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Gregório de Matos - o poeta boca do inferno


E pois coronista sou.
Gregório de Matos
Se souberas falar também falaras
também satirizaras, se souberas,
e se foras poeta, poetaras.

Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero dar culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar,
por quem de mim não tem mágoa?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa praguejadora.
entendei-mes agora?

Permiti, minha formosa,
que esta prosa envolta em verso
de um porta tão perverso
se consagre à vossa fé
sou já Poeta converso

Mas amo por amar, que é liberdade.




BIOGRAFIA DE GREGÓRIO DE MATOS
Gregório de Matos e Guerra (Salvador BA 1636¹ - Recife PE 1695). Poeta e magistrado. Filho de nobre português, senhor de engenho, inicia seus estudos no Colégio dos Jesuítas, em Salvador. Em 1650, parte para Coimbra, onde se forma em estudos jurídicos, no ano de 1661. Segue a carreira de magistrado e, a partir de 1672, representa a Bahia na corte portuguesa. Em 1674, propõe a criação de uma universidade na sua cidade de origem. Nesse mesmo ano perde o cargo, ao recusar o papel de inquisidor dos crimes do governador do Rio de Janeiro. Fica viúvo em 1678. Três anos depois, faz votos religiosos. Retorna ao Brasil, em 1682, como vigário-geral e tesoureiro-mor do recém-criado Arcebispado. Indispõe-se rapidamente com as autoridades religiosas, entre outras razões, por recusar-se a usar a batina.
Gregório de Matos
Passa a levar vida boêmia e desregrada, compondo versos satíricos contra as autoridades e os costumes, além de uma poesia erótica e amorosa, que lhe vale o apelido de Boca do Inferno. Denunciado ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa - Inquisição -, em 1685, sob a acusação de dirigir ofensas a Jesus Cristo, e de não tirar o barrete na passagem da procissão, tem seu processo anulado, provavelmente devido a influências familiares. Em 1694, para livrar-se da prisão, uma vez mais, é deportado para Angola, pelo governador da Bahia, de quem é amigo. Continua a levar uma vida tumultuada, à qual não faltam episódios mal explicados, como o envolvimento em uma rebelião de militares. Repatriado para Pernambuco, morre em 26 de novembro de 1695, em Recife, em conseqüência de febres contraídas na África. A vida de Gregório de Matos permanece envolta em lendas e mistérios dificilmente decifráveis. Algumas datas - até mesmo as do seu nascimento e morte - são contestadas, assim como determinados acontecimentos que constam de sua biografia, e lhe conferem uma aura de herói nacionalista, comprometido com causas libertárias. Mesmo em sua obra, é difícil discernir os versos de sua autoria, dos que lhe são atribuídos.

Nota
( 1 ) Por haver divergências a respeito da data de nascimento de Gregório de Matos, foi adotado a utilizada pelo pesquisador Fernando da Rocha Peres, no livro de sua autoria Gregório de Mattos e Guerra: Uma Re-visão Biográfica e em nota biográfica publicada no site da Universidade Federal da Bahia/UFBA. 

Comentário crítico
A obra atribuída a Gregório de Matos contém mais de setecentos textos. Reúne poemas líricos, satíricos, eróticos, religiosos, encomiásticos (laudatórios), entre outros, utilizando grande variedade de ritmos e de rimas. Com exceção da épica, não há gênero ou estilo poético que não tenha praticado.

Mas é na sátira que a poesia de Gregório de Matos é mais conhecida e celebrada. Utilizando-se de pitorescos jogos de palavras e de grande malabarismo verbal, realiza uma crítica irreverente aos costumes da Bahia colonial, que recebe, em seus poemas, o carinhoso tratamento de Senhora Dona Bahia. Não poupa governadores corruptos, freiras, e padres pervertidos, pois, como ele mesmo afirma em um de seus versos, "De que pode servir calar, quem cala / nunca se há de falar, o que se sente? / Sempre se há de sentir, o que se fala!".  No poema em que se despede da cidade, ao partir para o degredo em Angola, assim se refere aos brasileiros: "No Brasil a fidalguia /no bom sangue nunca está / nem no bom procedimento, / pois logo em que pode estar? / Consiste em muito dinheiro / e consiste em o guardar".

Seu estilo alia a tradição dos grandes poetas barrocos espanhóis, como Luís de Gôngora (1561 - 1627) e Francisco de Quevedo (1580 - 1645), a uma linguagem em que se misturam termos de línguas tupi e africanas, de curioso efeito cômico, como nestes versos: "Um certo Paiá de Monai bonzo bramá / Primaz da Cafraria do Pegu / Que sem ser do Pequim, por ser do Acu / Quer ser filho do sol, nascendo cá".

A produção lírica de Gregório de Matos é marcada por imagens de grande sensualidade, nas quais exalta as mulheres brancas, negras e mulatas da Bahia: "Crioula da minha vida / Supupema da minha alma / bonita como umas flores / e alegre como umas páscoas [...]". Em outros momentos, a temática sensual e amorosa transforma-se em delicada busca de emoções contrastadas: "Não sei, quando caís precipitada /As flores que regais tão parecida, /Se sois neve por rosa derretida, / Ou se a rosa por neve desfolhada".

Antonio Candido (1918) e José Aderaldo Castello consideram que a obra lírica do poeta atinge momentos da mais alta poesia - até mesmo superior à satírica - quando explora, com grande refinamento verbal, as tensões próprias do barroco: "Se és fogo, como passas brandamente, / se és neve, como queimas com porfia? / Mas ai, que andou Amor em ti prudente!". Já a poesia religiosa, revela um forte sentido do pecado, aliado a uma busca de pureza e de perdão: "Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, / Da vossa alta clemência me despido; / Porque quanto mais tenho delinqüido, /Vos tenho a perdoar mais empenhado".

Uma avaliação criteriosa de toda essa rica produção poética, no entanto, permanece sendo um desafio para críticos e estudiosos, e não cessa de gerar polêmica. Tudo o que, correta ou incorretamente, está reunido sob o seu nome é motivo de suspeita, já que, até prova em contrário, jamais foi encontrado sequer um manuscrito produzido por seu próprio punho.

Mas é na tradição oral da Bahia que os versos de Gregório de Matos ficam de fato guardados, até serem reunidos, pela primeira vez, pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto-Seguro, no livro Florilégio da Poesia Brasileira, de 1850, editado em Lisboa. Alguns anos antes, em 1841, o cônego Januário da Cunha Barbosa publica sua Biographia dos Brasileiros Distinctos por Armas, Virtudes, etc., onde transcreve A Vida do Excelente Poeta Lírico, o Doutor Gregório de Matos e Guerra, escrita, ao que tudo indica, no início do século XVIII. Já nestes primeiros trabalhos de divulgação iniciam-se as deformações de interpretação da vida e da obra do poeta.

Os equívocos permanecem ainda. Estudiosos da obra acalentam a idéia de que sua poesia possa, um dia, ser resgatada integralmente, livre das impurezas dos poemas apócrifos que lhe foram agregados. Outros pretendem esvaziá-la dos inúmeros plágios que lhe são atribuídos. Tarefas impossíveis, todas elas, pois, na época as categorias de autoria, de plágio, ou de originalidade, tal como as conhecemos hoje, ainda não estão constituídas.

Outro equívoco, apontado por João Adolfo Hansen, está no caráter transgressivo e revolucionário atribuído à obra do escritor. No século XVII, a sátira não está, de modo algum, em desacordo com a moral. A crítica retórica e poética dos costumes é feita para corrigir excessos e desvios, e obedece a regras estritas. Nelas, até mesmo a obscenidade e a maledicência estão previstas. Um autor como Gregório de Matos só pode ser lido e compreendido a partir de seu tempo, e das convenções estéticas que o produziram, embora permaneça atual o desafio crítico que sua obra propõe.
Fonte: Enciclopédia Literatura Brasileira/Itaú Cultural 



CRONOLOGIA DA VIDA E OBRA DE GREGÓRIO DE MATOS
Gregório de Matos
1636 – A data comumente aceita para o nascimento de Gregório de Mattos e Guerra é a de 23 de dezembro de 1636, mas alguns biógrafos podem apresentar a possibilidade de ter ocorrido em março de 1623. O poeta nasceu em Salvador, Bahia, e era filho de Gregório de Mattos (natural de Guimarães, Portugal) com Maria da Guerra. Os Mattos da Bahia eram uma família abastada, formada por proprietários rurais, donos de engenhos, empreiteiros e funcionários da administração da colônia.
 1642 - Estuda no Colégio dos Jesuítas.
1650 - Viaja para Portugal.
1652/1661 - Estuda Leis (Cânones) na Universidade de Coimbra.
1661 – Formatura em Direito. Nesse mesmo ano, casa-se com D. Michaela de Andrade, proveniente de uma família de magistrados.
1663 - Torna-se Juiz de Fora de Alcácer do Sal, nomeado por D. Afonso VI.
1665/1666 - É nomeado Procurador da Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal.
1668 - Indicado Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 27 de janeiro.
1671/1772 - Torna-se Juiz de Órfãos e Juiz do Cível, em Lisboa.
1674 - Ocupa o cargo de Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 20 de janeiro.
1674 - Propõe a criação da Universidade da Bahia.
1674 – Novamente representante da Bahia nas Cortes, em Lisboa. Nesse mesmo ano, é destituído da Procuradoria da Bahia e batiza uma filha natural, chamada Francisca, na Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa.
1678 - Fica viúvo de Michaela de Andrade, com quem sabe-se que teve um filho do qual não há registros históricos.
1681 - Torna-se religioso e recebe as ordens menores eclesiásticas.
1682 – É nomeado Tesoureiro-Mor da Sé, por D. Pedro II. Como magistrado de renome, tem sentenças de sua autoria publicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas. Isto viria a acontecer novamente em 1685.
1683 – No início do ano, depois de 32 anos em Portugal, está de volta a Bahia, Brasil. Meses após seu retorno, é destituído de seus cargos eclesiásticos pelo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, por se recusar a usar batina e também por não acatar a imposição das Ordens maiores obrigatórias para o exercício de suas funções. É nessa época que surge o poeta satírico, o cronista dos costumes de toda a sociedade baiana. Ridiculariza impiedosamente autoridades civis e religiosas.
1685 - Sofre denúncia no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa (Inquisição).
168(?) – Ainda na década de 1680, casa-se com Maria de Póvoas (ou “dos Povos”). Desta união, nasce um filho chamado Gonçalo.
1691 – É admitido como Irmão da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
1692 – Paga uma dívida em dinheiro à Santa Casa de Lisboa.
1694 - É deportado para Luanda, Angola, onde se envolve em conflitos locais.
1694 – Seus poemas satíricos contra o Governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho faz com os filhos deste o ameacem de morte. O Governador João de Alencastro, amigo de Gregório, e outros companheiros do poeta armam uma forma de prendê-lo e enviá-lo à força para Angola, sem direito a voltar para a Bahia. Isto causa profundo desgosto a Gregório. Ainda nesse mesmo ano, envolve-se em uma conspiração de militares portugueses. Interferindo neste conflito, Gregório colabora com a prisão dos cabeças da revolta e tem como prêmio seu retorno ao Brasil.
1695 – Retorna para o Brasil e vai para o Recife, longe de seus desafetos na Bahia. Morre no dia 26 de novembro, antes de completar 59 anos, de uma febre contraída em Angola.


GREGÓRIO DE MATOS OBRAS PUBLICADAS - PRIMEIRAS EDIÇÕES
Poesia
Gregório de Matos, por F. Briguiet
Obras. Edição de Afrânio Peixoto.  6 volumes: I - Sacra; II - Lírica; III - Graciosa; IV-V - Satírica; VI - Última. - 1923-1933

"Gregório de Matos" ,  in Florilégio da poesia brasileira. 3 tomos. Organização de Francisco Adolfo de Varnhagen, tomo I - 1946

Obras Completas (Crônica do viver baiano seiscentista) 7 volumes. Organização de James Amado e Maria da Conceição Paranhos - 1968

Obra Poética. 2 volumes. Organização de James Amado. Preparação e notas de Emanuel Araújo - 1992

Gregório de Mattos. Senhora Dona Bahia: poesia satírica. Seleção, introdução, estudo crítico, notas, de Cleise Furtado Mendes - 1996.

** Na Biblioteca Municipal de São Paulo há uma cópia datilografada dos versos pornográficos de Gregório de Matos, com o título Sátiras Sotádicas de Gregório de Matos.

  

TRADUÇÕES E EDIÇÕES ESTRANGEIRAS DA OBRA DE GREGÓRIO DE MATOS
Alemão
Gregório de Matos. Ausgewähte Gedichte. Tradução de Birgit Russi. Berlim: Ela -Edition Lateinamerika, 1992.

Português
"Gregório de Matos" in Florilégio da poesia brasileira, por Francisco Adolfo Varnhagen. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850.

Edição crítica da obra poética de de Gregório de Matos. 2 volumes, 4 tomos. Por Francisco Topa. Porto: Editora do Autor, 1999.


Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos

POEMAS ESCOLHIDOS DE GREGÓRIO DE MATOS

No fluxo e refluxo das marés encontra o Poeta incentivo para recordar seus males
Seis horas enche e outras tantas vaza
A maré pelas margens do Oceano,
E não larga a tarefa um ponto no ano,
Depois que o mar rodeia, o sol abrasa.

Desde a esfera primeira opaca, ou rasa
A Lua com impulso soberano
Engole o mar por um secreto cano,
E quando o mar vomita, o mundo arrasa.

Muda-se o tempo, e suas temperanças.
Até o céu se muda, a terra, os mares,
E tudo está sujeito a mil mudanças.

Só eu, que todo o fim de meus pesares
Eram de algum minguante as esperanças,
Nunca o minguante vi de meus azares.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


A umas saudades
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter,
ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento
em que padecer me vejo
já que amante me desejo
navegue o meu pensamento:
meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter
onde me apeteço ver;
e diga minha alma assim:
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter.

Ide donde meu amor
apesar desta distância
não há perdido constância
nem demitido o rigor:
antes é tão superior
que a si se quer exceder,
e se não desfalecer
em tantas adversidades,
Ide-vos minhas saudades
a meu amor socorrer.
- Gregório de Matos. "Seleção de Obras Poéticas".


Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela
Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Saiba o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Rompe o Poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Se Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Contemplando nas cousas do mundo desde o seu retiro, lhe atira com o seu ápage, como quem a nado escapou da tormenta
Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Queixa-se o Poeta em que o mundo vai errado e, querendo emendá-lo, o tem por empresa dificultosa
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Descreve a vida escolástica
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Descreve um horroroso dia de trovões
Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava.
O fogo com o ar se embaraçava,
Da terra, e ar o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia,
A noite em dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava, e estremecia.

Desde o alto aos côncavos rochedos,
Desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Embarcado já o Poeta para seu degredo, e postos os olhos na sua ingrata Pátria lhe canta desde o mar as despedidas
Adeus praia, adeus Cidade,
e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.
Que agora, que me devas
dar-te adeus, como quem cai,
sendo que estás tão caída,
que nem Deus te quererá.
Adeus Povo, adeus Bahia,
digo, Canalha infernal,
e não falo na nobreza
tábula, em que se não dá,

(...)

E tu, Cidade, és tão vil,
que o que em ti quiser campar,
não tem mais do que meter-se
e magano, e campará.
Seja ladrão descoberto
qual águia imperial,
tenha na unha o rapante,
e na vista o perspicaz.

(...)

Vá visitar os amigos
no engenho de cada qual,
e comendo-os por um pé,
nunca tire o pé de lá.
Que os Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
Como se vir homem rico,
tenha cuidado em guardar,
que aqui honram os mofinos,
e mofam dos liberais.
No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,
pois logo em que pode estar?
Consiste em muito dinheiro,
e consiste em o guardar,
cada um o guarde bem,
para ter que gastar mal.
Consiste em dá-lo a maganos,
que o saibam lisonjear,
dizendo, que é descendente
da casa do Vila Real.
Se guardar o seu dinheiro,
onde quiser, casará:
os sogros não querem homens,
querem caixas de guardar.
Não coma o Genro, nem vista
que esse é genro universal;
todos o querem por genro,
genro de todos será.
Oh assolada veja eu
Cidade tão suja, e tal,
avesso de todo o mundo,
só direita sem entortar.
Terra, que não parece
neste mapa universal
com outra, ou são ruins todas,
ou ela somente é má.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Satírica
Aos vícios
Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em pletro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira
Talía, que anjo é da minha guarda
Des que Apolo mandou que me assistira.
Arda Baiona, e todo o mundo arda,
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade
A narração há de igualar ao caso,
E se talvez ao caso não iguala,
Não tenho por poeta o que é Pégaso.
De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente?!
Sempre se há de sentir o que se fala.
Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto,
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto,
Que não eleje o bom, nem mau reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce treva
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
- Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco?
Se souberas falar, também falaras,
Também satirizaras, se souberas,
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não - por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
e deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada;
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só os distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais, chitom, e haja saúde.
À cidade da Bahia
Triste Bahia! oh, quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado,
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sizuda
Que fora de algodão o teu capote!
Por consoantes que se deram forçados.
Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa:
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser papa.
A flor baixa, se inculca por tulipa:
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa:
Para a tropa do trapo vazo a tripa:
E mais não digo; porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.
Conselho para quem quiser viver na Bahia,
estimado e procurado por todos.
Quem cá quiser viver, seja Gatão;
Infeste a Terra toda, e invada os mares;
Seja um Chegay, ou um Gaspar Soares;
E por si terá toda a Relação.
Sobejar-lhe-á na mesa vinho e pão,
Que a vida passará sem ter pesares;
E tenha os que lhe dou por exemplares,
Assim como os não tem Pedro de Unhão.
Quem cá se quer meter a ser sisudo,
Um Gil nunca lhe falta que o persiga;
E é mais aperreado que um cornudo.
Coma, beba, e mais furte, e tenha amiga;
Porque o nome de El Rei dá para tudo
A todos que El Rei trazem na barriga.
- Gregório de Matos “Obras”, vol. V – “Satírica”. Edição de Afrânio Peixoto - 1923-1933.


Lírica
A uma dama
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero por hora descobrir-vos,
Dai-me licença agora para argüir-vos,
Pois para amar-vos sempre ma negais:
Por que razão de ingrata vos prezais,
Não me pagando o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos,
Que a ingratidão aformoseia mais.
Não há cousa mais feia na verdade:
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará, o que é fealdade?
Depois, que sois ingrata me parece,
Que hoje é torpeza o que era então beldade,
Que é flor a ingratidão que em flor fenece.
Namorado, o poeta fala com um arroio
Como corres, arroio fugitivo?
Adverte, pára, pois precipitado
Corres soberbo, como o meu cuidado,
Que sempre a despenhar se corre altivo.
Torna atrás, considera discursivo,
Que esse curso, que levas apressado,
No caminho que empreendes despenhado
Te deixa morto, e me retrata vivo.
Percorre, não pares, pois o intento,
Que teu desejo conseguir procura,
Logra o ditoso fim do pensamento.
Triste de um pensamento sem ventura,
Que tendo venturoso o nascimento,
Não acha assim ditosa a sepultura.
Efeitos contrários do amor
Ó que cansado trago o sofrimento
Ó que injusta pensão da humana vida,
Que dando-me o tormento sem medida,
Me encurta o desafogo de um contento!
Nasceu para oficina do tormento
Minha alma, a seus desgostos tão unida,
Que por manter-se em posse de afligida
Me concede os pesares de alimento.
Em mim não são as lágrimas bastantes
Contra incêndios, que ardentes me maltratam,
Nem estes contra aqueles são possantes:
Contrários contra mim em paz se tratam,
E estão em ódio meu tão conspirantes,
Que só por me matarem não se matam.
- Gregório de Matos “Obras”, vol. II - “Lírica”. Edição de Afrânio Peixoto - 1923-1933.


FORTUNA CRÍTICA DE GREGÓRIO DE MATOS
(Bibliografia sobre Gregório de Matos)
Gregório de Matos, por J. Bosco
ALVES, Jose Edil de Lima. Um Soneto de Gregório de Matos - Exercício de Análise Textual. Textura (Canoas), Canoas - RS, v. 1, p. 59-66, 1999.
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Xilogravura de Gregório de Matos, por Érick Lima

SELEÇÃO DE OBRA POÉTICA DE GREGÓRIO DE MATOS ONLINE
MATOS, Gregório de. ‘Crônica do Viver BaianoSeiscentista’, in “MATOS, Gregório de. Obra  Poética”. 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Record, 1992. 


REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA

© A obra de Gregório de Matos é de domínio público

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske


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Trabalhos sobre o autor:
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Gregório de Matos - o poeta boca de inferno. Templo Cultural Delfos, dezembro/2012. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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Página atualizada em 30.12.2012.



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Pablo Neruda - entrevistado por Clarice Lispector

Pablo Neruda - foto: (...)
Numa manhã de abril de 1969, a escritora brasileira entrevistou o poeta chileno, que, à época, era considerado um dos mais importantes nomes da poesia em língua espanhola no século 20.

Cheguei à porta do edifício de apartamentos onde mora Rubem Braga e onde Pablo Neruda e sua esposa Matilde se hospedavam — cheguei à porta exatamente quando o carro parava e retiravam a grande bagagem dos visitantes. O que fez Rubem dizer: “É grande a bagagem literária do poeta”. Ao que o poeta retrucou: “Minha bagagem literária deve pesar uns dois ou três quilos”.


Neruda é extremamente simpático, sobretudo quando usa o seu boné (“tenho poucos cabelos, mas muitos bonés”, disse). Não brinca porém em serviço: disse-me que se me desse a entrevista naquela noite mesma só responderia a três perguntas, mas se no dia seguinte de manhã eu quisesse falar com ele, responderia a maior número. E pediu para ver as perguntas que eu iria fazer. Inteiramente sem confiança em mim mesma, dei-lhe a página onde anotara as perguntas, esperando Deus sabe o quê. Mas o quê foi um conforto. Disse-me que eram muito boas e que me esperaria no dia seguinte. Saí com alívio no coração porque estava adiada a minha timidez em fazer perguntas. Mas sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também alguma recompensa. Quem sofre de timidez ousada entenderá o que quero dizer.


Antes de reproduzir o diálogo, um breve esboço sobre sua carga literária. Publicou “Crepusculário” quando tinha 19 anos. Um ano depois publicava “Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”, que até hoje é gravado, reeditado, lido e amado. Em seguida escreveu “Residência na Terra”, que reúne poemas de 1925 a 1931, da fase surrealista. “A Terceira Residência”, com poemas até 1945, é um intermediário com uma parte da Espanha no coração, onde é chorada a morte de Lorca, e a guerra civil que o tocou profundamente e despertou-o para os problemas políticos e sociais. Em 1950, “Canto Geral”, tentativa de reunir todos os problemas políticos, éticos e sociais da América Latina. Em 1954: “Odes Elementares”, em que o estilo fica mais sóbrio, buscando simplicidade maior, e onde se encontra, por exemplo, “Ode à cebola”. Em 1956, “Novas Odes Elementares” que ele descobre nos temas elementares que não tinham sido tocados. Em 1957, “Terceiro Livro das Odes”, continuando na mesma linha. A partir de 1958, publica “Estravagario, Navegações e Regressos”, “Cem Sonetos de Amor”, “Contos Cerimoniais” e “Memorial de Isla Negra”.

Pablo Neruda - foto: (...)
No dia seguinte de manhã, fui vê-lo. Já havia respondido às minhas perguntas, infelizmente: pois, a partir de uma resposta, é sempre ou quase sempre provocada outra pergunta, às vezes aquela a que se queria chegar. As respostas eram sucintas. Tão frustrador receber resposta curta a uma pergunta longa. Contei-lhe sobre a minha timidez em pedir entrevistas, ao que ele respondeu: “Que tolice”. Perguntei-lhe de qual de seus livros ele mais gostava e por quê. Respondeu-me: “Tu sabes bem que tudo o que fazemos nos agrada porque somos nós — tu e eu — que o fizemos”.

A entrevista foi concedida em 19 de abril de 1969 e publicada no livro “De Corpo Inteiro”, Editora Rocco, em 1999.



Clarice - Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina?

Neruda - Poeta local do Chile, provinciano da América Latina.


Clarice - Escrever melhora a angústia de viver?
Neruda - Sim, naturalmente. Tra­ba­lhar em teu ofício, se amas teu o­fí­cio, é celestial. Senão é infernal.


Clarice - Quem é Deus?
Neruda - Todos algumas vezes. Nada, sempre.
Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?
Político, poético. Físico.


Clarice - Como é uma mulher bonita para você?
Neruda - Feita de muitas mulheres.


Clarice - Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?
Neruda - Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?


Clarice - Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?
Neruda - Acredite-me tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi em um poema: Se tivesse que nascer mil vezes. Ali quero nascer. Se tivesse que morrer mil vezes. Ali quero morrer...


Clarice - Qual foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever?
Neruda - Ler minha poesia e ser ouvido em lugares desolados: no deserto aos mineiros do norte do Chile, no Estreito de Ma­ga­lhães aos tosquiadores de ovelha, num galpão com cheiro de lã suja, suor e solidão.


Clarice - Em você o que precede a criação, é a angústia ou um estado de graça?
Neruda - Não conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.


Clarice - Diga alguma coisa que me surpreenda.
Neruda - 748. (E eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números)


Clarice - Você está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa poesia?
Neruda - Admiro Drummond, Vinícius, Jorge de Lima. Não conheço os ma­is jovens e só chego a Paulo Men­des Campos e Geir Campos. O poema que mais me agrada é o “Defunto”, de Pedra Nava. Sem­pre o leio em voz alta aos meus amigos, em todos os lugares.

Clarice - Que acha da literatura engajada?

Neruda - Toda literatura é engajada.


Pablo Neruda - foto: (...)
Clarice - Qual de seus livros você mais gosta?
Neruda - O próximo.


Clarice - A que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o “vulcão da América Latina”?
Neruda - Não sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.


Clarice - Qual é o seu poema mais recente?
Neruda - “Fim do Mundo”. Trata do século 20.


Clarice - Como se processa em você a criação?
Neruda - Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.


Clarice - A critica constrói?
Neruda - Para os outros, não para o criador.


Clarice - Você já fez algum poema de encomenda? Se não o fez faça agora, mesmo que seja bem curto.
Neruda - Muitos. São os melhores. Este é um poema.


Clarice - O nome Neruda foi casual ou inspirado em Jan Neruda, poeta da liberdade tcheca?
Neruda - Ninguém conseguiu até agora averiguá-lo.


Clarice - Qual é a coisa mais importante no mundo?
Neruda - Tratar para que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.


Clarice - O que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?
Neruda - Depende da hora do dia.


Clarice - O que é amor? Qualquer tipo de amor.
Neruda - A melhor definição seria: o amor é o amor.


Clarice - Você já sofreu muito por amor?
Neruda - Estou disposto a sofrer mais.


Clarice - Quanto tempo gostaria você de ficar no Brasil?
Neruda - Um ano, mas depende de meus trabalhos.


Clarice Lispector - foto: (...)
E assim terminou a entrevista com Pablo Neruda. An­tes falasse ele mais. Eu poderia prolongá-la quase que indefinidamente. Mas era a primeira entrevista que ele dava no dia seguinte à sua chegada, e sei quanto uma entrevista pode ser cansativa. Espontaneamente  deu-me um livro, “Cem Sonetos de Amor”. E depois de meu no­me, na dedicatória, escreveu:
“De seu amigo Pa­blo”. Eu também sinto que ele poderia se tornar meu amigo, se as circunstâncias facilitassem. Na contracapa do livro diz: 
“Um todo manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor co­mo uma vocação do homem e a poesia co­mo sua tarefa”. Eis um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.


***

O Defunto 

(Pedro Nava)

Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.

Não quero caixão de verniz

Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.

Quero a morte com mau-gosto!


Deem-me coroas de pano.

Deem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.

E descubram bem minha cara:

Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A ideia da própria morte.

Descubram bem esta cara!


Descubram bem estas mãos.

Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Pablo Neruda, por (...)

Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?

Foram nelas esboçados

Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.

— Meus amigos! olhem as mãos

Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.

— Meus amigos, olhem as mãos!

As minhas e as vossas mãos!

Descubram bem minhas mãos!


Descubram todo o meu corpo.

Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.

— Meus amigos, olhem as partes...

Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes ...

E, eu quero a morte nua e crua,

Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.

— Ah! o seu velório habitual!


Não me envolvam em lençol: 

A franciscana humildade 
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne, 
Com meu apego ao Mundo.

E quero ir de casimira: 

De jaquetão com debrum, 
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.

Deem-me um terno de Ministro

Ou roupa nova de noivo ...
E assim Solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente, 
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.

— Meus, amigos, lembrem de mim.

Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão

Os penetras escorraçados,

As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.

Meus amigos, tenham pena,

Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
_____
Originalmente publicado no livro “De Corpo Inteiro”, Editora Rocco, em 1999.
Publicado online: JornalOpção - Edição 1936 de 12 a 18 de agosto de 2012 - Entrevistas Clássicas.



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Página atualizada em 9.12.2012.



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Oscar Niemeyer - entrevista inédita: projetos, política, amigos e vida



Oscar Niemeyer - foto: Acervo Agência Estado/AE
"Eu acho a vida uma merda, apesar de seus encantos. Já nascemos condenados”. O desabafo foi feito por Oscar Niemeyer, em maio de 2011. Ao questionar  ao que estávamos condenados ao nascer, fiquei surpreso com a resposta: “a desaparecer”, desabafou o arquiteto que àquela altura já acumulava 103 anos muito bem vividos e ainda reclamava como se a morte lhe estivesse próxima. No seu caso, a “sentença” demorou 19 meses para ser cumprida. Ao morrer na noite de quarta-feira, Niemeyer já contabilizava 104 anos e 355 dias ou, mais precisamente 37.986 dias, contando com os dias 29 de fevereiro dos anos bissextos. Pode não ter sido um recorde mas, sem dúvida, foi uma experiência fantástica.

Apesar disto, nesta entrevista que foi gravada pelas câmaras da TV Brasil e jamais divulgadas, na qual a proposta inicial era falarmos de Darcy Ribeiro, Niemeyer declarou que com mais de cem anos, uma obra admirada mundialmente, inúmeros prêmios recebidos, ele achava que lhe faltaram momentos importantes na vida. Na conversa, ele falou um pouco sobre tudo. Da amizade e do respeito que tinha por Darcy, à sua admiração Leonel Brizola mas, apesar da voz baixa, se empolgava ao falar de Luiz Inácio Lula da Silva Lula e, embora não tenha querido compará-los, não titubeou em mostrar a diferença entre ele e Juscelino Kubitschek de Oliveira, seu grande amigo.


Como não poderia deixar de ser, reafirmou sua posição de comunista, que manteve até seus últimos dias, e lembrou as perseguições no período da ditadura: “Me lembro que fui chamado na polícia umas duas ou três vezes. Na última, eu vinha da Europa”. Em seguida, resumiu:  “Não sofri, como outros amigos que foram presos, apanharam, conheceram a tortura. Nada disto ocorreu comigo. Eles tinham prazer em me levar para a polícia e fazer inquérito.



Ao falar de suas obras, lembrou da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte (MG), como aquela que mais se aproximou do projeto original. Ainda defendeu os Cieps, como “algo que ia revolucionar o ensino” e o Sambódromo, lamentando apenas que tenham acabado com as salas de aula que funcionavam nos camarotes, durante o ano letivo. No fim, resumiu: ”Sambódromo é a festa, feito carnaval, a festa do povo”.

Na conversa um comentário de Niemeyer  pode ser entendido como uma receita de um homem que se dizia comunista e ateu, para o sucesso de sua passagem entre nós :“ a vida é mulher do lado e o resto seja o que Deus quiser”.



Nesses cem anos que o senhor já viveu, qual o momento mais importante? O que mais o marcou?

Ah, não tive momento importante.  Se existiram, certamente não foi na Arquitetura. Foi alguma coisa que na vida me emocionou.

O que mais lhe emocionou na vida?

Sei lá. A vida é tão difícil. O mundo não é alegre não, o mundo é uma merda. A gente tem que lutar por viver, já nasce condenado. Eu não sou... não acho que a vida seja tão fundamental.

Mas a sua vida foi sempre muito fantástica.

É o que vivi, o que pude fazer, tentei fazer.


Oscar Niemeyer - foto: Nelson Perez/Valor
O senhor continua fazendo, aos 100 e poucos anos....
Eu gosto de trabalhar, estou um pouco absorvido pela Arquitetura, mas gosto de ficar parado também, ficar pensando nas coisas. Lembrar que o mundo podia ser melhor, os homens podiam ser mais generosos. Um olhar o outro com mais fraternidade. Mas isto tudo o partido (comunista) oferece, e com uma ideia justa. Um dia vai ser realizado.

O senhor é um arquiteto reconhecido mundialmente. Qual das suas obras mundiais lhe trouxeram mais orgulho?

A melhor obra que fiz na Europa é a que foi inaugurada agora, na Espanha. É uma praça enorme, com um grande auditório e um museu (N.R. Trata-se do Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, na cidade de Avilés). Então, contou muito lá na vida dos espanhóis. Tem sido muito visitada, é uma obra muito bem construída Talvez eu pudesse dizer que foi o melhor que já fiz.

Mas os franceses também lhe respeitam muito.

Não tem nada que respeitam, mas eles gostam do meu trabalho.

Lá na França, o que o senhor acha que mais chamou a atenção?

 Se eu tivesse que sair do Brasil iria para a França. É um país fabuloso, o povo é amável, inteligente, progressista.  Me sinto bem na França, tive o apoio do Partido Comunista de lá, fiz a sede do partido e tive a sorte de encontrar o Andre Malraux, ministro da Cultura de De Gaulle. Fui para a França de navio, quando arrebentou o golpe militar no Brasil de 1964. Então eles invadiram meu apartamento e meu escritório. Quando o Malraux soube o que estava acontecendo, durante minha viagem à França, ele logo conseguiu um decreto do De Gaulle, que me autorizava ficar no país o quanto eu quisesse como arquiteto francês.

Foi o de Gaulle quem lhe deu este decreto....

Dele mesmo, ele propôs ao Malraux. De modo que eu tive mais contato com o ministro, um sujeito inteligente, encantador. Ele me ajudou muito, participava das exposições que eu fizesse. Foi uma figura importante para mim.

De todos os seus projetos, qual o que o senhor considera que teve o resultado mais próximo do que pensou quando projetou?

Talvez um projeto pequenino, da Igreja da Pampulha, do Juscelino. Ele queria fazer uma Igreja, chamou um arquiteto e não gostou, então me convidou. Aí que eu conheci o Juscelino e a Igreja da Pampulha teve um sucesso que mudava completamente a concepção de uma Igreja: era um prédio moderno, chamei pintores e escultores para trabalharem comigo no projeto. Foi uma obra feita no sentido de englobar arquitetura, pintura e escultura. Me deu um pouco mais de prosperidade de prosseguir no trabalho.

O senhor conheceu Lula na época em que ele era o líder operário. Qual sua opinião sobre o ex-presidente?

Ele é amigo do povo, eu o conheci muito tempo atrás. Era a mesma figura, cheia de entusiasmo, querendo fazer as coisas. Uma figura fantástica. Acho que para o Brasil, é o Lula que nos permite hoje sorrir um pouco. Hoje a vida é tão difícil, né?

Entre o Juscelino e o Lula quem o senhor acha que fez mais pelo país?
Não quero comparar.

O senhor foi amigo de ambos, não?
É lógico. Juscelino também era cheio de entusiasmo. Mas a vantagem do Lula tem é que ele veio do nada, era operário. Ele cresceu na luta política, lutando pela vida, até se transformar em um líder político da maior importância, aceito no mundo inteiro. Todo mundo respeita o Lula.

E o senhor acha que a Dilma vai pelo mesmo caminho?
 Acho que ela deve ir, né?

Mas é difícil ela seguir a trilha do Lula, não?

Pois é, mas Dilma tem contato bom com Lula. Eu acho que ela vai caminhar bem.

O senhor está gostando do que ela está fazendo?

Estou, por enquanto não tenho nada a reclamar.

Quando Darcy Ribeiro acompanhou Brizola na campanha para a presidência, em 1989, ele foi ao Rio Grande do Sul e todos falavam do marido da Dilma, Carlos Augusto, líder do PDT. Mas Darcy teria dito ‘vocês não sabem nada, ele é bom, mas a mulher dele é melhor ainda’.

Que falta de respeito...(risos)


Não, disse que a mulher era muito mais inteligente...
Ah, sim.

E se referia à Dilma. Darcy nunca comentou nada com o senhor a respeito da Dilma?

Não. Darcy era tão inteligente, tinha uma formação tão humana, que inspirava toda a confiança.Tinha aquele entusiasmo pelo índio, escrevendo, indo para lá no meio deles, dando uma importância enorme, procurando defender. O Darcy foi uma grande figura. Tivemos muito contato, ele era meu amigo. Fiz até uma casa para ele em Maricá. Quer dizer, foi ele quem fez a casa. Quando fui desenhar, já estava desenhada. Em todo caso, ele usou a casa em um período em que estava muito feliz, muito contente com a vida, cheio de sonhos. Seu livro, Brasileiros, foi muito bem feito, correto, na análise das coisas. Um brasileiro ilustre, brasileiro da maior importância foi o Darcy.


O senhor chegou a dirigir a Faculdade de Arquitetura?
Acho que foi na época em que fui retirado de lá pelos militares e quem assumiu meu lugar foi o Sérgio Bernardes (N.R. Niemeyer fez uma pequena confusão, quem o substituiu foi Ítalo Campofiorito).  

O Campofiorito conta que a polícia chegou lá na UnB procurando o senhor. O senhor não estava, perguntaram quem o substituía e aí o levaram preso.

(rindo) Nem sabia disto.

Não?
A pressão da direita era permanente, mas não me lembro destes detalhes não. Me lembro que fui chamado na polícia umas duas ou três vezes. Na última, eu vinha da Europa, tinha ficado lá por dois anos e quando voltei pensei que tinham me esquecido. Mas não. Ainda me prenderam e me levara para a Polícia Central,


Oscar Niemeyer - foto: Nelson Perez/Valor
Para o Dops?
É, mas não posso me queixar, porque só me incomodaram. Não sofri, como outros amigos que foram presos, apanharam, conheceram a tortura. Nada disto ocorreu comigo. Eles tinham prazer em me levar para a polícia e fazer inquérito. 

O senhor trabalhou com o Darcy Ribeiro no projeto dos Cieps, do Museu da América Latina e da Universidade Norte Fluminense. Qual destes foi o mais importante para o senhor?
O mais importante para nós era o projeto dos Cieps. Era algo que ia revolucionar o ensino. O Darcy lutou, o Brizola lutou, todo mundo lutou para fazer funcionar. Mas ele nunca foi desenvolvido como poderia ter sido. Era uma maneira simples de conduzir a juventude para o conhecimento.

O senhor acha que não houve continuidade meramente por questões políticas?
Não houve tempo de se consolidar e o governo compreender que era um projeto indispensável. De modo que acabou de repente. Mais importante do que o prédio era ideia. Mas não sei como está funcionando no momento do ponto de vista do ensino.

E a UNB não foi um passo importante no ensino universitário brasileiro?
No começo foi. Eu fiz o projeto, era um projeto parecido com o espírito de arquitetura do que eu fiz em Paris. De modo que era uma coisa que ia funcionar muito bem. Mas não foi bem conduzido.

E depois, quando o Cristovam Buarque assumiu, não voltou ao eixo do que era para ser?
Não. Eu acho que a universidade foi mal construída. Mas está servindo, está atualizando o ensino.

Como foi seu projeto da Universidade da Argélia?
Foi tudo feito com muito coração, muita vontade de fazer bem feito, de ser útil. De modo que a coisa corria bem, com uns tropeços inevitáveis de vez em quando, uma coisa que ocorre, mas quando a direção é firme, a obra se faz bem. Agora eu fiz um projeto na Espanha que é um sucesso, são dois grandes prédios: um teatro e um museu e uma praça fantástica. De modo que quando a coisa tem bom acolhimento e boa orientação, o trabalho satisfaz e a gente fica satisfeito. Senão ficamos lembrando só do que estava no papel.

O Sambódromo surgiu na cabeça de quem primeiro, do senhor ou do Darcy?

Na minha não foi, deve ter sido na dele. Eu fiz o desenho. A gente conversava, ele explicava o que queria. Fiz o estudo, ele modificou o que quis. E a obra está feita, e é útil realmente. Sambódromo é a festa, feito carnaval, a festa do povo.

A ideia das salas de aula nos camarotes no resto do ano começou no início do projeto, ou surgiu no meio do caminho?

Foi ideia do Darcy. Me lembro que quando o prefeito da França esteve aqui, fomos mostrar o Sambódromo para ele. Quando eu disse que embaixo ficavam as salas de aula ele ficou espantado. “Que ideia formidável, aproveitar esta correia imensa para levar cultura ao país”, ele comentou.

Mas depois parou, também.

Não, agora vai continuar. Com certeza o Lula vai manter as escolas no subsolo. Pelo menos é um gesto corajoso de entusiasmo. Ninguém pensou em fazer o estádio com as aulas embaixo, só mesmo o Darcy poderia ter uma ideia dessas. Nesta nossa pequena conversa, você me deu uma ideia importante. O negócio das salas de aula devia ser mantido embaixo dos estádios.

Quem influenciava mais quem, o Darcy influenciava mais o Brizola ou o Brizola influenciava mais o Darcy?

Acho que o Darcy era mais o intelectual. E Brizola era um homem corajoso, correto e tinha vontade de fazer as coisas. Teria feito muito mais se não tivesse tido tanto problema. Tenho a maior admiração pelo Brizola, era um brasileiro ilustre, corajoso, sabia fazer apolítica.

Uma vez o Pasquim lhe perguntou como era sua relação com as mulheres...

Eu disse, a vida é mulher do lado e o resto seja o que Deus quiser. Eles acharam muita graça e é verdade. Você tem que ter mulher do lado, não é? A vida é difícil, o sujeito luta para fazer a vida ficar melhor e mais generosa. Mas você despede dos amigos. Eu acho a vida uma merda, apesar de seus encantos. Já nascemos condenados.

Condenados ao quê?

A desaparecer.


Oscar Niemeyer - foto: Nelson Perez/Valor
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Entrevista publicada originalmente no Jornal do Brasil, 06 de dezembro de 2012, por Marcelo Auler.


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Página atualizada em 7.12.2012.



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