
What can I
say more, except that I know what it is to surpass myself?
It is a
kind of death which is not death.
It is going
a little beyond the bounds.
How can one
speak, where there is a dumbness on one's mouth?
I suppose,
ultimately she is all beyond me,
she is all
not-me, ultimately.
It is that
that one comes to.
A curious
agony, and a relief, when I touch that which is not me in any sense,
it wounds
me to death with my own not-being; definite, inviolable limitation,
and
something beyond, quite beyond, if you understand what that means.
It is the
major part of being, this having surpassed oneself,
this having
touched the edge of the beyond, and perished, yet not perished.
VII
I want her
though, to take the same from me.
She touches
me as if I were herself, her own.
She has not
realised yet, that fearful thing, that I am the other,
she thinks
we are all of one piece.
It is
painfully untrue.
I want her
to touch me at last, ah, on the root and quick of my darkness
and perish
on me, as I have perished on her.
Then, we
shall be two and distinct, we shall have each our separate being.
And that
will be pure existence, real liberty.
Till then,
we are confused, a mixture, unresolved, unextricated one from the other.
It is in
pure, unutterable resolvedness, distinction of being, that one is free,
not in
mixing, merging, not in similarity.
When she
has put her hand on my secret, darkest sources, the darkest outgoings,
when it has
struck home to her, like a death, "this is him!"
she has no
part in it, no part whatever,
it is the
terrible other,
when she
knows the fearful other flesh, ah, darkness
unfathomable
and fearful, contiguous and concrete,
when she is
slain against me, and lies in a heap like one outside the house,
when she
passes away as I have passed away,
being
pressed up against the other,
then I
shall be glad, I shall not be confused with her,
I shall be
cleared, distinct, single as if burnished in silver,
having no
adherence, no adhesion anywhere,
one clear,
burnished, isolated being, unique,
and she
also, pure, isolated, complete,
two of us,
unutterably distinguished, and in unutterable conjunction.
Then we
shall be free, freer than angels, ah, perfect.
VIII
After that,
there will only remain that all men detach themselves and become unique,
that we are
all detached, moving in freedom more than the angels,
conditioned
only by our own pure single being,
having no
laws but the laws of our own being.
Every human
being will then be like a flower, untrammelled.
Every
movement will be direct.
Only to be
will be such delight, we cover our faces when we think of it
lest our
faces betray us to some untimely fiend.
Every man
himself, and therefore, a surpassing singleness of mankind.
The blazing
tiger will spring upon the deer, undimmed,
the hen
will nestle over her chickens,
we shall
love, we shall hate,
but it will
be like music, sheer utterance,
issuing
straight out of the unknown,
the
lightning and the rainbow appearing in us unbidden, unchecked,
like
ambassadors.
We shall
not look before and after.
We shall be, now.
We shall
know in full.
We, the
mystic NOW.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Destino
Destino, ó destino,
você existe, pode um homem tocar sua mão?
Ó destino
se eu pudesse ver sua mão e o polegar estivesse para baixo,
eu estaria preparado para desistir, como o pterodáctilo,
e aceitaria a extinção.
não pediria nem mesmo para deixar uma garra restando, como
fóssil,
nem a marca dum polegar como vestígio,
eu estaria preparado para desaparecer totalmente,
totalmente.
Mas se for polegar para cima e a humanidade deve continuar a
ser a humanidade,
então estou determinado a lutar, arregaçarei as mangas
e começarei.
Somente, ó destino
uu gostaria que você mostrasse sua mão.
*
Destiny
O destiny,
destiny,
do you
exist, and can a man touch your hand?
O destiny
if I could
see your hand, and it were thumbs down,
I would be
willing to give way, like the pterodactyl,
and accept
obliteration.
I would not
even ask to leave a fossil claw extant,
nor a
thumb-mark like a clue,
I would be
willing to vanish completely, completely.
But if it
is thumbs up, and mankind must go on being mankind,
then I am
willing to fight, I will roll my sleeves up
and start
in.
Only, o
destiny
I wish
you’d show your hand.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Quando
ensinareis às pessoas –?
Quando ensinareis às pessoas,
Deus da justiça, a salvarem a si próprias -?
Elas foram salvas tantas vezes
e vendidas.
Ó Deus da justiça, não mandeis mais salvadores
do povo!
Quando um salvador salvou um povo
eles descobrem que ele os vendeu para seu pai.
Eles dizem: Fomos salvos, mas estamos morrendo de fome.
Ele diz: Mais rapidamente estareis comendo bolos
imaginários na mansão do meu pai.
Elas dizem: Não poderíamos ter uma fatia de pão comum?
Ele diz: Não, necessita irdes para o céu e comerdes o mais
maravilhoso dos bolos.
Ou Napoleão diz: Como eu os salvei dos ci-devants,
vocês são minha propriedade, preparem-se para morrer por mim
e para trabalhar para mim.
Mais tarde republicanos dizem: Vocês foram poupados,
portanto são nossa economia, nosso capital
com o qual faremos grandes negócios.
Ou Lenin diz: vocês foram poupados, mas poupados por
atacado.
Você não são mais homens, quer dizer, burgueses;
você são itens no Estado soviético,
e cada item terá sua ração,
mas é apenas o Estado soviético que conta
os itens têm pouca importância,
o Estado tendo salvo a todos.
E assim continuam-se a salvar as pessoas.
Deus da justiça, quando lhes ensinareis a salvarem a si
mesmas?
*
When wilt thou teach the people –?
When wilt
thou teach the people,
God of
justice, to save themselves –?
They have
been saved so often
and sold.
O God of
justice, send no more saviours
of the
people!
When a
saviour has saved a people
they find
he has sold them to his father.
They say:
We are saved, but we are starving.
He says:
The sooner will you eat imaginary cake in the mansions of my father.
They says:
Can’t we have a loaf of common bread?
He says:
No, you must go to heaven, and eat the most marvellous cake.
Or Napoleon
says: Since I have saved you from the ci-devants,
you are my
property, be prepared to die for me, and to work for me.
Or later
republicans say: You are saved,
therefore
you are our savings, our capital
with which
we shall do big business.
Or Lenin
says: You are saved, but you are saved wholesale.
You are no
longer men, that is bourgeois;
you are
items in the soviet state,
and each
item will get its ration,
but it is
the soviet state alone which counts
the items
are of small importance,
the state
having saved them all.
And so it
goes on, with the saving of the people.
God of
justice, when wilt thou teach them to save themselves?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Ser
superior
Como é bom ser superior!
Pois, realmente, não adianta fingir, somos superiores, não
somos?
Quero dizer, pessoas como você e eu.
Claro! Concordo totalmente.
O problema é que todos pensam que são tão superiores
quanto nós; tão superiores quanto.
Isso é tão enfadonho! as pessoas são tão enfadonhas.
Mas elas não podem pensar dessa maneira, concorda?
No fundo, devem saber que somos realmente superiores,
concorda?
Você não acha,
realmente, que elas sabem que
somos seus superiores?
Não poderia dizer.
Nunca fui ao fundo da superioridade.
Gostaria de ter ido.
*
To Be Superior
How nice it
is to be superior!
Because
really, it's no use pretending, one is superior, isn't one?
I mean people
like you and me.
Quite! I
quite agree.
The trouble
is, everybody thinks they're just as superior
as we are;
just as superior.
That's
what's so boring! people are so boring.
But they
can't really think it, do you think?
At the
bottom, they must know we are really
superior
don't you
think?
Don't you
think, really, they know we're their superiors?
I couldn't
say.
I've never
got to the bottom of superiority.
I should
like to.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Toque
Desde que nos tornamos tão cerebrais
não suportamos tocar ou sermos tocados.
Desde que somos tão cerebrais
estamos humanamente sem contato.
E assim temos que continuar.
Pois se, intelectualmente, nos forçamos ao toque, ao
contato,
físico e carnal,
nós nos violamos,
ficamos depravados.
*
Touch
Since we
have become so cerebral
we can't
bear to touch or be touched.
Since we
are so cerebral
we are
humanly out of touch.
And so we
must remain.
For if,
cerebrally, we force ourselves into touch, into contact
physical
and fleshly,
we violate
ourselves,
we become
vicious.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Casas novas, roupas novas
Casas novas, móveis novos, ruas
novas, roupas novas, lençóis novos
tudo que é novo e industrializado
suga-nos a vida
e nos faz frios, nos faz sem vida
quanto mais temos.
*
New houses, new clothes
New houses,
new furniture, new streets, new clothes, new sheets
everything
new and machine-made sucks life out of us
and make us
cold, make us lifeless
the more we
have.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Tudo que temos é a vida
Tudo que temos, enquanto vivemos, é a vida;
Se você não vive durante sua vida, você é um pedaço de
merda.
E trabalho é vida, e vida é vivida no trabalho
a menos que você seja um escravo do salário.
Enquanto um escravo do salário trabalha, deixa a vida de
lado
e fica lá, um pedaço de merda.
Os homens deveriam recusar-se a ser sem vida no trabalho.
Homens deveriam recursar-se a ser montes de assalariados de
merda.
Homens deveriam recusar-se a trabalhar, como escravos
assalariados.
Os homens deveriam exigir trabalhar para si mesmos, por si
mesmos,
e investir sua vida nisso.
Pois se um homem não tem vida no seu trabalho, ele é
basicamente um monte de merda.
*
All that we have is life
All that we
have, while we live, is life;
and if you
don't live during your life, you are a piece of dung.
And work is
life, and life is lived in work
unless
you're a wage-slave.
While a
wage-slave works, he leaves life aside
and stands
there a piece of dung.
Men should
refuse to be lifelessly at work.
Men should
refuse to be heaps of wage-earning dung.
Men should
refuse to work at all, as wage-slaves.
Men should
demand to work for themselves, of themselves,
and put their life in it.
For if a
man has no life in his work, he is mostly a heap of dung.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Comecem
uma revolução
O! Comece alguém uma revolução!
não para ganhar dinheiro
mas para perdê-lo tudo para sempre.
O! Comece alguém uma revolução!
não para colocar no poder as classes trabalhadoras
mas para abolir as classes trabalhadoras para sempre
e termos um mundo de homens.
*
O! Start a Revolution
O! start a
revolution, somebody!
not to get
the money
but to lose
it all for ever.
O! start a
revolution, somebody!
not to
install the working classes
but to
abolish the working classes for ever
and have a
world of men.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Difícil
de aguentar
Qualquer mulher que me diz
– Você me ama realmente? –
Ganha meu ódio eterno.
*
Can'tbe
borne
Any woman
who says to me
– Do you
really love me? –
earns my
undying detestation.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Bons
maridos fazem esposas infelizes
Bons maridos fazem esposas infelizes
exatamente como os maus maridos, com a mesma frequência;
mas a infelicidade de uma mulher com um bom marido
é muito mais devastadora
do que a infelicidade de uma mulher com um mau marido.
*
Good husbands make unhappy wives
Good
husbands make unhappy wives
so do bad
husbands, just as often;
but the
unhappiness of a wife with a good husband
is much
more devastating
than the
unhappiness of a wife with a bad husband.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Autopiedade
Nunca vi um animal selvagem
com pena de si mesmo.
Um passarinho cairá, gelado e morto, de um galho
sem jamais ter sentido pena de si mesmo.
*
Self-pity
I never saw
a wild thing
sorry for
itself.
A small
bird will drop frozen dead from a bough
without
ever having felt sorry for itself.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A
confusão do amor
Fizemos uma grande confusão do amor
desde que fizemos dele um ideal.
No momento em que juro amar uma mulher, certa mulher, toda
minha vida
nesse momento começo a odiá-la.
No momento em que digo a uma mulher: te amo! –
meu amor diminui consideravelmente.
No momento em que o amor é uma coisa certa entre nós,
estamos seguros dele,
ele é um ovo frio, não é mais amor.
Amor é como uma flor, precisa florescer e definhar;
se não definha, não é uma flor,
ou é uma flor despetalada e artificial, ou uma sempre-viva,
de cemitério.
No momento em que a mente interfere no amor, ou a vontade
fixa nela a atenção,
ou a personalidade o considera como um atributo, ou o ego
toma posse dele
não é mais amor, é apenas uma confusão.
Fizemos uma grande confusão do amor, amor pervertido pela
mente, pela vontade,
pelo ego.
*
The mess of love
We've made a
great mess of love
since we
made an ideal of it.
The moment
I swear to love a woman, a certain woman, all my life
that moment
I begin to hate her.
The moment
I even say to a woman: I love you! –
my love
dies down considerably.
The moment
love is an understood thing between us, we are sure of it,
it's a cold
egg, it isn't love any more.
Love is
like a flower, it must flower and fade;
if it
doesn't fade, it is not a flower,
it's either
an artificial rag blossom, or an immortelle, for the cemetery.
The moment
the mind interferes with love, or the will fixes on it,
or the
personality assumes it as an attribute, or the ego takes possession of it,
it is not
love any more, it's just a mess.
And we've
made a great mess of love, mind-perverted, will-perverted,
ego-perverted love.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Os
homens não são maus
Os homens não são maus, quando estão livres.
A prisão faz os homens maus, e a compulsão ao dinheiro faz
os homens maus.
Se os homens ficassem livres do terror de ganhar a vida
haveria abundância no mundo
e os homens trabalhariam alegremente.
*
*
Men are not bad
Men are not bad, when they are free.
Prison makes men bad, and the money compulsion makes
men bad.
If men were free from the terror of earning a living
there would be abundance in the world
and men would work gaily.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Emoções
cerebrais
Estou farto das emoções cerebrais das pessoas
que nascem nas suas mentes e são impostas pela vontade
aos seus pobres e desajustados corpos.
Pessoas sentindo coisas que planejam sentir, que pretendem
sentir,
que vão sentir,
exatamente porque não as sentem.
Pois é, claro, se você realmente sente algo
você não tem de afirmar que sente nada.
*
Cerebral emotions
I am sick
of people's cerebral emotions
that are
born in their minds and forced down by the will
on to their
poor deranged bodies.
People
feeling things they intend to feel, they mean to feel,
they will feel,
just
because they don't feel them.
For of
course, if you really feel something
you don’t
have to assert that you feel it.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Água
fresca
Dizem que é muito difícil
destilar a água do mar em água doce.
Talvez por isso é tão difícil
conseguir bebida fresca da sabedoria antiga
verdade velha,
ensinamento velho de qualquer tipo.
*
Fresh Water
They say it
is very difficult
to distil
sea-water into sweet.
Perhaps
that's why it is so difficult
to get a
refreshing drink out of old wisdom
old truth,
old teaching of any sort.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Opulência
Quando desejo ficar rico, então sei que estou doente.
Pois, para falar a verdade, tenho bastante como estou.
Então, quando me pego pensando: Ah, se eu fosse rico – !
Digo: Olá! Não estou bem. Minha vitalidade está baixa.
*
Riches
When I wish
I was rich, then I know I am ill.
Because, to
tell the truth, I have enough as I am.
So when I
catch myself thinking: Ah, if I was rich – !
I say to
myself: Hello! I’m not well. My vitality is low.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Pessoas
mortas
Quando as pessoas
estão mortas e sem paz
detestam a vida,
gostam somente da decomposição.
Quando as pessoas
estão mortas e sem paz
detestam a
felicidade nos outros
com um ódio frio e
penetrante,
como o abutre que
grita lá no alto, quase inaudível,
pairando no ar para
comer os olhos da criatura ainda viva.
*
Dead People
When people
are dead and peaceless
they hate
life, they only like carrion.
When people
are dead and peaceless
they hate
happiness in others
with thin,
screaming hatred,
as the
vulture that screams high up, almost inaudible,
hovering to
peck out the eyes of the still-living creature.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Basta!
Quando um homem não pode mais amar
e não pode mais sentir
e o desejo definhou
e o coração está dormente
então tudo o que ele pode fazer
é dizer: Assim é!
tenho que aguentar isso
e esperar.
Isso é uma pausa, quão longa não sei,
no meu próprio ser.
*
Basta!
When a man
can love no more
and feel no
more
and desire
has failed
and the
heart is numb
then all he
can do
is to say:
It is so!
I've got to
put up with it
and wait.
This is a
pause, how long a pause I know not,
in my very
being
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Nêmesis
O castigo que espera nossa civilização
é a insanidade social
que no fim é sempre homicida.
Sanidade significa a totalidade da consciência.
E nossa sociedade só em parte é consciente, como um idiota.
Se não abrirmos rapidamente todas as portas da consciência
e refrescarmos o pequeno e pútrido espaço no qual estamos
confinados
as paredes azul-celeste do nosso céu sem ventilação
ficarão luminosamente vermelhas de sangue.
*
Nemesis
The Nemesis
that awaits our civilization
is social
insanity
which in
the end is always homicidal.
Sanity
means the wholeness of the consciousness.
And our
society is only part conscious, like an idiot.
If we do
not rapidly open all the doors of consciousness
and freshen
the putrid little space in which we are cribbed
the
sky-blue walls of our unventilated heaven
will be
bright red with blood.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Conversa
Gostaria que as pessoas, quando chegamos perto,
não pensassem que fosse necessário conversar
e mandar leves correntes de ar com palavras
assoprando no seu pescoço e no seu ouvido
te deixando resfriado.
*
Talk
I wish
people, when you sit near them,
wouldn't
think it necessary to make conversation
and send
thin draughts of words
blowing
down your neck and your ears
and giving
you a cold in your inside.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O
homem chega num ponto
Não posso evitar ficar sozinho
pois o desejo morreu em mim, o silêncio cresceu
e nada agora se estende para atrair
outra carne em direção à minha.
*
Man reaches a point
I cannot
help but be alone
for desire
has died in me, silence has grown,
and nothing
now reaches out to draw
other flesh
to my own.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Fique
quieto!
A única coisa a ser feita, agora,
agora que as ondas da nossa destruição começaram a bater em
nós,
é nos conter.
Ficarmos quietos, e deixar que nossos destroços avancem,
deixar tudo ir, enquanto as ondas nos esmagam,
mesmo assim ficarmos quietos e segurar
a minúscula semente de algo que nenhuma onda pode carregar,
nem mesmo a mais maciça onda do destino.
Entre todos os esmagados fragmentos de mim mesmo
fique quieto, e esperar.
Pois a palavra é ressurreição.
E mesmo o mar dos mares terá de devolver seus mortos.
*
Be Still!
The only
thing to be done, now,
now that
the waves of our undoing have begun to strike on us,
is to
contain ourselves.
To keep
still, and let the wreckage of ourselves go,
let
everything go, as the wave smashes us,
yet keep
still, and hold
the tiny
grain of something that no wave can wash away,
not even
the most massive wave of destiny.
Among all
the smashed debris of myself
keep quiet,
and wait.
For the
word is Resurrection.
And even the
sea of seas will have to give up its dead.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Dies
Irae
Mesmo as velhas emoções estão
acabadas,
nós as consumimos.
E o desejo está morto.
E o fim de todas as coisas está
dentro de nós.
Nossa época acabou,
um ciclo da evolução chega ao fim,
nossa atividade perdeu seu
significado,
somos fantasmas, somos sementes;
pois nossa palavra está morta
e não sabemos como viver sem
palavras.
Vivemos numa vasta casa
cheia de atividades desordenadas
e o barulho, e o mau-cheiro, e a
melancolia, e a falta de sentido
nos enlouquece, mas não sabemos o
que fazer.
Tudo que podemos saber neste
momento
é a realização do nada.
Veja, sou o nada!
Essa é uma consumação a ser
desejada afetuosamente
neste mundo de auto-afirmação
mecânica.
*
Dies Irae
Even the
old emotions are finished,
we have
worn them out.
And desire
is dead.
And the end
of all things is inside us.
Our epoch
is over,
a cycle of
evolution is finished,
our
activity has lost its meaning,
we are ghosts,
we are seed;
for our
word is dead
and we know
not how to live wordless.
We live in
a vast house
full of
inordinate activities
and the
noise, and the stench, and the dreariness and lack of meaning
madden us,
but we don't know what to do.
All we can
know at this moment
is the
fulfilment of nothingness.
Lo, I am
nothing!
It is a
consummation devoutly to be wished
in this
world of mechanical self-assertion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O
otimista
O otimista constrói sua segurança dentro de uma cela
pinta as paredes internas de azul-celeste
bloqueia a porta
e diz que está no céu.
*
The optimist
The
optimist builds himself safe inside a cell
and paints
the inside walls sky-blue
and blocks
up the door
and says
he’s in heaven.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Homem
imoral
O homem é imoral porque tem uma mente
e não pode acostumar-se ao o fato.
Os instintos profundos, deixados em paz, são totalmente
morais,
e uma intuição clara é mais do que moral,
realmente nos faz homens.
Por que não aprendemos a domar a mente
em vez de matar as paixões, os instintos e os sentimentos?
É a mente que é rude e vaidosa
e arruína nossa complexa harmonia.
*
Immoral Man
Man is
immoral because he has got a mind
and can't
get used to the fact.
The deep
instincts, when left alone, are quite moral,
and clear
intuition is more than moral,
it really
makes us men.
Why don't
we learn to tame the mind
instead of
killing the passions and the instincts and feelings?
It is the
mind which is uncouth and overweening
and ruins
our complex harmony.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Haja
luz!
Se realmente houve um começo
não houve deus nele
não houve Verbo
nem Voz
nem Palavra.
Não havia nada para dizer:
Haja luz!
Toda esta história do Sr. Deus acender o dia
é somente pretensão.
Somente vaidade humana!
– Quem fez o sol?
– Meu filho, não posso dizer uma mentira,
Eu o fiz!
O avô de Georg Washington!
Tudo que podemos honestamente imaginar no começo
é o incompreensível plasma da vida, da criação lutando
e tornando-se luz.
*
Let there be light!
If ever
there was a beginning
there was
no god in it
there was
no Verb
no Voice
no Word.
There was
nothing to say:
Let there
be light!
All that
story of Mr God switching on day
is just
conceit.
Just man's
conceit!
– Who made
the sun?
– My child,
I cannot tell a lie,
I made it!
Georg
Washington's Grandpapa!
All we can
honestly imagine in the beginning
is the
incomprehensible plasm of life, of creation struggling
and becoming light.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Deus
Onde está a sanidade
ali Deus está.
os sadios ainda podem reconhecer a sanidade
então eles ainda podem reconhecer Deus.
*
God
Where
sanity is
there God
is.
And the
sane can still recognise sanity
so they can
still recognise God.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Pare
Uma coisa que os velhos nunca entenderão
é que você não pode impedir a mudança.
Tudo flui e mesmo os velhos estão esvaindo-se.
Os jovens estão fluindo na agonia de uma grande mudança.
*
Stop It
The one
thing the old will never understand
is that you
can't prevent change.
All flows,
and even the old are rapidly flowing away.
And the
young are flowing in the throes of a great alteration.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sãos
e dementes
O puritano é demente
o libertino é demente
e eles dividem o mundo
Os ricos são dementes
os miseráveis são dementes
e o mundo está sendo destruído por eles.
O puritano tem medo
e o libertino tem medo.
Os ricos têm medo
e os miseráveis têm medo.
Eles têm medos horríveis e opostos
e ameaçam rasgar o mundo em dois, entre eles.
*
Sane and insane
The puritan
is insane
and the
profligate is insane
and they
divide the world.
The wealthy
are insane
and the
poverty-stricken are insane
and the
world is going to pieces between them.
The puritan
is afraid
and the
profligate is afraid.
The wealthy
are afraid
and the
poverty-stricken are afraid.
They are
afraid with horrible and opposing fears
which
threaten to tear the world in two, between them.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Consciência
Consciência
é ter noção do sol
e nosso instinto profundo
de não ir contra o sol.
*
Conscience
Conscience
is
sun-awareness
and our
deep instinct
not to go
against the sun.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Medo da sociedade é a raiz de
todo mal
Hoje, a consciência social está mutilada
assim tudo fica insano:
sucesso é insano, e fracasso é insano,
castidade é insana, e libertinagem é insana,
dinheiro é insano, e pobreza é insana.
Coisa pavorosa é a consciência social mutilada.
*
Fear of society is the root of all evil
To-day, the
social consciousness is mutilated
so everything
is insane:
success is
insane, and failure is insane,
chastity is
insane, and debauchery is insane,
money is
insane, and poverty is insane.
A fearful
thing is the mutilated social consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Triunfo
Parece-me que durante cinco mil anos pelo menos
os homens quiseram triunfar, triunfar, triunfar,
triunfar sobre seus próximos, triunfar sobre obstáculos,
triunfar sobre o mal,
até a palavra ficar repugnante, não podemos mais ouvi-la.
Se olhássemos nosso coração veríamos
detestamos pensar em qualquer tipo de triunfo,
estamos cansados dele.
*
Triumph
It seems to
me that for five thousand years at least
men have
been wanting to triumph, triumph, triumph,
triumph
over their fellow-men, triumph over obstacles, triumph over evil,
till now
the very word is nauseating, we can't hear it any more.
If we
looked in our hearts, we should see
we loathe
the thought of any sort of triumph,
we are sick
of it.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Jovens
pais
Jovens, sem qualquer prazer real na vida esperança alguma no
futuro
como podem cometer a indecência de gerar filhos
sem primeiro gerar uma nova esperança com a qual as crianças
crescerão?
Mas, então, você somente precisa dar uma olhada no moderno
carrinho de bebe?
para ver que uma criança, assim que nasce,
é colocada pelos seus pais no seu caixão.
*
Young Fathers
Young men,
having no real joy in life and no hope in the future
how can
they commit the indecency of begetting children
without
first begetting a new hope for the children to grow up to?
But then,
you need only look at the modem perambulator
to see that
a child, as a soon as it is born,
is put by
its parents into its coffin.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho].
Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O
espírito combativo
Na verdade, somos melhores do que
sabemos.
Arrastamos atrás de nós uma
infinita tradição de combate, triunfo, conquista,
e sentimos que temos que
continuá-la, continuar combatendo, triunfando, conquistando.
Quando, na verdade, a lembrança
dessa luta imbecil e sem fim
mata-nos, deixa-nos doentes até
a morte.
Estamos saturados do combate,
sentimos que, se todo esse
sistema de competição e combate não for logo à falência,
iremos nós.
Queremos um novo mundo de paz
selvagem, em que a vida seja livre.
Não esta paz de hiena domada, na
qual ninguém ousa dizer ao outro que ele é um ladrão
ainda que todo homem seja levado
a roubar todos os outros homens;
esta bela paz, em que cada homem
tem de lutar, e lutar ilicitamente,
para ganhar a vida, no covarde e
ignóbil combate
a que chamamos livre cooperação e
livre empresa e oportunidade igual.
Por que temos de lutar para
viver?
Viver deveria ser tão gratuito
para o homem como para o pássaro,
Ainda que muitos pássaros tenham
que pagar com suas vidas onde há homens.
Por que nos estimularmos com maus
exemplos?
Se nos estimularmos, deveria ser
com algo que queremos fazer
e sentimos valer a pena fazer.
Os esforços do homem, como os dos
pássaros ao alçar vôo,
seriam lindos se nascessem do
próprio homem, espontâneos,
puro impulso para fazer algo,
produzir algo.
Mesmo que fosse somente uma
panela de lata.
Vejo o homem de lata, o
funileiro, dia após dia na praia
consertando e remendando todos os
funis da redondeza,
feliz como um lagarto perto de um
regato,
o mesmo com os pescadores,
sentados, remendando suas redes,
felizes como talvez reis costumavam
ser, mas por certo não são.
O trabalho é a chave para a vida
do homem.
Mas deve ser trabalho livre,
nunca só não por dinheiro, mas por prazer.
Por que devemos competir uns com
os outros?
De fato, quando o funileiro
parece tão feliz soldando
imediatamente fico com vontade de
fazer algo alegre também.
Uma atividade livre, alegre,
estimula outra.
Os homens não são realmente
mesquinhos.
Eles são amesquinhados pelo medo
e por um sistema de rapinagem.
Os jovens sabem dessas coisas
muito bem.
Por que eles não se preparam para
agir?
Então eles seriam felizes. Pois
todos somos muito melhores do que
o sistema nos
permite ser.
*
The combative spirit
As a matter
of fact, we are better than we know.
We trail
behind us an endless tradition, of combat, triumph, conquest,
and we feel
we've got to keep it up, keep on combating, triumphing, conquering.
When as a
matter of fact, the thought of this endless, imbecile struggle of combat
kills us,
we are sick of it, to die.
We are fed
up with combat,
we feel
that if the whole combative, competitive system doesn't soon go bust
we shall.
We want a
new world of wild peace, where living is free.
Not this
hyena tame peace where no man dare tell another he's a thief
and yet
every man is driven into robbing every other man;
this pretty
peace where every man has to fight, and fight foul,
to get a
living, in the dastardly mean combat
we call
free competition and individual enterprise and equal opportunity.
Why should
we have to fight for a living?
Living
should be as free to a man as to a bird,
Though most
birds have to pay, with their lives, where men are.
Why should
we brace ourselves up with mean emulation?
If we brace
ourselves up, it should be for something we want to do
and we feel
is worth doing.
The efforts
of men, like the efforts of birds in spring,
would be
lovely if they rose from the man himself, spontaneous
pure
impulse to make something, to put something forth.
Even if it
was only a tin pan.
I see the
tin-man, the tinker, sitting day after day on the beach
mending and
tinning the pans of all the village
and happy
as a wagtail by a pool,
the same
with the fishermen sitting darning their nets,
happy as
perhaps kings used to be, but certainly aren't.
Work is the
clue to a man's life.
But it must
be free work, not done just for money, but for fun.
Why should
we compete with one another?
As a matter
of fact, when the tinker looks so happy tinkering
I
immediately want to go and do something jolly too.
One free,
cheerful activity stimulates another.
Men are not
really mean.
Men are
made mean, by fear, and a system of grab.
The young
know these things quite well.
Why don't
they prepare to act on them?
Then they'd
be happy. For we are all so much better than the system allows us to be.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Um
homem
Tudo que dou importância num homem
é esta centelha não domada nele
em que ele é ele mesmo
corajosamente.
E tudo que quero ver é a centelha palpitar
viva e pura.
Mas nossa civilização, meu deus,
com luxúria esmaga a centelha
e deixa os homens barro vivo.
Pois quando a centelha é esmagada no homem
ele não pode deixar de ser um escravo, um escravo do
salário,
um escravo do dinheiro.
*
A man
All I care
about in a man
is that
unbroken spark in him
where he is
himself
undauntedly.
And all I want
is to see the spark flicker
vivid and
clean.
But our
civilisation, alas,
with lust
crushes out the spark
and leaves
men living clay.
Because
when the spark is crushed in a man
he can't
help being a slave, a wage-slave,
a
money-slave.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Estar
vivo
A única razão para viver é estar completamente vivo;
e você não pode estar completamente vivo se está esmagado
por um medo secreto
e oprimido pela ameaça: Ganhe dinheiro, ou coma merda! —
E forçado a fazer mil coisas sórdidas, piores do que sua
natureza,
e forçado a se agarrar às suas posses na esperança de que
elas o façam sentir-se seguro,
e forçado a observar cada pessoa que se aproxima temendo que
ela o derrube.
Sem um pouco de confiança uns nos outros, não conseguimos
viver.
No final, ficamos loucos.
É o castigo do medo e da mesquinhez, sermos piores do que
nossa natureza.
Para estar vivo, você deve sentir um fluxo generoso,
e sob um sistema competitivo isso é impossível, na verdade.
O mundo está aguardando novo e grande movimento de
generosidade,
ou por uma grande onda de morte.
Precisamos mudar o sistema, e fazer a vida livre para todos
os homens,
ou veremos os homens morrerem e então morrermos nós mesmos.
*
Being alive
The only
reason for living is being fully alive;
and you
can’t be fully alive if you are crushed by secret fear,
and bullied
with the threat: Get money, or eat dirt! —
and forced
to do a thousand mean things meaner than your nature,
and forced
to clutch on to possessions in the hope they’ll make you feel safe,
and forced
to watch everyone that comes near you, lest they’ve come to do you down.
Without a
bit of common trust in one another, we can’t live.
In the end,
we go insane.
It is the
penalty of fear and meanness, being meaner than our natures are.
To be
alive, you’ve got to feel a generous flow,
and under a
competitive system that is impossible, really.
The world
is waiting for a new great movement of generosity,
or for a
great wave of death.
We must
change the system, and make living free to all men,
or we must
see men die, and the die ourselves.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho].
Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Lagarto
Um lagarto saiu de uma rocha e olhou para cima, escutando
sem dúvida o som das esferas.
Que criatura elegante!
O correto jogar do queixo para você e o torcer da cauda!
Se homens fossem homens como os lagartos são lagartos,
valeria a pena olhar para eles.
*
Lizard
A lizard
ran out on a rock and looked up, listening
no doubt to
the sounding of the spheres.
And what a
dandy fellow!
The right
toss of a chin for you and a swirl of a tail!
If men were
as much men as lizards are lizards
they’d be
worth looking at.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho].
Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Aristocracia do sol
Para ser um aristocrata do sol
você não precisa de ninguém inferior para enaltecê-lo:
você recebe sua nobreza diretamente do sol
deixe outras pessoas serem o que elas podem.
Sou o que sou
a partir do sol
as pessoas não são minha medida.
Talvez, se começássemos corretamente, todas as crianças
cresceriam ensolaradas
e aristocratas do sol.
Não precisamos ter pessoas mortas, escravas do dinheiro e
vermes sociais.
*
Aristocracy of the sun
To be an
aristocrat of the sun
you don't
need one single social inferior to exalt you;
you draw
your nobility direct from the sun
let other
people be what they may.
I am that I
am
from the
sun,
and people
are my measure.
Perhaps, if
we started right, all the children could grow up sunny
and
sun-aristocrats.
We need
have no dead people, money-slaves and social worms.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Verdadeira
e falsa democracia
Se o homem olha para o homem, e ninguém vê além
então tudo está perdido, o robô intervém.
Os poucos devem olhar nos olhos dos deuses e obedecer a
expressão nos olhos
dos deuses:
e os muitos devem obedecer aos poucos que olham nos olhos
dos deuses;
e o fluxo é em direção aos deuses, não para trás, em direção
ao homem.
*
False democracy and
real
If man
looks to man, and no-one sees beyond
then all is
lost, the robot supervenes.
The few
must look into the eyes of the gods, and obey the look in the eyes of the gods:
and the
many must obey the few that look into the eyes of the gods;
and the
stream is towards the gods, not backwards, towards man.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A
velha velha história da liberdade
Os homens lutam pela liberdade e conseguem-na a duras penas.
Seus filhos, criados na moleza, deixam-na escapar de novo,
pobres idiotas.
E seus netos tornam-se mais uma vez escravos.
*
Liberty's old old story
Men fight
for liberty and win it with hard knocks.
Their
children, brought up easy, let it slip away again, poor fools.
And their
grandchildren are once more slaves.
- D. H.
Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William Blake, D. H.
Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo
Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A Classe média
A classe média
é sem sol.
Ela tem somente duas medidas:
o ser humano e o dinheiro,
ela não tem absolutamente nenhuma relação com o sol.
Assim que você deixa as pessoas serem sua medida
você é classe média e essencialmente não-existente.
Porque, se a classe média não tivesse gente mais pobre a
quem ser superior
ela própria desmoronaria imediatamente em direção à
realidade.
E se ela não tivesse a classe superior para se sentir
inferior,
não se tornaria subitamente aristocrática,
ela se transformaria em nada.
Pois sua mediania é somente uma irrealidade separando duas
realidades.
Sem sol, sem terra,
nada que transcenda a mediocridade burguesa,
a classe média é mais sem sentido
do que papel moeda quando o banco quebra.
*
The middle classes
The middle
classes
are
sunless.
They have
only two measures:
mankind and
money,
they have
utterly no reference to the sun.
As soon as
you let people be your measure
you are
middle-class and essentially non-existent.
Because, if
the middle classes had no poorer people to be superior to
they would
themselves at once collapse into nullitty.
And if they
had no upper classes either, to be inferior to,
they
wouldn`t suddenly become themselves aristocratic,
they'd
become nothing.
For their
middleness is only an unreality separating two realities.
No sun, no
earth,
nothing
that transcends the bourgeois middlingness,
the middle
classes are more meaningless
than paper
money when the bank is broke.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A batalha da vida
A vida é disputa, o longo combate?
Sim, é verdade. Luto o tempo todo.
Sou forçado a isso.
Mesmo assim, não estou interessado na luta, na disputa, no
combate,
estou apenas envolvido.
*
Battle of Life
Is life
strife, is it the long combat?
Yes, it is
true. I fight all the time.
I am forced
to.
Yet I am
not interested in fight, in strife, in combat,
I am only
involved.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Imoralidade
Imoral é somente
estar morto-vivo,
extinguir o sol dentro de si
e ficar ocupado em extingui-lo
nas outras pessoas.
*
Immorality
It is only
immoral
to be
dead-alive,
sun-extinct
and busy
putting out the sun
in other
people.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O coração do homem
Existe o outro universo, o
coração do homem,
do qual não sabemos nada e que
não ousamos explorar.
Uma estranha e cinzenta distância
separa
nossa pálida, silenciosa mente do
continente pulsante
do coração do homem.
Os antepassados mal aportaram na
praia
e nenhum homem sabe, nenhuma
mulher sabe
o mistério do interior
quando mais escuro ainda que o
Congo ou o Amazonas
fluem do coração os rios da
completude, do desejo e da aflição.
*
The heart of man
There is
the other universe, of the heart of man
that we
know nothing of, that we dare not explore.
A strange
grey distance separates
our pale
mind still from the puking continent
of the
heart of man.
Fore-runners have barely landed on the shore
and no man knows, no woman knows
the mystery of the interior
when darker still than Congo or Amazon
flow the heart's rivers of fullness, desire and
distress.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Hoje
Hoje, a vida é uma escolha de insanidades.
Sucesso, fracasso, amor, castidade, devassidão, dinheiro ou
sovietes
Tudo é uma sequência de insanidades.
Todos dementes.
Por que não ficar de fora e aprender a se conter?
*
Today
Today, life
is a choice of insanities.
Success,
failure, love, chastity, debauchery, money or soviets
It is a
sting of insanities.
All insane.
Why not
stay out, and learn to contain oneself?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Covardes
Em toda a criação, só o homem se encolhe e tem medo da vida.
Só o homem fica aterrorizado com seu próprio possível
esplendor e delicia.
Só o homem fica agoniado com a necessidade de ser melhor do
que é,
pobre verme mental.
Talvez os dentes e presas do mamute tenham ficado muito
grandes,
assim como os cornos do extinto alce gigante,
devido ao medo do inimigo desconhecido;
talvez eles tenham se extinguido devido ao medo,
como deverá acontecer ao homem.
*
Cowards
In all
creation, only man cowers and is afraid of life.
Only man is
terrified of his own possible splendour and delight.
Only is man
agonised in front of the necessity to be something better than he is,
poor mental
worm.
Though
maybe the mammoth got too big in tusk and teeth,
and the
extinct giant elk too big in anders,
out of fear
of the unknown enemy;
so perhaps
they too died out from fear,
as man is
likely to do.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Pessoas
Gosto muito das pessoas
a uma certa distância.
Gosto de vê-las passando, passando
e seguindo seu próprio caminho,
especialmente se vejo a solidão estampada nelas.
Ainda assim, não desejo que elas se aproximem.
Se elas me deixarem em paz
posso ainda ter a ilusão de que existe espaço suficiente no
mundo.
*
People
I like
people quite well
at a little
distance.
I like to
see them passing and passing
and going
their own way,
especially
if I see their aloneness alive in them.
Yet I don't
want them to come near.
If they
will only leave me alone
I can still
have the illusion that there is room enough in the world.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Espiões
da polícia
Comece um sistema oficial de espionagem
e você terá introduzido a anarquia em seu país.
*
Police spies
Start a
system of official spying
and you've
introduced anarchy into your country.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Desejo
Ah, no passado, em relação a raros indivíduos
senti a força do desejo:
Oh venha, venha mais perto, me toque!
Fique fisicamente mais próximo, seja carne para a minha
carne –
Mas fale pouco, oh, fale pouco,
e depois, deixe-me em paz.
Fique com sua solidão, deixe-me minha solidão.
Eu dizia isso no passado – agora não mais.
Foi sempre um fracasso.
Eles sempre insistiram no amor
e em falar sobre ele
e sobre o eu-e-você, e o que significamos um para o outro.
Agora não tenho mais nenhum desejo
Exceto o de ser deixado, em última instância, sozinho, bem
sozinho.
*
Desire
Ah, in the
past, towards rare individuals
I have felt
the pull of desire:
Oh come,
come nearer, come into touch!
Come
physically nearer, be flesh to my flesh –
But say
little, oh say little,
and
afterwards, leave me alone.
Keep your
aloneness, leave me my aloneness.
I used to
say this, in the past – but now no more.
It has
always been a failure.
They have
always insisted on love
and on
talking about it
and on the
me-and-thee and what we meant to each other.
So now I
have no desire any more
Except to
be left, in the last resort, alone, quite alone.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Veneno
O que matou o gênero humano — pois a maior parte da
humanidade
está morta – foram as mentiras:
a pretensão mentirosa e torpe de fingir sentir o que não
sentimos.
*
Poison
What has
killed mankind — for the bulk of mankind is dead — is lies:
the nasty
lying pretence of seeming to feel what we don't feel.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Novas
vassouras
Novas vassouras limpam
mas muitas vezes levantam tanta poeira na varredura
que sufocam o varredor.
*
New Brooms
New brooms
sweep clean
but they
often raise such a dust in the sweeping
that they
choke the sweeper.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Quimera
A maioria das pessoas, hoje, são
quimera
quiméricos:
somente fantasias da
auto-importância
sua própria auto-importância
e esfinges de autoconsciência.
*
Chimaera
Most people, today, are chimaera
chimerical:
just fantasies of self-importance
their own self-importance
and sphinxes of self-consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Os
egoístas
A única questão a ser perguntada, hoje, sobre homem ou
mulher
é: Quebrou ela a casca do seu próprio ego?
Quebrou ele a casca do seu próprio ego?
São todos ovos perambulantes
assim: “Grite! Grite! Sou todas as coisas em mim mesmo,
todavia não posso ficar sozinho, quero alguém para me
aquecer.”
*
The Egoists
The only
question to ask today, about man or woman,
is: Has she
chipped the shell of her own ego?
Has he
chipped the shell of his own ego?
They are
all perambulating eggs
going: “Squeak!
Squeak! I am all things unto myself,
yet I can't
be alone, I want somebody to keep me warm.”
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O
amigo emocional
Ele me disse: Você não confia em mim!
Eu disse: É claro que sim!
Sei que você não roubará do meu bolso,
Sei que você será muito gentil comigo.
Mas isso não foi suficiente, ele olhou para mim quase com
ódio.
Não consegui absolutamente descobrir o que pretendia –
Pois não havia circunstância nenhuma pedindo confiança entre
nós.
*
The Emotional Friend
He said to
me: You don't trust me!
I said: Oh
yes 1 do!
I know you
won't pick my pocket,
I know you'll
be very kind to me.
But it was
not enough, he looked at me almost with hate.
And I
failed entirely to see what he meant –
Since there
was no circumstance requiring trust between us.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A
um certo amigo
Você está tão interessado em si mesmo
que você me cansa
na verdade, sou incapaz de sentir qualquer interesse pelo
seu ser tão interessante.
*
To a certain friend
You are so
interested in yourself
that you
bore me
thoroughly,
I am unable to feel any interest in your interesting self.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Íntimos
Você não se interessa pelo meu amor? ela disse amargamente.
Dei o espelho para ela e disse:
Por favor, faça essas perguntas à pessoa certa!
Por favor, faça todos os pedidos ao quartel-general!
Em todos os assuntos de importância emocional
por favor, aproxime-se diretamente da autoridade suprema!
Então entreguei a ela o espelho.
Ela o teria quebrado na minha cabeça,
mas percebeu seu próprio reflexo
e isso deixou-a fascinada por dois segundos
enquanto fugi.
*
Intimates
Don't you
care for my love? she said bitterly.
I handed
her the mirror, and said:
Please
address these questions to the proper person!
Please make
all requests to head-quarters!
In all
matters of emotional importance
please
approach the supreme authority direct!
So I handed
her the mirror.
And she
would have broken it over my head,
but she
caught sight of her own reflection
and that
held her spellbound for two seconds
while I
fled.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Amizade
recusada
Ele me disse: Sua vida ficará muito mais pobre
já que você recusou minha amizade.
Mas eu honestamente não sei o que ele quer dizer.
Não acho que estou recusando nada.
Gosto dele. O que mais há?
*
Refused friendship
He said to
me: Your life will be so much the poorer
since you
refuse my friendship.
But I,
honestly, don't know what he means.
I can't see
that I refuse anything.
I like him.
What else is there?
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Realidade
suprema
Um jovem disse para mim:
Estou interessado no problema da realidade.
Eu disse: Realmente!
Então vi o jovem voltar-se para olhar de novo, num gesto
furtivo,
no grande espelho, a sua própria e fascinante sombra.
*
Ultimate reality
A young man
said to me:
I am
interested in the problem of reality.
I said:
Really!
Then I saw
him turn to glance again, surreptitiously,
in the big
mirror, at his own fascinating shadow.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Amor
verdadeiro finalmente
O jovem belo e absorto em si mesmo
viu a jovem linda e absorta em si mesma
e emocionou-se.
A jovem linda e absorta em si mesma
olhou de volta o jovem belo e absorto em si mesmo
e emocionou-se.
E nessa emoção ele sentiu:
Sua absorção em si mesma é tão forte quanto a minha.
Preciso ver se posso quebrá-la
E torná-la interessada em mim.
E nessa emoção ela sentiu:
Sua absorção em si mesmo é ainda mais forte que a minha!
Que engraçado, mais forte que a minha!
Preciso ver se consigo absorver este Sansão da auto-absorção.
Então eles simplesmente adoraram um ao outro
e no final
eram ambos ruínas nervosas, porque
Na absorção e no interesse em si mesmos, eles se igualavam.
*
True love at last
The
handsome and self-absorbed young man
looked at
the lovely and self-absorbed girl
and
thrilled.
The lovely
and self-absorbed girl
looked back
the handsome and self-absorbed young man
and
thrilled.
And in that
thrill he felt:
Her
self-absorption is even as strong as mine.
I must see
if I can't break through it
And make
her interested in me.
And in that
thrill she felt:
His
self-absorption is even stronger than mine!
What fun,
stronger than mine!
I must see
if I can't absorb this Samson of self-absorption.
So they
simply adored one another
and in the
end
they were
both nervous wrecks, because
in
self-absorption and self-interest they were equally matched.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Solidão
Nunca sei o que as pessoas querem dizer quando se queixam da
solidão.
Estar sozinho é um dos grandes prazeres da vida, pensando
nossos
próprios pensamentos,
realizando nossas pequenas tarefas, vendo o mundo além
e sentindo-se ininterrompido na conexão enraizada
com o centro de todas as coisas.
*
Loneliness
I never
know what people mean when they complain of loneliness.
To be alone
is one of life’s greatest delights, thinking one’s own thoughts,
doing one’s
own little jobs, seeing the world beyond
and feeling
oneself uninterrupted in the rooted connection
with the
centre of all things.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Salvação
A única salvação é compreender que não sabemos nada sobre
ela
e que não existe nada a ser salvo
e nada a fazer
e que o esforço é a ruína de todas as coisas.
Então, se compreendêssemos que nunca nos perdemos,
compreenderíamos que nunca
poderíamos ser salvos.
Pois você não pode salvar o que nunca foi perdido,
no pior dos casos, você pode somente poupar
e uma vez que você compreenda que nunca esteve perdido
compreende a estupidez de economizar contra uma possível
perda.
A coisa mais fácil de perder são economias.
*
Salvation
The only
salvation is to realise that we know nothing about it
and there
is nothing to save
and nothing
to do
and effort
is the ruin of all things.
Then, if we
realise that we never were lost, we realise we couldn't be saved.
For you
can't save that which was never lost,
at the
worst, you can only save it up
and once
you realise that you never were lost
you realise
the fatuity of saving up against possible loss.
The one
thing easiest to lose is savings.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Religião
futura
O futuro da religião está no mistério do toque.
A mente não tem tato, nem a vontade, nem o espírito.
Primeiro vem a morte, então a solidão pura, permanente
depois a ressurreição pelo toque.
*
Future Religion
The future
of religion lies in the mystery of touch.
The mind is
touchless, so is the will, so is the spirit.
First comes
the death, then the pure aloneness, which is permanent
then the
resurrection into touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Fatalidade
Ninguém, nem mesmo Deus, pode pôr de volta uma folha na
árvore
uma vez que ela tenha caído.
E ninguém, nem Deus nem Cristo nem qualquer outro
pode recolocar uma vida humana em conexão com o cosmos vivo
uma vez que a conexão tenha sido rompida
e a pessoa tenha-se tornado finalmente auto-centrada.
Somente a morte, através do longo processo de desintegração,
pode tornar a fundir a vida separada
ao longo do Hades escuro, na raíz da árvore
em direção à seiva circulante, uma vez mais, da árvore da
vida.
*
Fatality
No one, not
even God, can put back a leaf on to a tree
once it has
fallen off.
And no one,
not God nor Christ nor any other
can put
back a human life into connection with the living cosmos
once the
connection has been broken
and the
person has become finally self-centred.
Death
alone, through the long processes of disintegration
can melt
the detached life back
through the
dark Hades at the roots of the tree
into the
circulating sap, once more, of the tree of life.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Graus de iniciação
Homem algum, a não ser que tenha morrido e aprendido a ficar
só,
jamais entrará em contato físico.
*
Initiation degrees
No man,
unless he has died, and learned to be alone
will ever
come into touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Almas infelizes
Almas infelizes são aquelas que não podem morrer e ficar
silenciosas
e precisam lutar eternamente para afirmar-se.
*
Unhappy Souls
The unhappy
souls are those that can’t die and become silent
but must
ever struggle on to assert themselves.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Vida
completa
Um homem não pode viver
completamente a não ser que morra e pare de se preocupar,
pare de se preocupar.
*
Full Life
A man can’t fully live unless he dies and ceases to care, ceases to
care.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Orgulho
próprio
Tudo que vive tem seu peculiar orgulho próprio
como uma flor de aquilégia, ou mesmo um estorninho andando e
olhando em volta.
E coisas ignóbeis como hienas ou percevejos têm o menor
orgulho de ser,
elas são humildes, com uma humildade rastejante, por serem
parasitas
ou criaturas corruptas.
*
Proper Pride
Everything
that lives has its own proper pride
as a
columbine flower has, or even a starling walking and looking around.
And the
base things like hyenas or bed-bugs have least pride of being,
they are
humble, with a creeping humility, being parasites or carrion creatures.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
EnMasse
Hoje, a sociedade
santificou
o pecado contra o
Espírito Santo
e todos são
encorajados ao pecado
de maneira que todos
possam perder-se juntos, enmasse, a
grande palavra da nossa civilização.
*
En Masse
Today,
society has sanctified
the sin
against the Holy Ghost,
and all are
encouraged into the sin
so that all
may be lost together, en masse, the
great word of our civilisation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Deus
e o Espírito Santo
Não existe pecado contra Deus, e Deus lá se importa com o pecado!
Mas existe pecado contra o Espírito Santo, pois o Espírito
Santo está conosco
na carne, é parte de nossa consciência.
O Espírito Santo é a parte mais profunda de nossa própria
consciência
em que nos conhecemos pelo que somos
e conhecemos nossa dependência da transcendência criativa.
Então, se vamos contra nossa consciência mais profunda
naturalmente destruímos o eu mais essencial em nós
e, uma vez feito, não há remédio, nenhuma salvação para
isso,
não-existência é a nossa porção.
*
God and the Holy Ghost
There is no sinning against God, what does God care
about sin!
But there is sinning against the Holy Ghost, since the
Holy Ghost is with us
in the flesh, is part of our consciousness.
The Holy Ghost is the deepest part of our own
consciousness
wherein we know ourselves for what we are
and know our dependence on the creative beyond.
So if we go counter to our own deepest consciousness
naturally we destroy the most essential self in us,
and once done, there is no remedy, no salvation for
this,
nonentity is our portion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Não-existência
Não existimos, a menos que estejamos profunda e sensualmente
em contato
com o que pode ser tocado mas não conhecido.
*
Non-existence
We don’t
exist unless we are deeply and sensually in touch
with that
which can be touched but not known.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sabe-tudo
Tudo que sabemos é nada, somos meros cestos cheios de papel
usado
a não ser que estejamos em contato com aquilo que ri de todo
nosso conhecimento.
*
All-knowing
All that we
know is nothing, we are merely crammed waste-paper baskets
unless we
are in touch with that which laughs at all our knowing.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Pessoas
que se preocupam
Pessoas que se preocupam, se preocupam, se preocupam,
e que não ousam morrer com medo de não serem nada
provavelmente não são nada.
*
People who care
People who
care, who care, who care,
and who
dare not die for fear they should be nothing at all
probably
are nothing at all.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Humildade
Atualmente, falar de humildade é um pecado contra o Espírito
Santo.
É uma fuga furtiva da responsabilidade
da nossa própria consciência.
*
Humility
Nowadays,
to talk of humility is a sin against the Holy Ghost.
It is a
sneaking evasion of the responsibility
of our own
consciousness.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Mercadores da humildade
Quando ouço um homem declamar sobre a humildade, hoje
sei que é ou um percevejo, devorando avidamente pessoas
dormindo
ou uma hiena, comendo cadáveres.
*
Humility mongers
When I hear
a man spouting about humility today
I know he
is either a bed-bug, battening on sleeping people
or a
Hyaena, eating corpses.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Terna
reverência
Ser humilde diante de outros homens é degradante, não sou
humilde
diante de homem nenhum
e não quero que homem algum seja humilde diante de mim.
Mas quando vejo o espírito da vida tremulando e lutando num
homem
Quero sempre mostrar terna reverência humana.
*
Tender reverence
To be
humble before other men is degrading, I am humble before no man
and I want
no man to be humble before me.
But when I
see the life-spirit fluttering and struggling in a man
I want to
show always the human tender reverence.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Reverência
absoluta
Não sinto reverência absoluta por ninguém e por nada humano
nem por pessoas nem coisas nem idéias, ideais nem religiões
nem instituições,
em relação a essas coisas sinto somente respeito, e um matiz de reverência
quando vejo nelas a vibração da pura vida.
Mas em relação a algo invisível, não conhecido, criativo
do qual sinto que sou originário
sinto absoluta reverência. Não diga mais nada!
*
Absolute reverence
I feel
absolute reverence to nobody and nothing human
neither to
persons nor things nor ideas, ideals nor religions nor institutions,
to these
things I feel only respect, and a tinge of reverence
when I see
the fluttering of pure life in them.
But to
something, unseen, unknown, creative
from which
I feel I am a derivative
I feel
absolute reverence. Say no more!
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Falar sobre lealdade
Percebi que pessoas que falam muito sobre lealdade
são sempre desleais por natureza
e temem a reação.
*
Talk of loyalty
I have
noticed that people who talk a lot about loyalty
are always
themselves by nature disloyal
and they
fear the come-back.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Falar
sobre fé
E pessoas que falam sobre fé
usualmente querem forçar alguém a concordar com elas,
como se houvesse segurança nos números, mesmo na fé.
*
Talk about faith
And people who talk about faith
usually want to force somebody to agree with them,
as if there was safety in numbers, even for faith.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Crença
Eternamente sem nome
Eternamente desconhecida
Eternamente inconcebida
Eternamente irrepresentada
Mesmo assim eternamente sentida na alma.
*
Belief
Forever
nameless
Forever
unknown
Forever
unconceived
Forever
unrepresented
Yet forever
felt in the soul.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Serviço
Ah, sim, o homem precisa aprender
a servir
não pelo dinheiro, mas pela vida.
Ah, sim, o homem precisa aprender
a obedecer
Não a um patrão, mas ao vislumbre
da vida na face de um homem
que olhou nos olhos dos deuses.
O homem só é inteiramente humano
quando transcende a humanidade.
*
Service
Ah yes, men
must learn to serve
not for
money, but for life.
Ah yes, men
must learn to obey
not a boss, but the gleam of life on the face
of a man
who has looked into the eyes of the gods.
Man is only perfectly human
when he looks beyond humanity.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O
que são os deuses?
O que são os deuses,
então, o que são os deuses?
Os deuses não têm
nome nem imagem
mas olhando para uma
grande e plena limeira no verão
Subitamente olhei no
fundo dos olhos de deus:
é o bastante.
*
What are the gods?
What are
the gods, then, what are the gods?
The gods
are nameless and imageless
yet looking
in a great full lime-tree of summer
I suddenly
saw deep into the eyes of god:
it is
enough.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Homens
como deuses
Os homens queriam ser como deuses
então eles se transformaram em máquinas
e agora nem eles estão satisfeitos.
*
Men like Gods
Men wanted
to be like gods
so they
became like machines
and now
even they're not satisfied.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Homem
e máquina
O homem inventou a máquina
e agora a máquina
inventou o homem.
Deus o Pai é um
dínamo
e Deus o Filho um
rádio-falante
e Deus o Espírito
Santo é o gás que mantém tudo funcionando.
E os homens têm
forçosamente de serem pequenos dínamos
e pequenos
rádios-falantes
e o espírito humano
é basicamente gás, para manter tudo funcionando.
O homem inventou a
máquina
por isso agora a
máquina inventou o homem.
*
Man and Machine
Man
invented the machine
and now the
machine has invented man.
God the
Father is a dynamo
and God the
Son a talking radio
and God the
Holy Ghost is gas that keeps it all going.
And men
have perforce to be little dynamos
and little
talking radios
and the
human spirit is so much gas, to keep it all going.
Man
invented the machine
so now the
machine has invented man.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Quando
a maioria dos homens morrem
Quando a maioria dos homens morrem, hoje,
quando a maioria das mulheres morrem
são somente máquinas que quebram
e não podem ser consertadas.
*
When most men die
When most
men die, today,
when most
women die
it is
merely a machine breaks down
and can’t
be mended.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Resposta a Whitman
E aquele que caminha uma milha cheio de falsa simpatia
caminha para o funeral de toda a raça humana.
*
Retort to Whitman
And whoever
walks a mile full of false sympathy
walks to
the funeral of the whole human race.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sozinho, solitário, só!
Quando vejo alguém reclamar de estar sozinho
ou, como dizem os americanos, de ser solitário,
eu me pergunto o que eles querem dizer.
Querem eles dizer que estão muito sozinhos?
Mas o que é melhor do que estar sozinho?
escapar dos vapores de gasolina da conversação humana
e do cheiro de descarga das pessoas
e estar sozinho!
Estar sozinho, e sentir as árvores crescendo
silenciosamente.
Estar sozinho, e ver a luz da lua lá fora, branca e
diligente e silenciosa.
Estar bem sozinho, e sentir o cosmos vivo suavemente
embalando
aliviando e restaurando e curando.
Aliviado, restaurando e curando
quando estou sozinho com o grande e silencioso cosmos
e sem a irritação das pessoas corroendo com sua presença
a tranqüilidade do ar.
*
Lonely, lonesome, loney – o!
When I hear
somebody complain of being lonely
or, in
American, lonesome
I really
wonder and wonder what they mean.
Do they
mean they are a great deal alone?
But what is
lovelier than to be alone?
escaping
the petrol fumes of human conversation
and the
exhaust-smell of people
and be
alone!
Be alone,
and feel the trees silently growing.
Be alone,
and see the moonlight outside, white and busy and silent.
Be quite
alone, and feel the living cosmos softly rocking
soothing
and restoring and healing.
Soothed,
restored and healed
when I am
alone with the silent great cosmos
and there
is no grating of people with their presences gnawing
at the
stillness of the air.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Mudança
Você pensa que é fácil mudar?
Ah, é muito difícil mudar e ser diferente.
Significa passar pelas águas do esquecimento.
*
Change
Do you
think it is easy to change?
Ah, it is
very hard to change and be different.
It means
passing through the waters of oblivion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Enfado,
tédio, depressão
E enfado, tédio,
depressão
são longas e lentas
vibrações de dor
que possuem o corpo
todo
e não podem ser
localizadas.
*
Boredom, ennui, depression
And
boredom, ennui, depression
are long
slow vibrations of pain
that
possess the whole body
and cannot
be localised.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Turistas
Não existe nada mais para ser contemplado,
Tudo já foi visto até à morte.
*
Tourists
There is
nothing to look at any more,
Everything
has been seen to death.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Resposta
a Jesus
E aquele que força a si mesmo a amar qualquer pessoa
Gera um assassino dentro de si.
*
Retort to Jesus
And whoever
forces himself to love anybody
Begets a
murderer in his own body.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A
sensualidade mais profunda
A mais profunda de todas as nossas volúpias
é o sentido da verdade
e a próxima experiência sensual mais profunda
é o senso da justiça.
*
The deepest sensuality
The
profoundest of all sensualities
is the
sense of truth
and the
next deepest sensual experience
is the
sense of justice.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sentido
da verdade
Você deve fundir
mente e imaginação com todos os sentidos
antes de poder sentir
a verdade.
E se você não pode
sentir a verdade você não pode ter qualquer
experiência sensual
satisfatória.
*
Sense of truth
You must
fuse mind and wit with all the senses
before you
can feel truth.
And if you
can't feel truth you can't have any other
satisfactory
sensual experience.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Satisfação
A profunda, sensual
experiência da verdade: Sim,
somente isso
nos satisfaz, no
final!
*
Satisfaction
The
profound sensual experience of truth: Yea, this is!
alone
satisfies us, in the end.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Por
tudo isso
Por tudo isso, a
vida só será boa de novo quando houver
esforço generoso e
determinado entre os homens
Para alterar a
presente estrutura da civilização
Para abolir a
tirania do dinheiro.
*
For all that
For all
that, life will only be good again when there is a generous,
determined effort among mem
To alter
the present frame of civilisation
To abolish
the tyranny of money.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Espetáculos
Hoje, se um homem faz algo
pretensioso e deliberado
deixe-o mostrá-lo à multidão,
provavelmente ela aplaudirá
e de qualquer maneira não lhe
pode fazer mal.
Mas se ele produz algo belo, com
a frágil beleza da vida
deixe-o escondê-lo, para que
continue florescendo.
Se ele mostra-lo, os olhos e o
hálito da multidão
irão pervertê-lo, e estragarão
sua beleza.
Mesmo as flores, nas lojas ou
parques
São defloradas quando olhadas por
tantos olhos sujos.
*
Shows
Today, if a
man does something pretentious and deliberate
let him
show it to the crowd, probably they will applaud
and anyhow
they can't do any hurt.
But if he
produces something beautiful, with the frail beauty of life
let him
hide it away, so it can go on blossoming.
If he show
it, the eyes and the breath of the crowd
will defile
it, and spoil its beauty.
Even the very flowers, in the shops or parks
are deflowered by being looked at by so many
unclean eyes.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
As
colinas
Levanto meus olhos para as colinas
e lá estão elas, mas nenhuma força vem delas para mim.
Somente das trevas
e deixando de ver
a força vem.
*
The hills
I lift up mine eyes unto the hills
and there they are, but no strength comes from them to
me.
Only from darkness
and ceasing to see
strength comes.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O sopro da vida
O sopro da vida e os cortantes
ventos da mudança são a mesma coisa.
Mas as pessoas que perderam a
conexão orgânica com o cosmos
sentem os ventos da mudança
triturando-as
e o sopro da vida nunca vem para
alimentá-las.
*
The breath of life
The breath
of life and the sharp winds of change are the same thing.
But people
who are fallen from the organic connection with the cosmos
feel the winds of change grind them down
and the breath of life never comes to nourish
them.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A procura do amor
Aqueles que saem à procura do amor
somente mostram seu próprio desamor,
os sem amor nunca encontram o amor,
somente os amorosos encontram o amor,
e eles nunca têm de procurá-lo.
*
Search for Love
Those that
go searching for love
only make
manifest their own lovelessness,
and the
loveless never find love,
only the
loving find love,
and they
never have to seek for it.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A
procura da verdade
Não procure mais nada, nada
exceto a verdade.
Fique quieto, e tente chegar à verdade.
E a primeira pergunta para si mesmo é:
Quão grande mentiroso eu sou?
*
Search for truth
Search for
nothing any more, nothing
except
truth.
Be very
still, and try and get at the truth.
And the
first question to ask yourself is:
How great a
liar am I?
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Somente
o melhor interessa
Somente o melhor
interessa, no homem especialmente.
Sim, você não pode
produzir o melhor sem pensar no todo
mas o que é
secundário só é importante
na medida em que
gera o melhor.
*
Only the best matters
Only the best matters, in man especially.
True, you can't produce the best without attending to
the whole
but that which is secondary is only important
in so far as it goes to the bringing forth of the
best.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Homens
como deuses
Quando os homens pensam que são como deuses
são geralmente muito menos do que homens
vindo a ser idiotas presunçosos.
*
Men like Gods
When men
think they are like gods
they are
usually much less than men
being
conceited fools.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Vislumbres
O que há de bom em
um homem
a não ser que exista
nele o vislumbre de um deus?
E o que há de bom em
uma mulher
a não ser que ela
seja o vislumbre de algum tipo de deusa?
*
Glimpses
What's the good of a man
unless there's the glimpse of a god in him?
And what's the good of a woman
unless she’s a glimpse of a goddess of some sort?
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Todos os tipos de deuses
Existem todos os tipos de deuses,
todos os tipos e cada tipo,
e cada deus que a humanidade
conheceu é ainda hoje um deus
os estranhos africanos e os
estranhos escandinavos
os belíssimos gregos, os
repelentes fenícios, os horrendos astecas,
deusas do amor, deusas da
obscenidade, comedoras de excremento
ou virginais
como lírios,
Jesus, Buda, Jeová e Rá, Egito e
Babilônia,
todos os deuses, e você vê a
todos, vivos e movendo-se hoje, se você olha,
e vivos e movendo-se amanhã,
muitos amanhãs, assim como ontens.
Onde você os vê, você pergunta?
Você os vê em vislumbres, nas
faces e formas das pessoas, em vislumbres.
Quando homens e mulheres, quando
garotos e garotas não estão pensando,
quando são puros, o que significa
quando estão livres da auto-consciência
quer com raiva ou ternura, ou
desejo ou tristeza ou deslumbramento ou somente quietude
você pode ver vislumbres dos
deuses neles.
*
All
sorts of gods
There’s all sorts of gods, all sorts and every
sort,
and every god that humanity has ever known is
still a god today
the African queer ones and Scandinavian queer
ones,
the Greek beautiful ones, the Phoenician ugly
ones, the Aztec hideous ones,
goddesses of love, goddesses of dirt,
excrement-eaters or lily virgins,
Jesus, Buddha, Jehovah and Ra, Egypt and
Babylon,
all the gods, and you see them all if you look,
alive and moving today,
and alive and moving tomorrow, many tomorrows,
as yesterdays.
Where do you see them, you say?
You see them in glimpses, in the faces and
forms of people, in glimpses.
When men and women, when lads and girls are not
thinking,
when they are pure, which means when they are
quite clean from self-consciousness
either in anger or tenderness, or desire or
sadness or wonder or mere stillness
you may see glimpses of the gods in them.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
[Os deuses]
Os deuses são todas as coisas, e nós também.
Os deuses são apenas nós mesmos, como somos em nossos
momentos de pura manifestação.
*
[The Gods]
The gods
are all things, and so are we.
The gods
are only ourselves, as we are in our moments of pure manifestation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Pensamento
Pensamento, amo o pensamento.
Mas não o sacolejo e a torção das idéias já existentes
Desprezo esse jogo presunçoso.
O pensamento é o nascer da vida desconhecida na consciência,
O pensamento é testar afirmações no critério da consciência,
Pensamento é fitar a face da vida e ler o que pode ser lido,
Pensamento é meditar sobre a experiência e chegar a uma
conclusão.
Pensamento não é um truque, ou exercício, ou uma coleção de
evasivas,
O pensamento é um homem na sua inteireza inteiramente
presente.
*
Thought
Thought, I
love thought.
But not the
juggling and twisting of already existent ideas
I despise
that self-important game.
Thought is
the welling up of unknown life into consciousness,
Thought is
the testing of statements on the touchstone of the conscience,
Thought is
gazing on to the face of life, and reading what can be read,
Thought is pondering
over experience, and coming to a conclusion.
Thought is
not a trick, or an exercise, or a set of dodges,
Thought is
a man in his wholeness wholly attending.
- D. H. Lawrence, em "Tudo que vive é sagrado – William
Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e ensaios de Mário Alves
Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O homem é mais que Homo Sapiens
O homem não é precisamente um
homem
a não ser que tenha seus puros
momentos, quando está superando.
Vi um enraivecido italiano
agarrar um pequeno e irritante funcionário pela garganta
e quase tirar a vida dele:
nem mesmo Jesus poderia negar que
naquele momento o homem enraivecido
era um deus, na sua divindade,
puro como um Cristo, formoso
mas talvez Ashtaroth, talvez Shiva,
talvez Huitzilopochtli
com a escura e cintilante beleza
dos deuses sem mensagem.
*
Man
is more than Homo Sapiens
Man is not quite a man
unless he has his pure moments, when he is
surpassing.
I saw an angry Italian seize an irritating
little official by the throat
and all but squeeze the life out of him:
and Jesus himself could not have denied that at
that moment the angry man
was a god, in godliness pure as Christ,
beautiful
but perhaps Ashtaroth, perhaps Siva, perhaps
Huitzilopochtli
with the dark and gleaming beauty of the
messageless gods.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Humanidade precisa de poda
A humanidade precisa de poda
Ela é como uma vasta e grande
árvore com uma vasta e grande
porção de
madeira estéril, morta, podre.
e uma quantidade de fungos e
crescimento parasitário.
A árvore da humanidade urgentemente
de poda,
precisa de uma poda completa, não
como na última guerra, explodindo
numa destruição perversa e idiota
mas uma poda, severa, inteligente
e implacável poda.
A árvore da existência humana
precisa urgentemente de uma poda
ou toda a árvore poderá cair de
podre.
*
Humanity Needs Pruning
Humanity
needs pruning
It is like
a vast great tree with a vast great lot of sterile, dead, rotting wood
and an
amount of fungoid and parasitic growth.
The tree of
humanity needs pruning, badly,
it needs
thoroughly pruning, not as in the late war, blasting
with
unintelligent and evil destruction
but
pruning, severely, intelligently and ruthlessly pruning.
The tree of
human existence needs badly pruning
or the
whole tree may fall rotten.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Presunção
É a presunção que nos mata
e nos torna covardes em vez de deuses.
Sob a grande Ordem: Conhece-te a ti mesmo, e que és mortal!
Ficamos fatalmente autoconscientes, fatalmente pretenciosos,
fatalmente enredados na espiral de
Laocoonte da nossa própria presunção.
Agora temos de admitir que não podemos conhecer a nos
mesmos,
podemos somente saber sobre nós.
E não estou mais interessado em saber sobre mim,
Somente embaraço a mim mesmo no conhecimento.
Agora deixe-me ser eu mesmo,
agora deixe-me ser eu mesmo e flutuar,
agora deixe-me ser eu mesmo, no ser, um dos deuses.
*
Conceit
It is
conceit that kills us
and makes
us cowards instead of gods.
Under the
great Command: Know thyself, and that thou art mortal!
We have
become fatally self-conscious, fatally self-important,
fatally entangled in the Laocoön coils of our conceit.
Now we have
to admit we can't know ourselves, we can only know about ourselves.
And I am
not interested to know about myself any more,
I only
entangle myself in the knowing.
Now let me
be myself,
now let me
be myself, and flicker forth,
now let me
be myself, in the being, one of the gods.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Alegria da morte
Oh morte
sobre você eu nada sei, nada —
sobre o depois
na verdade, não sabemos nada.
Mesmo assim, oh morte, oh morte
também sei muito sobre você
o conhecimento está dentro de mim, sem ser óbvio.
E então sei
depois da dolorosa, dolorosa experiência de morrer
vem uma alegria subseqüente, estranho prazer
numa grande aventura
oh, a grande aventura da morte, em que Thomas Cook não nos
pode guiar.
Sempre quis ser como as flores são
tão desembaraçadas na sua vida e na morte,
e na morte acredito que serei como as flores são.
Florescerei como um negro amor-perfeito, encantado
lá entre os negros raios solares da morte.
Posso sentir-me desabrochando na negra claridade da morte
em direção a algo florido e realizado, e com um estranho,
doce perfume.
Os homens impedem uns aos outros de serem homens
mas nos grandes espaços da morte
os ventos do depois nos beijam ao florescer da humanidade.
*
Gladness of death
Oh death
about you I
know nothing, nothing —
about the
afterwards
as a matter
of fact, we know nothing.
Yet oh
death, oh death
also I know
so much about you
the
knowledge is within me, without being a matter of fact.
And so I
know
after the
painful, painful experience of dying
there comes
an after-gladness, a strange joy
in a great
adventure
oh the
great adventure of death, where Thomas Cook cannot guide us.
I have
always wanted to be as the flowers are
so
unhampered in their living and dying,
and in
death I believe I shall be as the flowers are.
I shall
blossom like a dark pansy, and be delighted
there among
the dark sun-rays of death.
I can feel
myself unfolding in the dark sunshine of death
to
something flowery and fulfilled, and with a strange sweet perfume.
Men prevent
one another from being men
but in the
great spaces of death
the winds
of the afterwards kiss us into blossom of manhood.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Mentiras
Mentiras não é uma questão de falsos fatos
mas de falsos sentimentos e justiça pervertida.
*
Lies
Lies are
not a question of false fact
but of
false feeling and perverted justice.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Então deixe-me viver
Então deixe-me viver para que eu possa morrer
ansiosamente deslizando da confusão da vida
para a aventura da morte, com ansiedade
voltando-me para a morte como me volto para a beleza
para o sopro, isto é, da nova beleza desabrochando na morte.
*
So let me live
So let me
live that I may die
eagerly
passing over from the entanglement of life
to the
adventure of death, in eagerness
turning to
death as I turn to beauty
to the
breath, that is, of new beauty unfolding in death.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Auto-sacrifício
Auto-sacrifício, afinal, é uma
ideia errada e equivocada.
Não pode ser outra coisa senão
errado sacrificar
sentimentos bons, saudáveis e
naturais, instintos, paixões ou desejos,
assim como não pode ser outra
coisa senão errado cortar as gargantas
de pombas para Vênus, ou de
novilhos para Hermes,
se você está pensando somente em
Vênus e Hermes.
Vênus certamente preferiria
pombas vivas a mortas, se você deseja fazer uma oferenda.
Se você deseja fazer uma oferenda
a ela, deixe as pombas voarem do seu altar.
Mas o que podemos sacrificar do
Ser, se a isso chamamos sacrifício,
são todos os impedimentos à vida,
presunção, vaidade, vontade própria egoísta,
ou todas as feias velhas
possessões que impedem a vida,
velho e feio mobiliário, livros
velhos e feios, prédios velhos e feios, “arte” velha e feia,
qualquer coisa que nos pertença,
que seja feia e um impedimento ao
movimento livre da vida,
sacrifique isso aos deuses
luminosos e satisfaça o instinto destrutivo.
*
Self-Sacrifice
Self-sacrifice,
after all, is a wrong and mistaken idea.
It cannot
be anything but wrong to sacrifice
good,
healthy, natural feelings, instincts, passions or desires,
just as it cannot
be anything but wrong to cut the throats
of doves
for Venus, or of steers for Hermes,
if it is
merely Venus or Hermes you are thinking of.
Venus would rather have live doves than dead,
if you want to make an offering.
If you want to make her an offering, let the
doves fly from her altar.
But what we may sacrifice, if we call it
sacrifice, from the self,
are all the obstructions to life,
self-importance, self-conceit, egoistic self-will,
or all the ugly old possessions that make up
the impedimenta of life,
ugly old furniture, ugly old books, ugly old
buildings, ugly old “art”,
anything that belongs to us, and is ugly and an
impediment to the
free motion of life
sacrifice that to the bright gods, and satisfy
the destructive instinct.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
A velha ideia do sacrifício
A velha ideia do sacrifício era
esta:
o sangue da vida inferior deve
ser derramado
para alimentar e dar forças ao
mais belo, à vida mais repleta.
Oh quando o velho mundo
sacrificava um carneiro
era para os deuses que nos tornam
esplêndidos
e era para uma festa, uma festa
da carne, para homens e donzelas
num dia de esplendor, para o
maior esplendor de ser homem.
Isso era consumir pequenas vidas,
mesmo pombas, mesmo passarinhos
na dança e esplendor de uma vida
maior.
Não existe esta coisa chamada
pecado.
Existe somente vida e antivida.
E sacrifício é a lei da vida que
estabelece
que pequenas vidas devem ser consumidas
na dança e esplendor
de vidas maiores, com a devida
reverência e reconhecimento.
*
The old idea of sacrifice
The old
idea of sacrifice was this:
that blood
of the lower life must be shed
for the
feeding and strengthening of the handsomer, fuller life.
O when the
old world sacrificed a ram
it was to
the gods who make us splendid
and it was
for a feast, a feast of meat, for men and maids
on a day of
splendour, for the further splendour of being men.
It was the
eating up of little lives,
even doves,
even small birds
into the
dance and splendour of a bigger life.
There is no
such thing as sin.
There is
only life and anti-life.
And
sacrifice is the law of life which enacts
that little
lives must be eaten up into the dance and splendour
of bigger
lives, with due reverence and acknowledgement.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Auto-sacrifício
Auto-sacrifício é talvez a ação
mais vil que um homem pode praticar.
O eu que somos, no seu ponto mais
alto, é tudo que somos
é a própria chama individual da
vida mesma
é o mais puro eu do homem.
E sacrificar isso, a qualquer
coisa ou pessoa,
é a mais vil das covardias e
traições.
Todavia uma mulher pode adicionar
sua chama à de um homem
ou um homem pode adicionar sua
chama à chama de outro homem
como uma dádiva de alegria, vendo
o deslumbramento da vida crescer
mais rápido, alto e luminoso,
para a produção e a adição mútua.
*
Self-sacrifice
Self-sacrifice
is perhaps the vilest deed a man can do.
The self
that we are, at its best, is all that we are
is the very
individual flame of life itself
which is
the man's pure self.
And to sacrifice
that, to anything or anybody whatsoever
is the
vilest cowardice and treachery.
Yet a woman can add her flame to a man's
or a man can add his flame to the flame of
another man
as a gift of gladness, seeing the glamour of
life go up
swifter and higher and brighter, for the
yielding and the adding together.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Esquecer
Ser capaz de esquecer é ser capaz
de entregar-se
ao Deus que reside no profundo
ouvido.
Somente no completo esquecimento
estamos com Deus.
Pois quando sabemos completamente,
já abandonamos o saber.
*
Forget
To be able to forget is to be able to yield
to God who dwells in deep oblivion.
Only in sheer oblivion are we with God.
For when we know in full, we have left off knowing.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Crianças da classe média
Outra coisa curiosa sobre a
classe média inglesa
É como ela odeia seus filhos.
Aqueles abaixo de cinqüenta e,
mais ainda, os abaixo de quarenta
Instintivamente odeiam seus
filhos
Tão logo os têm.
Ao mesmo tempo, tomam o maior
cuidado possível com eles
– Enfermeiras, médicos, boa
comida, higiene, escolas, tudo isso –
O maior cuidado possível –
E os odeiam.
Eles parecem sentir os filhos
como uma horrível limitação
– Se não fossem estas crianças eu
seria livre –
Livre para quê, ninguém sabe. Mas
livre!
– Sinto muito, querida, mas não
posso vir por causa das crianças.
As crianças, naturalmente, sabem
que são cuidadas
E odiadas.
Não existe, realmente, maneira de
enganar uma criança.
Dessa maneira, elas aceitam o
desamor dissimulado como o
sentimento
normal entre as pessoas
E atenção superficial e cuidado e
cumprimento da obrigação
Como atividade normal
Elas podem, até, um dia, perceber
a simples afeição como uma grande descoberta.
*
Middle-class
children
Another curious thing about the English middle
classes
Is how they hate their children.
Those under fifty, and more still, those under
forty
They instinctively hate their own children
Once they`ve got them.
At the same time, they take the greatest
possible care of them
–
Nurses,
doctors, proper food, hygiene, schools, all that –
The greatest possible care –
And they hate them.
They seem to feel the children a ghastly
limitation
– But for those children I should be free –
Free what for, nobody knows. But free!
– Awfully sorry, dear, but I can`t come because
of the children.
The children, of course, know that they are
cared for
And disliked.
There is no means of really deceiving a child.
So they accept covered dislike as the normal
feeling between people
And superficial attention and care and fulfilment
of duty
As normal activity
They may even, one day, discover simple
affection as a great discovery.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Deus
nasceu
A história do cosmos
é a história da luta do
vir-a-ser.
Quando o obscuro fluxo da vida
informe
lutou, agitou-se para trás e para
frente, sobre si mesmo,
e estourou finalmente em luz e
escuridão
passou a existir como luz,
passou a existir como sombra fria
então cada átomo do cosmos tremeu
com delícia.
Olhe, Deus nasceu!
Ele é luz fulgurante!
Ele é escuro como breu e frio!
E na grande luta do caos
intangível
quando, num certo ponto, uma gota
d`água começou a pingar
e um sopro de vapor começou a
espiralar-se
Olho de novo o estremecimento de
êxtase por todos os átomos!
Ó, Deus nasceu!
Olhe, Ele nasceu molhado!
Veja, Ele tem movimentos para
cima! Ele espirala!
E, então, na grande eternidade da
consumação e decadência
de tempos em tempos o brado
selvagem de cada elétron:
Olhe! Deus nasceu!
Quando as safiras resfriaram-se
do caos derretido:
Veja, Deus nasceu! Ele é azul,
azul profundo, ele é azul para sempre azul!
Quando o ouro estendeu-se
brilhante enroscando a rocha resfriada:
Deus nasceu! Deus nasceu! amarelo
brilhante e dócil Ele nasceu.
Quando a pequena ameba ovóide
emergiu da espuma e do nada
então todos os elétrons seguraram
sua respiração:
Ach! Ach! Agora Deus nasceu de
verdade! Ele cintila interiormente.
Quando de um mundo de musgos e
samambaias
finalmente o narciso levantou um
ramo de estrelas de cinco pontas
e balançou-os na atmosfera,
então cada molécula da criação
pulou e bateu suas mãos:
Deus nasceu! Deus nasceu
perfumado e oscilando e com um cálice!
Através das eternidades, quando o
lagarto torce sua cauda mais leve do que a água,
quando o pavão se volta para o
sol, não podendo ser mais esplêndido,
quando o leopardo golpeia o
bezerrinho com as patas reluzentes, perfeito,
o universo treme: Deus nasceu!
Deus está aqui!
Quando finalmente o homem ficou
em pé nas duas pernas e admirou-se,
então houve um silêncio de suspense no âmago de
cada elétron:
Olha, agora o verdadeiro Deus
nasceu!
O Próprio Deus nasceu!
E então vemos, Deus não é
até que ele nasça.
E também vemos
não existe fim no nascimento de
Deus.
*
God
is born
The history of the cosmos
is the history of the struggle of becoming.
When the dim flux of unformed life
struggled, convulsed back and forth upon
itself,
and broke at last into light and dark
came into existence as light,
came into existence as cold shadow
then every atom of the cosmos trembled with
delight.
Behold, God is born!
He is bright light!
He is pitch dark and cold!
And in the great struggle of intangible chaos
when, at a certain point, a drop of water began
to drip downwards
and a breath of vapour began to wreathe up
Lo again the shudder of bliss through all the
atoms!
Oh, God is born!
Behold, He is born wet!
Look, He hath movement upward! He spirals!
And so, in the great aeons of accomplishment
and débâcle
from time to time the wild crying of every
electron:
Lo! God is born!
When sapphires cooled out of molten chaos:
See, God is born! He is blue, he is deep blue,
he is forever blue!
When gold lay shining threading the cooled-off
rock:
God is born! God is born! bright yellow and
ductile He is born.
When the little eggy amoeba emerged out of foam
and nowhere
then all the electrons held their breath:
Ach! Ach! Now indeed God is born! He twinkles
within.
When from a world of mosses and of ferns
at last the narcissus lifted a tuft of
five-point stars
and dangled them in the the atmosphere,
then every molecule of creation jumped and
clapped its hands:
God is Born! God is born perfumed and dangling
and with a little cup!
Throughout the aeons, as the lizard swirls his
tail finer than water,
as the peacock turns to the sun, and could not
be more splendid,
as the leopard smites the small calf with a
spangled paw, perfect,
the universe trembles: God is born! God is
here!
And when at last man stood on two legs and
wondered,
then there was a hush of suspense at the core
of every electron:
Behold, now the very God is born!
God Himself is born!
And so we see, God is not
until he is born.
And also we see
there is no end to the birth of God.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Deus sem corpo
Tudo que tem beleza tem um corpo
e é um corpo;
tudo que existe, existe na carne:
e sonhos são apenas extraídos dos
corpos que existem.
E Deus?
A não ser que Deus tenha um
corpo, como pode ter voz
e emoções, e desejos, e força,
glória ou honra?
Pois Deus, mesmo o Deus mais
raro, supostamente nos ama
e deseja que nós sejamos isto,
aquilo e mais o outro.
E é supostamente poderoso e
glorioso.
*
Bodiless
God
Everything that has beauty has a body, and is a
body;
everything that has being has being in the
flesh:
and dreams are only drawn from the bodies that
are.
And God?
Unless God has a body, how can he have a voice
and emotions, and desires, and strength, glory
or honour?
For God, even the rarest God, is supposed to
love us
and wish us to be this that and the other.
And he is supposed to be mighty and glorious.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O corpo de Deus
Deus é o grande impulso que ainda
não encontrou um corpo
mas que impulsiona à encarnação
com o grande impulso criativo.
E se torna afinal uma carnação de
cravo: veja! isto é deus!
e se transforma finalmente em
Helen, ou Ninon: qualquer linda e generosa mulher
na sua melhor forma e maior
graciosidade, sendo deus, manifesto,
qualquer homem lúcido e sem medo
sendo deus, deus verdadeiro.
Não existe Deus
separado das papoulas e peixes
voadores,
homens cantando canções e
mulheres penteando seu cabelo ao sol.
As coisas graciosas são deus que
veio a ser, como Jesus.
O resto, o que não se pode descobrir,
é o demiurgo.
*
The
body of God
God is the great urge that has not yet found a
body
but urges towards incarnation with the great
creative urge.
And becomes at last a clove carnation: lo! that
is god!
and becomes at last Helen, or Ninon: any lovely
and generous woman
at her best and her most beautiful, being god,
made manifest,
any clear and fearless man being god, very god.
There is no god
apart from poppies and the flying fish,
men singing songs, and women brushing their
hair in the sun.
The lovely things are god that has come to
pass, like Jesus came.
The rest, the undiscoverable, is the demi-urge.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O trabalho da criação
O mistério da criação é o divino
desejo da criação,
mas é um grande, estranho desejo,
não é uma Intenção.
Mesmo um artista sabe que seu
trabalho nunca esteve na mente,
ele nunca poderia tê-lo pensado
antes dele ter acontecido.
Uma estranha dor o possuiu, e ele
começou a luta,
e a partir da luta com seu
material, no encanto do impulso
seu trabalho tomou forma,
aconteceu, levantou-se e saudou sua mente.
Deus é um grande desejo,
maravilhoso, misterioso, magnífico
mas ele não sabe nada de antemão.
Seu desejo toma forma em carne, e
veja!
é a criação! Deus vê a si mesmo
nela maravilhado, pela primeira vez.
Veja! Lá está uma criatura,
formada! Que estranho!
Deixe-me pensar sobre isso!
Deixe-me formar uma ideia!
*
The
work of creation
The mystery of creation is the divine urge of
creation,
but it is a great, strange urge, it is not a
Mind.
Even an artist knows that his work was never in
his mind,
he could never have thought it before it happened.
A strange ache possessed him, and he entered
the struggle,
and out of the struggle with his material, in
the spell of the urge
his work took place, it came to pass, it stood
up and saluted his mind.
God is a great urge, wonderful, mysterious,
magnificent,
but he knows nothing before-hand.
His urge takes shape in flesh, and lo!
it is creation! God looks himself on it in
wonder, for the first time.
Lo! there is a creature, formed! How strange!
Let me think about it! Let me form an idea!
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
As mãos de Deus
É uma coisa terrível cair nas
mãos do Deus vivo.
Mas é muito mais terrível cair
das suas mãos.
Lúcifer caiu devido ao
conhecimento?
oh, piedade para aquele, piedade
para aquele que mergulha!
Livra-me, oh Deus, de cair no
conhecimento descrente
de mim mesmo pois estou sem Deus.
Nunca me deixes saber, oh Deus
nunca me deixes saber o que eu
sou ou deveria ser
quando eu tiver caído das suas
mãos, as mãos do Deus vivo.
O horrível e doentio naufrágio
infinito, naufrágio
através de níveis vagarosos e
corruptos de conhecimento fragmentado
quando o eu, caindo das mãos de
Deus,
afunda, fervendo e afundando,
corrupto
e afundando ainda, abismo após de
abismo de consciência fragmentada
afundando na infinita destruição,
o horrível catabolismo para dentro do abismo!
o anoitecer da alma, caído das mãos de Deus!
Salva-me disso, ó Deus!
Nunca me deixes conhecer a mim
mesmo separado do Deus vivo!
*
The
hands of God
It is a fearful thing to fall into the hands of
the living God.
But it is a much more fearful thing to fall out
of them.
Did Lucifer fall through knowledge?
oh then, pity him, pity him that plunge!
Save me, O God, from falling into the ungodly
knowledge
of myself as I am without God.
Let me never know, O God
let me never know what I am or should be
when I have fallen out of your hands, the hands
of the living God.
That awful and sickening endless sinking,
sinking
through the slow, corruptive levels of
disintegrative knowledge
when the self has fallen from the hands of God,
and sinks, seething and sinking, corrupt
and sinking still, in depth after depth of
disintegrative consciousness
sinking in the endless undoing, the awful
katabolism into the abyss!
even of the soul, fallen from the hands of God!
Save me from that, O God!
Let me never know myself apart from the living
God!
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Oração
Dá-me a lua a meus pés
Coloca meus pés no crescente, como um Senhor!
O, deixa meus tornozelos serem banhados pelo luar, que eu
possa ir
seguro e calçado-de-lua, tranqüilo e ligeiro
em direção ao meu objetivo.
Pois o sol é hostil, agora
sua face é como o leão vermelho.
*
Prayer
Give me the
moon at my feet
Put my feet
upon the crescent, like a Lord!
O let my
ankles be bathed in moonlight, that I may go
sure and
moon-shod, cool and bright-footed
towards my
goal.
For the sun
is hostile, now
his face is
like the red lion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O que pode ser feito?
A única coisa que um homem deve
fazer agora, ou uma mulher,
É aprender a conter a si mesmo.
O homem se mantém são, não pela
mente, que por natureza é instável
Mas pela violenta correnteza de
seus instintos não pervertidos
E sua intuição.
Este é o pêndulo pesado e sólido
que resguarda o homem de ficar insano.
Neste momento, tendemos a ficar
insano, a mente tendo danificado
os instintos
profundos
E deslocado a Consciência
intuitiva.
Então, a única coisa a fazer, é
ficar quieto, segurar-se a qualquer preço,
Aprender a nos contermos.
De tal maneira que na longa pausa
os instintos possam reafirmar-se
E nossa intuição possa nascer
para a vida e nos dar rumo.
Porque, agora, na sussurrante
insanidade da consciência mental
Nós nos violamos a cada momento,
e violamos todo mundo
Numa violação rangente de roda
dentada.
*
What`s to be done?
The only thing for a man to do now, or a woman,
Is to learn to contain himself.
Man is keep sane, not by his mind, which by
nature is unstable
But by the heavy drift of his unperverted
instincts
And his intuition.
This is the massive solid fly-wheel which save
man from running insane.
At the moment, we tend to run insane, the mind
having broken the deep instincts
And dislocated the intuitive Conscience.
So the only thing to do, is to keep still, to
hold still at any price,
To lean to contain ourselves.
So that in the long pause the instincts can
reassert themselves
And our intuition can come to life and give us
direction.
For at present, in the whirring insanity of the
mental consciousness
We violate ourselves every moment, and violate
everybody else
In a co-wheel clatter of violation.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Ponto de reunião
Se de fato nos reunirmos, hoje,
em vez de ficarmos totalmente distantes,
deixe-nos reunir pela nossa
própria sanidade
e mesmo pela nossa sanidade
coletiva.
É tão vergonhoso ser insano
e tão horrendamente perigoso
estar à mercê da insanidade coletiva.
Vamos nos conter,
e nos reunir
para manter um núcleo saudável
para a vida.
*
Rallying-Point
If we rally at all, today, instead of keeping
stark asunder,
let us rally for our own sanity
and even our collective sanity.
It is so shameful to be insane
and so hideously dangerous to be at the mercy
of collective insanity.
Let us contain ourselves,
and rally together
to keep a sane core to life.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Somente o homem
Só o homem pode cair das mãos de
Deus
Só o homem.
Nenhum animal, nenhuma besta
nenhuma coisa rastejante
nem cobra nem hiena nem escorpião
nem horrenda formiga branca
podem deslizar inteiramente dos
dedos das mãos de deus
em direção ao abismo do
auto-conhecimento,
conhecimento do
eu-separado-de-deus.
Pois o conhecimento do
eu-separado-de-Deus
é um abismo no qual a alma pode
deslizar
debatendo-se e enroscando em
todas as revoluções
do mergulho inacabado
da autoconsciência, agora
separada de Deus, caindo
insondável, insondável,
serpenteando a autoconsciência
debatendo-se cada vez mais fundo
em todas as minúcias do auto-
conhecimento,
para baixo, exaustivo,
mesmo assim nunca, nunca chegando
ao fundo, pois não existe fundo;
ziguezagueando para baixo como a
crepitação de um foguete caindo
a chama crepitante caindo que não
se pode apagar, caindo exausta
sem poder alcançar o fundo
pois o fundo é insondável,
então serpenteia seu caminho
ainda mais para baixo, para baixo
afinal no puro horror de não ser
capaz de deixar de
conhecer a si mesmo, conhecer a
si mesmo separado de Deus, caindo.
*
Only
man
Only man can fall from God
Only man.
No animal, no beast nor creeping thing
no cobra nor hyaena nor scorpion nor hideous
white ant
can slip entirely through the fingers of the
hands of god
into the abyss of self-knowledge,
knowledge of the self-apart-from-god.
For the knowledge of the self-apart-from-God
is an abyss down which the soul can slip
writhing and twisting in all the revolutions
of the unfinished plunge
of self-awareness, now apart from God, falling
fathomless, fathomless, self-consciousness
wriggling
writhing deeper and deeper in all the minutiae
of self-knowledge,
downwards, exhaustive,
yet never, never coming to the bottom, for
there is no bottom;
zigzagging down like the fizzle from a finished
rocket
the frizzling falling fire that cannot go out,
dropping wearily,
neither can it reach the depth
for the depth is bottomless,
so it wriggles its way even further down, further
down
at last in sheer horror of not being able to
leave off
knowing itself, knowing itself apart from God,
falling.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sono
O sono é a sombra da morte, mas não somente isso.
Sono é a alusão a um doce esquecimento.
Quando eu tiver ido, passado e ido completamente
e curado de toda esta dor do ser.
*
Sleep
Sleep is
the shadow of death, but not only that.
Sleep is a
hint of lovely oblivion.
When 1 am
gone, completely lapsed and gone
and healed
from all this ache of being.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Dormir e acordar
No sono eu não sou, eu fui
Estou entregue.
E nada no mundo é mais belo do que o sono,
negro sono sem sonhos, profundo esquecimento!
Nada na vida é tão bom quanto isso.
Mesmo assim existe o acordar do mais profundo sono
acordar e acordar novo.
Você dormiu bem?
Ah sim, o sono de Deus!
O mundo foi criado uma vez mais.
*
Sleep and waking
In sleep I
am not, I am gone
I am given
up.
And nothing
in the world is lovelier than sleep,
dark,
dreamless sleep, in deep oblivion!
Nothing in
life is quite so good as this.
Yet there
is waking from the soundest sleep,
waking, and
waking new.
Did you
sleep well?
Ah yes, the
sleep of God!
The world
is created afresh.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Flores e homens
As flores conquistam sua própria
florescência e isto é um milagre.
Os homens não conquistam sua
própria humanidade, ai de mim!
Tudo que quero de vocês, homens e
mulheres,
tudo que quero de vocês
é que conquistem sua própria
beleza
como as flores.
Oh, parem de dizer que eu quero
que vocês sejam selvagens.
Digam-me, a genciana é selvagem,
no cume da sua haste grosseira?
Oh, o que em vocês pode responder
a este azul?
[Quero vocês tão selvagens]
quanto as gencianas e os narcisos silvestres.
Digam-me! digam-me! existe em
vocês beleza que se compare
com a madressilva neste anoitecer
derramando seu aroma.
*
Flowers
and men
Flowers achieve their own floweriness and it is
a miracle.
Men don’t achieve their own manhood, alas, oh
alas! alas!
All I want of you, men and women,
all I want of you
is that you shall achieve your own beauty
as the flowers do.
Oh leave off saying I want you to be savages.
Tell me, is the gentian savage, at the top of
its coarse stem?
Oh what in you can answer to this blueness?
[I want you to be as savage] as the gentian and
the daffodil.
Tell me! tell me! is there in you a beauty to
compare
to the honeysuckle at evening now
pouring out his breath
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O fim, o começo
Se não houvesse uma completa e
absoluta escuridão
de silêncio e puro olvido
no âmago de tudo,
quão terrível seria o sol,
quão horrível seria acender um
fósforo e fazer a luz.
Mas o sol, ele próprio gira
em torno de um núcleo de puro
olvido
ou mesmo uma vela, assim como um
fósforo.
E se não houvesse um absoluto,
completo esquecimento
e uma interrupção do saber, uma
perfeita interrupção do saber
e uma silenciosa, pura suspensão
de toda consciência
quão terrível seria a vida!
Quão terrível seria pensar e
saber, ter consciência!
Mas mergulhada, uma vez mergulhada
no obscuro esquecimento
a alma adquire paz, íntima e
graciosa paz.
*
The
end, the beginning
If there were not an utter and absolute dark
of silence and sheer oblivion
at the core of everything,
how terrible the sun would be,
how ghastly it would be to strike a match, and make
a light.
But the very sun himself is pivoted
upon the core of pure oblivion,
so is a candle, even as a match.
And if there were not an absolute, utter
forgetting
and a ceasing to know, a perfect ceasing to
know
and a silent, sheer cessation of all awareness
how terrible life would be!
How terrible it would be to think and know, to
have consciousness!
But dipped, once dipped in dark oblivion
the soul has peace, inward and lovely peace.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Traidores, oh mentirosos, vocês, turma de Judas!
Jesus! Vocês não apenas venderam Jesus
Vocês venderam cada homem que havia para ser vendido.
Mentirosos, vocês, bando de porcos!
Vocês venderam cada grande homem que apareceu
Você, canalha culta!
Ó, a canalha da cultura, a canalha Cristã
Os sórdidos cães da sabedoria
Os provedores de educação
As classes superiores.
Eles venderam tudo, tudo
E todos.
Eles venderam Platão para a fábrica de salsichas da
universidade
Onde agora eles negociam pedaços da salsicha-Platão para o
apetite cultural.
E todos os heróis da Bíblia eles venderam como carne-de-gato
para as igrejas.
E as igrejas gritam “miau! miau! Venha e seja alimentado!”
Napoleão eles venderam a Madame Tussaud e aos fabricantes de
esterco artificial,
Shakespeare eles venderam para Crosseand Blackwells, para
fazer geleia
E Beethoven eles venderam para certos condutores, para ser
conduzido ao melado.
Tudo no mundo da cultura e da superioridade
Foi vendido com sucesso.
E qualquer novidade que apareça será vendida com sucesso.
Eu preveniria qualquer um contra uma cultura
Com a qual as classes superiores estão ganhando dinheiro.
*
Traitors
Traitors,
oh liars, you Judas lot!
Jesus! You`ve not only sold Jesus
You`ve sold
every man there was to be sold.
You liars,
you dirty lot!
You`ve sold
every great man that ever appeared
You
cultural canaille!
Oh the
canaille of culture, the Christian canaille
The dirty
dogs of wisdom
The
purveyors of education
The
superior classes.
They`ve
sold everything, but everything
And
everybody.
They sold
Plato to the sausage factories of universities
Where now
they deal our slices of Plato-sausage to the cultured appetite.
And all the
heroes of the bible they sold for cats-meat to the churches.
And the
churches cry “Puss! Puss! Come and be fed!”
Napoleon
they sold to Madame Tussauds and to the artificial manure factories,
Shakespeare
they sold to Crosse and Blackwells, to be jammed into jam
And
Beethoven they sold to certain conductors, to be conducted into treacle.
Everything
in the world of culture and superiority
Has been
successfully sold.
And
whatever new comes along will be successfully sold.
I would
warm anybody against a culture
Which the
superior classes are making money out of.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
[Verso do pôr-do-sol]
Desista! Desista! Desista!
Levante sua mão, diga Adeus! diga Bem-vindo!
Homem no crepúsculo.
O sol está no alpendre, grite para ele: Obrigado! Obrigado!
Então fique silencioso.
Você pertence à noite.
*
[The sunset verse]
Leave off!
Leave off! Leave off!
Lift your
hand, say Farewell! say Welcome!
Man in the
twilight.
The sun is
in the outer porch, cry to him: Thanks! Oh, Thanks!
Then be
silent.
You belong
to the night.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
[Verso do amanhecer]
O escuro está apartando-se, o sol está passando pela
muralha.
O dia está iminente.
Levante sua mão, diga Adeus! Diga Bem-vindo!
Então fique silencioso.
Deixe a escuridão abandonar você, deixe a luz vir para
dentro de você,
Homem no crepúsculo.
*
[The dawn verse]
The dark is dividing, the sun is coming past the wall.
Day is at hand.
Lift your hand, say Farewell! say Welcome!
Then be silent.
Let the darkness leave you, let the light come into you,
Man in the twilight.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O desejo latente
O desejo latente em todo homem
decente hoje
É por um acordo social mais
natural e decente
No qual um homem pode viver sua
vida sem ser
escravo do
“ganhar a vida” e “progredir”.
Mas, naturalmente, isso significa
destruir o presente
sistema de
cobiça no qual o último leva a pior.
*
The
latent desire
The latent desire in all decent men today
Is for some more natural, more decent social
arrangement
Wherein a man can live his life without being a
slave to “earning
his living” and “getting on”.
But, of course, this mean smashing the present
system of grab
and devil take the hindmost.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Noite
Agora que a noite está aqui
Uma nova coisa surge, olhos fecham-se
E os animais enroscam-se na terra querida, para dormir.
Mas os membros do homem anseiam por abraçar e envolver o
corpo vivo
de outro ser humano
Num toque de olhos fechados.
*
Night
Now that
the night is here
A new thing
comes to pass, eyes close
And the
animals curl down on the dear earth, to sleep.
But the
limbs of man long to fold and close upon the living body
of another human being
In
shut-eyed touch.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Assassinato
Matar não é maldade.
Um homem pode ser meu inimigo até
a morte,
e isso é paixão e comunhão.
Mas assassinato é sempre maldade
sendo ato de um
perpetrado no outro
sem conhecimento ou comunhão.
*
Murder
Killing is not evil.
A man may be my enemy to the death,
and that is passion and communion.
But murder is always evil
being an act of one
perpetrated upon the other
without cognisance or communion.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Moralidade
Somente o homem sozinho é imortal
Nem os animais nem as flores o são.
Pois o homem, pobre animal, pode olhar a si mesmo
E reconhecer-se no espelho.
Ele não late para si mesmo, como o cachorro
Quando se olha no espelho.
Ele se leva a sério.
Seria muito melhor se ele apenas latisse para si mesmo
Ou se arrepiasse com raiva, como o gato,
E então se virasse e esquecesse.
*
Morality
Man alone
is immortal
Neither
beasts nor flowers are.
Because
man, poor beast, can look at himself
And know
himself in the glass.
He doesn’t
bark at himself, as a dog does
When he
looks at himself in the glass.
He takes
himself seriously.
It would be
so much nicer if he just barked at himself
Or fluffed
up rather angry, as a cat does,
Then turned
away and forgot.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
O arco-íris
Mesmo o arco-íris tem um corpo
feito de chuva vaporosa
e é uma arquitetura de átomos brilhantes
construído, construído
ainda assim você não pode colocar sua mão nele,
não, nem mesmo sua mente.
*
The rainbow
Even the
rainbow has a body
made of the
drizzling rain
and is an
architecture of glistening atoms
built up,
built up
yet you
can't lay your hand on it,
nay, nor
even your mind.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sabe-tudo
O homem não sabe nada
até que ele saiba como não-saber.
O maior dos professores dirá a você:
O fim de todo conhecimento é o esquecimento
doce, escuro esquecimento, quando me desligo
de mim mesmo, e sou consumado.
*
Know-all
Man knows
nothing
till he
knows how not-to-know.
And the
greatest of teachers will tell you:
The end of
all knowledge is oblivion
sweet, dark
oblivion when I cease
even from
myself, and am consummated.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Amor como fuga
Este é o momento dos homens
esquecerem as mulheres
E o amor, o sexo e tudo mais.
Porque eles apenas tentam tornar
as mulheres, o amor e o sexo
Uma fuga do horror do
aprisionamento em nossa civilização.
E como as mulheres estão dentro
da prisão tanto quanto os homens,
No fim, os homens odeiam-nas
porque a fuga não era uma fuga.
O que os homens devem fazer é
começar a diminuir o dinheiro
Diminuí-lo, e prepararem-se para
uma nova e viçosa casa da vida.
Então estariam prontos para amar.
Desespero não pode amar, pode apenas violar.
*
Love
as an escape
It is time men took their thoughts off women
And love and sex and all that.
Because they only try to make women and love
and sex
An escape from their horror of imprisonment in
our civilisation.
And since women are inside the prison just as
much as men,
The men in the end only hate them because the
escape was no escape.
The thing for men to do is to start to pull
down money
Pull it down, and prepare for a new fresh house
of life.
Then they’d be able to love. Despair can’t
love, it can only violate.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Amor
Uma coisa é certa, temos que
tirar as mãos do amor.
No momento em que juro amar uma
mulher por toda minha vida,
nesse exato
momento começo a odiá-la.
Do mesmo modo, se juro odiar uma
mulher por toda minha vida,
deveria sentir
instantaneamente uma pontada de remorso
Quase equivalente ao amor.
*
Love
One thing is certain, we've got to take hands
off love.
The moment I swear to love a woman all my life,
that very
moment I begin to hate her.
In the same way, if I swore to hate a woman all
my life, I should
instantly feel a pang of compunction
Amounting almost to love.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Sexo não funcionará
O sexo não funcionará no
cativeiro.
O homem é um destes animais que
procriará numa jaula.
Ele pode copular e gerar filhos
mas sem desejo, sem alegria, sem
liberação.
A jaula, que não mata o mecanismo
do sexo,
mata inteiramente a verdadeira
experiência do sexo.
Eis porque os jovens, que copulam
tão livremente,
Não têm nenhuma experiência do
sexo; que é quase nada para eles.
Eles estão na jaula.
*
Sex
won't work
Sex won't work in captivity.
Man is one of those beasts that will breed in a
cage.
He can copulate und beget children
but without desire, without joy, without
release.
The cage, which does not kill the mechanism of
sex
kills entirely the true experience of sex.
Which is why the young, who copulate so freely,
have no experience of sex at all; it is almost
nothing to them.
They are in the cage.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Imoralidade
A verdadeira imoralidade, até onde eu posso ver,
Está em forçar a si mesmo ou alguém
Contra seus mais profundos instintos e sua intuição.
*
Immorality
The real
immorality, as far as I can see it
Lies in
forcing yourself or somebody else
Against all
your deeper instincts and your intuition.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Indecência pode ser saudável
Indecência pode ser saudável e benfazeja,
na verdade um pouco de indecência é necessário em toda vida
para mantê-la saudável e proveitosa.
E um pouco de putaria pode ser saudável e benfazejo.
Na verdade um pouco de putaria é necessário em toda vida
para mantê-la saudável e proveitosa.
Mesmo a sodomia pode ser saudável e benfazeja
desde que exista uma troca de sentimentos genuínos.
Mas coloque qualquer um deles na mente e eles tornam-se
nocivos:
na mente, indecência transforma-se em obscenidade,
depravação.
Putaria na mente torna-se sifilítica
e sodomia na mente, transforma-se numa missão,
todos eles, vício, missões etc., loucamente doentios.
Da mesma maneira, castidade no momento certo é doce e
benfazeja.
Mas na mente castidade é um vício, uma perversão.
E a supressão rígida de toda indecência, putaria ou qualquer
outra troca
é o caminho direto para uma delirante insanidade.
A quinta geração de puritanos, quando não é obscenamente
libertina,
é imbecil. Então, a escolha é sua.
*
Bawdy can be sane
Bawdy can
be sane and wholesome,
in fact a
little bawdy is necessary in every life
to keep it
sane and wholesome.
And a
little whoring can be sane and wholesome.
In fact a
little whoring is necessary in every life
to keep it
sane and wholesome.
Even sodomy
can be sane and wholesome
granted
there is an exchange of genuine feeling.
But get any
of them on the brain, and they become pernicious:
bawdy on
the brain becomes obscenity, vicious.
Whoring on
the brain becomes really syphilitic
and sodomy
on the brain becomes a mission,
all the lot
of them, vice, missions, etc., insanely unhealthy.
In the same
way, chastity in its hour is sweet and wholesome.
But
chastity on the brain is a vice, a perversion.
And rigid
suppression of all bawdy, whoring or other such commerce
is a
straight way to raving insanity.
The fifth
generation of puritans, when it isn’t obscenely profligate,
is idiot.
So you’ve got to choose.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
Canção da morte
Cante a canção da morte, oh cante-a!
Pois sem a canção da morte, a canção da vida
torna-se insípida e tola.
Cante então a canção da morte, e a mais longa viagem
e o que a alma carrega com ela, o que ela deixa para trás
e como ela acha a escuridão que a envolve em direção à paz
completa
finalmente, finalmente, além de mares inumeráveis.
*
Song of death
Sing the song of death, oh sing it!
For without the song of death, the song of life
becomes pointless and silly.
Sing then the song of death, and the longest journey
and what the soul carries with him, and what he leaves behind
and how he finds the darkness than enfolds him into utter peace
at last, at last, beyond innumerable seas.
- D. H. Lawrence, em "Tudo
que vive é sagrado – William Blake, D. H. Lawrence". [seleção, tradução e
ensaios de Mário Alves Coutinho]. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
§§
>> Leia e saiba mais sobre o escritor D. H. Lawrence (biografia, obra publicada no Brasil, outros poemas, fortuna crítica e obra adaptada para o cinema). AQUI!
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D.H. Lawrence - foto possível de: Lady Ottoline Morrell (1928) - 'recorte' - © National Portrait Gallery, London |
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske e José Alexandre da Silva
© Obra de D.H. Lawrence é de domínio público.
© Traduções: direito dos tradutores
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Página atualizada em 17.3.2019.
Direitos Reservados © 2019 Templo Cultural Delfos
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