COMPARTILHE NAS SUAS REDES

W. H. Auden - poeta inglês

W. H. Auden - foto: Mark B. Anstendig


Wystan Hugh Auden (W. H. Auden) nasceu em York, Inglaterra, em 21 de fevereiro de 1907. Mudou-se para Birmingham na infância e estudou no Christ's Church, em Oxford. Quando jovem, era influenciado pelas poesias de Thomas Hardy, Robert Frost, William Blake e Emily Dickinson.
Em 1928, Auden publicou seu primeiro livro de versos e sua coleção "Poemas", publicada em 1930, o que o colocou no topo da nova geração de poetas. Era admirado pela sua técnica e habilidade em escrever poemas em todas as formas imagináveis, pela incorporação em suas obras de elementos cultura popular e eventos atuais e também por seu vasto intelecto. Sua poesia frequentemente reconta, literal ou metaforicamente, uma jornada ou aventura, e suas viagens acabaram servindo como rico material para seus versos.
Visitou a Alemanha, China, serviu na guerra civil espanhola e em 1939 mudou-se para os Estados Unidos, tornando-se, mais tarde, cidadão americano. Manteve um relacionamento aberto com Chester Kallman, nada fazendo para ocultar sua homossexualidade.
Suas crenças mudaram muito entre o período de sua jovem carreira na Inglaterra (onde era adepto do socialismo e da psicanálise Freudiana) e sua fase posterior, na América, quando sua principal preocupação passou a ser o cristianismo e a teologia do protestantismo.
Chegou a escrever libretos para óperas de Stravinsky, Hans Werner Henze e outros, em parceria com Chester Kallman, e é o autor do Hino das Nações Unidas. 
Auden era também dramaturgo, editor e ensaísta. Considerado o maior poeta inglês do século XX, seu trabalho influenciou as gerações seguintes, dos dois lados do Atlântico.
Foi Chancellor da Academia de Poetas Americanos de 1954 a 1973 e dividiu a segunda parte da sua vida nas residências de Nova York e Áustria. Sua poesia foi premiada diversas vezes: Prêmio Pulitzer (1948), Prêmio Bolligen (1954), National Book Award (1955), Prêmio Feltrinelli (1957), Guiness Poetry (1959) e National Medal for Literature (1967). Faleceu em Viena, em 28 de setembro de 1973.
''Quando o processo histórico se interrompe... quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para se abrir um bar.'' A citação de W. H. Auden pareceu apropriada a Antônio Callado para usar como epígrafe de seu livro "Bar Don Juan", lançado em 1971.
:: Fonte: Releituras | Tiro de letra


OBRA DE W. H. AUDEN EM PORTUGUÊS
:: Diz-me a verdade acerca do amor – Dez poemas. W. H. Auden. [tradução Maria de Lourdes Guimarães]. Lisboa: Relógio D’Água, 1994.
:: O poeta e a cidade. W. H. Auden. [tradução Carlos Felipe Moisés]. Rio de Janeiro: Espectro Editorial, 2009.
:: Poemas – W. H. Auden. [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Antologias (participação)
:: Poetas de Inglaterra. [tradução Péricles Eugênio da Silva Ramos e Paulo Vizioli]. Coleção Textos e Documentos. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, Comissão de Literatura, 1970.
:: Poesia Alheia, 124 Poemas traduzidos. [tradução, organização e prefácio Nelson Ascher; 'Orelhas' de Arthur Nestrovski]. Edição bilíngue. Coleção Lazuli. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1998.

W. H. Auden - foto: Mark B. Anstendig
poemas de w. h. auden (edição bilíngue)


A carta
Desde a primeira descida a um novo
Vale, com um franzir de sobrolhos
Por causa do sol e dos extravios,
Nele ficas, por certo: hoje ouvi o
Grito de um pássaro inopinado
Contra a tempestade, eu agachado
Atrás de um redil de carneiros; vi
O arco do ano completar-se e aí
Refazer-se o gasto giro do amor,
Sem fim nem desvio enganador.
Há de ver, há de passar, como vimos
A andorinha no teto, o verdeprimo
Arrepio da primavera, passou
Um trem solitário, que encerrou
As manobras de Outono. Mas ei-la,
Interrompendo a reflexão caseira,
O pensamento afeito ao entardecer,
A carta, a tua voz mesma a dizer
Muitas coisas, mas não que regressas.

O dedo não dorme, a fala não cessa
Quando amor recebe, bem amiúde,
Uma injusta resposta que o ilude.
Eu, a par das estações, vou indo
Sempre vário e com um amor distinto;
Não questiono em demasia o aceno
E o sorriso pétreo deste ameno
Deus rústico que tem receio, sempre,
De dizer algo mais do que pretende.
.

The letter
From the very first coming down
Into a new valley with a frown
Because of the sun and a lost way,
You certainly remain: to-day
I, crouching behind a sheep-pen, heard
Travel across a sudden bird,
Cry out against the storm, and found
The year’s arc a completed round
And love’s worn circuit re-begun,
Endless with no dissenting turn.
Shall see, shall pass, as we have seen
The swallow on the tile, spring’s green
Preliminary shiver, passed
A solitary truck, the last
Of shunting in the Autumn. But now,
To interrupt the homely brow,
Thought warmed to evening through and through,
Your letter comes, speaking as you,
Speaking of much but not to come.

Nor speech is close nor fingers numb,
If love not seldom has received
An unjust answer, was deceived.
I, decent with the seasons, move
Different or with a different love,
Nor question overmuch the nod,
The stone smile of this country god
That never was more reticent,
Always afraid to say more than it meant.

December 1927
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

O agente secreto
O controle dos passos era, ele o via, a chave
Desse novo distrito, mas quem a obteria?
Ele, o espião experiente, meteu-se na armadilha
Para um falso guia, atraído pelos velhos truques.

Greenheart era um bom lugar para uma barragem
E energia fácil, se houvessem aproximado
Mais a ferrovia. Ignoraram seus telegramas:
Não construíram as pontes e lá vinha encrenca.

Agora, a música das ruas encantava
Quem passou semanas no deserto. Desperto
Pela água fugindo no escuro, várias vezes
Censurou à noite a ausência da companhia
Sonhada. Atirariam, é claro, separando
Facilmente dois que nunca se haviam juntado.
.

The secret agente
Control of the passes was, he saw, the key
To this new district, but who would get it?
He, the trained spy, had walked into the trap
For a bogus guide, seduced by the old tricks.

At Greenheart was a fine site for a dam
And easy power, had they pushed the rail
Some stations nearer. They ignored his wires:
The bridges were unbuilt and trouble coming.

The street music seemed gracious now to one
For weeks up in the desert. Woken by water
Running away in the dark, he often had
Reproached the night for a companion
Dreamed of already. They would shoot, of course,
Parting easily two that were never joined.

January 1928
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Dos 'Poemas Breves' e Dos 'Poemas Breves II'

Receio haja muitos caixa-d’óculos filisteus

que preferem o Museu Britânico ao próprio Deus.

* * *

Honremos, como ideal,
O homem vertical,
Embora valorizemos
Só o horizontal, mesmo.

 * * *

Rostos particulares em lugares públicos
É coisa mais gentil e mais sensata
Do que, em lugares particulares, rostos públicos.



 * * *

A esperança de um poeta: ser,
Como os queijos de certos vales,
Local, mas estimado alhures.

 * * *

Quem poderá jamais imaginar
Calvino, Pascal ou Nietzsche
Como um róseo garoto rechonchudo?

 * * *

Sem mãe capaz de amá-lo
Descartes divorciou
A Mente da Matéria.
.

From SHORTS and from SHORTS II

I’m afraid there’s many a spectacled sod
Prefers the British Museum to God.

 * * *

Let us honour if we can
The vertical man.
Though we value none
But the horizontal one.

 * * *

Private faces in public places
Are wiser and nicer
Than public faces in private places.

1929-1931

 * * *

A poet’s hope: to be,
like some valley cheese,
local, but prized elsewhere.

 * * *

Who can picture
Calvin, Pascal or Nietzsche,
as a pink chubby boy?

 * * *

Deprived of a mother to love him,
Descartes divorced
Mind from Matter.

1969-1971
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

A meio caminho
Tendo abdicado facilmente, em termos comparativos,
E despachado teus amigos quase todos,
Escapando de submarino
Com uma barba postiça, meio à espera de que os portos estivessem vigiados,
Chegaste até aqui e não está nevando:
Como iremos celebrar tua chegada?

Haveremos de mencionar, naturalmente,
Teu acampamento anual para os trabalhadores vidreiros de Tutbury,
Tua fase de fotografar pássaros, o teu sonho no Hook,
Mesmo o teu inverno em Praga, embora sem muitos pormenores.
Tua pública recusa de uma bússola
Está marcada para o dia de amanhã.

Olha agora este mapa.
O vermelho quer dizer estrada de primeira, o amarelo de segunda,
As palavras riscadas são campos de batalha, os caracteres góticos
Indicam pontos de interesse arqueológico.

Nosso homem te levará de carro até a Torre de Tiro;
Receamos ser impossível ir mais longe do que isso.
Em Bigsweir trata de procurar o Kelpie.
Se encontrares o sr. Wren é melhor te esconderes dele

Antes de partir, consulta um hidroterapeuta.
Tens alguma pergunta? Não?
                                              Está bem. Já podes ir.
.

Halfway
Having abdicated with comparative ease
And dismissed the greater part of your friends,
Escaping by submarine
In a false beard, half-hoping the ports were watched,
You have got here, and it isn’t snowing:
How shall we celebrate your arrival?

Of course we shall mention
Your annual camp for the Tutbury glass-workers,
Your bird-photography phase, your dream at the Hook,
Even your winter in Prague, though not very fully:
Your public refusal of a compass
Is fixed for to-morrow.

Now look at this map.
Red means a first-class, yellow a second-class road,
Crossed swords are for battlefields, gothic characters
For place of archaeological interest.

Our man will drive you as far as the Shot Tower:
Further than that, we fear, is impossible.
At Bigsweir look out for the Kelpie.
If you meet Mr. Wren it is wiser to hide.

Consult before leaving a water-doctor.
Do you wish to ask any questions?
                                                      Good. You may go.

January 1930
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Lunar, esta beleza
Lunar, esta beleza
É primeva, inteira,
Não tem nenhuma história.
Se a beleza mais tarde
Exibe algum traço,
Foi porque teve amante,
Já não é como antes.

Nisto, qual em sonho,
Vige um outro tempo,
Perdido se o dia
De tudo se apropria.
O tempo são centímetros
E mudanças de alma
Que espectro assombrou,
Perdeu e desejou.

Mas isto, por certo,
Não foi coisa de espectro,
Nem espectro, ela finda,
Sentiu-se a gosto, ainda,
E enquanto persista,
Nem se chega amor
A tal doçura e a dor
Tampouco lhe vem dar
Seu infinito olhar.
.

This lunar beauty
This lunar beauty
Has no history,
Is complete and early;
If beauty later
Bear any feature
It had a lover
And is another.

This like a dream
Keeps other time,
And daytime is
The loss of this;
For time is inches
And the heart’s changes
Where ghosts has haunted,
Lost and wanted.

But this was never
A ghost’s endeavour
Nor, finished this,
Was ghost at ease;
And till it pass
Love shall not near
The sweetness here
Nor sorrow take
His endless look.

April 1930
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Nossos pais caçadores 
Nossos pais caçadores contavam a história
Da tristeza das criaturas,
Lamentavam limites, faltas que ficaram
Completada a sua leitura;
Viam no olhar intolerante do leão,
Por trás da mirada da pesa em agonia,
Amor em busca ardente e pessoal de glória
A que o dom da razão juntava
O pródigo apetite, o liberal poder,
A retidão de um deus.

Quem, educado nessa bela tradição,
Predisse o resultado,
Presumiu fosse Amor por natureza afeito
Às tortuosas vias da culpa,
Que pudessem humanos ligamentos a
Tal ponto alterar os seus gestos sulinos,
E ter por objetivo, madura ambição,
Pensar pensamentos só nossos
Passar fome, trabalhar ilegalmente
E ser de todo anônimo?
.

Hunting Fathers
Our hunting fathers told the story
Of the sadness of the creatures,
Pitied the limits and the lack
Set in their finished features;
Saw in the lion's intolerant look,
Behind the quarry's dying glare,
Love raging for the personal glory
That reason's gift would add,
The liberal appetite and power,
The rightness of a god.

Who, nurtured in that fine tradition,
Predicted the result,
Guessed Love by nature suited to
The intricate ways of guilt,
That human ligaments could so
His southern gestures modify
And make it his mature ambition
To think no thought but ours,
To hunger, work illegally,
And be anonymous?

? May 1934
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Quem é quem
Uma biografia de tostão dar-te-á todos fatos:
Como o Pai surrou-o, como ele bateu em retirada,
Quais as pelejas da sua mocidade, quais os atos
Que o tornaram em seu tempo figura tão afamada;
Como lutou, pescou, caçou, trabalhou noites seguidas,
Como, tonto, escalou novos picos, deu seu nome a um mar:
Escrevem mesmo alguns dos estudiosos da sua vida
Que, como eu e tu, amor fazia-o em prantos desatar.

Com todas as suas honradas, ansiava por uma 
Que em casa se encontra, dizia a crítica boquiaberta;
Fazia pequenos consertos domésticos com jeito
E só; sabia assobiar; ficava sentado satisfeito
Ou zanzando à toa pelo jardim; respondia a certas
Longas, esplêndidas cartas, mas não guardava nenhuma.
.

Who's Who
A shilling life will give you all the facts:
How Father beat him, how he ran away,
What were the struggles of his youth, what acts
Made him the greatest figure of his day:
Of how he fought, fished, hunted, worked all night,
Though giddy, climbed new mountains; named a sea:
Some of the last researchers even write
Love made him weep his pints like you and me.

With all his honours on, he sighed for one
Who, say astonished critics, lived at home;
Did little jobs about the house with skill
And nothing else; could whistle; would sit still
Or potter round the garden; answered some
Of his long marvellous letters but kept none.

? 1934
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Canção de outono
As folhas tombam bem depressa agora,
Nem o copo-de-leite se demora,
Amas de leite estão no campo-santo,
Mas carros de bebê seguem rolando.

Cicios de vizinho, esquerda, direita,
Roubando-nos àquilo que deleita,
Mãos hábeis a gelar no exílio forçado 
De seus joelhos desacompanhados.

Seguindo perto o nosso rastro, a voz
De morto aos centos grita Ai de nós,
Braços erguidos em censura, a opor-
Se-nos com seus falsos gestos de amor.

Ossudos, pela mata revolvida
Correm trolls gritando por comida.
Rouxinol e coruja estão silentes
E o anjo, certo, vai primar por ausente.

Erguer-se clara e inescalável desde
Os longes a Cordilheira do Em-vez-de
De cujos frios ribeiros tão risonhos
Ninguém pode beber, exceto em sonhos.
.

Autumn Song
Now the leaves are falling fast,
Nurse's flowers will not last,
Nurses to their graves are gone,
But the prams go rolling on.

Whispering neighbours left and right
Daunt us from our true delight,
Able hands are forced to freeze
Derelict on lonely knees.

Close behind us on our track,
Dead in hundreds cry Alack,
Arms raised stiffly to reprove
In false attitudes of love.

Scrawny through a plundered wood,
Trolls run scolding for their food,
Owl and nightingale are dumb,
And the angel will not come.

Clear, unscaleable, ahead
Rise the Mountains of Instead,
From whose cold cascading streams
None may drink except in dreams.

March 1936
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

História de detetive
Quem jamais deixou de ter a sua paisagem,
A rua torta da aldeia, a casa em meio às árvores, 
Tudo perto da igreja? Ou então a taciturna casa de cidade, 
A de colunas coríntias, ou então 
O pequeno apartamento proletário, mesmo assim
Um centro, um lar, em que aquelas duas ou três coisas
Que a um homem podem ocorrer, vão ocorrer de fato.
Quem não pode traçar o mapa de sua própria vida, sombrear 
A pequena estação onde se encontra com a amada
E diz-lhe adeus continuamente, assinalar o ponto 
Onde foi primeiramente descoberto o cadáver da felicidade? 

Uma vagabunda ignota? Uma ricaça? Uma coisa enigmática, sempre, 
Com um passado bem sepulto: e quando a verdade, 
Na verdade a respeito da felicidade nossa vem à luz, 
O quanto não devia ela à chantagem e aos namoricos. 

O que vem depois é o de costume.
De acordo com o plano: 
O conflito entre o bom senso distrital 
E a intuição, esse amador exasperante 
Que sempre chega ao local por acaso antes de nós.
Tudo conforme ao plano, quer as mentiras, quer a confissão, 
Até a emocionante caçada final, e a morte. 

Todavia, na derradeira página, uma dúvida insistente: 
E o veredicto, foi justo? Os nervos do juiz, 
Aquela pista, os protestos da assistência, 
E o nosso próprio sorriso... ora, pois sim....

Mas o tempo é o culpado sempre. Alguém tem de pagar 
Pela morte da felicidade, a nossa própria felicidade.
.

Detective story
Who is ever quite without his landscape, 
The straggling village street, the house in trees, 
All near the church? Or else, the gloomy town-house, 
The one with the Corinthian pillars, or 
The tiny workmanlike flat, in any case 
A home, the centre where the three or four things 
That happen to a man do happen? 
Who cannot draw the map of his life, shade in 
The country station where he meets his loves 
And says good-bye continually, mark the spot 
Where the body of his happiness was first discovered? 

An unknown tramp? A magnate? An enigma Always, 
With a well-buried past: and when the truth, 
The truth about our happiness comes out, 
How much it owed to blackmail and philandering. 

What follows is habitual. All goes to plan: 
The feud between the local common sense 
And intuition, that exasperating amateur
Who's always on the stop by chance before us; 
All goes to plan, both lying and confession, 
Down to the thrilling final chase, the kill. 

Yet, on the last page, a lingering doubt: 
The verdict, was it just? The judge's nerves, 
That clue, that protestation from the gallows, 
And our own smile . . . why yes . . . 

But time is always guilty. Someone must pay for 
Our loss of happiness, our happiness itself.

July 1936
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Acalanto
Pousa, amor, a cabeça sonolenta,
Humana sobre o meu braço inconstante;
A beleza das crianças pensativas
Tempo e febres consomem lentamente
E cabe à tumba mostrar quão efêmeras
Essas mesmas crianças vêm a ser:
Mas que em meu braço, até que nasça o dia,
Possa repousar a viva criatura,
Mortal e culpada, e, no entanto, para
Mim a coisa mais bela de se ver.

Nem a alma nem o corpo têm amarras:
Para os amantes, quando eles se deitam
No seu declive indulgente e encantado,
Tomados da languidez costumeira,
Intensa é a visão que Vênus manda
De uma simpatia sobrenatural,
De esperança e amor generalizado;
Enquanto uma abstrata intuição desperta,
No meio das geleiras e das pedras,
Do eremita o êxtase carnal.

Certeza e fidelidade se estiolam
Quando bate meia-noite o relógio
Como se fossem vibrações de um sino,
E lançam seu pedante palavrório,
Aos gritos, os delirantes em voga:
Os últimos centavos a pagar
– Assim o prevê o baralho mofino –
Serão saldados; porém, desta noite,
Que não se perca nenhum pensamento,
Nenhum suspiro, nenhum beijo ou olhar
A beleza, a meia-noite e a visão morrem:
Deixa os ventos do amanhecer, que sopram
Suaves em tua sonhadora cabeça,
Exibirem um dia de tal forma
Propício que o olho e o coração o saúdem,
Satisfeitos com o mundo mortal;
Quer a secura meridiana te veja
Nutrida pela força involuntária
E permita-te ir a noite adversária
Guardada pelo amor universal.
.

Lullaby
 Lay your sleeping head, my love,
Human on my faithless arm;
Time and fevers burn away
Individual beauty from
Thoughtful children, and the grave
Proves the child ephemeral:
But in my arms till break of day
Let the living creature lie,
Mortal, guilty, but to me
The entirely beautiful.

Soul and body have no bounds:
To lovers as they lie upon
Her tolerant enchanted slope
In their ordinary swoon,
Grave the vision Venus sends
Of supernatural sympathy,
Universal love and hope;
While an abstract insight wakes
Among the glaciers and the rocks
The hermit’s carnal ecstasy.

Certainty, fidelity
On the stroke of midnight pass
Like vibrations of a bell
And fashionable madmen raise
Their pedantic boring cry:
Every farthing of the cost,
All the dreaded cards foretell,
Shall be paid, but from this night
Not a whisper, not a thought,
Not a kiss nor look be lost.
Beauty, midnight, vision dies:
Let the winds of dawn that blow
Softly round your dreaming head
Such a day of welcome show
Eye and knocking heart may bless,
Find the mortal world enough;
Noons of dryness find you fed
By the involuntary powers,
Nights of insult let you pass
Watched by every human love.
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

§

Oxford
A natureza invade: velhas gralhas calvas, como bebês ágeis,
Ainda falam, em cada jardim acadêmico, a linguagem dos sentimentos,
Junto às torres, um rio costeiro ainda corre e há de continuar correndo;
    As pedras dessas torres estão inteiramente
    Satisfeitas com o seu peso ainda.

Mineral e criatura, tão apaixonados por si mesmos
Que o pecado da acídia exclui todos os outros,
Desafiam a exaltação dos nossos estudantes com uma beleza descuidosa,
    Contrapondo um só erro
    Às suas faltas inúmeras. 

Lá fora, algumas fábricas, depois o condado inteiro verde,
Onde um cigarro reconforta o mau, um hino o fraco,
Onde milhares se acotovelam irrequietos e gastam seu dinheiro:
    Eros Paidagogos
    Chora em leito virginal. 

E sobre esta cidade tagarela como qualquer outra,
Choram os anjos não adjuntos. Aqui também o conhecimento da morte
É um amor consumptivo e o coração, por natural, recusa
    Uma voz baixa sem lisonjas
    Que não dorme até encontrar alguém que a ouça.
.

Oxford
Nature invades: old rooks in each college garden
Sill talk, like agile babies, the language of feeling,
By towers a river still runs coastward and will run,
    Stones in those towers are utterly
    Satisfied still with their weight.

Mineral and creature, so deeply in love with themselves
Their sin of accidie excludes all others,
Challenge our high-strung students with a careless beauty,
    Setting a single error
    Against their countless faults.

Outside, some factories, then a whole green county
Where a cigarette comforts the evil, a hymn the weak,
Where thousands fidget and poke and spend their money:
    Eros Paidagogos
    Weeps on his virginal bed

And over this talkative city like any other
Weep the non-attached angels. Here too the knowledge of death
Is a consuming love, and the natural heart refuses
     A low unflattering voice
     That sleeps not till it find a hearing.

December 1937
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Musée des Beaux Arts
No que respeita ao sofrimento, nunca se enganavam
Os Velhos Mestres: quão bem lhe compreendiam
A humana posição; de que maneira ocorre
Enquanto alguém está comendo ou abrindo uma janela ou somente andando ao léu.
Como, quando os de idade aguardam reverente, apaixonadamente
O milagroso nascimento, deve sempre haver
Crianças que não desejam particularmente que aconteça, patinando
Num lago junto à beira da floresta:
Eles jamais esquecem
Que mesmo o pavoroso martírio deve prosseguir seu curso
De qualquer modo num canto, nalgum lugar desasseado
Onde os cães levam sua vida canina e o cavalo do algoz
Raspa o traseiro inocente de encontro a uma árvore.

No Ícaro de Breughel, por exemplo: como tudo volta as costas
Pachorrentamente ao desastre: o arador bem pode ter ouvido
A pancada n’água, o grito interrompido,
Mas para ele não era importante o malogro; o sol brilhava
Como cumpria sobre as alvas pernas a sumir-se nas águas
Esverdeadas; e o delicado barco de luxo que devia ter visto
Algo surpreendente, um rapaz despencando do céu,
Precisava ir a alguma parte e continuou calmamente a velejar.
.

Musée des Beaux Arts
About suffering they were never wrong,
The Old Masters: how well, they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just walking dully along;
How, when the aged are reverently, passionately waiting
For the miraculous birth, there always must be
Children who did not specially want it to happen, skating
On a pond at the edge of the wood:
They never forgot
That even the dreadful martyrdom must run its course
Anyhow in a corner, some untidy spot
Where the dogs go on with their doggy life and the torturer’s horse
Scratches its innocent behind on a tree.

In Breughel’s Icarus, for instance: how everything turns away
Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
Have heard the splash, the forsaken cry,
But for him it was not an important failure; the sun shone
As it had to on the white legs disappearing into the green
Water; and the expensive delicate ship that must have seen
Something amazing, a boy falling out of the sky,
Had somewhere to get to and sailed calmly on.

December 1938
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Rimbaud
As noites, os arcos da ferrovia, o feio céu,
Não o sabiam sequer suas horríveis companhias;
A mentira retórica, qual chaminé, o
Queimava em criança: do frio nascera a poesia.

O álcool que o amigo fraco e lírico ofertara
Metodicamente os sentidos desregrou,
Pôs fim ao contrassenso ao qual se acostumara;
Até que de lira e fraqueza se afastou.

O verso era uma doença especial do ouvido;
A integridade não era o bastante; ali estava
O inferno da infância: devia tentar de novo.

Agora, cavalgando em África, sonhava
Com um outro eu, um filho, alguém bem-sucedido,
E sua verdade aceita pelos mentirosos.
.

Rimbaud
The nights, the railway-arches, the bad sky,
His horrible companions did not know it;
But in that child the rhetorician’s lie
Burst like a pipe: the cold had made a poet.

Drinks bought him by his weak and lyric friend
His five wits systematically deranged,
To all accustomed nonsense put an end;
Till he from lyre and weakness was estranged.

Verse was a special illness of the ear;
Integrity was not enough; that seemed
The hell of childhood: he must try again.

Now, galloping through Africa, he dreamed
Of a new self, a son, an engineer,
His truth acceptable to lying men.

December 1938
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Em memória de W. B. Yeats
(m. jan. de 1939)

I

Ele se foi bem no rigor do inverno:
Os riachos estavam congelados, os aeroportos quase desertos,
E a neve desfigurava as estátuas públicas;
O mercúrio baixava na boca do dia agonizante.
Os instrumentos que temos concordam, eles todos,
Em que o dia da sua morte era um dia frio e torvo.

Longe da sua doença,
Os lobos corriam o sempre-verde das florestas,
O rio campônio não se deixava tentar pelos portos elegantes;
Línguas carpideiras mantiveram
A morte do poeta afastada dos seus poemas.

Para ele, porém, foi a última tarde como ele mesmo,
Uma tarde de enfermeiras e boatos;
As províncias do seu corpo revoltaram-se,
Vazias ficaram as praças da sua mente,
Os subúrbios foram invadidos por silêncio.
A corrente do seu sentir cessou: ele tornou-se em admiradores seus.

Agora jaz espalhado por uma centena de cidades
E de todo entregue a afetos não familiares
Para achar sua ventura numa outra espécie de bosque
E ser punido conforme a um código estrangeiro de consciência.
As palavras de um homem que morreu
Modificam-se nas entranhas dos vivos.

Mas a importância e o barulho do amanhã
Quando os corretores berram como feras no recinto da Bolsa
E os pobres têm os sofrimentos a que já estão razoavelmente acostumados,
E cada qual, no cárcere de si mesmo, está quase convencido de ser livre,
Alguns milhares pensarão no dia de hoje
Como se pensa num dia em que se fez algo um tanto fora do comum.

Os instrumentos que temos concordam, eles todos,
Em que o dia da sua morte era um dia frio e torvo.

II

Eras tolo como nós; teu dom sobreviveu a tudo:
À paróquia de mulheres ricas, à decadência física,
A ti mesmo. A louca Irlanda feriu-te em poesia.
Agora a Irlanda tem a loucura e o clima quietos,
Pois a poesia nada faz acontecer: sobrevive
No vale da sua criação onde jamais executivos
Quereriam brincar, e corre para o sul
De ranchos de isolamento e atarefadas mágoas,
Rudes cidades nas quais acreditamos e morremos; sobrevive,
Um jeito de acontecer, um estuário.

III

Terra, acolhe um hóspede famoso:
William Yeats, e dá-lhe repouso.
Fique a taça da Irlanda vazia
Do que continha de poesia.

Num pesadelo cor de breu,
Latem todos os cães europeus,
E as nações vivas estão à espera,
Cada qual no ódio que a encarcera.

A desgraça intelectual se vê
Nos rostos humanos e
A piedade retida, mar
Que se congelou em cada olhar.

Vai, poeta, vai e que te acoite
O próprio âmago da noite;
Com a tua indômita voz
Persuade ao júbilo todos nós;

Lavra com o teu verso, e que do
Chão da praga nasça um vinhedo.
Celebra o malogro do humano intento
Num arroubo de sofrimento.

Abre, nos ermos do coração,
As fontes da consolação;
No cárcere dos dias que vive,
Ensina o louvor ao homem livre.
.

In memory of W. B. Yeats
(d. Jan. 1939)

I

He disappeared in the dead of winter:
The brooks were frozen, the airports almost deserted,
And snow disfigured the public statues;
The mercury sank in the mouth of the dying day.
What instruments we have agree 
The day of his death was a dark cold day.

Far from his illness
The wolves ran on through the evergreen forests,
The peasant river was untempted by the fashionable quays;
By mourning tongues
The death of the poet was kept from his poems.

But for him it was his last afternoon as himself,
An afternoon of nurses and rumours;
The provinces of his body revolted,
The squares of his mind were empty.
Silence invaded the suburbs,
The current of his feeling failed; he became his admirers.

Now he is scattered among a hundred cities
And wholly given over to unfamiliar affections,
To find his happiness in another kind of wood
And be punished under a foreign code of conscience.
The words of a dead man
Are modified in the guts of the living.

But in the importance and noise of to-morrow
When the brokers are roaring like beasts on the floor of the Bourse,
And the poor have the sufferings to which they are fairly accustomed,
And each in the cell of himself is almost convinced of his freedom,
A few thousand will think of this day
As one thinks of a day when one did something slightly unusual.

What instruments we have agree 
The day of his death was a dark cold day.

II

You were silly like us; your gift survived it all:
The parish of rich women, physical decay,
Yourself; Mad Ireland hurt you into poetry.
Now Ireland has her madness and her weather still,
For poetry makes nothing happen: it survives
In the valley of its saying where executives
Would never want to tamper, it flows south
From ranches of isolation and the busy griefs,
Raw towns that we believe and die in; it survives,
A way of happening, a mouth.

III

Earth, receive an honoured guest:
William Yeats is laid to rest.
Let the Irish vessel lie
Emptied of its poetry.

In the nightmare of the dark
All the dogs of Europe bark,
And the living nations wait,
Each sequestered in its hate;

Intellectual disgrace
Stares from every human face,
And the seas of pity lie
Locked and frozen in each eye.

Follow, poet, follow right
To the bottom of the night,
With your unconstraining voice
Still persuade us to rejoice;

With the farming of a verse
Make a vineyard of the curse,
Sing of human unsuccess
In a rapture of distress;

In the deserts of the heart
Let the healing fountain start,
In the prison of his days
Teach the free man how to praise.

February 1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Voltaire em Ferney
Quase feliz agora, contemplava as suas propriedades.
Um exilado, relojoeiro, viu-o passando, mas não
Parou seu labor; de um asilo em adiantada construção,
Um carpinteiro o saudou; um agente veio-lhe dizer
Que algumas das árvores que plantara iam a bom crescer.
Os brancos Alpes brilhavam. Verão. E ele: uma sumidade.

Longe, em Paris, onde os seus inimigos, aliás,
O chamavam de iniquo, numa cadeira ereta, uma cega
Anciã esperava a morte e cartas. Ele lhe escreveria:
“Nada melhor que a vida.” E era? Sim, se se combatia
O falso e o injusto, certamente que a refrega
Valia a pena. Assim como a jardinagem. Civilizar.

Engabelando, ralhando, tramando, mente mais ladina
Que nenhuma, chefiava numa guerra santa as demais crianças
Contra os vis adultos e, como crianças, quando preciso fora,
Valera-se, humilde e velhaco, por amor da segurança,
Da resposta dúplice ou da mera mentira protetora.
Mas, constante como um campônio, aguardava-lhes a ruína.

Jamais descreu, como D'Alembert, de que seria vitorioso.
Somente Pascal era o grande inimigo, porque os restantes
Eram ratos já envenenados; porém havia tanto
Que fazer e apenas com ele se podia contar; quanto.
Ao pobre Diderot, era algo parvo porém perseverante;
Rousseau, sempre o soubera, iria desistir, todo choroso.

Sentinela, não podia dormir. Crimes, execuções,
Terremotos enchiam a noite. Em breve estaria morto.
Pela Europa toda ainda havia amas-secas com perversos
Desejos de cozinhar suas crianças. É só os versos  
Dele as deveria talvez. Ao trabalho. Lá no alto, absortos,   
Os astros compunham sem queixa suas lúcidas canções.
.

Voltaire at Ferney
Almost happy now, he looked at his estate.
An exile making watches glanced up as he passed,
And went on working; where a hospital was rising fast
A joiner touched his cap; an agent came to tell
Some of the trees he'd planted were progressing well.
The white Alps glittered. It was summer. He was very great.

Far off in Paris, where his enemies
Whsipered that he was wicked, in an upright chair
A blind old woman longed for death and letters. He would write
“Nothing is better than life.” But was it? Yes, the fight
Against the false and the unfair
Was always worth it. So was gardening. Civilize.

Cajoling, scolding, screaming, cleverest of them all,
He'd led the other children in a holy war
Against the infamous grown-ups, and, like a child, been sly
And humble when there was occassion for
The two-face answer or the plain protective lie,
But, patient like a peasant, waited for their fall.

And never doubted, like D'Alembert, he would win:
Only Pascal was a great enemy, the rest
Were rats already poisoned; there was much, though, to be done,
And only himself to count upon.
Dear Diderot was dull but did his best;
Rousseau, he'd always known, would blubber and give in.

So, like a sentinel, he could not sleep. The night was full of wrong,
Earthquakes and executions. Soon he would be dead,
And still all over Europe stood the horrible nurses
Itching to boil their children. Only his verses
Perhaps could stop them: He must go on working: Overhead
The uncomplaining stars composed their lucid song.

February 1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Herman Melville
(A Lincoln Kirstein)

Perto do fim velejou rumo a uma extraordinária mansuetude
E ancorou em sua própria casa e chegou até a esposa
E vogou dentro do golfo da mão dela
Que atravessava todas as manhãs para ir a um escritório
Como se a sua ocupação fosse outra ilha.

A bondade existia: era esse o saber novo.
Seu terror teve de arder até esgotar-se
Para ele poder vê-la; mas fora o temporal que o arrastara
Além do cabo Horn do sucesso perceptível
Que brada: “Este rochedo é o Éden. Naufragai aqui.”

Ensurdeceu-o com trovões, porém; com raios confundiu-o:
— O herói maniaco a buscar, como se joia,
O raro monstro ambíguo que o sexo lhe arruinara,
Ódio por ódio terminando em grito,
O inexplicado sobrevivente atalhando o pesadelo —
Tudo isto era intrincado e fácil; a verdade era bem simples.

O Mal é pouco aparatoso e sempre humano
E partilha o nosso leito e come à nossa mesa,
E somos apresentados à Bondade todo dia,
Mesmo em salas de visita entre uma turba de enganos;
Tem um nome, algo assim como Billy, e é quase perfeito,
Mas ostenta uma gagueira como se fosse enfeite;
E toda vez que se encontram o mesmo tem de acontecer;
É o Mal que qual amante se vê só e sem socorro
E lhe cumpre puxar briga e dela sair bem,
E ambos claramente se destroem aos nossos olhos.

Pois agora ele estava desperto e bem sabia
Que ninguém é poupado nunca, exceto em sonhos.
Mas havia algo mais que o pesadelo distorcera —
Mesmo o castigo era humano e uma forma de amor:
A tormenta a rugir fora a presença do seu pai
E no peito do pai havia sido carregado o tempo todo.

O pai agora o pôs no chão, com jeito, e foi-se embora.
Ele ficou de pé na exígua sacada, ouvido à escuta:
Como na infância, os astros cantavam lá de cima
“Tudo é vaidade, tudo’’, mas não era a mesma coisa;
Pois agora as palavras desciam como a calma das montanhas —
— Nathaniel havia sido tímido porque o seu amor era egoísta —
Renascido, gritou, de exultação rendido:
“A Divindade partiu-se como um pão. Nós somos os pedaços.”

E sentou-se à escrivaninha e escreveu um conto.
.

Herman Melville
(for Lincoln Kirstein)
Towards the end he sailed into an extraordinary mildness,
And anchored in his home and reached his wife
And rode within the harbour of her hand,
And went across each morning to an office
As though his occupation were another island.
Goodness existed: that was the new knowledge.
His terror had to blow itself quite out
To let him see; but it was the gale had blown him
Past the Cape Horn of sensible success
Which cries: 'This rock is Eden. Shipwreck here.'

But deafened him with thunder and confused with lightning:
— The maniac hero hunting like a jewel
The rare ambiguous monster that had maimed his sex,
Hatred for hatred ending in a scream,
The unexplained survivor breaking off the nightmare —
All that was intricate and false; the truth was simple.
Evil is unspectacular and always human,
And shares our bed and eats at our own table,
And we are introduced to Goodness every day,
Even in drawing-rooms among a crowd of faults;
He has a name like Billy and is almost perfect,
But wears a stammer like a decoration:
And every time they meet the same thing has to happen;
It is the Evil that is helpless like a lover
And has to pick a quarrel and succeeds,
And both are openly destroyed before our eyes.
For now he was awake and knew
No one is ever spared except in dreams;
But there was something else the nightmare had distorted —
Even the punishment was human and a form of love:
The howling storm had been his father's presence
And all the time he had been carried on his father's breast.
Who now had set him gently down and left him.
He stood upon the narrow balcony and listened: 
And all the stars above him sang as in his childhood
'All, all is vanity,' but it was not the same;
For now the words descended like the calm of mountains —
— Nathaniel had been shy because his love was selfish —
Reborn, he cried in exultation and surrender
'The Godhead is broken like bread. We are the pieces.'

And sat down at his desk and wrote a story.

March 1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

1º de setembro de 1939
Hoje me sento num bar 
Da rua 52 
Apavorado e sem rumo
Vendo a esperança expirar
Desses dez anos gatunos:
Ondas de ódio e de pavor
Circulam por claras áreas
– E obscurecidas – da Terra
Obsedando nossas vidas;
Esta noite de setembro, 
O odor da morte fere-a.

Pode a erudição acurada
Desenterrar todo o agravo
De Lutero aos dias que correm
Que enlouqueceu uma cultura,
Descobrir o que houve em Linz,
Que tão fantástica imagem
Criou um deus psicopata:
Eu e os fregueses sabemos
O que toda criança sabe,
Aquele que sofre o mal
O praticará mais tarde.

Sabia, no exílio, Tucídides
Tudo o que pode um discurso
Dizer de Democracia,
E o que os ditadores fazem,
Velhas bobagens que falam
Para uma cova impassível:
Tudo descrito em seu livro
E por sua vez já esquecido,
Voltamos neste momento
Aos costumeiros maus líderes
E ao habitual sofrimento. 

No ar neutro em que anunciam a
Força do Homem Coletivo,
Usando toda a sua altura,
Os cegos arranha-céus,
Em vão cada língua atira
Pretexto competitivo:
Mas quem vive muito tempo
A ilusão de um sonho eufórico?
De dentro do espelho observam
A face do imperialismo
E o ecumênico tormento.

Rostos no balcão do bar
Se agarram ao dia mediano:
A luz não deve apagar
Nem deve parar o piano.
Conspiram as convenções
Para que esse forte assuma
Os mais domésticos tons
E não se veja onde estamos:
Perdidos numa floresta 
– Crianças com medo da noite,
Longe do bem e da festa.

Todo o lixo militante
Que cospem os figurões
Não é cru quão nosso desejo:
Escreveu o louco Nijinski
Sobre Diaghilev o que
Vale para qualquer um;
Pois o erro nascido no osso
De cada homem e mulher
Quer o que não pode ter,
Não o amor universal
Mas, sim o individual.

Da noite conservadora
Rumo ao ético viver
Apinham-se os passageiros
Com seus votos matutinos:
“Fidelidade à mulher,
Concentração no trabalho.”
Governantes impotentes
Retomam seu compulsório
Jogo: quem os livrará,
A quem o surdo ouvirá
Ou falará pelo mudo?

Tudo que tenho é uma voz
Para desfazer o véu
De romântica mentira
Do sensual homem da rua
E aquela da Autoridade
Cujo prédio atinge o céu:
O Estado é uma irrealidade
E ninguém existe só;
A fome não deixa opção
A polícia ou ao cidadão;
Sem amor, viver quem há de?

Na noite, desprotegido 
E em estupor vive o mundo;
No entanto irônicas luzes
Aqui e ali mostram seu brilho,
Onde quer que troquem os 
Justos as suas mensagens:
Posso eu, como eles composto
De Eros e pó e assediado
Por negação e desespero,
Ser também iluminado.
.

September 1, 1939
 I sit in one of the dives
On Fifty-second Street
Uncertain and afraid
As the clever hopes expire
Of a low dishonest decade:
Waves of anger and fear
Circulate over the bright 
And darkened lands of the earth,
Obsessing our private lives;
The unmentionable odour of death
Offends the September night.

Accurate scholarship can 
Unearth the whole offence
From Luther until now
That has driven a culture mad,
Find what occurred at Linz,
What huge imago made
A psychopathic god:
I and the public know
What all schoolchildren learn,
Those to whom evil is done
Do evil in return. 

Exiled Thucydides knew
All that a speech can say
About Democracy,
And what dictators do,
The elderly rubbish they talk
To an apathetic grave;
Analysed all in his book,
The enlightenment driven away,
The habit-forming pain,
Mismanagement and grief:
We must suffer them all again.

Into this neutral air
Where blind skyscrapers use
Their full height to proclaim
The strength of Collective Man,
Each language pours its vain
Competitive excuse:
But who can live for long
In an euphoric dream;
Out of the mirror they stare,
Imperialism’s face
And the international wrong.

Faces along the bar
Cling to their average day:
The lights must never go out,
The music must always play,
All the conventions conspire 
To make this fort assume
The furniture of home;
Lest we should see where we are,
Lost in a haunted wood,
Children afraid of the night
Who have never been happy or good.

The windiest militant trash
Important Persons shout
Is not so crude as our wish:
What mad Nijinsky wrote
About Diaghilev
Is true of the normal heart;
For the error bred in the bone
Of each woman and each man
Craves what it cannot have,
Not universal love
But to be loved alone.

From the conservative dark
Into the ethical life
The dense commuters come,
Repeating their morning vow,
“I will be true to the wife,
I’ll concentrate more on my work”,
And helpless governors wake
To resume their compulsory game:
Who can release them now,
Who can reach the deaf,
Who can speak for the dumb?

All I have is a voice
To undo the folded lie,
The romantic lie in the brain
Of the sensual man-in-the-street
And the lie of Authority
Whose buildings grope the sky:
There is no such thing as the State
And no one exists alone;
Hunger allows no choice
To the citizen or the police;
We must love one another or die.

Defenceless under the night
Our world in stupor lies;
Yet, dotted everywhere,
Ironic points of light
Flash out wherever the Just
Exchange their messages:
May I, composed like them
Of Eros and of dust,
Beleaguered by the same
Negation and despair,
Show an affirming flame.

September 1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Nosso pendor
A ampulheta sussurra ao rugido do leão.
Diz o relógio da torre ao jardim ali perto,
Que, sendo o Tempo paciente com os erros, quão
Errados eles estão de estarem sempre certos.

O Tempo, no entanto, quer badale grave ou alto,
Por veloz que se despenque em torrente raivosa,
Nunca de leão algum logrou deter o salto
Nem abalar jamais a firmeza de uma rosa.

Para ambos, só o sucesso importa, pelo jeito:
Enquanto escolhemos as palavras pelo som
E julgamos um problema por seu desajeito.

O Tempo sempre nos traz divertimento, e bom:
Quem não prefere dar umas voltas, fazer hora,
Em vez de vir direto para onde está agora?
.

Our bias
The hour-glass whispers to the lion's roar,
The clock-towers tell the gardens day and night
How many errors Time has patience for,
How wrong they are in being always right.

Yet Time, however loud its chimes or deep,                           
However fast its falling torrent flows,
Has never put one lion off his leap
Nor shaken the assurance of a rose.

For they, it seems, care only for success:                           
While we choose words according to their sound
And judge a problem by its awkwardness;

And Time with us was always popular.
When have we not preferred some going round
To going straight to where we are?

September1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Em memória de Sigmund Freud
(m. set. de 1939)

Quando há tantas pessoas a quem devemos lamentar,
quando se tornou assim tão pública a aflição e expôs
à critica de toda uma época
nossa frágil consciência, nossa angústia,

de quem iremos falar? Se todos os dias morrem
entre nós os que nos faziam algum bem, embora
nunca o bastante, sabiam, mas
contavam, vivendo,  aumentá-lo um pouco.

Assim era este médico: aos oitenta desejava
refletir sobre a nossa vida, cuja indisciplina
tanto porvir plausível, jovem,
quer domar com ameaças ou lisonjas,

mas seu desejo foi negado: ele fechou os olhos
sobre o último quadro, a todos nós comum, de problemas
como parentes congregados
perplexos e ciumentos de morrermos.

À volta dele, até o último alento, se postaram
aqueles − fauna da noite − a quem havia estudado,
e sombras inda à espera de entrar
no claro âmbito do seu entendimento,

foram-se alhures com seu desaponto quando ele,
afastado do interesse de toda sua vida,
voltou de novo à terra, em Londres,
importante judeu morto no exílio.

Só o Ódio é que ficou feliz, na esperança de aumentar
sua clinica então e sua sórdida clientela
que pensa curar-se com matar
e cobrir depois de cinzas os jardins.

Eles estão vivos ainda, mas num mundo que ele
mudou com olhar para trás sem falsos pesares;
tudo quanto fez foi, como os velhos,
lembrar e, como as crianças, ser honesto.

Nunca jamais foi esperto: limitava-se a dizer
ao Presente infeliz que recitasse o Passado qual
uma lição de poesia até
mais cedo ou mais tarde hesitar no verso onde,

havia muito, as acusações tinham começado,
e repentinamente descobrir quem o julgara,
como a vida fora rica e tola,
e, com a vida perdoada e mais humilde,

poder aproximar-se do Futuro como amigo
sem um guarda-roupa inteiro de desculpas, sem uma
máscara de retidão ou gesto
de embaraçosa e excessiva intimidade.

Não admira que as antigas culturas presunçosas
na técnica de deslocamento dele antevissem
quedas de reis, colapsos dos
seus lucrativos padrões de frustração:

se ele tivesse êxito, a Vida Generalizada
tornar-se-ia impossível, o monolito do Estado
seria quebrado e impedida
a colaboração dos vingadores.

Claro que invocavam a Deus, mas ele prosseguia em seu
caminho para baixo, até a perdida gente, como Dante,
até a vasa onde os ofensos
levam a vida vil dos rejeitados,

e nos mostrava o que eram o mal, não, como pensávamos,
atos a serem punidos, mas nossa falta de fé,
nosso modo desonesto de
negar a concupiscência do opressor.

Se traços da atitude autocrática, do paternal
rigor por que tinha suspicácia, ainda se apegavam
às suas palavras e feições,
eram só um colorido protetor

de quem viveu tempo demais entre gente inimiga:
se estava amiúde errado e eram algumas vezes absurdo,
já não é mais uma pessoa
para nós, mas um clima de opinião

dentro do qual vivemos nossas diferentes vidas:
como o tempo ele só pode ajudar ou atrapalhar;
o soberbo continua a sê-lo,
acha porém mais difícil, o tirano

tenta enganá-lo, mas não se importa muito com ele:
sem alarde ele afeta o nosso desenvolvimento
até os exaustos, mesmo no
ducado mais remoto e miserável,

sentirem em seus ossos a mudança e animarem-se,
até a criança inditosa, no seu pequeno Estado,
algum lar sem liberdade,
colmeia cujo mel é medo e angústia,

sentir-se mais calma agora e certa de uma saída
qualquer, enquanto, na grama da nossa negligência,
tantos objetos esquecidos
pelo seu brilho não encorajado,

nos são devolvidos e de novo tornam-se preciosos;
brinquedos que achávamos ter de deixar quando grandes,
barulhinhos de que não ousávamos
rir, caretas que fazíamos a furto.

Mas ele não deseja mais do que isso. Ser livre
é com frequência estar sozinho. Ele cuidava de unir
metades desiguais rompidas
por nossa boa intenção de sermos justos;

de devolver aos maiores a agudeza e vontade
que os menores possuem e costumam somente usar
em tolas disputas, dar de volta
ao filho a opulência do sentir materno:

ele cuidava acima de tudo era de lembrar-nos
que nos deixássemos arrebatar pela noite, não
apenas pelo senso de pasmo
que por si só nos dá, mas também

porque precisa o nosso amor. Os grandes olhos tristes
de suas doces criaturas rogam mudamente
que as convidemos a seguir-nos;
são banidos que aspiram ao futuro

que está em nossas mãos, eles também se alegrariam
se lhes permitissem servir, como ele, à iluminação,
e suportar nosso grito: “Judas!”
como ele suportou e os que o servirem.

Uma voz racional calou-se. Sobre a sua tumba,
a família do Impulso pranteia um ente querido.
Eros está triste, o construtor
de cidades; chora a anárquica Afrodite.
.

In memory of Sigmund Freud
(d. Sept. 1939)

When there are so many we shall have to mourn,
when grief has been made so public, and exposed
to the critique of a whole epoch
the frailty of our conscience and anguish,

of whom shall we speak? For every day they die
among us, those who were doing us some good,
who knew it was never enough but
hoped to improve a little by living.

Such was this doctor: still at eighty he wished
to think of our life from whose unruliness
so many plausible young futures
with threats or flattery ask obedience,

but his wish was denied him: he closed his eyes
upon that last picture, common to us all,
of problems like relatives gathered
puzzled and jealous about our dying.

For about him till the very end were still
those he had studied, the fauna of the night,
and shades that still waited to enter
the bright circle of his recognition

turned elsewhere with their disappointment as he
was taken away from his life interest
to go back to the earth in London,
an important Jew who died in exile.

Only Hate was happy, hoping to augment
his practice now, and his dingy clientele
who think they can be cured by killing
and covering the garden with ashes.

They are still alive, but in a world he changed
simply by looking back with no false regrets;
all he did was to remember
like the old and be honest like children.

He wasn’t clever at all: he merely told
the unhappy Present to recite the Past
like a poetry lesson till sooner
or later it faltered at the line where

long ago the accusations had begun,
and suddenly knew by whom it had been judged,
how rich life had been and how silly,
and was life-forgiven and more humble,

able to approach the Future as a friend
without a wardrobe of excuses, without
a set mask of rectitude or an
embarrassing over-familiar gesture.

No wonder the ancient cultures of conceit
in his technique of unsettlement foresaw
the fall of princes, the collapse of
their lucrative patterns of frustration:

if he succeeded, why, the Generalised Life
would become impossible, the monolith
of State be broken and prevented
the co-operation of avengers.

Of course they called on God, but he went his way
down among the lost people like Dante, down
to the stinking fosse where the injured
lead the ugly life of the rejected,

and showed us what evil is, not, as we thought,
deeds that must be punished, but our lack of faith,
our dishonest mood of denial,
the concupiscence of the oppressor.

If some traces of the autocratic pose,
the paternal strictness he distrusted, still
clung to his utterance and features,
it was a protective coloration

for one who’d lived among enemies so long:
if often he was wrong and, at times, absurd,
to us he is no more a person
now but a whole climate of opinion

under whom we conduct our different lives:
Like weather he can only hinder or help,
the proud can still be proud but find it
a little harder, the tyrant tries to

make do with him but doesn’t care for him much:
he quietly surrounds all our habits of growth
and extends, till the tired in even
the remotest miserable duchy

have felt the change in their bones and are cheered,
till the child, unlucky in his little State,
some hearth where freedom is excluded,
a hive whose honey is fear and worry,

feels calmer now and somehow assured of escape,
while, as they lie in the grass of our neglect,
so many long-forgotten objects
revealed by his undiscouraged shining

are returned to us and made precious again;
games we had thought we must drop as we grew up,
little noises we dared not laugh at,
faces we made when no one was looking.

But he wishes us more than this. To be free
is often to be lonely. He would unite
the unequal moieties fractured
by our own well-meaning sense of justice,

would restore to the larger the wit and will
the smaller possesses but can only use
for arid disputes, would give back to
the son the mother’s richness of feeling:

but he would have us remember most of all
to be enthusiastic over the night,
not only for the sense of wonder
it alone has to offer, but also

because it needs our love. With large sad eyes
its delectable creatures look up and beg
us dumbly to ask them to follow:
they are exiles who long for the future

that lives in our power, they too would rejoice
if allowed to serve enlightenment like him,
even to bear our cry of ‘Judas’,
as he did and all must bear who serve it.

One rational voice is dumb. Over his grave
the household of Impulse mourns one dearly loved:
sad is Eros, builder of cities,
and weeping anarchic Aphrodite.

November 1939
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Lutero
Consciência pronta a ouvir o ronco do trovão,
Viu o Diabo no vento, todo atarefado
Entrar em campanários, passar sob o vão
Da porta de freiras e doutos em pecado.

O desastre, de que modo evita-lo, como
Aparar o espinheiro dos enganos do homem?
Carne, um cão silente a morder o seu dono;
Mundo, um lago mudo que os filhos seus consome.

O estopim do Juízo queimava em sua mente:
“Fumiga esta colméia de abelhas, Senhor:
Tudo – obras, Sociedades, Grandes Homens – mente.
O Justo viverá pela fé...” gritou, temente.

E quem, homem e mulher do mundo, o temor
Ou zelo nunca atormentou, ficou contente.
.

Luther
With conscience cocked to listen for the thunder,
He saw the Devil busy in the wind,
Over the chiming steeples and then under
The doors of nuns and doctors who had sinned.

What apparatus could stave off disaster
Or cut the brambles of man´s error down?
Flesh was a silent dog that bites its master,
World a still pond in which its children drown.

The fuse of Judgement spluttered in his head:
´Lord, smoke these honeyed insects from their hives.
All works, Great Men, Societies are bad.
The Just shall live by Faith...’ he cried in dread.

And men and women of the world were glad,
Who´d never cared or trembled in their lives.

1940
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Um lugar sadio
São gente boa ― ninguém de nós sonharia jamais
Em examinar com lente um contrato deles, ou tampouco
Esconder-lhes, sob chave, nossas cartas ― são
Gentis e eficientes, outrossim ― tem-se o que se pede.
Mas o que está errado então de, vivendo no meio deles,
Surpreender-nos constantemente o número avultado
De casamentos felizes e pessoas infelizes?
Comparecem às palestras sobre Problemas de Pós-Guerra,
Pois importam-se, querem de fato ajudar; no entanto,
Quando atentam para a terra, nos seus matutinos,
Que haverá de entender-lhe, das loucuras, dos horrores,
Quem nunca sentiu, disso estamos convictos, repentino
Desejo de torturar um gato ou tirar a roupa
Em local público? Terão eles jamais, é de pensar-se,
Querido de verdade ver um unicórnio, mesmo que
Já estivesse morto? Provavelmente. Mas não o dirão,
Ignorando, por tácita anuência, a sede nossa
De vida eterna, essa enjaulada questão sob censura
Que ocasionalmente nos escapa em piqueniques ou
Reuniões estudantis, e que as histórias de sala de fumantes,
De modo assaz irônico, são as únicas ainda a veicular.
.

A healthy spot
They're nice ― one would never dream of going over
Any contract of theirs with a magnifying
Glass, or of locking up one's letters ― also
Kind and efficient ― one gets what one asks for.
Just what is wrong, then, that, living among them,
One is constantly struck by the number of
Happy marriages and unhappy people?
They attend all the lectures on Post-War Problems,
For they do mind, they honestly want to help; yet,
As they notice the earth in their morning papers,
What sense do they make of its folly and horror
Who have never, one is convinced, felt a sudden
Desire to torture the cat or do a strip-tease
In a public place? Have they ever, one wonders,
Wanted so much to see a unicorn, even
A dead one? Probably. But they won't say so,
Ignoring by tacit consent our hunger
For eternal life, that caged rebuked question
Occasionally let out at clambakes or
College reunions, and which the smoking-room story
Alone, ironically enough, stands up for.

? February 1944
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Um passeio noturno
Noite assim sem nuvens, tão bonita
Eleva o espírito às alturas.
No fim de um dia assaz afoito
A estelar mecânica suscita
Um pasmo que leve tedio desfigura,
Como no século dezoito.

À nossa adolescência comprazia
Olhar tão impudente.
Não podiam, as coisas que eu fazia,
Ser tão chocantes quanto propalado.
Pois tudo continuava lá presente
Depois de mortos os chocados.

Agora, ainda não pronto para a morte
Mas já naquele estágio
Em que nos causa enfado a mocidade,
É natural eu me conforte
A contar tais pontos no céu, como apanágio
Também da meia-idade.

Traz aconchego conceber a noite
Mais como Abrigo ou Luz de Gente Idosa
Que de impecável máquina guarida;
A rubra luz pré-Cambriana foi-se
Tal como a Roma Imperial e gloriosa
Ou como eu próprio aos dezessete anos de vida.

E por mais que nos possa seduzir
O estilo estoico, alta tribuna
A que os autores clássicos se afizeram,
Somente os jovens e os de fortuna
Tem força e garra para produzir
A nota musical das lacrimae rerum.

Pois o presente avança tão loução
Quanto o passado, e os seus detratores
Choramingam, mas ninguém presta atenção.
Para a verdade não há esconderijo;
Alguém escolhe as suas próprias dores
E lhe acontece o que não é preciso.

Talvez nesta mesma noite, por efeito
De regra ou norma ainda interina, 
Lançaste algum evento acidental
Seu primo e débil repto ao direito
Das leis aceites para disciplina
Do nosso mundo pós-diluvial.

E enquanto os astros ficam a brilhar
No céu, dos fins últimos alheados,
Eu volto a casa para ir-me deitar
Perguntando que juízo final espera
Minha pessoa, a dos meus amigos, e a dos
Estados Unidos da América.
.

A Walk After Dark
A cloudless night like this 
Can set the spirit soaring: 
After a tiring day 
The clockwork spectacle is 
Impressive in a slightly boring 
Eighteenth-century way. 

It soothed adolescence a lot 
To meet so shamelesss a stare; 
The things I did could not 
Be so shocking as they said 
If that would still be there 
After the shocked were dead 

Now, unready to die 
Bur already at the stage 
When one starts to resent the young, 
I am glad those points in the sky 
May also be counted among 
The creatures of middle-age. 

It's cosier thinking of night 
As more an Old People's Home 
Than a shed for a faultless machine, 
That the red pre-Cambrian light 
Is gone like Imperial Rome 
Or myself at seventeen. 

Yet however much we may like 
The stoic manner in which 
The classical authors wrote, 
Only the young and rich 
Have the nerve or the figure to strike 
The lacrimae rerum note. 

For the present stalks abroad 
Like the past and its wronged again 
Whimper and are ignored, 
And the truth cannot be hid; 
Somebody chose their pain, 
What needn't have happened did. 

Occuring this very night 
By no established rule, 
Some event may already have hurled 
Its first little No at the right 
Of the laws we accept to school 
Our post-diluvian world: 
But the stars burn on overhead, 
Unconscious of final ends, 
As I walk home to bed, 
Asking what judgment waits 
My person, all my friends, 
And these United States.

August 1948
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

A solitária nata
Eu ouvia da sombra, numa cadeira de praia,
A gama de ruídos que por meu jardim se espraia
E julgava de toda conveniência se isentasse
Do dom da palavra tanto os vegetais como as aves.

Um tordo sem nome de batismo repetia
O Hino Tordo, que era tudo quanto conhecia.
Por terceiro esperavam as flores roçagantes
Pra dizer-lhes, sendo o acaso, quais os pares dos amantes.

Não seria, nenhum deles, capaz de mentir;
Tampouco havia ali quem sentisse a morte vir-
-Lhe ou, que, com ritmo ou rima, pudesse dar tento
Da sua responsabilidade pelo tempo.

Ficasse a linguagem para a solitária nata
Dos que contam os dias e esperam certas cartas.
Ao rir e ao chorar, nós também fazemos ruídos.
Palavras são só para os que estão comprometidos.
.

Their lonely betters
As I listened from a beach-chair in the shade
To all the noises that my garden made, 
It seemed to me only proper that words
Should be withheld from vegetables and birds.

A robin with no Christian name ran through
The Robin-Anthem which was all it knew, 
And rustling flowers for some third party waited
To say which pairs, if any, should get mated.

Not one of them was capable of lying, 
There was not one which knew that it was dying
Or could have with a rhythm or a rhyme
Assumed responsibility for time.

Let them leave language to their lonely betters
Who count some days and long for certain letters; 
We, too, make noises when we laugh or weep: 
Words are for those with promises to keep.

? June 1950
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

O escudo de Aquiles 
Por cima do ombro dele buscava
    Ela vinhedos com oliveiras,
Barcos cruzando mares indômitos
    E cidades de mármore, ordeiras.
Mas ali, no luzente metal,
    As mãos dele haviam posto, juntos,
Uma vastidão artificial
    E um céu feito de chumbo.

Uma planície parda, nua, sem qualquer
    Folha de relva ou sinal de habitação,
Nada de comer, nem onde sentar sequer;
    Reunida porém naquela desolação,
    Uma ininteligível multidão,
Um milhão de olhos e de botas perfilando-se,
Sem expressão, à espera da ordem de comando.

Vinda do espaço, uma voz sem rosto mostrava,
    Monótona e árida como o próprio lugar,
Ser justa, por estatística, uma certa causa.
    Não se ouviu ninguém discutir ou aclamar;
    Coluna após coluna, nuvem de pó no ar,
Foram-se marchando, submissos a uma fé
Cuja lógica os levou, alhures, ao revés

Por cima do ombro dele buscava
    Ela devotamentos rituais
E novilhas com guirlandas de alvas
    Flores, libações sacrificiais,
Mas ali, no luzente metal,
    Em vez de altar avistou somente,
À luz fremente da forja dele,
    Uma cena muito diferente.

Área cercada de arame farpado; dentro,
    Oficiais passeavam seu tédio (fez piada, um);
Sentinelas suavam no calor intenso:
    Imóvel, uma turba de gente comum
    Olhava de fora, sem comentário algum,
Três pálidas figuras serem amarradas
A três estacas em pé, no chão fincadas.

A massa e majestade deste mundo, tudo
    Quanto tenha algum peso e pese sempre o mesmo
Está na mão dos outros; eles eram miúdos,
    Não podiam esperar ajuda, que não veio;
    O que seus inimigos queriam já foi feito,
E o pior: perderam o seu próprio orgulho, mortos
Como homens bem antes da morte dos seus corpos.

Por cima do ombro dele buscava
    Atletas entregues aos seus jogos,
Homens e mulheres a mover
    Seus membros docemente no compasso
Da música, cada vez mais rápido.
    Mas no escudo luzente não tinha
A mão dele pintado uma dança
    E sim um campo de ervas daninhas.

Só, sem rumo, um garoto de roupa esfarrapada
    Vagava por aquele ermo, de onde à sua certeira
Pedra uma ave fugira: que moças são violadas
    E que dois meninos esfaquearam um terceiro,
    Eram-lhe axiomas; nada sabiam a respeito
De outros mundos onde as promessas se cumprissem
E onde se chorava se a outrem chorar se visse.

Hefaísto, o armeiro de delgados
    Lábios, foi-se embora manquejando,
Tétis, a dos seios reluzentes,
    Deu um grito de espanto
Diante do que o deus forjara a fim
    De agradar ao filho dela, o forte
Aquiles férreo matador de homens,
    Que tão breve encontraria a morte

§

The shield of Achilles
     She looked over his shoulder
       For vines and olive trees,
     Marble well-governed cities
       And ships upon untamed seas,
     But there on the shining metal
       His hands had put instead
     An artificial wilderness
       And a sky like lead.

A plain without a feature, bare and brown,
   No blade of grass, no sign of neighborhood,
Nothing to eat and nowhere to sit down, 
   Yet, congregated on its blankness, stood
   An unintelligible multitude,
A million eyes, a million boots in line, 
Without expression, waiting for a sign.

Out of the air a voice without a face
   Proved by statistics that some cause was just
In tones as dry and level as the place:
   No one was cheered and nothing was discussed;
   Column by column in a cloud of dust
They marched away enduring a belief
Whose logic brought them, somewhere else, to grief.

     She looked over his shoulder
       For ritual pieties,
     White flower-garlanded heifers,
       Libation and sacrifice,
     But there on the shining metal
       Where the altar should have been,
     She saw by his flickering forge-light
       Quite another scene.

Barbed wire enclosed an arbitrary spot
   Where bored officials lounged (one cracked a joke)
And sentries sweated for the day was hot:
   A crowd of ordinary decent folk
   Watched from without and neither moved nor spoke
As three pale figures were led forth and bound
To three posts driven upright in the ground.

The mass and majesty of this world, all
   That carries weight and always weighs the same
Lay in the hands of others; they were small
   And could not hope for help and no help came:
   What their foes like to do was done, their shame
Was all the worst could wish; they lost their pride
And died as men before their bodies died.

     She looked over his shoulder
       For athletes at their games,
     Men and women in a dance
       Moving their sweet limbs
     Quick, quick, to music,
       But there on the shining shield
     His hands had set no dancing-floor
       But a weed-choked field.

A ragged urchin, aimless and alone, 
   Loitered about that vacancy; a bird
Flew up to safety from his well-aimed stone:
   That girls are raped, that two boys knife a third,
   Were axioms to him, who’d never heard
Of any world where promises were kept,
Or one could weep because another wept.

     The thin-lipped armorer,
       Hephaestos, hobbled away,
     Thetis of the shining breasts
       Cried out in dismay
     At what the god had wrought
       To please her son, the strong
     Iron-hearted man-slaying Achilles
       Who would not live long.

1952
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Os epígonos
Inútil invocar Apollo num caso como o deles;
Tinham morrido os deuses amantes dos prazeres
E nenhum se ergueria de novo em seu trono, jamais,
Embora o Grande Rio cruzassem tribos guturais,
Cremadoras de mortos e sem nome para o teixo;
Escusava esperar a volta ​​de ancestrais andejos,
Com longas espadas de pelágicos paraísos
(Teriam de ficar entregues ao seu própria aviso,
Se algum tivessem); fora rematada tolice
Supor que o seu fim provável ninguém antevisse,
Como pasto de cães ou escravo submerso, indigente:
Que devia fazer um cavalheiro culto entrementes?

Teria sido fraqueza digna de perdão
Caso houvessem rompido em feminil lamentação
Ou intentado dramatizando a sua sorte,
Alguma parlapatice a respeito da morte;
Para crédito deles, o leitor só se apercebe
De que a língua que amavam estaria morta em breve,
Expirando em ardis mecânicos, ridículos, 
Acrósticos epanalépticos, ropálicos, anacíclicos:
Para a sua honra eterna, as coisas por eles escritas
Irão, ao pé de página, numa nota erudita
Para uma geração mecanizada desprezar
Que tem, por vero saber, o grunhido oracular.
.

The epigoni
No use invoking Apollo in a case like theirs;
The pleasure-loving gods had died in their chairs
And would not get up again, one of them, ever,
Though guttural tribes had crossed the Great River,
Roasting their dead and with no name for the yew;
No good expecting long-legged ancestors to
Return with long swords from pelagic paradises
(They would be left to their own devices,
Supposing they had some); no point pretending
One didn't foresee the probable ending
As dog-food, or landless, submerged, a slave:
Meanwhile, how should a cultured gentleman behave?

It would have been an excusable failing
Had they broken out into womanish wailing
Or, dramatising their doom, held forth
In sonorous clap-trap about death;
To their credit, a reader will only perceive
That the language they loved was coming to grief,
Expiring in preposterous mechanical tricks,
Epanaleptics, rhopalics, anacyclic acrostics:
To their lasting honor the stuff they wrote
Can safely be spanked in a scholar's foot-note,
Called shallow by a mechanised generation to whom
Haphazard oracular grunts are profound wisdom.

1955
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Um cemitério ilhéu
Este cemitério sob a umbela dos pinheiros
É de qualidade inferior à dos vinhedos
E embora sempre receba novos habitantes
Cumpre-lhe manter o seu tamanho igual ao de antes.

Se a gente é demais e poucos acres se tem,
Os mortos deverão ser plantados também
Como sementes em qualquer campo de cultivo
Pelos ossos que ali hão de ser produzidos.

Dezoito meses leva aproximadamente
Para amadurecer o esqueleto de um jacente,
O qual, depois de lavado e dobrado, se recolhe
A nicho escavado no muro da necrópole.

A curiosidade me deteve certa feita
Ao ver coveiros fazerem sua colheita:
Os bardos têm igualmente lamentado assaz
Que Alexandres chegassem a condições que tais.

Aonde quer que as nossas personalidades vão
(E, em verdade, não temos nenhuma noção)
A sólida estrutura que delas permanece
Não é descrédito algum para a nossa espécie.

Podem, podem sentir a falta de uma face,
As carpideiras, mais não de um traço que apontasse
Para ardores písceos, mamíferos impulsos
A aparentarem nossa carne à carne dos mais brutos.

E quem vai sentir-se envergonhado se confessa
Uma paciência que partilhamos com a pedra,
Essa coisa subjacente em todos nós, substrato
Que não provoca em tempo algum espalhafato?

Considerando a motivação que nos arrasta,
Temos de agradecer à nossa estrela fasta
Que Amor cavalgue, para alcançar seus objetivos,
Montaria que não precisa ter amigos.
.

An island cemetery
This graveyard with its umbrella pines
Is inferior in status to the vines
And, though new guests keep crowding in,
Must stay the size it’s always been.

Where men are many, acres few,
The dead must be cultivated too,
Like seeds in any farmer’s field
Are planted for the bones they yield.

It takes about eighteen months for one
To ripen into a skeleton,
To be washed, folded, packed in a small
Niche hollowed out of the cemetery wall.

Curiousity made me stop
While sextons were digging up a crop:
Bards have taken it too amiss
That Alexanders come to this.

Wherever our personalities go
(And, to tell the truth, we do not know),
The solid structures they leave behind
Are no discredit to our kind.

Mourners may miss, and they do, a face,
But at least they cannot detect a trace
Of those fish-like hungers, mammalian heats,
That kin our flesh to the coarser meats.

And who would be ashamed to own
To a patience that we share with stone,
This underlying thing in us
Which never at any time made a fuss?

Considering what our motives are,
We ought to thank our lucky star
That Love must ride to reach his ends
A mount which has no need of friends.

? 1956
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Palavras
Nasce um mundo da frase pronunciada
Onde tudo acontece tal e qual;
Na palavra a palavra está empenhada:
À fala, não ao falante, dá-se o aval.

Clara seja a sintaxe, e mais: que nada
Mude ao tema seu fluxo natural
Nem troque os tempos por amor à toada
Pois há tristes versões de pastoral.

Para que um blá-blá inteminável
Se os fatos são nossa melhor ficção?
Antes o verbo facilmente achável

Do que a rima a falsa encantação,
Qual dança de zagais mima o insondável
Cavaleiro a vagar na solidão
.

Words
A sentence uttered makes a world appear
Where all things happen as it says they do;
We doubt the speaker, not the tongue we hear:
Words have no word for words that are not true.

Syntactically, though, it must be clear;
One cannot change the subject half-way through,
Nor alter tenses to appease the ear:
Arcadian tales are hard-luck stories too.

But should we want to gossip all the time,
Were fact not fiction for us at its best,
Or find a charm in syllables that rhyme,

Were not our fate by verbal chance expressed,
As rustics in a ring-dance pantomime
The Knight at some lone cross-roads of his quest?

? 1956
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Et in arcadia ego
Quem, hoje, vendo-A tão
Feliz no casamento,
Dona de casa, companheira do Homem,

Pode imaginar a Virago, 
Gritadeira, a Amazona
Que a Mãe Terra foi?

O crescimento de suas florestas
Foi reduzido, Seus monstros 
Desmedidos rebaixados,

Seu solo ruminado,
Onde as safras, perfeitamente alinhadas,
Surgirão breve no horizonte:

Levante ou poente,
Bem domados puros-sangues
Pastam nas campinas,

Um relógio da igreja subdivide o dia,
Na vereda, ao pôr do sol,
Gansos se arrastam rumo ao lar.

Quanto a Ele:
O que houve com o Bruto
De que falam épicas e pesadelos?

Bispos não perseguem
Seus arcediagos com achas,
No covil a despencar

De um magnata inescrupuloso
Fazem piquenique escurcionistas
Que não carregam adagas.

Eu bem poderia me considerar
Um humanista,
Se fosse capaz de não ver

Como a rodovia
Contraria a paisagem
Em ímpia arrogância romana,

Os filhos do fazendeiro
Passam na ponta dos pés pelo abrigo
Onde é guardada a faca de castrar.
.

Et in arcadia ego
Who, now, seeing Her so
Happily married,
Housewife, helpmate to Man,

Can imagine the screeching
Virago, the Amazon,
Earth Mother was?

Her jungle growths
Are abated, Her exorbitant 
Monsters abashed,

Her soil mumbled,
Where crops, aligned precisely,
Will soon be orient:

Levant or couchant,
Well-daunted thoroughbreds
Graze on mead and pasture,

A church clock subdivides the day,
Up the lane at sundown
Geese podge home.

As for Him:
What has happened to the Brute
Epics and nightmares tell of?

No bishops pursue
Their archdeacons with axes,
In the crumbling lair

Of a robber baron
Sightseers picnic
Who carry no daggers.

I well might think myself
A humanist,
Could I manage not to see

How the autobahn
Thwarts the landscape
In godless Roman arrogance,

The farmer’s children
Tiptoe past the shed
Where the gelding knife is kept.

? May 1964
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Partição
Era ao menos imparcial quando veio cumprir sua missão,
Jamais pusera os pés nesta terra, cuja partição
Entre dois povos fanaticamente em luta, com dietas
Diversas e deuses incompatíveis, era sua meta.
“O tempo é curto”, disseram-lhe em Londres, “já passou a data
Para qualquer reconciliação ou discussão sensata:
A única alternativa que resta é a separação.
O vice-rei acha, como poderá ver por sua carta,
Desaconselhável que de sua companhia ele comporta,
Assim sendo, nós lhe arranjamos outra acomodação.
Dar-lhe-emos e dois conselheiros hindus e dois muçulmanos
Mas cabe-lhe a palavra final na execução do plano.”

Trancado num caixão solitário, com um vigia
No jardim protegendo-o dos assassinos noite e dia,
Pôs mão à obra, elaborando cuidadosamente o fado
De milhões. Seus mapas, porém, estavam ultrapassados
E talvez incorretos os dados do recenseamento,
Mas não havia mais tempo para fazer o levantamento
Exato. A temperatura estava extremamente quente
E um surto de disenteria ameaçava deixá-lo doente.
No entanto, em sete semanas tudo estava resolvido:
Para o bem ou para o mal, um continente dividido.

Partiu no outro dia para a Inglaterra. Logo havia olvidado
O caso, como sói acontecer a um bom advogado.
Voltar, nunca, disse no Clube. Temia ser liquidado.
.

Partition
Unbiased at least he was when he arrived on his mission,
Having never set eyes on this land he was called to partition
Between two peoples fanatically at odds,
With their different diets and incompatible gods.
“Time,” they had briefed him in London, “is short. It’s too late
For mutual reconciliation or rational debate:
The only solution now lies in separation.
The Viceroy thinks, as you will see from his letter,
That the less you are seen in his company the better,
So we’ve arranged to provide you with other accommodation.
We can give you four judges, two Moslem and two Hindu,
To consult with, but the final decision must rest with you.”

Shut up in a lonely mansion, with police night and day
Patrolling the gardens to keep the assassins away,
He got down to work, to the task of settling the fate
Of millions. The maps at his disposal were out of date
And the Census Returns almost certainly incorrect,
But there was no time to check them, no time to inspect
Contested areas. The weather was frightfully hot,
And a bout of dysentery kept him constantly on the trot,
But in seven weeks it was done, the frontiers decided,
A continent for better or worse divided.

The next day he sailed for England, where he could quickly forget
The case, as a good lawyer must. Return he would not,
Afraid, as he told his Club, that he might get shot.

May 1966
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Lingüística natural
(para Peter Salus)

Toda coisa criada tem modos de enunciar o seu próprio ser:
   básica e usada por todos, mesmo as tribos minerais,
é o koiné hieroglífica de aparência visual
   a qual, lhe falte embora o verbo, revela-se, em comparação com nossos
​​léxicos mais massudos, tão mais e rica e sutil em nomes de feitios,
   adjetivos de cor e argutas preposições de lugar.
Os verbos aparecem primeiro com as flores que articulam cheiros
   Imperativos a que os insetos, loucos por olores, têm de obedecer;
estímulo é também, aos olhos dos bichos, a linguagem do gesto
   (a vida urbana, ai de nós, calamitosamente empobreceu a nossa),
sinais de interrogação, de amizade, ameaça, aplacamento,
   entendidos de pronto, raramente ou nunca mal interpretados.
Todos quantos lograram romper a primeira barreira de Silêncio
   até um mundo audível encontraram um ESTÁ OU SOU indicativo:
conquanto alguns carnívoros, deixando mensagens escritas com urina,
   usem um pretérito ESTIVE, nenhum pode conceber um HEI DE,
tampouco fizeram jamais um enunciado subjuntivo negativo,
   nem mesmo críptico cuja vida depende de impingir lerias.

Ira e desgosto, eles os podem cantar, não autocensura ou arrependimento,
   e não têm lendas que narrem, embora seu respeito pelo rito seja
mais piedoso que o nosso, pois um complexo código acionador
   adestra-os a andar do mesmo modo que seus avós mais remotos.
(Alguns desses códigos inda nos são mistérios: por exemplo,
   peixes que viajam em turbas desamorosas, anônimas, enormes,
o que os mantém assim tão perfilados? Nossa única certeza é que vairões
   privados de lobo frontal, vão alegremente numa roda viva.)
Como, em círculos que tais, não fica bem dizer nada de novo,
   ninguém gagueja um né, na inútil busca da palavra certa;
a ninguém faltam respostas; e ninguém é bilíngue, ao que parece,
   mas, se não podem traduzir, é o preço que pagaram
por apenas fazer coisas, sem nenhuma tentativa sôfrega de pôr
   logo o mundo inteiro numa imagem, como nós.
Se nunca riram, pelo menos não disseram nunca baboseiras,
   não torturaram nunca os semelhantes por questões de fé,
nunca, marchando para a guerra, inflamados por música em fortíssimo,
   morreram a milhares de milhas do lar por um verbal considerando.

“Estúpidos”, podemos chamar-lhes, mas nossos poetas estão certos em supor
   que todos preferem seja a retórica não sobre eles mas com eles.
.

Natural linguistics
(for Peter Salus)

Every created thing has ways of pronouncing its ownhood:
   basic and used by all, even the mineral tribes,
is the hieroglyphical koine of visual appearance
   which, though it lacks the verb, is, when compared with our own
heaviest lexicons, so much richer and subtler in shape-nouns,
   color-adjectives and apt prepositions of place.
Verbs first appear with the flowers who utter imperative odors
   which, with their taste for sweets, insects are bound to obey:
motive, too, in the eyes of beasts is the language of gesture
   (urban life has, alas, sadly impoverished ours),
signals of interrogation, friendship, threat and appeasement,
   instantly taken in, seldom, if ever, misread.
All who have managed to break through the primal barrier of Silence
   into an audible world find an indicative AM
though some carnivores, leaving messages in urine,
   use a preterite WAS, none can conceive of a WILL,
nor have they ever made subjunctive or negative statements,
   even cryptics whose lives hang upon telling a fib.
Rage and grief they can sing, not self-reproach or repentance,
   nor have they legends to tell, though their respect  for  a rite
is more pious than ours,  for a complex code of releasers
   trains them to walk in the ways which their ur-ancestors trod.
(Some of these codes remain mysteries to us: for instance,
   fish who travel in huge loveless anonymous turbs,
what is it keeps them in line? Our single certainty is that
   minnows deprived of the fore-brains go it gladly alone.)
Since in their circles it's not good form to say anything novel,
   none ever stutter or er, guddling in vain for a word,
none are at loss for an answer: none, it seems, are bilingual,
   but, if they cannot translate, that is the ransom they pay
for just doing their thing, not greedily trying to publish
   all the world as we do into our picture at once.
If they have never laughed, at least they have never talked drivel,
   never tortured their own kind for a point of belief,
never, marching to war, inflamed by fortissimo music,
   hundreds of miles from home died for a verbal whereas.

"Dumb" we may call them but, surely, our poets are right in assuming
   all would prefer that they were rhetorized at than about.

June 1969
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Descida na lua
É natural que os Rapazes gritassem oba-oba a
tão enorme triunfo fálico, aventura
    que a mulheres jamais teria acontecido
    achar valesse a pena, foi possível só

porque gostamos de juntar-nos em bandos e sabendo
a hora exata: sim, o nosso sexo pode com justiça,
    gritar hurra pelo feito, muito embora seus motivos
    fossem pouco menos do que menschlich.

Um gesto grandioso. Mas a que põe termos?
O que prognostica? Sempre fomos mais jeitosos
    com objetos que com vidas, e mais atreitos
    à coragem que à bondade: desde o instante

em que a primeira pederneira foi partida esta descida era só
uma questão de tempo. Mas os nossos eus, como o de Adão,
    não nos caem sob medida ainda, que modernos
    somos apenas nisto – na falta de decoro.

Os heróis de Homero não eram certamente mais audazes
que o nosso Trio, mas tiveram sorte: Heitor
    foi poupado ao vexame de a sua bravura
    ser coberta pelas câmaras de televisão.

Vale a pena ir ver? Eu posso bem acreditar que sim.
Vale a pena ver? Bah! Atravessei um deserto certa vez
     de carro, mas não me encantei; deem-me antes um jardim
    viçoso, bem regado, longe dos que tagarelam

sobre o Novo, os Von Brauns e sua laia, e onde eu possa
nas manhãs de agosto desfrutar as glórias
    matinais, onde morrer tenha um sentido
    e máquina alguma possa alterar a minha perspectiva.

Intacta, graças a Deus, a minha Lua, ainda rainha
dos Céus, minguante ou cheia, uma Presença incrível
    O Velho dela, feito de areia, não de proteína,
    visita ainda as minhas regiões austrais

com Seu velho desapego, e as velhas advertências
têm ainda o poder de me assustar: Hybris há de
    acabar mal, a Irreverência
    é mais paspalha que a Superstição.

Os nossos aparatniks irão continuar fazendo
a costumeira e sórdida mixórdia  a que se chama História:
    tudo quanto podemos rogar é que continuem
    a aparecer artistas, cozinheiros, santos para a alegrar.
.

Moon landing
It’s natural the Boys should whoop it up for
so huge a phallic triumph, an adventure
    it would not have occurred to women
    to think worth while, made possible only

because we like huddling in gangs and knowing
the exact time: yes, our sex may in fairness
    hurrah the deed, although the motives
    that primed it were somewhat less than menschlich.

A grand gesture. But what does it period?
What does it osse? We were always adroiter?
    with objects than lives, and more facile
    at courage than kindness: from the moment

the first flint was flaked this landing was merely
a matter of time. But our selves, like Adam’s,
    still don’t fit us exactly, modern
    only in this – our lack of decorum.

Homer’s heroes were certainly no braver
than our Trio, but more fortunate: Hector
    was excused the insult of having
    his valor covered by television.

Worth going to see? I can well believe it.
Worth seeing? Mneh! I once rode through a desert
    and was not charmed: give me a watered
    lively garden, remote from blatherers

about the New, the von Brauns and their ilk, where
on August mornings I can count the morning
    glories, where to die has a meaning,
    and no engine can shift my perspective.

Unsmudged, thank God, my Moon still queens the Heavens
as She ebbs and fulls, a Presence to glop at,
    Her Old Man, made of grit not protein,
    still visits my Austrian several

with His old detachment, and the old warnings
still have power to scare me: Hybris comes to
    an ugly finish, Irreverence
    is a greater oaf than Superstition.

Our apparatniks will continue making
the usual squalid mess called History:
    all we can pray for is that artists,
    chefs and saints may still appear to blithe it.

August 1969
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Versos de pé quebrado por um cidadão de prol
(para Robert Lederer)

A nossa Terra em 1969 
Não é planeta que de meu faça jus ao nome:
Vale dizer, um mundo que me dê sustância 
Para manter o caos a uma certa distância.

As paisagens e climas do meu Éden 
São construções eurasianas que procedem 
Do tempo em que banheiros ocupavam largo espaço 
E se dizia uma ação de Graças antes do repasto.

O automóvel, tanto quanto o aeroplano, 
São úteis engenhocas, mas de caráter profano; 
A engenharia com que eu sonho move-se por 
Energia hidráulica ou então vapor.

O raciocínio me inculca a aprovação 
Da lâmpada elétrica, por que careço de afeição. 
Luz mais digna, a meu ver, de ser reverenciada, 
É um bico de gás no patamar da escada.

Os fantasmas da família combati e derrotei, 
Mas dos seus valores jamais eu duvidei: 
Achava-lhes a Ética do Trabalho, protestante, 
A um só tempo simpática e atuante.

Quando os casais tocavam e cantavam a duas vozes 
Ter dúvidas era pecado, um dos mais atrozes. 
No que me diz respeito, até o dia derradeiro 
Continuarei a comprar só a dinheiro.

Nosso Livro da Prece Comum sempre foi 
O de 1662: 
Segundo ele, os sermões merecem gabo 
E as reformas litúrgicas são o diabo.

O sexo era decerto – e continua a ser – 
Mistério dos mais atraentes, e de surpreender, 
Mas a banca de revistas outrora não supria 
Tal maniqueia pornografia. 

A palestra era então arte de tão bom gosto 
Quanto aprender a não soltar peido ou arroto. 
Qual o pior, que deles Deus nos livre: 
O antiromance ou o verso livre?

Doutores da universidade não imito 
Que vivem a escalpelar símbolo e mito: 
Tenho-me por homem de letras e no rol 
Dos que escrevem, ou esperam escrever, para um público de escol.

De permissividade ousa alguém acusar 
Um sucesso escolar? 
Mais são as classes frequentadas por mim, 
Onde se estudavam o Grego e o Latim. 

Conquanto eu não ache o termo legal 
Se há de fato um Hiato Geracional, 
De quem a culpa? De velhos e rapazes 
Que de aprender a Língua-Mãe sequer são capazes.

Mas Amor, pelo menos, não é um estado 
D´alma en vogue nem tampouco já antiquado, 
E tenho amigos leais, reconheço-o de boa mente, 
Com quem converso e janto ocasionalmente. 

Eu – que besteira! – Um alienado? 
Pois como cidadão juramentado 
Declaro que me sinto muitíssimo à vontade 
Quanto tenho de me avir com a Realidade.
.

Doggerel by a senior citizen
(for Robert Lederer)

Our earth in 1969 
Is not the planet I call mine, 
The world, I mean, that gives me strength 
To hold off chaos at arm’s length.

My Eden landscapes and their climes 
Are constructs from Edwardian times, 
When bath-rooms took up lots of space, 
And, before eating, one said Grace.

The automobile, the aeroplane, 
Are useful gadgets, but profane: 
The enginry of which I dream 
Is moved by water or by steam.

Reason requires that I approve 
The light-bulb which I cannot love: 
To me more reverence-commanding 
A fish-tail burner on the landing.

My family ghosts I fought and routed, 
Their values, though, I never doubted: 
I thought the Protestant Work—Ethic 
Both practical and sympathetic.

When couples played or sang duets, 
It was immoral to have debts: 
I shall continue till I die 
To pay in cash for what I buy.

The Book of Common Prayer we knew 
Was that of 1662: 
Though with—it sermons may be well, 
Liturgical reforms are hell.

Sex was of course —it always is — 
The most enticing of mysteries, 
But news-stands did not yet supply 
Manichean pornography.

Then Speech was mannerly, an Art, 
Like learning not to belch or fart: 
I cannot settle which is worse, 
The Anti-Novel or Free Verse.

Nor are those Ph.D’s my kith, 
Who dig the symbol and the myth: 
I count myself a man of letters 
Who writes, or hopes to, for his betters.

Dare any call Permissiveness 
An educational success? 
Saner those class-rooms which I sat in, 
Compelled to study Greek and Latin.

Though I suspect the term is crap, 
There is a Generation Gap, 
Who is to blame? Those, old or young, 
Who will not learn their Mother-Tongue.

But Love, at least, is not a state 
Either en vogue or out-of-date, 
And I’ve true friends, I will allow, 
To talk and eat with here and now.

Me alienated? Bosh! It’s just 
As a sworn citizen who must 
Skirmish with it that I feel 
Most at home with what is Real.

May 1969
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

A questão
Todos nós acreditamos
ter nascido de uma virgem
(pois quem pode imaginar

os seus pais a copular?)
e casos há conhecidos
de Virgens que engravidaram.

Mas permanece a Questão:
de onde Cristo recebeu
aquele cromossomo extra?
.

The question
All of us believe
we were born of a virgin
(for who can imagine

his parents copulating?),
and cases are known
of pregnant Virgins.

But the Question remains:
from where did Christ get
that extra chromosome?

May 1969
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Não, Platão, não
Não consigo pensar em nada 
    que eu desejasse menos ser 
que Espírito desencarnado 
    sem poder comer ou beber 
e nem contatar superfícies 
    ou sentir os cheiros do estio 
ou compreender palavra e música 
    ou olhar para o que está além. 
Não, Deus me colocou bem lá 
    onde eu teria escolhido estar: 
bom mesmo é o mundo sublunar, 
    no qual o Homem é macho ou fêmea 
e dá Nomes Próprios às coisas. 

    Posso, porém, conceber que os 
órgãos que Me deu a Natureza 
    tais minhas glândulas endócrinas, 
dando duro vinte e quatro horas 
    sem demonstrar ressentimento, 
para satisfazer-Me, o Mestre, 
    e manter-Me sempre em boa forma 
(não que eu lhes tenha dado as ordens, 
    pois não saberia o que gritar), 
sonhem com uma outra existência 
    que não a que até então conhecem: 
sim, talvez minha Carne esteja 
    rezando para que "Ele" morra 
e, livre, Ela possa tornar-se 
    Matéria irresponsável.
.

No, Plato, no
I can’t imagine anything
    that I would less like to be
than a disincarnate Spirit,
    unable to chew or sip
or make contact with surfaces
    or breathe the scents of summer
or comprehend speech and music
    or gaze at what lies beyond.
No, God has placed me exactly
    where I’d have chosen to be:
the sub-lunar world is such fun,
    where Man is male or female
and gives Proper Names to all things.

    I can, however, conceive
that the organs Nature gave Me,
    my ductless glands, for instance,
slaving twenty-four hours a day
    with no show of resentment
to gratify Me, their Master,
    and keep Me in decent shape,
(not that I give them their orders,
    I wouldn’t know what to yell),
dream of another existence
    than that they have known so far:
yes, it well could be that my Flesh
    is praying for ‘Him’ to die,
so setting Her free to become
    irresponsible Matter.

May 1973
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Ação de Graças  
    Percebi, pré-adolescente, 
que bosques e urzais eram sacros:             
    profanas eram as gentes. 

    E, mal me pus a poetar, 
fui logo sentar-se aos pés de             
    Hardy e Thomas e Frost.             

    Veio o amor e mudou tudo, 
Alguém era, enfim, importante:             
    Yeats me ajudou, e também Graves. 

Mas, súbito e sem aviso, 
despencou toda a Economia:             
para instruir-me havia Brecht. 

    Por fim, coisas pavorosas 
que Hitler e Stalin faziam             
    trouxeram-me Deus à mente.             

    Como estava certo do erro? 
Por Kierkegaard, Williams e Lewis             
    fui à fé reconduzido. 

    Agora, amadurecido 
e vivendo em farta paisagem,             
    volta a atrair-me a natureza.             

    De que tutores preciso? 
Bem, Horácio, o melhor artífice,             
    que se aquece em Tívoli, e 

    Goethe, devoto das pedras, 
o qual nunca pôde provar             
    que Newton extraviou a Ciência.             

    Ternamente penso em Vós: 
sem os quais jamais teria escrito             
    sequer o pior de meus versos.             

.

A Thanksgiving
    When pre-pubescent I felt
that moorlands and woodlands were sacred:
    people seemed rather profane.

    Thus, when I started to verse,
I presently sat at the feet of
    Hardy and Thomas and Frost.

    Falling in love altered that,
now Someone, at least, was important:
    Yeats was a help, so was Graves.

    Then, without warning, the whole
Economy suddenly crumbled:
    there, to instruct me, was Brecht.

    Finally, hair-raising things
that Hitler and Stalin were doing
    forced me to think about God.

    Why was I sure they were wrong?
Wild Kierkegaard, Williams and Lewis
    guided me back to belief.

    Now, as I mellow in years
and home in a bountiful landscape,
    Nature allures me again.

    Who are the tutors I need?
Well, Horace, adroitest of makers,
    beeking in Tivoli, and

    Goethe, devoted to stones,
who guessed that—he never could prove it—
    Newton led Science astray.

    Fondly I ponder You all:
without You I couldn't have managed
    even my weakest of lines.

? May 1973
W. H. Auden, no livro "Poemas – W. H. Auden". [seleção João Moura Jr.; tradução e introdução José Paulo Paes, João Moura Jr.; ensaio Joseph Brodsky]. Edição bilíngue. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


§

Blues fúnebre
Detenham-se os relógios, cale o telefone,
jogue-se um osso para o cão não ladrar mais,
façam silêncio os pianos e o tambor sancione
o féretro que sai com seu cortejo atrás.

Aviões acima, circulando em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Pombas de luto ostentem crepe no pescoço 
e os guardas ponham luvas negras como breu.

Ele era norte, sul, leste, oeste meus e tanto
meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto.
Julguei o amor eterno: quem o faz se engana.

Apaguem as estrelas: já nenhuma presta.
Guardem a lua. Arriado, o sol não se levante.
Removam cada oceano e varram a floresta.
Pois tudo mais acabará mal de hoje em diante.
.

Funeral blues
Stop all the clocks, cut off the telephone,
prevent the dog from barking with a juicy bone,
silence the pianos and, with muffled drums,
bring out the coffin, let the mourners come.

Let airplanes circle moaning overhead
scribbling on the sky the message: he's dead.
Put crepe-bows round the white necks of the public doves,
let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
my working week, my Sunday rest,
my noon, my midnight, my talk, my song.
I thought that love would last forever; I was wrong.

The stars are not wanted now, put out every one.
Pack up the moon, dismantle the sun.
Pull away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.
- W.H. Auden. [tradução Nelson Ascher ]. traduziu "Funeral blues", de W.H. Auden, para a Folha de São Paulo, em janeiro de 1995. Essa primeira versão se encontra no seu livro Poesia alheia (Rio de Janeiro: Imago, 1998). Recentemente, ela a reviu e a modificou. Aqui a nova e ainda inédita versão.

§

Querido, finda a noite
Querido, finda a noite, 
paira no dia o sonho
que nos levou a um quarto
sombrio, tão alto quanto
uma estação central,
e, numa dentre as camas
no escuro aglomeradas,
deitamo-nos num canto.

A arfar, sem despertamos
relógio algum, beijamo-nos,
foi bom quanto fizeste,
nem reparei nos outros
que, olhando-nos hostis,
sentavam-se nas camas
aos pares,  num abraço
inerte e meio triste.
Que verme de remorso,
que dúvida maligna
me assolam, pois fizeste
o que eu nunca esperava,
contando-me impassível
teu novo amor de agora
e, ao ver-me indesejado,
eu fui, submisso, embora!
.

Dear, though the night is gone
Dear, though the night is gone,
The dream still haunts to-day
That brought us to a room,
Cavernous, lofty as
A railway terminus,
And crowded in that gloom
Were beds, and we in one
In a far corner lay.

Our whisper woke no clocks,
We kissed and I was glad
At everything you did,
Indifferent to those
Who sat with hostile eyes
In pairs on every bed,
Arms round each other`s necks,
Inert and vaguely sad.

O but what worm of guilt
Or what malignant doubt
Am I the victim of;
That you then, unabashed,
Did what I never wished,
Confessed another love;
And I, submissive, felt
Unwanted and went out?
- W.H. Auden. [tradução Nelson Ascher ], em "Poesia Alheia, 124 Poemas traduzidos". [tradução, prefácio e organização Nelson Ascher]. Edição bilíngue. Coleção Lazuli. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1998.

§

W. H. Auden - foto: Mark B. Anstendig

FORTUNA CRÍTICA DE W. H. AUDEN

ANTUNES, Angie Miranda. A poesia de W. H. Auden no arco do tempo entre a modernidade e a pós-modernidade (Dissertação Mestrado em Letras: Estudos Literários). Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, 2014. Disponível no link. (acessado em 21.9.2017).
ANTUNES, Angie Miranda. ?Sujeito, linguagem e realidade em ?Words?, de W. H. Auden?.. In: XIV Congresso em Estudos Literários ? Todos os poemas o poema, 2013, Vitória, ES. Todos os poemas o poema. Vitória: PPGL, 2013. p. 87-93.
FURTADO, Fernando Fábio Fiorese; ANTUNES, Angie Miranda. Sujeito, linguagem e realidade em 'Words', de W. H. Auden. In: XIV Congresso de Estudos Literários - Todos os poemas, o poema, 2012, Vitória (ES). XIV Congresso de Estudos Literários - Todos os poemas, o poema: Programação e Resumos. Vitória (ES): Programa de Pós-Graduação em Letras/Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), 2012. v. 1. p. 34-35.
OLIVEIRA, Carlos Augusto Lima de.. Em memória de W. H. Auden. O Povo - Caderno Vida & Arte, Fortaleza, p. 8B - 8B, 21 fev. 1997.
PERES, Marcos Roberto Flamínio.. Incerto amanhã: sobre a poesia de W.H. Auden. CULT-Revista Brasileira de Cultura, v. 158, p. 37, 2011.
SANTOS, Andréa. O inverno e o outono da rosa irlandesa. in: Elson Froes. Disponível no link. (acessado em 8.9.2016).
SILVA, Gelson Peres da.. W. H. Auden's inter-war poetry: a political use of ambiguity. (Tese Doutorado em Letras/Inglês e Literatura Correspondente). Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 2008.
SWARNAKAR, Sudha. A Systemic Analysis of Linkages in W. H. Auden's Spain. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade Federal da Paraíba, UFPB, 1985.
TINELLI, Alexandre Bruno. Um espetáculo de equilíbrio e elegância: a poesia de W. H. Auden em tradução. (Dissertação Mestrado em Literatura, cultura e contemporaneidade). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, 2021. Disponível no link. (acessado em 17.1.2024)
TINELLI, Alexandre Bruno.. W. H. Auden em tradução: o verso livre de 'Musée des Beaux Arts'. In: Cadernos de Tradução, v. 42, p. 1-18, 2022. Disponível no link. (acessado em 17.1.2024)


AMIZADES LITERÁRIAS
Christopher Isherwood and W. H. Auden - photo: Carl Van
Vechten (6 February 1939)

The Faber Poets: Louis McNeice, T.S. Eliot, Ted Hughes, W.H.Auden e Stephen Spender,
1960 - photo © Mark Gerson

W. H. Auden, T. S. Eliot e Valerie Eliot


OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
W. H. Auden - foto: Mark B. Anstendig
:: Poems by W. H. Auden - The WH Auden Society
:: W. H. Auden - Poet - Academy of American Poets
:: W. H. Auden - Poetry Foundation


© Direitos reservados aos herdeiros

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva

=== === ===
Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). W. H. Auden - poeta inglês. Templo Cultural Delfos, janeiro/2024. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____

** Página atualizada em 17.1.2024
* Página original de SETEMBRO/2016.





Direitos Reservados © 2024 Templo Cultural Delfos

2 comentários:

  1. Foi um encanto ler em voz alta os versos... obrigada!

    ResponderExcluir
  2. Seria este o maior blog da internet?! Que tesouro eu encontrei! Obrigado a todos os envolvidos!

    ResponderExcluir

Agradecemos a visita. Deixe seu comentário!

COMPARTILHE NAS SUAS REDES