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Dora Ferreira da Silva - a demiurga mítica e lírica

  • Dora Ferreira da Silva - poeta e tradutora


Dora Ferreira da Silvapoeta e tradutora - nasceu em Conchas (SP), no dia 1º de julho de 1918. Casou-se aos 19 anos com Vicente Ferreira da Silva, com quem estabeleceu uma parceria de dedicação a estudos ao longo de uma convivência de 23 anos. Dora e Vicente Ferreira da Silva fizeram de sua casa pouso de escritores e pensadores interessados na divulgação de um pensamento crítico.

No ano seguinte à morte trágica de Vicente Ferreira da Silva, num acidente de carro, Dora fundou a Cavalo Azul, em 1963, revista que nos seus 12 números privilegiou a literatura, em especial a poesia. Seguiu-se então a época das traduções. Devem-se a Dora as primeiras traduções para o português da obra do psicólogo suíço Carl Gustav Jung.

Seu primeiro livro de poesias foi Andanças, publicado em 1970. Entre a poesia e o ensaio, gêneros a que se dedicaria até o fim da vida, e sem interromper o trabalho com a obra de Jung, ela publicou a primorosa tradução das Elegias de Duíno, de Rilke. Em 1995, lançou Poemas da estrangeira, com o qual ganhou o Prêmio Jabuti daquele ano. O crítico e também poeta Ivan Junqueira atribuiu-lhe o talento de se valer “de uma linguagem sem voz para expressar o indizível”. Em 1999 foi publicado seu Poesias reunidas, que engloba oito livros, de Andanças a Poemas em fuga, este último lançado em 1997.

Em permanente contato com jovens interessados em mitologia, psicologia e poesia, Dora fundou o Centro de Estudos Cavalo Azul, em 2003, do qual participaram os poetas Cláudio Willer e Rodrigo Petrônio.

Dora Ferreira da Silva morreu no dia 6 de abril de 2006, em São Paulo.
:: Fonte: IMS


Dora Ferreira da Silva - fonte: IMS


OBRAS DE DORA FERREIRA DA SILVA

Poesia
:: Andanças. São Paulo: Edição da autora, 1970 - Prêmio Jabuti.
:: Uma via de ver as coisas. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1973, 124p.
:: Menina e seu mundoSão Paulo:Massao Ohno, 1976.
:: Jardins (esconderijos). São Paulo: Edição da autora, 1979, 125p.
:: Talhamar. [capa pintura mural grega no Túmulo do Mergulador]. São Paulo: Massao Ohno, 1982.
:: Retratos da origem. São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1988,  109p.
Poemas da estrangeira, de Dora
Ferreira da Silva
:: Poemas da estrangeira. ['orelhas' do livro por José Paulo Paes]. São Paulo: Massao Ohno, 1995, 241p. - Prêmio Jabuti.
:: Poemas em fuga. ['Orelha' do livro por Lêdo Ivo]. São Paulo: Massao Ohno, 1997, 109p.
:: Poesia reunida. [introdução Gerardo Mello Mourão]. São Paulo: Topbooks, 1999, 483p. - Prêmio Machado de Assis da ABL.
:: Cartografia do imaginário. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2003, 146p.
:: HídriasSão Paulo: Odysseus Editora, 2005 - Prêmio Jabuti.
:: O leque. [apresentação Antonio Fernando de Francheschi; projeto gráfico Kiko Farkas; ilustrações Elisa Cardoso]. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Sales – IMS, 2007.
:: Appassionata. [inclui textos de Inês Ferreira da Silva Bianchi e Ivan Junqueira; projeto gráfico Kiko Farkas]. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Sales – IMS, 2008.
:: TranspoemasRio de Janeiro: Instituto Moreira Sales – IMS, 2009, 213p.

Ensaio
:: Tauler e Jung - o caminho para o centro. [em colaboração com Hubert Lepargneur]. São Paulo: Paulus, 1987.

Artigo, prefácio, nota
SILVA, Dora Ferreira da.. Nota sobre Quarta-feira de cinzas. São Paulo, Diálogo nº 7, julho de 1957. 
______ . O demoníaco em Grande Sertão: Veredas. São Paulo, Diálogo nº 8, novembro de 1957.
______ . A temática da poesia de Vinicius de Moraes. São Paulo, Diálogo nº 11, agosto de 1959.
______ . Os principais temas do Livro de Horas. Diálogo n° 13. dezembro de 1960.
______ . Duas experiências do Angélico (prefácio). In. HILST, Hilda. Sete Poemas do Poeta para o Anjo. São Paulo: Massao Ohno editor, 1962.
______ . Nota sobre Amers. Diálogo nº 15, abril de 1964.
______ . O duplo reino da vida e da morte. Diálogo nº 15, abril de 1964.


Traduções realizadas por Dora Ferreira da Silva
Dora Ferreira da Silva - foto: IMS
:: O barco da morte, de D. H. Lawrence[tradução Dora Ferreira da Silva]. Diálogo nº 5, outubro de 1956.
:: Quarta-feira de cinzas, de T. S. Eliot. [tradução Dora Ferreira da Silva]. Diálogo nº 7, julho de 1957.
:: Estreitos são os barcos, de Saint John Perse. [tradução Dora Ferreira da Silva]. Diálogo, nº16, abril de 1964.
:: Elegias de Dhuíno, de Rainer Maria Rilke. [tradução Dora Ferreira da Silva]. Porto Alegre: Editora Globo, 1972.
:: Memórias, sonhos e reflexões, de Carl Gustav Jung[tradução Dora Ferreira da Silva].  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
:: O eu e o inconsciente, de Carl Gustav Jung[tradução Dora Ferreira da Silva]. Petrópolis: Vozes, 1978.
:: A poesia mística, de San Juan de la Cruz. São Paulo: Cultrix, 1982.
:: Ângelus Silesius[tradução Dora Ferreira da Silva e Hubert Lepargneur]. T.A. Queiroz, 1988.
:: Vida de Maria, de Rainer Maria Rilke[tradução Dora Ferreira da Silva]. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
:: Aurora Consurgens, de C. G. Jung. (Volume complementar de Mysterium Conjunctionis).. [tradução Dora Ferreira da Silva]. Petrópolis: Vozes, 1997.
:: Estudos alquímicos, de Carl Gustav Jung[tradução Dora Ferreira da Silva e  Maria Luiza Appy]. Petrópolis: Vozes, 2002. 
:: Os arquétipos do inconsciente coletivo, de Carl Gustav Jung[tradução Dora Ferreira da Silva e  Maria Luiza Appy]. Petrópolis: Vozes, 2002.
:: Psicologia e alquimia, de Carl Gustav Jung[tradução Dora Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy  e Margaret Makray]. Petrópolis: Vozes, 1991. 
:: O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês, de Carl Gustav Jung R. Wilhelm[tradução Dora Ferreira da Silva e  Maria Luiza Appy]. Petrópolis: Vozes, 1997.


Dora Ferreira da Silva - foto (...)


POEMAS ESCOLHIDOS DE DORA FERREIRA DA SILVA

Afrodite
Disse a deusa a sorrir:
esta manhã o mar deu-me adereços
e vestida de pérolas
fui a um reino distante.
Cânticos despertaram vides
e frutos nasceram, que o sol
cultiva nos pomares.
Coros adolescentes perseguiam Eros
— p coroado de pâmpanos —
pois de meus lábios haviam provado ,
o vinho farto e suave.

Liames atando e desatando,
ele a beleza ocultava nas angras mais profundas,
pois quando emergia — flâmeo! —
o murmúrio do mar as praias inundava
e a embriaguez vizinha da morte
ameaçava os amantes...
- Dora Ferreira da Silva, em "Talhamar". São Paulo: Massao Ohno, 1982.


Além
Não me explicas
Vicente e Dora Ferreira da Silva
não te explico
o milagre do contato
que é de alma e é carnal
que é do espírito abissal
tudo somando o igual.
Sinto o frêmito do vento
nas plantas do beiral
desta casa provisória.
Não há linhas divisórias
que nos digam quem é qual
por tão próximos — não há espaço
para o abraço
para o ai!
Andando em duas direções
transpusemos nossa essência
um é o outro
e o círculo no entanto
determina eterno encontro.
Sem assombro dou-te um beijo
o realejo da infância
é o fundo musical.
Valha-nos Deus!
Vamos chorar? Vamos sorrir?
O agora é o por vir
que empurra e enterra o antes
para nova floração.
Só não passa nem transita esse
doido coração
não é meu
não é teu
está nu de possessivos
a imperecível carnação.
Sorrimos o mesmo sorriso
diante das megapalavras
somente cativos do Nada.
E eternamente calamos.
- Dora Ferreira da Silva, em "Poesia Reunida". Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 355.


Amores
III
Jardins (esconderijos), Dora Ferreira da Silva
Não traçarei novos caminhos.
Entrelaçados, nascemos de raízes
mais fundas que saber.
És o que virá, se vieres.
E eu espero.  Véspera da morte,
agora que o amor é mudo ou canta sem parar.
E o canto um silêncio parece
de tão fundo viver, que a vida já se despe
de si mesma, e avança sem andar:
bem longe
ou perto
aberto dom
de
amar.

IV
Não o que dizíamos
nem o que víamos,
mas o olhar desviado,
taça em demasia.  E o que insistia:
os mesmos pórticos, a hora
na torre austera.  E tudo fazíamos
para não ouvir, calado,
o passo do passado
e não olhar, à janela cega,
um vulto debruçado
o olhar isento
do amor que não se vê
e, em fuga, se extravia.
- Dora Ferreira da Silva, em "Uma via de ver as coisas". São Paulo: Editora Duas Cidades, 1973.


Ao sol
Naufragas na noite
em pompas de luz e imensidade
todo germe palpita na semente
e da nova manhã ressurges
clara divindade

nua a carnação sob o manto escarlate.
- Dora Ferreira da Silva, em "Andanças". São Paulo: Edição da autora, 1970.


Apolo hiperbóreo
Ele ama a distância além do inverno,
onde não declinam a luz radiosa e os cantos.

Quando se afasta, pássaros silenciam e a fonte
em Delfos quase se extingue. Lobos uivam.
Imensa é a noite fria em sua ausência.

Mas ouve! O jubiloso peã de novo repercute
nas pedras brilhantes. Corpos e olivais dourados
revivem na dança: o Citaredo retorna coroado de folhas.
- Dora Ferreira da Silva, em "Hídrias". São Paulo: Odysseus Editora, 2005.


Cânticos
I
Tenho-te um amor de mansidões
rebanho lento e branco passeando na alvorada
tenho-te um amor tranqüilo e trêmulo
não se música ou se constelações

tenho-te um amor de eternidades
em vagas renascentes — brando som de flauta
chamando as superfícies distraídas
para a reconcentração definitiva

II
Como um ramo de úmidas rosas
quisera estar na sala em que respiras
o aroma de tuas primaveras
Como um cesto de frutos derramados
quisera ser a oferta abandonada

na mesa simples da tua eternidade
- Dora Ferreira da Silva, em "Andanças". São Paulo: Edição da autora, 1970.


Canto IX
Dora Ferreira da Silva  - foto (...)
Teu nome 
              de nada é feito
(que matéria poderá servi-lo?)
És o que antecede
                           o ver
                                   e inaudível
precedes o ouvir
                            O tato
                           o sabor
                           o cheiro
apenas em ti se reconhecem
antes que retornes
ao moldo do vazio

Quando vens
                   ultrapassas ideias
                                            pensamentos
que pretendem prender
                                  o antes
                                               depois
e ao mesmo tempo
                            agora

Menino
usas todas as máscaras para brincar
                                 e nos surpreendes!

Poupas nossa fragilidade
                                   com ecos
                                                fragrâncias
(passo no caminho
                            és tu
                                    e quem caminha)

Coisa não és
                   mas concedes graça
à curva de um caminho
                   às folhas aromáticas
a um contato de amor
                               Se te evolas
não é como quem abandona
                               mas pelo gosto
de repetir-te
                    em nós por outras vindas
grandes e pequenas
                            enquanto houver espaço
para o Amor
                  Mas este nome — o mais próximo —
também não basta! 
- Dora Ferreira da Silva, em "Retratos da origem". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1988.


Conversa Dom Pessoa
Ai, não ter a vida provas de revisão
para mudar-lhe as vírgulas, acrescentar-lhe
                                     pontos de interrogação
e sobretudo passar a limpo dores e amores
arranjar vasos de flores, ter um gato de
                                                         estimação,
ouvir a rolinha a consolar-lhe a aflição...

Ai, não ter a vida provas de revisão
para endireitar-lhe as linhas, trocar palavras
e afinal arrancar as páginas todas do livro

e suprimir-lhe a edição.
- Dora Ferreira da Silva, em "Jardins (esconderijos)". São Paulo: Edição da autora, 1979.



Criação
Se grilos
e argila
fundissem
sonhos
teríamos a terra,
essa dona senhora,
imaculada
em música
e herança
ancestral.
- Dora Ferreira da Silva, em "Uma via de ver as coisas". São Paulo: Editora Duas Cidades, 1973.


Depois
Sim, era o tempo. Depois — inútil consultares o relógio —
o tempo não era.Tudo pleno e íntegro: obedecíamos a um
                                                                            [milagre
mais simples que as coisas usuais. A labareda encontrou o
                                                                               [seu fiel
cessando de crepitar. As emoções se extinguiram
na lareira que não fora acesa em noite de verão.
O calor das coisas a si mesmo se bastara a ponto
de adormecer. E a orquestra ali estava suspensa depois do
acorde final, os músicos ausentes
algumas folhas caídas no chão de madeira morta.
O perdão da seiva antiga recendia a música de violinos
e flautas. Persistente floresta de sons, a música!
Os acordes da alma ainda ecoavam — do insípido à
                                                                       [exaltação.
Persistente floresta, a alma. E tu misericórdia
há onde caibas? Exorbitas instrumentos partituras:
música pura. Silêncio que nos acolhe
e disso faz um ramo de primavera.
- Dora Ferreira da Silva, em "Poesia Reunida". Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 354.


Delfos
Aquece o Sol as clareiras do ar,
atirador de dardos súbitos.
Apolo foi chamado e usurpou em Delfos o trono das Sibilas.
Sobre a mancha de trevas pousou a trípode de luz
e mais longe soprou os vaticínios.
Muitos morreram de luz tão clara, incendiando o coração.
O ar brincou na flauta abandonada pela deusa sábia
e a música invadiu águas turbulentas:
rápidas mensagens riscou o vento nas Fedríades,
pedras róseas que se chamaram as Luminosas.
À noite, dormem no bosque templos de ossatura branca,
vértebras pousadas entre oliveiras.

Três colunas se enlaçam, sobrevivas,
na antiga ronda do templo,
fechado o círculo dos ritos funerários.

As cigarras se atrevem e os jumentos
a louvar a montanha, os vales e deuses soterrados.
A Terra acorda às vezes e suplica que tanta luz

não lhe fira a carne, queimando arbustos e a pedra crua
- Dora Ferreira da Silva, em "Hídrias". São Paulo: Odysseus Editora, 2005.




Acendi a luz
aos pés da terra,
conclui oferendas,
entreguei palavras
e, súbito,
vi milagres
de uma lança
que, como quilha,
rompeu o oceano
entre dois mundos.
- Dora Ferreira da Silva, em "Uma via de ver as coisas". São Paulo: Editora Duas Cidades, 1973.


Maduro para o canto
Maduro para o canto
vertes, cântaro,
a água pura
e suas sete cores
unindo lago e lago.
Barco em flor
rio correndo da prece
promessa em silêncio
da messe.

Sem pressa

o agapanto floresce.
- Dora Ferreira da Silva, em "Andanças". São Paulo: Edição da autora, 1970.


Mulher e pássaro
Talhamar, Dora Ferreira da Silva
Voltamos ao jardim 
ao banco lavado pela chuva. 
Pedimos o verde ao verde 
a flor à flor 
sem quebrar-lhe a haste. Bastaria a manhã. 
(Nossa presença 
desalinha ar e folhas 
num frêmito.) 

Mas se nada pedimos 
como quem dorme seguindo a linha natural 
do corpo 
respiramos o puro abandono: 
um pássaro alveja o azul (sem par) 
ultrapassa o muro do possível 
e assim damos um ao outro 
a súbita presença 

do Céu. 
- Dora Ferreira da Silva, em "Talhamar". São Paulo: Massao Ohno, 1982.


Nascimento do poema
É preciso que venha de longe 
do vento mais antigo 
ou da morte 
é preciso que venha impreciso 
inesperado como a rosa 
ou como o riso 
o poema inecessário. 

É preciso que ferido de amor 
entre pombos 
ou nas mansas colinas 
que o ódio afaga 
ele venha 
sob o látego da insônia 
morto e preservado. 

E então desperta 
para o rito da forma 
lúcida 
tranqüila: 
senhor do duplo reino 
coroado 

de sóis e luas.
- Dora Ferreira da Silva, em "Andanças". São Paulo: Edição da autora, 1970.


Noite
No declive da altura
poço de lumes.

Entre folhas
perpassa um vôo.

(Noite e alma
toque levíssimo
de palmas.)

Uma estrela cavalga a escuridão. 
- Dora Ferreira da Silva, em "Jardins (esconderijos)". São Paulo: Edição da autora, 1979.


Noturno II
Nossos olhos nos pertencem —
não o dia.
Amor não nos pertence
nem a morte.
Apenas pousam na pérola mais fina.
Desce o luar
No flanco de rios precipitados
folhas se alongam
caules estremecem.

A noite já desfere

seu punhal de trevas.
- Dora Ferreira da Silva, em "Andanças". São Paulo: Edição da autora, 1970.


O fogo
O fogo acende-se no próprio nome
sete línguas ardem no coração da rosa
e se alastram pelo jardim
voltando depois ao próprio nome.
Se ao fogo perguntas: “É ele? És tu?”
crepitam centelhas. Um Serafim o abraça
e ao coração.
- Dora Ferreira da Silva, em "Jardins (esconderijos)". São Paulo: Edição da autora, 1979.



Poemas em fuga, de Dora Ferreira da Silva
O vento
Na palma do vento 
pouso a fronte. Nele confio. 
A quem confiaria senão a ele 
este rude labor? 

Abandono-me à tormenta 
(lumes mastros 
gaivotas do mar próximo). 

Enreda-me a noite. 
Mas dele são os dedos leves 

que me fecham os olhos. E é manhã. 
- Dora Ferreira da Silva, em "Jardins (esconderijos)". São Paulo: Edição da autora, 1979.


Partitura com lua
Notação de pássaros
no fio da rua:
mínimas semínimas pausas.
Sobre o piano rosas estremecem.
Cadências de alma sobressaltam um público
desalento e ao relento ressoam
algumas dissonâncias (tropel de potros
presos numa sala). Mas por acaso em pura sinfonia
pássaros refazem a partitura
no heptacorde dos fios da rua.
Ei-la tão plena do dia findo azulado —
a lua soberana e alta
do sono deste outono.
- Dora Ferreira da Silva, em "Poemas em fuga. São Paulo: Massao Ohno, 1997.



Ribeirão das Conchas, minha cidade
Desci a ladeira da rua principal
olhos semicerrados. Sol do meio-dia
despejava luz e sombra nas calçadas.
Não sei para onde eu ia, acho que te procurava
por toda a parte e não te via.

Conchas não é passado
presente futuro.
Conchas é todo mistério:
ruas claras cemitério.
Conchas é amor reencontrado
mudada a fisionomia
de outra tarde outro dia
outra noite com estrelas.

Não sei o que foi então
aquela taquicardia –
meu coração galopava
em alguma direção.
(Houve um tremor de terra
em escala bem modesta).
Era Conchas refletida
num pequeno coração?

E nós duas abraçadas
chegamos ao fim da ladeira
uma sentindo na outra
o tremor da mesma vida.
- Dora Ferreira da Silva, em "Poesia Reunida". Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 288.


Ritornello 
Sempre sangrarão as cicatrizes?
                         O sono - irmão caçula da morte
parece um corte vibrado a esmo.
Mendicância-errância se abraçam silenciosamente.

O mito que retorna
encontra-me quase insensível
                         à dor do recomeço.
Tropeço no antigo móvel
e não o reconheço. Foi o destino
que me levou a uma outra casa?
A poltrona insegura desvia a torrente do tempo
quando alguém sentado lia
farrapos da própria alma em autores prediletos.

Tudo o que foi passado
custa a morrer nos meus guardados.
-  Dora Ferreira da Silva, em "Retratos da origem". São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1988.

Dora Ferreira da Silva - foto (...)


FORTUNA CRÍTICA DE DORA FERREIRA DA SILVA
[Estudos acadêmicos - teses, dissertações, ensaios, artigos e livros]

ANDRADE, Fábio Cavalcante de.. A Transparência Impossível: Lírica e Hermetismo na Poesia Brasileira Atual. (Tese Doutorado em Letras). Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, 2008.
CESAR, Constança Marcondes. Dora Ferreira da Silva: caminhos em direção ao sagrado. Revista Portuguesa de Filosofia, T. 67, Fasc. 2, Pensamento Luso-Brasileiro Contemporâneo, 2011, p. 289-303.
DORA Ferreira da Silva. [edição especial dedicado a obra poética de Dora Ferreira da Silva]. 7faces - caderno-revista de poesia, Ano III, 6 edição, jul.-dez. 2012. Disponível no link e link. (acessado em 28.6.2015).
DIRIENZO, Mário. A Garça e a graça - Matizes do branco. in: Revista Agulha. Disponível no link. (acessado em 27.6.2015).
ENTREVISTA com Dora Ferreira da Silva. Gravada na FAAP - 11.2.1999 / Projeto Vilém Flusser no Brasil (1999-2001) de Ricardo Mendes em parceria com FACOM-FAAP e ECA-USP/TV USP. Disponível no canal no youtube. (acessado em 13.5.2023)
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. O lirismos dos afetos e da memória na poesia de Dora Ferreira da Silva. 7 Faces: Caderno-revista de poesia, v. 1, p. 22-38, 2012.
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. Dora Ferreira da Silva leitora de Rainer Maria Rilke: aspectos intertextuais. Fronteiraz (São Paulo), v. N.5, p. 15, 2010.
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. Aspectos do sagrado na poesia de Dora Ferreira da Silva e Sophia de Mello Breyner Andresen. Claretiano (Batatais), v. 10, p. 7-15, 2010.
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. O olhar de Perséfone: finitude e transcendência na poesia de Orides Fontela, Sophia de Mello Breyner Andresen e Dora Ferreira da Silva. São Paulo: Biblioteca 24x7, 2010. 166p.
Retrato de Dora Ferreira da Silva,
por  Anna Barros
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. Os jardins de Dora Ferreira da Silva. Diário da manhã, Goiânia, p. 7 - 7, 23 nov. 2014. Disponível no link. (acessado em 28.6.2015).
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. Dora Ferreira da Silva leitora de Rainer Maria Rilke: aspectos intertextuais. Revista Fronteiraz nº 5, vol. 5, 2010. Disponível no link e link. (acessado em 28.6.2015). 
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. A graça poética do sagrado: a poesia hierofânica de Dora Ferreira da Silva. Revista Agulha, São Paulo - Fortaleza, 01 jul. 2007.
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. O lirismo dos afetos e da memória na poesia de Dora Ferreira da Silva. In: II SINALEL - II Simpósio Nacional de Letras e Linguística e I Simpósio Internacional de Letras e Linguística, 2011, Catalão. Anais do II SINALEL. Catalão, 2011. p. 31-41.
FELIZARDO, Alexandre Bonafim. O espaço na poesia de Dora Ferreira da Silva. In: Anais do X Seminário de pesquisa/ IV Simpósio de Literaturado P.P.G. em estudos literário - Diálogos com a crítica de Antonio Candido & Diálogos com a França, 2009. p. 173-183.
FREITAS, Jamille Rabelo de.. Dora Ferreira da Silva e os Ecos de Narciso. Revista Anagrama (USP), v. 5, p. 1-13, 2012. Disponível no link. (acessado em 28.6.2015). 
FREITAS, Jamille Rabelo de.. O mito de Narciso na poesia de Dora Ferreira da Silva. In: II Sinalel - Simpósio Nacional e I Simpósio Internacional de Letras e Linguística: Linguagem, história e memória, Catalão - GO. 2011. p. 424-432. Disponível no link. (acessado em 28.6.2015).
FREITAS, Jamille Rabelo de.. Assim sofreram os deuses, assim sofrem os homens: o mito de Jacinto em Dora Ferreira da Silva. Revista Fronteira Digital, v. 04, p. 06-15, 2012. Disponível no link. (acessado em 28.6.2015).  
FLUSSER, Vilém. Bodenlos: uma autobiografia. São Paulo: Annablume, 2007.
GALVÃO, Donizete. Dora Ferreira da Silva [entrevista]. Revista Cult, maio de 1999. Disponível no link. (acessado em 27.6.2015).
GALVÃO, Donizete. Dora Ferreira da Silva e a chave do sagrado. in: revista Agulha. Disponível no link. (acessado em 27.6.2015).
GALVÃO, Donizete; MARTINS, Floriano. Dora Ferreira da Silva: diálogos sobre poesia e filosofia, recordando Vicente Ferreira da Silva. Entrevista realizada em setembro de 2003. Revista Agulha, 36. São Paulo, Fortaleza. Outubro de 2003. Disponível no link. (acessado em 27.6.2015).
GUIMARÃES, Maria Severina Batista. O canto imantado: um estudo da obra poética de Adélia Prado, Dora Ferreira e Hilda Hilst. (Tese Doutorado em Letras e Linguística). Universidade Federal de Goiás, UFG, 2006.
GUIMARÃES, Maria Severina Batista. Um vôo com Garças: poema de Dora Ferreira da Silva. In: II Encontro Nacional do Grupo de Estudos de Linguagem do Centro Oeste, 2003, Goiânia. Um vôo com Garças: poema de Dora Ferreira da Silva, 2003.
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Em mãos fechadas 
Em mãos fechadas 
quis preservar o infinito 
elas não se abriram 
continham uma vida sem além 
cerrada sobre o finito. 
Soluça o engano 
lágrimas tão desatinadas 
escorrendo na face do nada. 
Nada disse. O que diria 
à surdez de um destino? 
Lívida parada fiquei 
e lentamente me afastei 
como se apaga o som de um sino
- Dora Ferreira da Silva, em "Cartografia do imaginário". São Paulo: T.A. Queiroz, 2003, p. 136. 


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FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Dora Ferreira da Silva - a demiurga mítica e lírica. Templo Cultural Delfos, maio/2023. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 13.5.2023.
* Página original JUNHO/2015.





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