COMPARTILHE NAS SUAS REDES

Maria Fernanda Elias Maglio - um diálogo entre literatura e direito


Maria Fernanda Elias Maglio - foto © arquivo MFEM

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske


"Tento escrever histórias que gostaria de ler. Gosto de tristeza e lirismo, a tristeza lírica e o lirismo triste [...]. Tudo não é só triste, não é só dor, assim como nada é apenas alegre. Os sentimentos de verdade são todos muito misturados, na vida não há sensações puras, não contaminadas. Então há afeto na solidão, no abandono. O desterro vem de um sentimento de não lugar, que acho que grande parte das pessoas sentem, ou ao menos sentiu alguma vez na vida. De onde sou, de onde pertenço? Gosto dos não pertencidos, dos sem lugar, dos que não se adequam, não se submetem. Gosto da rebeldia dos que se recusam ao encaixe e da tristeza dos que a vida nega o lugar."
- Maria Fernanda Elias Maglio, em entrevista à Fernando Andrade/Ambrosia, 12.3.2018.

Breve esboço Biográfico de Maria Fernanda Elias Maglio

Maria Fernanda Elias Maglio, (Cajuru - SP, 5 de agosto de 1980) e há 20 anos mora em São Paulo. Escritora e Defensora Pública do Estado de São Paulo desde 2007.

Sempre foi apaixonada por literatura e há alguns anos escreve suas próprias histórias. Foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2016 e 2017. 

Em dezembro de 2017 publicou seu primeiro livro, "Enfim, imperatriz", pela Editora Patuá, com o qual recebeu o Prêmio Jabuti 2018, na categoria Contos.

Publicou em 2020, o livro de poesia "179. Resistência", também editado e publicado pela Patuá, vencedor do Prêmio Alphonsus de Guimaraens de Poesia da Biblioteca Nacional.

Em 2021, publica "Quem tá vivo levanta a mão", o seu segundo livro de contos, pela Editora Patuá.

"Acredito que o grande desafio do escritor seja vestir a pele do outro. Conseguimos falar de nós, mostrando as nossas verdades e crenças falando do outro. É através do outro que falamos do eu. Faço disso um exercício, não só na escrita, mas na vida. Aliás, meu trabalho exige isso. Sou defensora pública, defendo pessoas pobres que estão cumprindo pena. Colocar-se na perspectiva do outro é uma necessidade. A questão do urbano e rural vem da minha própria trajetória: sou de Cajuru, interior de São Paulo e morei lá até os dezessete anos. Minha ligação com o rural vem muito da minha mãe, que nasceu na roça. É alguma coisa que faz parte da minha constituição, da construção da minha subjetividade. Apesar disso, moro em São Paulo há quase vinte anos. Então, assim como Drummond, no elevador penso na roça, na roça penso no elevador. A carnadura dos personagens decorre da observação do humano. Gosto de tudo o que é demasiadamente humano e aqui não no sentido de benevolência. Ao contrário, a humanidade na acepção da falha, da contradição, da covardia. Meus personagens nascem na falha, no defeito, talvez por isso pareçam reais."
- Maria Fernanda Elias Maglio, em entrevista à Fernando Andrade/Ambrosia, 12.3.2018.


Maria Fernanda Elias Maglio - foto © arquivo MFEM

OBRA DE MARIA FERNANDA ELIAS MAGLIO


Poesia
:: 179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade). Maria Fernanda Elias Maglio. São Paulo: Editora Patuá, 2019. * Vencedor do Prêmio Alphonsus de Guimaraens de Poesia da Biblioteca Nacional, em 2020.

Contos
:: Enfim, Imperatriz. Maria Fernanda Elias Maglio. São Paulo: Editora Patuá, 2017. * Vencedor do Prêmio Jabuti 2018, na categoria Contos. 
:: Quem tá vivo levanta a mão. Maria Fernanda Elias Maglio. [apresentação Elidia Novaes]. São Paulo: Editora Patuá, 2021.

Romance
:: Você me espera para morrer?. Maria Fernanda Elias Maglio. Edição digital, 2020.

Antologia (participação)
:: @normal: O mundo pós-pandemia segundo a literatura. [organização Bogado Lins]. Editora Literatura Cotidiana, 2020. {autores presentes: Clark Mangabeira, Claudia Apablaza, Gisele Mirabai, João Knijnik, José Bueno Villafane, Kika Hamaoui, Manoel Herzog, Marcio Sales Saraiva, Maria Fernada Elias Maglio, Pacha Urbano, Paulo Laubé, Rafael Maieiro, Sebastian Ocampo, Solano Guedes, Terêncio Porto, Zeh Gustavo e Bogado Lins}. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
:: Contos de Quarentena. [organização, apresentação e edição Mauro Paz; capa Elano Collaço; revisão Daniel Zanella]. São Paulo: edição do autor, 2020. {autores presentes: Ana Squilanti, Camilo Gomide, Débora Ferraz, Eltânia André, Gabriela Silva, Gustavo Melo Czekster, Helena Terra, Henrique Balbi, Jeferson Tenório, Jessica Cardin, Marcelo Ariel, Marcelo Conde, Marcos Vinícius Almeida, Maria Fernanda Elias Maglio, Mariana Salomão Carrara, Mauro Paz, Mayara Floss, Natalia Timerman, Rodrigo Novaes de Almeida, R. Tavares, Ronaldo Cagiano, Tiago Germano, Tobias Carvalho, Vera Saad e Walther Moreira Santos}.  Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
:: Contos de Quarentena 2. [organização Camilo Gomide, Marcos Vinícius Almeida e Mauro Paz]. Edições Mauro Athayde Paz, 2021 {autores presentes: Ana Squilanti, Camilla Loreta, Camilo Gomide, Débora Ferraz, Eltânia André, Helena Terra, Henrique Balbi, Jessica Cardin, Marcelo Ariel, Marcelo Conde, Marcos Vinícius Almeida, Maria Fernanda Elias Maglio, Mariana Salomão Carrara, Mauro Paz, Mayara Floss, Natalia Timerman, Rodrigo Novaes de Almeida, Ronaldo Cagiano, Tiago Germano, Tobias Carvalho e Vera Saad}.

Dissertação mestrado
MAGLIO, Maria Fernanda Elias. Da Medida de Segurança e da Medida Socioeducativa de Internação: uma análise comparativa entre as duas formas de privação de liberdade. [Dissertação Mestrado em Adolescente em Conflito com a Lei]. Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN, 2010. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).


"O mundo era recente todos os dias. Como se a cada manhã rebentassem do chão as rosas desamparadas, os manacás e as carreiras de paralelepípedos. Tudo era recém-nascido. No entanto, já nascia velho. Os muros se erguiam esfolados e as flores brotavam encapadas de poeira. Nada trazia o fresco das coisas há pouco paridas. Talvez por isso, decerto era mesmo por isso, que nada parecia verdade. A vida era só um arremedo de alguma coisa que não se via. O mundo ali era vestígio. O real estava do outro lado do morro, onde as rosas cresciam com viço e as paredes cintilavam a cal úmida."
- Maria Fernanda Elias Maglio, do conto 'Terra de avesso', no livro "Enfim, Imperatriz". Editora Patuá, 2017.


****

Maria Fernanda Elias Maglio - foto © arquivo MFEM

SELETA DE POEMAS DE MARIA FERNANDA ELIAS MAGLIO



E NÃO TEM ESTRADA QUE EU NÃO QUEIRA

Quero a vida de cara limpa
Não quero maconha, yoga, sertralina
Quero hoje e muito
O ontem e o atrás
Quero dor sem intermédio
Maternidade sem consolo

Não quero vírgula, hiato, camisinha
Quero onde e nunca
O longe e o depois de amanhã
Quero Líbia e Guatemala
Esquimós e aborígenes
Quero sal, umbigo e quinta-feira

Quero ontem o que não quis amanhã
Quero dentes firmes e coxas flácidas
Quando não quero nada quero muito
E quero muito cada quando
Quero lá-aqui-nunca e dentro-fundo-depois
Quero o através, o avesso, o atravessado

E não tem estrada que eu não queira
Nem caminho que minhas pernas não pretendam
Quero o reverso da falha e o verso da perfeição
Quero dormir de cansaço e acordar sem sol
Quero sonho sem sono
E sono povoado de estrelas cadentes
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

ESSES HOMENS

esses homens que nos odeiam
e fingem que não nos odeiam
que nos odeiam só um pouco
apenas quando falamos
alto
dissonante
sem medo de matar e de morrer

esses homens que nos chamam
linda
princesa
coração
puta
que nos fazem chorar no dentro
e sorrir mostrando os dentes sem obturações

esses homens que nos dizem
que não vivemos
o suficiente para saber
da dureza das coisas
da cintilância das asas das drosófilas
do superávit primário
da formação do solo da lua

esses homens engendrados
em úteros de ferro
gestados em reuniões de condomínios
em praias sem filtro solar
em postos de gasolinas
em garrafas de cerveja
vendidas a 3,99

esses homens que acreditam nos muros
nos carimbos dos tabeliães
nos livros sagrados
na pureza da composição do sal
esses homens que dissimulam maldade
linda princesa coração
puta

esses homens que nunca morrem
e que nos fazem morrer
que querem o nosso sangue
o nosso silêncio
esses homens que babam e vociferam
sorriem por dentro
e choram pelos olhos repletos de obturações
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

EU ERA PRIMATA E SEGURAVA PRIMATA

Não me lembro o que eu era antes de ser mãe
Alguma coisa entre tijolo e rã
(sólida e escorregadia)
O tempo de antes ficou sujo de uma coisa
que eu não sei
A vida principiou naquele dia
e depois só futuro
E era um futuro tão velho que parecia passado
Quando eu coloquei no colo minha filha
Era como se carregasse minha mãe
Ou a mãe da minha mãe
Ou a primeira mulher do mundo
Que era gente e era macaco
Ali eu era primata e segurava primata
E doía tanto
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

EU ERA O RIO

           "... e, eu, rio abaixo, rio a
           fora, rio a dentro — o rio."
                    (Guimarães Rosa)

Gosto das paredes emboloradas
Do lodo nas quinas das garagens escuras
O capim-gordura crescendo no vão do cimento
O calor claustrofóbico das cozinhas oleosas

Das rachaduras nos tijolos
A carne da construção revelada pela negligência
Do tempo
Das gentes
Dos desencontros

Gosto dos sentimentos sem nome
Das saudades que são também repulsa
Esquecimento
Do amor que é também raiva
Que é também amor

Das nojeiras inconfessáveis
Cativas nos instantes de solidão
Ranhos lambidos com a ponta da língua
Unhas mastigadas
Cascas de feridas partidas na força dos dentes

Gosto dos bichos que não são estimados
Piolhos dentando a pele do crânio
Baratas gordas se espremendo no estreito do ralo
As antenas por último
Prenúncio de tudo que é imundo

Gosto das ausências
Os cantos não preenchidos por móveis
A cama não repartida
O prato vazio
Sem farelo de comida recente

De tudo que não é recente
Lutos petrificados pela austeridade dos anos
Casas erguidas por braços mortos
Há tantos anos mortos

Gosto da morte
O silêncio das alamedas de sombras
As filas das formigas alargando as trincas dos túmulos
O cheiro mineral das fendas

Não me interessam as flores violetas
Crescendo na sombra das amoreiras
Nem as amoras
Cajus suculentos
Cactos ostentando folhas
Que também são caules
Que também são folhas

Eu quero o escuro do debaixo da terra
Pretendo a fundura
O miolo do acontecer
Ossos ocultos
Mortos de ninguém
Nem cruz, nem placa de bronze

Não me importa a superfície
O lado de fora do chão
Anseio veios subterrâneos
Lençóis freáticos
O magma fervendo no coração do mundo

Nada me vale o mar turquesa
Ondas esfarelando na areia
Desmanchando conchas
Eu quero o oceano profundo
Peixes abissais de couro transparente e sexo hermafrodita
Enguias elétricas sem olho nem boca
Contorcendo a escuridão

Não me comove jardins semeados
As filas simétricas das rosas e das margaridas
Árvores podadas em círculo
Gosto das florestas indômitas
Cipós estrangulando troncos
O chão úmido do musgo apodrecido
Camadas de folhas secas dando abrigo a aranhas fluorescentes
Escorpiões, formigas ruivas, lacraias de mil pés

Não quero o cruzeiro do sul, a via láctea, saturno
Não me interessam cometas e a composição do solo da lua
Tenciono matéria escura, as bordas de fora do universo
O buraco negro e a gula que engole o tempo
O passado obliterado e o futuro cindido em um milhão
Doze milhões de futuros

Não sei em que possibilidade me perdi
No destino estilhaçado em que eu era
Uma camponesa na revolução mexicana
Um padre na inquisição
Uma corça de pata fraturada
Um peixe remando o rio
O rio
Eu era o rio

Era morna e fresca
O limo das margens
As águas cáusticas matando carpas
Botos
Lontras
E aguapés

Depois eu era os aguapés
Era o fundo e os barcos de papel
As crianças brincando na beira
Sete crianças soltando barquinhos

Uma delas era eu
A menina de vestido azul
Escapulário
E olhos líquidos
Chorava pelas orelhas
A vida escorrendo nas fendas
E de novo rio
Para sempre eu era o rio
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§


O DIA EM QUE VI A LOUCURA, ERA UM DOMINGO

o dia em que vi a loucura
foi tão de perto que enxerguei as rugas
da roda dos olhos
e as veias estouradas
na maçã do rosto
meu nariz encostado no dela
(morno como uma morte recente)
a gente quase beijou na boca
e se beijasse, eu nunca que ia botar a língua
minha língua na boca da loucura
que nem dentes tem para escovar

o dia em que vi a loucura eu não corri
não poderia correr
olhei para baixo e não tinha pernas
meu corpo terminava no umbigo
também não tinha mãos
só uns tocos de braços
tinha a cabeça toda:
olhos, boca e córtex frontal

a loucura me chamou pelo nome
disse o nome dos filhos que eu ainda não tinha
meu signo e o ascendente
depois me perguntou do que eu tinha medo
e eu chorei
ela não disse calma
nem me abraçou
surrando tudo bem nos meus ouvidos íntegros
ficou respirando fundo perto do meu rosto
tinha cheiro de manteiga e vagão de metrô
depois disse vai e eu voltei
com meus tocos de braços e nada de pernas

ainda sinto o cheiro dela quando anoitece
depois a lua engole tudo e a noite tem cheiro de noite
e eu durmo em paz
no embuste da sanidade
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§


NINGUÉM

           "Que no son, aunque sean".
                    (Eduardo Galeano)

Nenhum afago
Nenhum beijo em joelho esfolado
Ovinho sem bombom na páscoa de caridade

Jamais letra
Jamais desenho de barquinho
Caderno velho no caldo da reciclagem

Não cama
Não travesseiro
Papelão, chuva e sarna

Nenhum pão fresco
Nenhum prato de porcelana
Feijão frio no pote de margarina

Jamais desejo
Jamais sonho
Peito atolado de ausência

Não música
Não palavra
Ranger de uma vida de míngua

Nenhum amor à luz de abajur
Nenhum abajur
Sexo urgente no chão sem paredes

Jamais nome
Jamais ofício
Número e disfunção

Não caminho
Não lugar
Obstáculo na rota da gente de serventia

Nenhum grito
Nenhum choro
Silêncio e dente inflamado

Jamais missa
Jamais enterro
Buraco curto e caixão sem lacrar

Não luto
Não saudade
Estatística: pneumonia, frio e solidão
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

POESIA DA RESISTÊNCIA

eu temo esses dias voláteis
essas horas que se encavalam nos minutos
hoje é segunda passada, amanhã de repente de novo
o coração sobressaltado e um medo
de onde arrebenta o medo?
do intestino, da bexiga, do útero
o medo mora no útero
e é por isso que eu tenho tanto
não é tempo de calar, dizem
mas eu abro a boca e só um choro
mugido baixo
bezerro reclamando mãe
e agora não tem mãe nenhuma
que esses tempos não são de mãe, matéria de amor

todo dia um sol que não sai
uma quase manhã, sem escuro de noite
se pelo menos tivesse sol
se esse dia e amanhã
e semana que vem
não fossem segunda-feira passada
um cheiro de escapamento de ônibus
creme de cabelo, gordura de pastel
um cheiro ácido e quente
evaporando de todos os cabelos carregados de creme
das fumaças vazando dos escapamentos
das bocas que arrebentam a pele do pastel
para chegar na carne
às seis e quinze da manhã sem sol
de segunda-feira passada
o cheiro que é de todo mundo que é gente
que reconhece o tempo de medo
sem matéria de amor e de mãe
as calçadas sujas de chicletes mastigados em dia de sol
uma sexta-feira de carnaval
um outono de um ano que eu não sei

se pelo menos eu pudesse falar
se acudisse mãe
se fosse tempo de amor
se os chicletes tivessem gosto
e os cabelos não fossem sobrecarregados de creme
se os ônibus não gritassem tanta fumaça
e os dias não evaporassem no asfalto
nos dentes mascando a carne do pastel

daqui a três milhões de anos
não vai ser mais segunda passada
nem os minutos que derretem dentro das horas
não vai ter ônibus e cabelo e chiclete e creme
esse medo que nasce do útero e arrebenta o útero
o planeta espatifado
uma infinidade de lasca e poeira
segunda passada é poeira
agora é medo
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

SEM GUARDANAPO

            "Não é cansaço...
            É uma quantidade de desilusão
            Que se me entranha na espécie de pensar.
            É um domingo às avessas
            Do sentimento,
            Um feriado passado no abismo..."
                            (Fernando Pessoa)
 
Não é cansaço
É a vida que pesa demais
Novecentos e dezesseis quilos
Por isso eu ando curvada
Aqui levo os filhos e as tristezas antigas
De tão velhas nem são tristes 

Não tenho pernas para acompanhar o tempo 
As minhas cansam, 
tenho câimbras nas panturrilhas
Eu fico e o tempo corre 
Passa por cima de mim 
Pisoteando minha barriga 

Antes fosse cocaína
E fosse tristeza
Antes o domingo
A terça-feira, o fim do dia
E o carnaval 

Ontem vi uma moça de bobes nos cabelos
Tinha os olhos sólidos de rímel
Entrava na padaria e pedia um salgado
Não pedia um pão de queijo, uma esfirra, um risóles
Dizia, um salgado
Há algo de muito triste em se pedir um salgado
De bobes nos cabelos e rímel nos olhos
Algo de catastrófico 

O moço do balcão insistiu
Tem quibe, esfirra aberta 
Enrolado de presunto
Um salgado, por favor
Os bobes fluorescentes na cabeça castanha
A pasta de rímel engastalhando as lágrimas 

Vai ver é por isso que não chorou
Quando o atendente entregou uma coxinha
Sem guardanapo

Uma moça de bobes nos cabelos 
E olhos saturados de rímel
Que pede um salgado 
Apoiando o decote na estufa 
De uma padaria qualquer 
De um tempo qualquer
Merece uma coxinha sem guardanapo 

Porque a vida é mesmo sem guardanapo
Nada nos protege os dedos do excesso de óleo
Não tem bobes que nos discipline os cabelos 
Nem rímel que nos impeça de chorar 

A moça pediu um guaraná
Eu ouvi bem
Um guaraná, por favor
O atendente abriu de propósito uma coca-cola
O barulho do gás vazando da garrafa
A moça prendendo o choro na cola do rímel
O cabelo marrom soltando de um bobe laranja
Fluorescente 

Bebia um gole da coca
De olhos fechados
Decerto fingia que era guaraná
Limpava as mãos no bolso da calça
Na parte de dentro 

Não me importa o óleo do guardanapo
A verdade está no gordura dos dedos
No avesso dos bolsos
Não está na lágrima retida na goma dos cílios
Mas no choro desencravado no travesseiro
Sem espectador e sem fronha 

Se eu me visse na rua
De bobes e rímel
Os olhos gordos do choro engolido
Choraria sem travesseiro e sem fronha
Sentada no meio fio de uma esquina qualquer 

Um ônibus rápido, no arremedo do tempo
Talvez me atropelasse
E eu não teria mais câimbras nas pernas
Tristeza nas costas
Nem lágrima colada no rímel
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

SEM MOFO, NEM BURACO DE TRAÇA

às vezes
aos sábados, segundas
nunca às quintas
estou esvaziada de mim
o que me fazia eu
o estofo que me apartava do resto do mundo
vaza por uma fenda que eu não sei
um buraco escondido
no couro cabeludo
atrás do joelho direito
na sola do pé
bem na metade do calcanhar 

tenho medo de que escorra tudo
e eu fique vazia de mim
e seja a planta do vaso 
o globo da escrivaninha
o semáforo que só pisca amarelo
a moça da farmácia, o mendigo
o homem da camionete de abacaxis
os abacaxis 

se eu não for eu
se for a água escorrida do ralo
o shampoo desperdiçado no chão
o pedaço podre da cenoura no lixo
minhas crianças não terão mãe
e é preciso ter mãe
inteira, recheada de espuma cheirando nova
sem mofo, nem buraco de traça
estofo de sofá:
macio e resistente 

então eu resisto à tentação do ralo, do lixo
dos abacaxis empilhados na camionete
vedo meus furos com os dedos 
enfio o estofado para dentro
quando vaza um pouco
abraço meus filhos e digo tudo bem
para mim e para eles
um pouco mais para mim 

faço bolo de cenoura
com calda durinha de chocolate
e a gente canta parabéns para a boneca
o coelho de pelúcia, o capitão américa
a vela acesa no bolo
me lembra de que a vida
dura o tempo da chama no pavio
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

§§

24 DE JUNHO

Os braços me doem de carregar o filho
E as pernas de tanto caminhar
Com o filho nos braços
Para que tanto mundo para vida tão curta?

As costas doem de me curvar
Para febre e o choro
E me doem os cantos das unhas e a cabeça
Me dói ainda mais o coração

Por que dói tanto?
Eu pergunto à minha mãe
Ela não sabe
Diz que são bonitas as noites de junho
O céu de mar profundo e as estrelas de São João

Eu engastalho o choro e aperto meu filho
Respiro o cheiro da boquinha cor de rosa
Leite e vida recente
Olha, meu filho
Como são bonitas as noites de junho
O céu de mar profundo e as estrelas de São João
- Maria Fernanda Elias Maglio, no livro "179. Resistência (relação, renitência, insubmissão, oposição, contraposição, contrariedade)". Editora Patuá, 2019.

****

Maria Fernanda Elias Maglio - foto © arquivo MFEM

ALGUNS CONTOS DE MARIA FERNANDA ELIAS MAGLIO NA REDE

:: Conheça três contos do livro Quem tá vivo levanta a mão, de Maria Fernanda Elias Maglio: 'Um Giz' - '636' -e- 'Véu de espantar meninos maus'. In: Editora Patuá, 2021. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
:: 'Dezembro de deserção' - um conto de Maria Fernanda Elias Maglio. In: Germina - revista de Literatura & Arte, 2019. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
:: 'Terra de avesso' - um conto de Maria Fernanda Elias Maglio. In: Medium, 25 de junho de 2017. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
:: 'Um Giz' - um conto de Maria Fernanda Elias Maglio. In: Rede Sina, 23 de janeiro de 2021. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
:: 'Um palmo fechado e um dedo' - um conto de Maria Fernanda Elias Maglio. In: Revista Vício Velho, nº 10 - antologia, rupturas, 5.9.2019. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).


Ouça o conto "Ismalia" de Maria Fernanda Elias Maglio - leitura da atriz Lucia Romano




"A linguagem é um aspecto do texto que considero fundamental. Gosto de histórias, mas gosto sobretudo da linguagem. Amo palavras, a densidade, o som. Desde sempre gosto de dicionários, de estranhar palavras, repetir mentalmente até que esvaziem de sentido."
- Maria Fernanda Elias Maglio, em entrevista à Fernando Andrade/Ambrosia, 12.3.2018.

****

Maria Fernanda Elias Maglio - foto © Pedro Abude

FORTUNA CRÍTICA DE MARIA FERNANDA ELIAS MAGLIO


ANADEP. Maria Fernanda Elias Maglio [entrevista]. In: Anadep, nº 11, 19 de dezembro 2018. 
Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
ANDERSON, Ney. Maria Fernanda Elias Maglio: “é no deslocamento do eu para o outro que a literatura se constrói”. [entrevista]. In: Angústia Criadora, 8.5.2021. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
ANDRADE, Fernando. Quatro perguntas para a escritora Maria Fernanda Elias. [entrevista]. In: Ambrosia, 12.3.2018. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
CARDOSO, Gabriella Chitolina; MELO, Cimara Valim de.. Manifestações de gênero na narrativa brasileira contemporânea e suas repercussões no ensino de literatura: uma análise da obra Enfim, Imperatriz, de Maria Fernanda Elias Maglio. In: Tear: Revista de Educação Ciência e Tecnologia, v.10, n.1, 2021. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
CASQUET, Cristiane. 179. Resistência (Reação, Renitência, Insubmissão, Oposição, Contraposição, Contrariedade).. [entrevista com Maria Fernanda Elias Maglio]. In: Cristiane Casquet, 6 de dezembro 2019. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
COMOEUESCREVO. Como escreve Maria Fernanda Elias Maglio. [entrevista]. In: Como eu Escrevo, s/data. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
DUARTE, Rogério. Irrespirável: insensibilidade humana nos contos de “Quem tá vivo levanta a mão”. In: RW Cast, 7 de dezembro de 2021. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
ENTREVISTA. A literatura é uma versão da realidade / Defensora pública Maria Fernanda Maglio, autora de ‘Enfim, Imperatriz’, fala sobre a Filosofia do Direito em suas obras. In: Biblioteca Prof. Lydio Machado Bandeira de Mello/ Faculdade de Direito - UFMG, 12 de novembro de 2021. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
GASPARI, Filipe Natal de.. ‘A literatura é uma versão da realidade’, diz defensora que venceu Prêmio Jabuti. [entrevista]. In: Jota - Opinião e análise, 1.9.2019. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
HOLDEFER, Camila von. Livro vencedor do Jabuti de contos não encanta de todo. In: Folha de São Paulo, Ilustrada, 22 de março de 2019. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
INÁCIO, Lívia. Contos do agora - As narrativas de "Enfim, Imperatriz" flertam com o fantástico e trabalham temas fundamentais ao nosso tempo. [ensaio]. In: Rascunhos, edição 231, julho de 2019. Disponível no link. (acessado em 21.2.2022).
RESENHA. Tensão sobre tratamento metafórico [livro de contos 'Enfim, imperatriz', de Maria Fernanda Elias Maglio]. In: A Nova Critica, S/data. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).
RICCIARDI, Luigi. [Resenha] - Enfim, Imperatiz. Maria Fernanda Elias Maglio. In: Acropole Revisitada, 1 de abril de 2019. Disponível no link. (acessado em 22.2.2022).

****

MARIA FERNANDA ELIAS MAGLIO NA REDE ONLINE


Editora

-----------
imagem: Maria Fernanda Elias Maglio - foto © arquivo MFEM


© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske


© Direitos reservados a autora/e ou seus herdeiros

=== === ===
Trabalhos sobre a autora:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: discos, álbuns, livros, tese, dissertação, ensaio, artigo ou outros - envie os dados para o nosso "e-mail", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Maria Fernanda Elias Maglio - um diálogo entre literatura e direito. In: Templo Cultural Delfos, fevereiro/2022. Disponível no link. (acessado em …/…/…).
-----------
Postagem atualizada em: 25.2.2022.
 
Página publicada originalmente em FEVEREIRO/2022.


Direitos Reservados © 2024 Templo Cultural Delfos

Aline Rochedo Pachamama e a literatura dos povos originários

 
Aline Rochedo Pachamama - foto: © Acervo pessoal

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske
Por gentileza citar conforme consta no final desse trabalho.


"Os poetas desencontram espaços no planeta de concreto
e criam seu próprio mundo
no coração das pessoas.
Verso."
- Aline Rochedo Pachamama, no livro
 "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve".
 Pachamama Editora, 2015.


 ESBOÇO BIOBIBLIOGRÁFICO DE ALINE ROCHEDO PACHAMAMA

Aline Rochedo Pachamama.(Churiah Puri). Mulher originária do Povo Puri da Mantiqueira. Historiadora, escritora e ilustradora. Doutora em História Cultural pela UFRRJ. Mestre em História Social pela UFF. Idealizadora da Pachamama Editora, (editora formada por mulheres originárias/indígenas). Pela Pachamama Editora, elabora e executa ações em prol da valorização e preservação de Línguas dos Povos Originários, bem como divulgação de suas Culturas a partir da História Oral e Memória, principalmente, de mulheres e anciãs.

Em julho de 2016, lançou o projeto de “Reparação Linguística, Histórica e Cultural” da Pachamama Editora, publicando os primeiros livros bilíngues e polilíngues de originários. Autora de uma série de livros na área de Culturas e Diversidade, dentre eles, o projeto literário “Mulheres Indígenas em Contexto Urbano - aprovado pela Lei de Incentivo SEC-RJ- Mitã Yakã Pyguá (2017), que culminou com a publicação do livro “Guerreiras - Mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas na aldeia” e do livro infanto-juvenil polilíngue “Taynôh” (Guarani, Xavante, português e espanhol). Também é autora dos livros “Boacé Uchô Narrativas e Memórias do Povo Puri da Mantiqueira”, 2010; “Pachamama - a poesia é a alma de quem escreve”, 2016; “Inhã Uchô” (lançamento em 2022); “Schuteh Poteh, Schuteh Koya - A língua Puri como elo de identidade e afeto” (lançamento em 2022).

Desde 2018, participa do Projeto Arquivo Multimídia da Poesia dos países da CPLP, no âmbito da Cátedra UNESCO Educação, Diversidade Cultural e Cidadania, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Lisboa, Portugal - desenvolvendo atividades de investigação e recolha de documentos audiovisuais, impressos no Brasil, que tratam da temática indígena e da valorização da diversidade linguística e cultural dos Povos Originários.

Em 2019, recebeu menção honrosa como uma das dez mulheres cientistas brasileiras pela FAPEMIG- Minas Faz Ciências, sendo ela a única da área de Humanas.

Recentemente, formalizou o Instituto Pachamama com o intuito de desenvolver o projeto Inhã Uchô (Espaço de Aprendizado da Floresta, Didático Ambiental e de Memória e Reparação Histórica
do Povo Puri da Mantiqueira) em Visconde de Mauá, Resende, RJ. Compositora e letrista, lançou, em 2021, a música “Abya Yala” em prol da Mãe Terra- Mantiqueira e do Projeto Inhã Uchô.
Schuteh Poteh! Boa Luz!
-------------

"Amar é um ato desafiador nestes dias atemporais em que a
miséria humana se legitima por uma fé cega, uma política
esvaziada de sentidos, uma percepção da vida que defende
a morte. Repetem-se os ciclos destrutivos. Mas hoje é um
novo dia! Vamos reaprendendo e caminhando com passos
firmes. Porque Amor também é Coragem."
- Aline Rochedo Pachamama, no livro 
"Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve".
Pachamama Editora, 2015.


Aline Rochedo Pachamama - foto: © Acervo pessoal

OBRA DE ALINE ROCHEDO PACHAMAMA

Literatura dos povos originários
:: Pachamama: a poesia é a alma de quem escreveAline Rochedo Pachamama. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2015. 
:: Guerreiras - M'baima miliguapy: mulheres indígenas na cidade, Mulheres indígenas na aldeiaAline Rochedo Pachamama. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2018.
:: Taynôh: o menino que tinha cem anosAline Rochedo Pachamama. [aquarelas da autora]. Texto multilíngue: puri (macro-jê), guarani mbya (tupi), português e espanhol. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2019.
:: Boacé Uchô: A história está na terra – Narrativas e memórias do Povo Puri da Serra da Mantiqueira. Aline Rochedo Pachamama. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2020.
:: Inhã Uchô - Ancestralidade Espiritualidade Sonhos Cotidiano Cosmovisão RealidadeAline Rochedo PachamamaRio de Janeiro: Pachamama Editora, 2022. Lançamento!
:: Schuteh Poteh, Schuteh Koya - A língua Puri como elo de identidade e afeto. 2022. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2022. Lançamento!

Ensaio
:: Derrubando Reis- a juventude urbana e o rock brasileiro nos anos 1980. 1ª ed., Rio de Janeiro: Flaneur, 2014.

Em Antologia (participação)
:: Poesia indígena hoje: resiliência. [organização Beatriz Azevedo e Julie Dorrico]. Dossiês 1. Revista p-o-e-s-i-a, n. 1 . 2020. {“Cardumes poéticos” - conta com participação de: Ailton Krenak, Aline Pachamama (puri), Auritha Tabajara, Ãtekáy (pataxó), Eliane Potiguara, Edson Krenak, Graça Graúna (potiguara/RN), Gustavo Caboco (wapichana), Ian Wapichana, Itayná Ranny Tuxá, Jamile Nunes (parintintim), Juliana Kerexu (guarani), Julie Dorrico (makuxi), Marcia Mura, Marcia Kambeba, Olivio Jecupé (guarani), Renata Machado (Tupinambá), Tiago Hakiy (mawé), Yaguaré Yamã (sateré-mawé) e Zélia Balbina (puri) | ensaios “Sementes” - conta com participação de: Daniel Munduruku, Fernanda Vieira (xocó/SE), Geni Ñunez (guarani), Jaider Esbell (makuxi), Kaka Werá (Tapuia) e Maria Elis Nunc-Nfôonro (xokleng)}. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).

Tese e dissertação
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Afrodite se quiser: O protagonismo das mulheres no rock brasileiro. (Tese Doutorado em História). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, 2018. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Os filhos da Revolução - A juventude urbana e o rock brasileiro dos anos 1980. (Dissertação Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, UFF, 2011. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).

Ensaios e artigos em livros e revistas 
PACHAMAMA, Aline Rochedo.“Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea”: Aline Rochedo Pachamama. In: site do Itaú Cultural, 13.1.2022. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Tatak Boacé – palavra que pulsa: A necessária escrita da história pelos povos originários. In: Revista Select, vol. 10, n. 50, abril, maio, junho 2021. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Boacé Metlon / Palavra é coragem - Autoria e ativismo de originários na escrita da História. In: Literatura indígena brasileira contemporânea: autoria, autonomia, ativismo. [organização Julie Dorrico, Fernando Danner, Leno Francisco Danner]. Porto Alegre/RS: Editora Fi, 2020. Disponível no link e link. (acessado em 13.1.2022).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Mbaima Metlon: Narrativas de mulheres indígenas em situação urbana. In: Ekstasis: revista de hermenêutica e fenomenologia, v. 8, n. 2, 2019. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. M’po Dokora (Árbol sagrado).. [traducción Pilar Morales]. In: PalaBrijes, Universidad Autônoma de Lá Ciudad de México - UACM, 21-22 . enero-diciembre 2019, p. 54-57. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
PACHAMAMA, Aline Rochedo. O povo Puri de Minas Gerais. In: SOUZA, Ana Paula Lemes de, VIANNA, Raphael, ALCÂNTRA, Thaís Dalla Corte Valderí de Castro. (Org's.). Clamor das águas: a busca por nova identidade para as águas minerais no Brasil. 1ª ed., Florianópolis: Nova Cambuquira, v. 1, p. 147-172, 2018.
ROCHEDO, Aline. Solidariedade. In: FARIA, Afonso (Org.). Solidariedade: escreva a sua parte. 1ª ed., Rio de Janeiro: Folha Dirigida, v., p. 40-43, 2005.

"Há de se encantar. E depois se permitir. Porque viver é um
descuido deleite."
- Aline Rochedo Pachamama, no livro 
"Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve".
Pachamama Editora, 2015.


Aline Rochedo Pachamama - foto: © Acervo pessoal

SELETA DE POEMAS DE ALINE ROCHEDO PACHAMAMA


Palavra
Palavra é Força.
Palavra é Vida.
Palavra é Sentimento.
A palavra não pode ser negligenciada.
A palavra não deve ser subestimada.
A palavra não deve vestir-se de hipocrisia para dizer.
A palavra não deve ser disfarce.
A palavra há de ser transparência.
Há de ser viva, há de ter alma, há de ser gente.
A palavra tem ritmo.
Palavra doce, palavra amarga, palavra sincera.
Palavra de amor, palavra dor, palavra amiga.
A Palavra nos antecipa...
Tal como somos.
Seja a Palavra.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Tudo livre há de Ser
Nenhuma flor se repete, nenhum minuto se perde. Nenhuma pessoa é igual.
Nenhum momento será o mesmo amanhã.
Tudo que se faça de bom, com cuidado e afeto. Seja!
Há de se tornar fruto, folha, tronco e sentimento.
Todo abraço sincero cura.
Toda clareza nos olhos guia.
Todo esforço há de se tornar energia.
Todo coração há de encontrar reciprocidade.
E Tudo livre há de Ser
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Descrição
Uma palavra sem duplo sentido
Amanhece para mim quando anoitece lá fora
A lua tem seu lugar de destaque
Não há problema assumir as fraquezas
Antes isso do que uma aparente moderação dos erros
A vida
A vida é pulsante
Nada fica estático ou preso a sentimentos cansados
Sou grata pelo redemoinho de coisas que me aparecem
no horizonte
Pelas pessoas que me esbarram e sentem energia
Mas não é isso apenas
Tudo me faz lembrar meu princípio de partícula
Eu sou tantos minúsculos de mim nesse todo
Uma palavra sem duplo sentido
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§


A palavra é uma pessoa
É incrível como cada autor escreve,
Seu registro tem alma escondida.
É algo impregnado, presente e invisível.
Como o cheiro na flor, no fruto e no tronco.
Seu eco indireto chega,
Alcançando a existência no outro.
Faz um trovão e um orvalhar de estrelas,
Incrível é como a palavra antecipa quem escreve.
Ela perpassa os tempos de idas e vindas,
Ela destrói qualquer dúvida sobre sua fonte.
Ela, a palavra, traz um ser pulsante,
Que lê, ouve e sente.
Ela, a palavra, não trai sua origem,
Mas voa longe, livre e ganha novas formas.
E depois de enveredar outros horizontes,
Ela volta e refaz-se em outras raízes.
E novas, e outras, e mesmas palavras completam quem
as escreve.
A pessoa.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

A pessoa é aquilo que a
presença dela desperta
A pessoa é o despertar.
Ela é o que ficou registrado na memória do outro.
A pessoa é um eterno de prazer ou de repúdio no pensamento
de quem dela lembra.
Ela é o sentido que provém de seus atos.
A pessoa é sentimento,
Estes que emergem nos olhos, verbos, toques e pensamentos.
A pessoa não se esconde nela mesma.
E nisso há uma encantadora verdade:
A essência da pessoa reside naquilo que deixou de rastro
na outra pessoa.
A pessoa é aquilo que a presença dela desperta.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Transmutação
Poucos leem versos atualmente
Poucos correspondem afetos
Poucos são agradecidos
Poucos respondem
Poucos escutam
Poucos olham nos olhos
Poucos se solidarizam
Poucos se desprendem
Poucos reaprendem
Poucos entendem
Poucos preservam
Poucos elevam
Poucos perdoam
Poucos se conhecem
Poucos buscam horizontes
Poucos transmutam tristezas
Poucos multiplicam alegrias
Poucos aproveitam a essência
Poucos energizam sabedoria
Poucos bem poucos amam intensamente
E o que seria do mundo na ausência desses poucos?
Desejosa sou
no poeta que me preenche
Que desses poucos
Sejamos Todos.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Reflexão
Estou passando bons momentos dentro de mim.
Conhecendo as células da minha alma.
Ouvindo os sons produzidos pelos sonhos que se convergem aos atos.
Estou inundada em sentimentos que ardem, mas não queimam. Aquecem. Acariciando os que deleitam paz. E retirando todos os que não são úteis.
Os nobres permanecem,
Os demais, já esqueci o nome.
Todos os dias encontro meu genuíno e selvagem reflexo e
nele mergulho.
Sem medo do meu oceano.
Feliz pelo meu Universo.
Eu me reconheço.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Ouça
A voz nos antecipa.
É a nossa identidade de som único.
Ela carrega o calor do nosso intimo.
E aquece a saudade dos que estão distantes.
A voz tem um mistério.
Você fecha os olhos, ouve a pessoa.
E consegue trazê-la para perto.
A voz acalma, a voz estimula, a voz repudia também.
A voz no sorriso transcende.
A voz de quem chora é abafada.
A voz de quem luta é firme.
A voz de quem teme é tremula.
A voz de quem canta é sonora.
E a voz de quem a gente ama revigora.
Perpassam na velocidade da luz e aqui ecoam, Na alma.
Repetem-se como terna ciranda.
Penetram as veias e chegam ao coração.
E lá, se expandem.
Ouça...
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Arrebol de Verão
Tenho exercitado a Esperança.
É a mistura do caos com a sensibilidade que me comunica soluções.
É a vontade não respeitada de não fazer nada que me toma.
Verão arrebol das cores.
Ventos sonoros.
Verão Palavras cuidadas e repletas de tempero.
Um olhar que te devolve o afeto.
Um desconhecido sorriso verdadeiro.
Verão que tenho exercitado ser um tanto de saudade no outro.
Um tanto de sal doce na boca
Um tanto cheiro de mim.
Que nem é perfume.
É aquilo que se chama Presença.
Verão que tenho exercitado o silêncio
Para ouvir. E me lançar...
Verão no mar.
Verão nos pontos luminosos do infinito.
Verão a matéria do meu trabalho.
Verão que a Esperança tem forma e calor.
Verão festa nos dias quentes desta estação.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Ah. Mar!
Eu quero viver deste mar
Vasto, amplo, divino
Mar das minhas canções
O mar que me cega os ouvidos

De suaves todos os tons
De ondas sereninhas
Sereias de areia
E estrelas pequeninas

Meu mar de verde-azul
Invado-te hoje sem medo
Em ti posso navegar
Conto-te os meus segredos

Mar de sal tão doce lembrança
Que amplia anseios da alma
Quero ser tão parte sua
Numa fúria contraditória calma

Sonho meu mar mais perto
Nas areias desenhando versos
E vê-lo da janela do quarto
Quando o sol dele nascer completo

Eu quero Viver deste mar
Embriagar-me deste convívio
Necessidade minha de estar
Inebriada pelo infinito.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Minh’alma é a Floresta
Há uma floresta em mim,
E uma busca.
Há o som de um canto,
E um rio.
Há vontade de brisa,
E luz branda.
Há um perfume de vida, de verde e de fé.
Há ausência de crenças opressoras,
E por isso há liberdade.
Há o Presente.
Há possibilidade.
Há animais pequeninos e de mil cores,
Que se confundem nas pétalas e folhas.
Há um sorriso em cada ser vivo.
Nesta floresta,
Há inquietações e quietudes.
Há generosidade e humor.
E amor.
E você.
Há um para sempre em mim.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§

Subversivo
E o poeta versa esperança e une-a em atos,
Num mundo em que, infelizmente,
As palavras e os fatos pouco se encontram.
O poeta valsa, canta e faz encantamento.
E a poesia chega aos ouvidos dos que tem olhos despertos.
Dos que repudiam as mazelas corriqueiras dos sem palavras
de afeto.
Chega de pronto e mora no outro,
Com raízes verseiras de luz subterrânea,
Aquelas da alma.
E não há como resistir se um verso chegou e te fez pulsar.
O poeta é o subversivo.
Nele, não há fronteira,
Nele, o amor é verbo.
E o verso é tal como seu criador,
Livre.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

§§



Aline Rochedo Pachamama - foto: © Acervo pessoal

FORTUNA CRÍTICA DE ALINE ROCHEDO PACHAMAMA

ABE, Stephanie Kim. Como não cometer equívocos no Dia dos Povos Indígenas / entrevista com Aline Rochedo Pachamama. In: Cenpec, 14.2021. Disponível no link. (acessado em 28.12.2021).
ALINE Pachamama. minibiografia. In: Gênero, sexualidades e relações étnico-raciais: Um guia para o Ensino de História. [organização Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Lívia Nascimento Monteiro] Alfenas: Unifal, 2021, p. 160-165. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
BALADA LITERÁRIA. A indígena Aline Rochedo Pachamama é a primeira convidada da coluna voltada à literatura contemporânea brasileira, do site do Itaú Cultural. In: Balada Literária, 10.1.2022. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022)
DANNER, Leno Francisco; DORRICO, Julie; CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; DANNER, Fernando (Orgs.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica, recepção. [prefácio Ana Lúcia Liberato Tettamanzy]. 1ª ed., Porto Alegre: Editora Fi, 2018. Disponível no link. (acessado em 7.12.2021).
FAPEMIG."A história entrou como a possibilidade de eu escrevê-la" - Aline Rochedo Pachamama / historiadora e escritora, Rio de Janeiro. In: Mulher faz ciência - Dez cientistas, muitas histórias. vol. 1. 1ª ed.,: Belo Horizonte: Fapemig, janeiro 2019. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
FORTE, Bruna. Mulheres que gestam a terra: escritoras indígenas cartografam vivências femininas. In: O Povo, 18 de abril de 2021. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).
LEAL, Bruno. Exposição virtual mostra como crianças e adolescentes de etnias indígenas enxergam o céu. In: Café História, 5 de fevereiro de 2021. Disponível no link. (acessado em 13.1.2022).
MELLO, Isabela Nunes; ALMEIDA, Helena Azevedo Paulo de. Escre(vivência) originária: uma proposta de descolonização do ensino de História.  In: ALMEIDA, Flávio Aparecido de (Org.). Ensino de História: histórias, memórias, perspectivas e interfaces. Editora Científica Digital, 2021. Disponível no link. (acessado em 14.12.2021).
OTERO, Luiz Gomes. Virginie Boutaud e Aline Rochedo Pachamama: unidas pela música. In: Resenhando, 16.7.2021. Disponível no link. (acessado em 28.12.2021).

"Não temo errar, arriscar, sonhar e seguir pela fé .
Sou desapegada, por isso amo.
Sou livre, por isso realizo,
Sou Mistério, Por isso."
- Aline Rochedo Pachamama, no livro 
"Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". 
Pachamama Editora, 2015.


ALINE ROCHEDO PACHAMAMA NA REDE

:: E-mail: pachamamaeditora@gmail.com


"Os versos são aquelas sementes,
Que quando cuidadas florescem por mil anos."
- Aline Rochedo Pachamama, no livro 
"Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve".
Pachamama Editora, 2015.





© Direitos reservados ao autor/e ou ao seus herdeiros

© Pesquisa, seleção, edição e organização: Elfi Kürten Fenske


=== === ===
Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 


COMO CITAR:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Aline Rochedo Pachamama e a literatura dos povos originários. In: Templo Cultural Delfos, janeiro/2022. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
Página atualizada em 13.1.2022.
** Página original DEZEMBRO/2021.





Direitos Reservados © 2022 Templo Cultural Delfos

COMPARTILHE NAS SUAS REDES