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Jacinta Passos - serei poesia

Jacinta Passos - poeta


Jacinta Passos
 escritora nascida em Cruz das Almas, Bahia, em 1914, autora de quatro livros de poemas — Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958) —, elogiados por críticos do porte de Antônio Candido, Mário de Andrade, Aníbal Machado e Roger Bastide, entre outros. Seu livro mais importante, Canção da partida, foi ilustrado pelo artista Lasar Segall.

Jacinta tornou-se uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 40, escrevendo sobre os assuntos que mais a interessavam, pelos quais lutava: política, transformações sociais e posição da mulher na sociedade. Colaborou também com jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Militante do Partido Comunista Brasileiro de 1945 até a morte, em 1973, dedicou grande parte da vida ao trabalho penoso, clandestino e cotidiano de luta por um Brasil menos injusto.

Jacinta Passos foi casada com o escritor e jornalista James Amado, com quem teve uma filha, Janaína. A partir de 1951, sofreu crises nervosas periódicas, com delírios persecutórios, tendo recebido o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, doença considerada progressiva e incurável. Apesar de internada em diversos sanatórios, jamais deixou de escrever, tanto poesia quanto prosa. Sua obra poética, fundada nas tradições populares da Bahia, contém fortes componentes líricos e apelo ao público contemporâneo, mas permanece pouco conhecida, pois seus livros, publicados por editoras de pequeno porte, tiveram tiragens muito reduzidas, sendo que apenas um deles, Canção da partida, foi reeditado, isso em 1990. 

Jacinta Passos - foto em Antologia
Publicou em 1957 seu quarto livro, A Coluna (Rio de Janeiro, A. Coelho Branco Fº Editor). O volume contém um longo poema épico, de quinze cantos, sobre a Coluna Prestes, marcha de cerca de vinte e cinco mil quilômetros, empreendida na década de 1920, e liderada, entre outros, por Luiz Carlos Prestes, que buscava mudanças políticas profundas para o Brasil. O livro foi bem recebido por críticos como Paulo Dantas. Vários de seus trechos foram transcritos em publicações de esquerda do país, até 1964.

Após permanecer cerca de dois anos na cidade pernambucana de Petrolina, onde vivia sozinha e em extrema pobreza, transferiu-se em 1962 para Aracaju, em Sergipe. Ali morou, também sozinha, em Barra dos Coqueiros, povoação de pescadores situada em frente à cidade. Vivia muito pobremente, em um barraco de madeira, à beira do rio. Possuía uma máquina de escrever, onde, à noite, datilografava poemas e textos políticos, que distribuía pelas ruas durante o dia. Numa época de grande agitação e polarização política, desenvolveu, sozinha e ao lado de integrantes do PCB local, intensa militância junto a pescadores, estudantes e trabalhadores, inclusive após o golpe militar de 1964.

Foi detida em 1965, quando pichava nos muros da cidade palavras de ordem contrárias à ditadura. Recolhida ao 28º BC de Aracaju, graças à interferência da família Passos foi transferida para um sanatório particular da mesma cidade, a Casa de Saúde Santa Maria, onde permaneceu até sua morte, em 28 de fevereiro de 1973, aos cinquenta e sete anos de idade.
:: Fonte: JACINTA Passos - in: Antonio Miranda (acessado em 9.7.2015).


Poesia perdida
Ó! a poesia deste momento que passa,
a grande poesia vivida neste instante
por todos os seres da terra,
que palpita nas coisas mais simples
como um rastro luminoso da Beleza
e, sem uma voz humana para eternizá-la,
se perde para sempre, inutilmente...
Por que existo, Senhor, quando não posso cantar?
- Jacinta Passos (1933?), em  parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


CRONOLOGIA DE VIDA DE JACINTA PASSOS
Jacinta Passos, foto publicada no livro
Nossos poemas (1942).
[organizada por Janaína Amado]
1914  - Jacintha Velloso Passos nasce a 30 de novembro, na fazenda Campo Limpo, de propriedade do pai, município de Cruz das Almas, Recôncavo da Bahia. É a terceira filha de Berila Eloy e Manuel Caetano da Rocha Passos, membros de famílias tradicionais da região, muito católicas.
- Infância na fazenda.
1924 - Muda-se com os pais e os quatro irmãos – três meninas e um menino – para a cidade de São Felix, às margens do rio Paraguaçu, onde estuda as primeiras letras. O pai assume o cargo de Fiscal do imposto de consumo.
1926 - Muda-se com a família para a cidade de Salvador.
1927-1932 - Cursa a Escola Normal da Bahia, onde se forma com láurea. É ótima aluna. Muito católica, participa regularmente das atividades da paróquia de Nazaré. Tem experiências místicas. Escreve poemas, que circulam entre familiares e amigos.
Em 1927, o pai é eleito deputado estadual, mas perde o mandato em decorrência da Revolução de 1930.
1933-1938 - Trabalha como professora de matemática, escreve poemas, lê muito e, ao lado do irmão, Manoel Caetano Filho, participa de círculos e grupos literários de Salvador, como a Ala das Letras e das Artes (ALA). Continua bastante religiosa, mas, à medida que a década avança, sua religiosidade vai se caracterizando por forte conteúdo social e militante.
Em 1934, o pai é eleito deputado estadual, ligado ao grupo político de Juracy Magalhães, mas em 1937 perde novamente o mandato, em decorrência do golpe militar que dá início à ditadura do Estado Novo.
1939-1941 - A partir da eclosão da II Guerra Mundial, em 1939, envolve-se fortemente com política. Assume posições públicas a favor da paz no mundo e do final da ditadura no Brasil. Participa de manifestações nas ruas de Salvador. Denuncia as opressões de que as mulheres são vítimas e defende mudanças na condição feminina.
- Publica artigos e poesias no jornal O Imparcial e na revista cultural Seiva, com temáticas sobretudo sociais. Compõe os primeiros poemas de amor.
1942 - Junto com o irmão, Manoel Caetano Filho, publica Nossos poemas (Salvador, A Editora Bahiana). Com um total de 144 páginas, o livro é subdividido em “Momentos de Poesia” (até a pg. 98), com 38 poemas de Jacinta, e “Mundo em Agonia”, com 22 de Manoel Caetano Filho. O volume é bem recebido pela crítica baiana, firmando o nome da poeta e de seu irmão no meio intelectual do Estado.
Participa intensamente da luta antinazista e antifascista, que se intensifica com a entrada do Brasil na guerra.
1943 - Combate o nazifascismo e o Estado Novo. Trabalha como voluntária na Legião Brasileira de Assistência (LBA). Defende transformações sociais profundas para o país, reivindica direitos para as mulheres e se torna amiga de intelectuais comunistas, como Jorge Amado, que, mais tarde, se tornará seu cunhado. É uma das poucas mulheres da Bahia a assumir posições políticas públicas e a desenvolver intensa atividade jornalística. Publica semanalmente artigos e poemas assinados e dirige uma “Página Feminina” em O Imparcial, jornal de Salvador dirigido por Wilson Lins. Abandona o catolicismo, afastando-se cada vez mais dos valores da sua família, à qual, contudo, permanece afetivamente ligada.
No final do ano, conhece o jornalista e escritor James Amado, com quem inicia romance.
Jacinta Passos, com o marido, James Amado
, em São Paulo, poucos dias após o
casamento (1944)
1944 - Muda-se para a cidade de São Paulo, onde James vive. Os dois se casam em março. Torna-se amiga de artistas e intelectuais como Carlos Scliar, Clóvis Graciano, Ben Ami, José Geraldo Vieira e Lasar Segall. Participa da vida cultural e política da cidade. Comparece ou ajuda a organizar comícios, comitês, passeatas, manifestos, cada vez mais envolvida com os comunistas, a quem o marido também é ligado.
1945 - Publica Canção da Partida (São Paulo, Edições Gaveta), no primeiro semestre. Com 121 páginas, o livro reúne 18 poemas, 3 transcritos do livro anterior. A edição, muito bonita, é de 200 (duzentos) exemplares, numerados e assinados pela autora e ilustrados por Lasar Segall, além de dez exemplares acompanhados de uma ponta-seca original de Segall. O livro recebe críticas elogiosas de Aníbal Machado, Antônio Cândido, Mário de Andrade e Sérgio Milliet, entre outros, firmando o nome da poeta no cenário nacional.
- Participa em São Paulo do 1º Congresso Brasileiro de Escritores, marco na campanha pela rápida volta do país à democracia.
- Em agosto, aos oito meses de gravidez, sofre aborto. Muda-se para Porto Alegre, com o marido. Nesta cidade, ambos se filiam oficialmente ao Partido Comunista Brasileiro, que acaba de ser legalizado. Envolve-se completamente na campanha pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Aproxima-se de intelectuais gaúchos, escreve textos e profere conferências.
- Por decisão do Partido Comunista, muda-se com James para Salvador, a fim de candidatar-se a cargo eletivo. Reencontro com a família. Torna-se a única mulher da Bahia candidata a deputada federal constituinte pelo PCB. Intensa participação política. Não se elege.
1946-1947 - Reside em Salvador. Escreve regularmente poesia e prosa. Em julho de 1946, a sede de O Momento, onde Jacinta colabora e James é secretário-geral, é invadida, e o jornal, empastelado. A situação política segue muito tensa durante este ano e o seguinte, quando o PCB tem o registro cassado e volta à ilegalidade.
- Em setembro de 1946, aos dois meses de uma gravidez de alto risco, é internada no hospital da Pro-Matre, de onde só sai sete meses depois, em abril do ano seguinte, após dar à luz a filha Janaína.
- No final do ano, é lançada candidata a deputada estadual constituinte pelo PCB. Internada no hospital, não faz campanha. Não se elege.
- O pai é eleito deputado estadual constituinte pela UDN, partido que, na Bahia, defende princípios opostos aos dos comunistas.
1948 - Comunistas são presos e perseguidos. A situação política é tensa. Muda-se no início do ano, com o marido e a filha, para uma fazenda na região do Pontal do Sul, município de Coaraci, zona cacaueira da Bahia, pertencente aos sogros. Convive com o marido, cuida da filha, lê muito e escreve poemas. Em abril, viaja ao Rio de Janeiro.
1949-1950 - Saídas eventuais da fazenda, onde continua residindo, para visitas a Salvador, ao Rio e a São Paulo, a fim de cumprir tarefas do PCB e rever familiares. Em 1950, participa do 3º Congresso Brasileiro de Escritores, em Salvador. Intensa produção poética.
1951 - Publica Poemas políticos (Rio de Janeiro, Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil). Com 87 páginas, o livro contém 10 poemas inéditos, políticos e líricos, além de uma seleção do livro anterior. O volume amplia o prestígio da autora, sobretudo entre os círculos literários de esquerda.
Jacinta Passos e Janaína Amado - mãe e filha (fev.1948)
[foto Acervo família Amado ]
- Muda-se para o Rio de Janeiro, com o marido e a filha. Apesar da repressão ao PCB, que também radicaliza posições, trabalha no comitê de mulheres do partido, dá conferências, integra comissões e escreve textos de caráter político. Em julho, chefia a delegação carioca ao Congresso de Mulheres, organizado pelo PCB em S. Paulo, que é reprimido.
- Em novembro, após regressar do IV Congresso Brasileiro de Escritores em Porto Alegre, sofre no Rio grave crise nervosa, com delírios persecutórios. Internada em sanatório particular em Botafogo, é diagnosticada como portadora de esquizofrenia paranóide, então considerada uma doença progressiva e irrecuperável. Nessa internação e nas seguintes, é tratada à base de eletrochoques, injeções de insulina e barbitúricos.
1952 - Transferida para a Clínica Psiquiátrica Charcot, em São Paulo, onde é confirmado o diagnóstico de esquizofrenia paranóide. Jacinta e James separam-se.
- No final do ano deixa o Charcot. Passa a morar em São Paulo com a irmã e o cunhado. Trabalha na Editora Martins.
1953-1954 - Após período de relativo equilíbrio, volta a ter crises. É de novo internada no Charcot. No sanatório escreve poemas, inclusive A Coluna, épico que depois publicará em livro.
1955-1956 - Muda-se para Salvador. Mora com os pais, no mesmo sobrado onde residira na juventude. Faz questão de levar existência independente da família. Milita no PCB, ensina em comunidades pobres de Salvador, lê e escreve com frequência, poesia como prosa.
- Publica artigos sobre literatura no jornal comunista O Momento, em 1956.
- Recebe, nos dois anos, visitas da filha, que passa com ela as férias escolares.
1957 - Publica A Coluna (Rio de Janeiro, A. Coelho Branco Fº Editor). Com 47 páginas, o livro contém o poema épico homônimo em 15 cantos, sobre a Coluna Prestes, apresentado como “uma parte do livro História do Brasil e outros poemas”.
- Sofre crises persecutórias. Dificuldades financeiras.
- No final do ano, viaja ao Rio de Janeiro, para visitar a filha. Passa com ela as férias escolares, preparando-a para o exame de admissão ao ginásio.
Jacinta Passos, na década de 1940.
1958  - Detida no Rio, na Central do Brasil, por vender seu livro A Coluna, considerado subversivo. É solta no mesmo dia. Retorna a Salvador. Dessa época em diante, não convive mais com a filha.
- Sofre forte crise persecutória. É internada por familiares em sanatório de Salvador. Após sair, abandona a casa da família Passos, transferindo-se sozinha para a cidade de Petrolina, extremo-oeste de Pernambuco.
1959-1961 - Permanência em Petrolina, onde vive em extrema pobreza. É possível que trabalhe para o PCB, então em profunda crise, devido à saída de muitos de seus membros. Jacinta, contudo, permanece no partido até o final da vida.
1962-1964 - Muda-se para Aracaju, instalando-se em Barra dos Coqueiros, povoação em frente à cidade. Vive muito pobremente, em um barraco de madeira, à beira do rio Sergipe. Numa época de grande agitação e polarização política, desenvolve, sozinha ou com companheiros, intensa militância, inclusive após o golpe militar de 1964. Escreve à máquina, em geral à noite, textos e poesias de caráter político, que distribui pelas ruas. Discursa e picha palavras de ordem nos muros da cidade.
1965-1973 - Detida duas vezes em 1965, é submetida a interrogatórios e recolhida ao 28º BC de Aracaju, e, daí, recolhida ao sanatório público Adauto Botelho, em Aracaju, até ser transferida, graças à interferência da família Passos, para a Casa de Saúde Santa Maria, sanatório particular da cidade. Aí permanece até morrer.
Escreve regularmente, compondo à mão poemas, peças para teatro (adulto e infantil) e radioteatro, aforismos, textos sobre teoria da arte, poesias e reflexões políticas.
- Recebe visitas de familiares e da filha, mas afirma não reconhecer nenhum deles.
- Morre a 28 de fevereiro de 1973, aos 57 de idade, vítima de derrame cerebral.
 ****
Jacinta Passos, em visita ao
Rio de Janeiro (jan./1949).
1989 - Publicado, na revista Exu (Salvador, Fundação Casa Jorge Amado, nº 7, janeiro/fevereiro, p. 28-35), trecho do ensaio “Entre Lirismo e Ideologia”, de autoria do poeta e crítico José Paulo Paes, sobre a trajetória e a obra de Jacinta.
1990 - Segunda edição de Canção da partida (Salvador, Fundação das Artes), 77 páginas, que contém o texto completo do ensaio Entre Lirismo e Ideologia, de José Paulo Paes, escrito especialmente para essa edição.
1998 - CD O Prazer da Poesia na voz de José Mindlin (São Paulo, Gravadora Eldorado), com poemas selecionados e interpretados pelo bibliófilo José Mindlin. Incluído o poema de Jacinta “Cantiga das mães”.
1999 - Livro A poesia baiana no século XX – Antologia (Salvador/Rio de Janeiro, Fundação Cultural do Estado da Bahia/Imago Editora), organização, introdução e notas de Assis Brasil. Contém os poemas de Jacinta “Canção da liberdade”, “Estrela do oriente” e “Canção da alegria”, antecedidos de biografia e breve apreciação crítica de sua obra.
2000 - Livro A história esquecida de Jacinta Passos, de Dalila Machado (Salvador, Secretaria de Cultura e Turismo/ Fundação Cultural do Estado/ Empresa Gráfica da Bahia, com fotos e anexos), primeira biografia da poeta.
- Lançado o site Escritoras baianas, com breve bio-bibliografia, foto e comentário crítico sobre a obra de Jacinta.
2001 - Antologia Poetas da Bahia – Século XVII ao século XX (Salvador/ Rio de Janeiro, Fundação Cultural do Estado da Bahia/ Imago Editora), organização de Ildásio Tavares e notas bio-bibliográficas de Simone Lopes Pontes Tavares. Inclui nota bio-bibliográfica e poemas de Jacinta.
2002  - Livro Retratos à margem: antologia de escritoras das Alagoas e Bahia (1900-1950) (Maceió, Edufal), organização de Izabel Brandão e Ivia Alves. Contém breve bio-bibliografia, foto e comentário crítico sobre a obra de Jacinta.
2003 - Vídeo Mídia Poesia, coordenação de Oscar Dourado e realização de Da Rin Produções, Salvador. Incluído o poema de Jacinta “Canção da Partida”. Segunda edição, ampliada, em 2005.
- Seminário Políticas Públicas para as Mulheres, pelo Coletivo de Mulheres em Luta Jacinta Passos, ligado ao Partido dos Trabalhadores, em Cruz das Almas, Bahia.
- Publicação de foto, minibiografia e poema “Campo-Limpo”, de Jacinta Passos, in: Reflexos do Universo. Cruz das Almas, Bahia, nº 71.
Livro Jacinta Passos, Coração Militante -
Poesia, Prosa... (org. Janaína Amado)
- Palestra Jacinta Passos: Canção Atual, de Janaína Amado, Fundação Pedro Calmon, Palácio Rio Branco, Salvador, Bahia.
2007 Livro Jacinta Passos: a Busca da Poesia (Aracaju: Edições GFS, Coleção Base 2, 2007), de Gilfrancisco, totalmente dedicado à poeta, jornalista e política.
2008 - Livro Salvador 460 Anos de Poesia (Salvador: Fundação Omnira), organização de Roberto Leal, contém poema de Jacinta.
- Monografia de Especialização Passagem de Jacinta Passos pelo Jornal “O Imparcial” (1943), de Danielle Spinola Fuad, Salvador, Centro Universitário Jorge Amado, área de Jornalismo Contemporâneo. Orientação: Prof. Dr. Luís Guilherme Pontes Tavares.
2009 - Agenda Brasil – retratos poéticos (S. Paulo: Editora Escrituras), de Raimundo Gadelha, Mauricio Simonetti, Rogério Reis e José Inácio Vieira de Melo. Inclui fragmentos de poemas de Jacinta.
2010 - Livro Jacinta Passos, coração militante, organização de Janaína Amado (Salvador: Editora Corrupio e Editora da Universidade Federal da Bahia). Contém a obra completa em verso e prosa de Jacinta, sua biografia e fortuna crítica.
- Site oficial de Jacinta Passos, com diversas informações e imagens. Dentro do site, um blog atualiza as notícias e traz as diversas resenhas e críticas sobre a trajetória e a obra de Jacinta Passos, que têm se multiplicado na imprensa e na mídia desde a publicação do livro.
:: Fonte: Cronologia Jacinta Passos/site Oficial (acessado em 10.7.2015).


OBRA DE JACINTA PASSOS
Poesia
Capa do livro "Canção da partida", de Jacinta Passos
ilustração Lasar Segall
:: Nossos poemas. [1ª parte “Momentos de Poesia”, contém poemas de Jacinta e a 2ª parte “Mundo em Agonia”,  poemas do irmão, Manoel Caetano Filho]. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.
:: Canção da partida. [ilustrações de Lasar Segall]. São Paulo: Edições Gaveta, 1945, 121p. 
:: Poemas políticos. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951.
:: A coluna. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Fº Editor, 1957.

Antologia 
:: Jacinta Passos, coração militante: obra completa: poesia e prosa, biografia, fortuna crítica. [organização Janaína Amado]. 1ª ed., Salvador: Editora Corrupio; Editora da UFBA, 2010.

Em antologias (participação)
:: Poemas para exumar a história viva: um espectro ronda. [organização Alberto Pucheu]. São Paulo: Cult Editora, 2021. {autores presentes: Pedro Tierra, Maria Celeste Vidal, Alípio Freire, Wilma Ary, Jaime Wallvitz Cardoso, Carlos Marighela, Flávio Tavares, Gilney Viana, Alex Polari, Paulo César Fontelles de Lima, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, Marcelo Mário de Melo, Raimundo Nonato da Rocha, Lara de Lemos, Stênio Freitas, Libério de Campos, Rosalindo Souza, Loreta Valadares, Ferreira Gullar, Thiago de Mello, Eduardo Alves da Costa, Álvaro Alves de Faria, Moacy Félix, Jacinta Passos, Nicolas Behr e Oswald Barroso}.


Jacinta Passos, década 1950.


POEMAS ESCOLHIDOS DE JACINTA PASSOS

A missão do poeta
No instante inicial da criação,
quando o mundo acabava de sair
das mãos de Deus,
e quando as coisas todas palpitavam,
quentes ainda do seu sopro criador,
escutou-se o primeiro cântico, na terra,
glorificando o Senhor.
Canta
o poeta porque seu destino é cantar.
Cantar o mesmo canto que irrompeu
dos lábios do primeiro homem criado,
ante a maravilhosa visão da beleza.
da esplêndida harmonia universal.
Cantar ao Senhor,
bendizendo a divina perfeição,
bendizendo o amor infinito
que transbordou, criando as criaturas.
Canta o poeta,
a glória e o sofrimento do universo.
Canta por todas as criaturas,
que não sabem cantar.
Aprende
a realidade íntima das coisas,
o mistério que liga os seres todos,
numa unidade essencial,
e canta
as belezas dispersas pelo mundo,
fragmentos da beleza total.
Sente
a harmonia quebrada do universo,
a desordem estabelecida
pelo egoísmo do homem,
e canta
a angústia da alma humana que procura
o paraíso perdido.
Sofre
a dureza de sua própria resistência
e canta
o fundo e permanente sofrimento
para atingir o estado interior,
quando, de dentro d'alma irrompe, límpido
puro, o canto único,
que eleva as coisas todas para o alto
glorificando o Senhor.
Canta
o poeta porque seu destino é cantar.
- Jacinta Passos (Bahia, 26 de agosto de 1938). em "A Ordem". Rio de Janeiro, jan/jun, 1940.


Canção atual
Plantei meus pés foi aqui
Jacinta Passos e Janaína - no 1º aniversário da filha,
Praia de Amaralina, Salvador (abril, 1948).
amor, neste chão.

Não quero a rosa do tempo
aberta
nem o cavalo de nuvem
não quero
as tranças de Julieta.

Este chão já comeu coisa
tanta que eu mesma nem sei,
bicho
pedra
lixo
lume
muita cabeça de rei.

Muita cidade madura
e muito livro da lei.

Quanto deus caiu do céu
tanto riso neste chão,
fala de servo calado
pisado
soluço de multidão.

Coisas de nome trocado
– fome e guerra, amor e medo –

Tanta dor de solidão.

Muito segredo guardado
aqui dentro deste chão.

Coisa até que ninguém viu
ai! tanta ruminação
quanto sangue derramado
vai crescendo deste chão.

Não quero a sina de Deus
nem a que trago na mão.

Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.
- Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.



Canção da alegria
Urupemba
urupemba
mandioca aipim!
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Peneira massa peneira,
peneira peneiradinha,
(Ai! vida tão peneirada)
peneira nossa farinha.

Olhe o rombo
olhe o rombo
olhe o rombo arrombou!
olhe o cisco
olhe o risco
urupemba furou!

Eh! sai espantalho
da ponta do galho!

Escorra! Escorra!
Tirai essa borra!

Urupemba
urupemba
mandioca aipim!
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Farinha fininha
peneiradinha!

Ai! vida, que vida
nuinha! nuinha!
- Jacinta Passos em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.



Ilustração Lasar Sagal, 1944 - Jacinta Passos 
- em Canção da Partida
Canção da liberdade
Eu só tenho a vida minha.
Eu sou pobre pobrezinha,
tão pobre como nasci,
não tenho nada do mundo,
tudo que tive, perdi.
Que vontade de cantar:
a vida vale por si.

   Nada eu tenho neste mundo,
   sozinha!
   Eu só tenho a vida minha.

Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver.  

   Nada eu tenho neste mundo,
   sozinha!
   Eu só tenho a vida minha.

Sem amor e sem saúde,
sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
tem por pátria o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.
Nada eu tenho neste mundo,
sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
- Jacinta Passos (1943), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.


Canção do amor livre
Se me quiseres amar
não despe somente a roupa.

Eu digo: também a crosta
feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti,
pelo sangue recebida
tecida
de medo e ganância má.
Ar de pântano diário
nos pulmões.
Raiz de gestos legais
e limbo do homem só
numa ilha.

Eu digo: também a crosta
essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.

Se me quiseres amar.

Agora teu corpo é fruto.
Peixe e pássaro, cabelos
de fogo e cobre. Madeira
e água deslizante, fuga
ai rija
cintura de potro bravo.
Teu corpo.

Relâmpago depois repouso
sem memória, noturno.
- Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.


Cantigas das mães
(para minha mãe)

Fruto quando amadurece
cai das árvores no chão,
e filho depois que cresce
não é mais da gente, não.
Eu tive cinco filhinhos
e hoje sozinha estou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Tão lindos, tão pequeninos,
como cresceram depressa,
antes ficassem meninos
os filhos do sangue meu,
que meu ventre concebeu,
que meu leite alimentou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Muitas vidas a mãe vive.
Os cinco filhos que tive
por cinco multiplicaram
minha dor, minha alegria.
Viver de novo eu queria
pois já hoje mãe não sou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Foram viver seus destinos,
sempre, sempre foi assim.
Filhos juntinhos de mim,
Berço, riso, coisas puras,
briga, estudos, travessuras,
tudo isso já passou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.
- Jacinta Passos em "Nossos poemas". Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


Cântico de exílio
Estou cansada, Senhor.
Minha alma insaciável,
a minha alma faminta de beleza,
ávida de perfeição,
é perseguida pelo teu amor.
Puseste dentro dela esta ânsia infinita
cujo ardor queima,
como a sede que em pleno deserto escaldante
persegue o viajor.
Esta angústia, que cresce e que vibra e palpita,
nasceu dentro em mim
no mesmo divino instante
em que, morrendo a última ilusão,
só me restava afinal
uma fria certeza,
cortante como o gume dum punhal.
A certeza de que, tendo tudo no mundo,
nada
pode encher o vazio do meu desejo,
do meu desejo profundo.
Na aridez de minha alma desolada,
esta angústia brotou,
como brota no solo sertanejo,
no solo nu, exausto e sofredor,
solo onde a seca vai matando a vida,
a última flor
– a flor sangrenta do cacto –
cuja raiz parece que sugou
todo o sangue da terra dolorida.
Compreendi, Senhor, compreendi
a voz que sobe
do fundo misterioso do meu ser.
Esta angústia que vive dentro em mim
somente há de ter fim
quando nada mais existir entre nós,
quando, num dia sem crepúsculo,
eu me abismar em ti,
no teu esplendor absoluto.
Mas apenas começo a caminhar,
estou cansada, Senhor.
É bem longo o caminho a percorrer
e sinto-me sozinha.
Levanto os braços para o céu distante
como a palmeira – longo anseio de infinito –
que no deserto se ergue, solitária,
em busca do azul.
Suplico humildemente o teu auxílio.
Dos meus lábios, irrompe como um grito
meu cântico de exílio.
Ah! Senhor, quando se há de realizar
a aspiração profunda do meu ser?
- Jacinta Passos (1937), em parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


Crepúsculo
Vai lentamente agonizando o dia...
O poente onde, há pouco, o sol ardia,
se tingiu de cor de ouro, luminosa.
Tons desmaiados de lilás e rosa
listram o puro azul do firmamento
– um poema de luz, neste momento.
A sombra de mansinho vem caindo
e o contorno das coisas, diluindo.
Pesa um grande silêncio, enorme e mudo.
Desce suavemente sobre tudo,
uma bênção dulcíssima de paz.
A treva escura que vem vindo traz
uma saudade vaga, indefinida...
saudade do que já passou na vida,
saudade mansa, boa, imensa e triste,
saudade até dum bem que não existe,
nostalgia sem fim da perfeição
que, nessa hora, invade o coração.

A alma das coisas que vagava a esmo
parece ir recolhendo-se em si mesma,
pondo-se então a meditar consigo.
A silhueta de um convento antigo
ergue-se negra, austera e secular,
banhada em doce luz crepuscular,
no fundo luminoso do poente.
É a longa torre uma oração silente.
Parece uma blasfêmia, o negro véu
de fumaça manchando o ouro do céu.

O silêncio, de súbito, estremece
e pelo ar passa um frêmito de prece.
Vibrou a alma sonora da paisagem
e o canto vem tangido pela aragem.
Quando, do sino, a voz forte badala,
Todo o rumor em derredor se cala
e escuta a voz que soa, alta e vibrante,
na quietude da tarde agonizante.
- Jacinta (1935), em parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


Diálogo na sombra
– Que dissestes, meu bem?
– Esse gosto.
Donde será que ele vem?
Corpo mortal.
Águas marinhas.
Virá da morte ou do sal?
Esses dois que moram no fundo e no fim.
– De quem falas, amor, do mar ou de mim?
- Jacinta Passos (1944), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.



Eu serei poesia
A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.
Quando eu não for mais um indivíduo,
eu serei poesia.
Quando nada mais existir entre mim e todos os seres,
os seres mais humildes do universo,
eu serei poesia.
Meu nome não importa.
Eu não serei eu, eu serei nós,
serei poesia permanente,
poesia sem fronteiras.
- Jacinta Passos (1942), em parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


Incerteza
Em meu olhar se espelha
a sombra interior de incerteza angustiante.
E em minha alma floresce, como rosa vermelha
dum vermelho gritante,
como o clangor clarim,
esta angústia que vive a vibrar dentro em mim.
É a minha vida um longo e ansioso esperar,
num amor que há de vir.
Amor - prazer que é dor e sofrer que é gozar -
Amor que tudo dá sem nada nos pedir,
e que, às vezes, num rápido segundo,
resume a glória toda e toda a ânsia do mundo.
Mas depois deste amor, o que virá? O tédio
insípido e tristonho,
desenganos sem cura e dores sem remédio.
Com a posse dum bem, o desfolhar dum sonho...
Vale mais, muito mais,
desejar sempre um bem, sem possui-lo jamais.
Oh! não. O coração
não se cansa de amar se sabe querer bem.
- Ter para o erro o perdão,
renunciar a si mesmo e viver para alguém -
E se um motivo qualquer,
imperioso e fatal, o sonho desfizer?
Então eu saberei bendizer, comovida,
o amor que já passou,
deixando uma doçura amarga em minha vida.
Quando o sonho murchar,
a esperança está finda,
mas dentro d'alma, fica uma saudade linda.
- Jacinta Passos (1934) , em "O Malho". Rio de Janeiro - Ano XXXV - nº 185, 17.dez. 1936.


Manhã de Sol
Dia azul de Maio. Esplende
um sol de ouro no céu que além se estende.
Jacinta Passos, em Salvador,
na década de 1930
Prolongam-se vibrações do arrebol
na clara luz desta manhã de sol.
O céu ardente,
dum azul luminoso e transparente,
tem doçura infinita...
Um rumor de asas pelo azul palpita,
palpita pelo ar.
É carícia sonora, a música do mar.
O verde risonho
das árvores é lindo como um sonho.
A brisa leve e fresca em surdina cicia.
Há, em toda parte, uma explosão de alegria.
A natureza canta, radiosa,
um hino aleluial na manhã gloriosa.
E todo esse esplendor se comunica
à alma da gente, que vibrando fica
e, com alta emoção esplêndida e feliz,
bendiz,
numa alegria incontida,
a glória de viver e a beleza da vida.
- Janaína Passos (1934), em parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


Meu sonho
O meu sonho
mais risonho
é suave e pequenino
resumindo entretanto o meu destino.
É de cor azul escura
como o mar que longe chora
É cor de infinito e de ânsia
cor do céu, cor do mar, cor de distância.
Tem a leve suavidade
da saudade,
e a cantante doçura
de um regato que murmura.
Macio e encantador
é carícia de pluma e perfume de flor.
O meu sonho
mais risonho,
é para mim cada momento
o motivo maior de doce encantamento.
- Jacinta Passos, em "A Tarde". Salvador BA, 6. out. 1937.



Ilustração Lasar Sagal, 1944 - livro Canção
 da partida, de 
 Jacinta Passos
Navio de imigrantes
(A Lasar Segall)

Gestos parados
no limiar
do céu e mar.
Corpos largados
desamparados,
límpido tempo
de primavera
mora no fundo
de vossa espera.
Navio sombrio, que levas no bojo?
– descobre o teu véu:
navegas em busca da terra ou do céu?

Corpos humanos
suportam corpos,
seus desenganos.

Corpo, cansaço,
longa viagem,
busca um regaço,
terra ou miragem

Arca ou navio,
nau ou galera,
vens doutra era,
séculos a fio. 

Qual o teu rumo?

Levas o sumo
da dor humana
que se supera,
vida ou quimera

No bojo teu,
levas o sonho
de Prometeu.

Levas em ti
o amanhã,
judeus do Egito
a Canaã.

Levas os negros,
nau ou barcaça,
e mais o drama
de sua raça.

   
Levas Chiquinha
e sua dor,
a dor que é minha.
Levas Colombo,
levas o povo
e a descoberta
dum mundo novo.

No limiar
do céu e mar.

Qual o teu rumo?

Só tu resistes,
as águas tristes
cobriram tudo,
sozinho, mudo,
sinais profundos
vês no horizonte,
tu és a ponte
entre dois mundos.

Asas alerta,
fim, descoberta,
anunciação,
ramo de paz,
âncora, chão,
beira de cais,
ave, esperança,
nau da aliança.
- Jacinta Passos (1944), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.


O mar
Múrmuro e lento,
o mar ao longe se espraia.
Geme e brame, ruge e clama
o seu tormento,
e, soluçando, vem morrer na praia.
O mar imenso...
Quando eu escuto o seu rumor soturno,
fico a cismar.
Penso
no destino do mar
– ser eterno cantor –
cantar a sua dor de eterno insatisfeito,
cantar o seu sonho infinito desfeito,
cantar o mesmo canto que embalou
a infância do mundo.
O mar imenso... encarcerado
dentro dos frios limites dum traçado.
Ouço vozes estranhas... Vem do fundo
do mar ou de dentro de mim,
esse surdo clamor?
São vozes obscuras,
vozes desconhecidas,
vozes que irrompem
da parte ignorada de mim mesma.
Por que esta sede imensa de saber,
desvendar os segredos escondidos,
despir as coisas
de suas transitórias aparências,
penetrar no seu âmago,
ver a essência do ser?
Pobre desejo humano esbarra, mudo,
ante o mistério de tudo.
Por que este desejar que não se cansa,
por que este destino errante de correr
sempre atrás dum bem que não se alcança?
Anseio de sentir-se um instante feliz,
anseio de eternizar esse instante que passa,
perdendo-se no passado, no infinito do tempo,
como se perde um pouco de fumaça
na amplidão dos espaços infinitos...
Por que este desejar que não tem fim,
se o mísero coração
sabe que nenhum bem lhe satisfaz?
Foge o minuto fugaz
e no fundo de toda ventura sorvida
há um gosto de cinza.
Perguntas sem resposta, atiradas à toa,
inutilmente...
Ouço vozes estranhas... Vem do fundo
do mar ou de dentro de mim
esse surdo clamor?
São vozes de sofrimento, de amarguras,
vozes de todas as criaturas
que falam por minha voz.
Todas as criaturas que sofreram
esta ânsia indefinida
– angústia milenária como a vida –
de querer atingir o inatingível.
Vozes de todos que sentiram, vivo,
cruel, o trágico destino humano
de pássaro cativo:
– ter diante de si o vasto céu azul,
luminoso e ardente,
ter asas, asas para bem alto subir,
e sentir
que não pode voar,
impotente... impotente...
- Jacinta Passos (1935), em parte I “Momentos de Poesia”, do livro 'Nossos poemas'. Salvador: A Editora Bahiana, 1942.


O rio
Tantos rios como eu abriram leito de pedras
e pranto. Um dia perguntávamos:

– Dizei-me, curva, onde vou? casa trono rocha sois
aqueles que ficam, minha lei é não parar. Sigo
fio de água, água humilde sou, para onde? Ó curva,
falai. Água de revolta, espuma e ódio nos poros
na garganta no útero, pranto de mulher, água
de fel antigo, quem é meu semelhante? Dizei, onde vou?

Leito de pedras e pranto. Súbito, próximo,
Atravessou, olhai, ele!
ali na frente, vivo, tão vivo,
ele sim! o rio das águas inúmeras. Correi
doçuras e dores, punhos, Partido, esperança nossa…
- Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.




Capa do livro Canção da partida, de Jacinta Passos,
ilustração Lasar Segall
Sangue negro
(para Jorge Amado)

Terras curvas do Recôncavo
onde adormece o oceano,
no teu subsolo circula
sangue negro cor da noite,
da cor do preto africano,
preto cujo sangue escravo
regou o solo baiano.

Terras curvas do Recôncavo
onde adormece o oceano,
de tuas veias abertas
escorre
o petróleo baiano,
sangue negro do Brasil. 

Operário mestiço!
tuas ásperas mãos – e tu não sabes disso –
tuas mãos quando movem as máquinas do Poço
movem forças latentes,
movem forças criadoras,
movem o Brasil, tuas mãos libertadoras.
Teu gesto inicial se transmite e propaga,
repercute longe até nas selvas do Oeste
e cresce, desdobrado como cresce uma onda
de mar,
cresce e acelera o ritmo de Volta Redonda,
gerando máquinas sem parar,
e gera usinas
onde o ferro e os metais tirados das minas
do ventre da terra,
se transformam em carros e trens, navios e aviões, em armas de guerra.
E as máquinas nascidas do teu movimento,
rápidas mensagens humanas levarão,
mensagens de conhecimento,
mensagens de aproximação
entre todos os brasileiros
irmãos que a distância isolou, como estrangeiros,
em plena solidão.
O gaúcho galopando nos pampas do sul,
freará o cavalo
e vai, surpreso, descobrir no vale amazônico
onde dormem forças primordiais,
que irmãos nortistas modelam um mundo novo,
com a borracha,
a borracha que desce dos longos seringais.

No Nordeste, o vaqueiro cantará:
O homem tira da terra,
a chuva que o céu não dá.
Rã quando canta não erra,
é chuva que vai chegá,
o homem tira da terra,
a chuva que o céu não dá.
Boi gordo pasta na serra,
tão contente a gente está,
o homem tira da terra,
a chuva que o céu não dá.
Quando venceu nossa guerra
logo peguei a cantá,
o homem tira da terra,
a chuva que o céu não dá.

O lavrador
largará a enxada que dos pais recebeu
e moverá os arados mecânicos
que os homens de outras terras lhe ensinaram
através da distância e dos ventos oceânicos.

Operário mestiço!
teu gesto inicial que faz brotar os frutos
e nascer as grandes cidades,
teu gesto move as máquinas da indústria,
move o Brasil,
move o povo crescendo, amadurecendo, se tornando viril.

Terras curvas do Recôncavo
onde adormece o oceano,
no teu subsolo circula
sangue negro cor da noite,
da cor preto-africano,
preto cujo sangue escravo
regou o solo baiano.
Terras curvas do Recôncavo
onde adormece o oceano,
de tuas veias abertas
escorre
o petróleo baiano,
sangue negro do Brasil.
- Jacinta Passos (1943), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.


1935
Tenso como rede de nervos
pressentindo ah! novembro
de esperança e precipício.

Fruto peco.

Novembro de sangue e de heróis.

Grito de assombro morto na garganta,
soluço seco dor sem nome. Ferido.
De morte ferido. Como um animal ferido. Luta
de entranhas e dentes. Natal.
Sangue. Praia Vermelha.

Sangue.
Sangue. É quase um fio
escorrendo
sangrento
tenaz
por dentro dos cárceres,
nas ilhas
e nos corações que a esperança guardaram.
- Jacinta Passos, em "Poemas políticos". Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1951.

Berila e Manoel Caetano Passos com os filhos (em pé, da esquerda para a direita)
Manoel Caetano Filho, Dulce, Maria José, Jacinta e Lourdes.


FORTUNA CRÍTICA DE JACINTA PASSOS
[Estudos acadêmicos - teses, dissertações, monografia, ensaios e artigos]
AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante (poesia, prosa, biografia,fortuna crítica). 1ª ed., Salvador: Editora Corrupio; Editora da UFBA, 2010. Disponível no link. (acessado em 9.7.2015).
AMADO, Janaína. O coração militante de Jacinta Passos. in: Raras Mulheres, 27 junho 2010. Disponível no link. (acessado em 9.7.2015).
ARAO, Lina. Mulher em três tempos: Luiza Amélia de Queiroz Nunes, Jacinta Passos e Marize Castro. In: Helena Parente Cunha. (Org.). Violência simbólica e estratégias de dominação: produção poética de autoria feminina em dois tempos. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2011, v. , p. 226-263.
GILFRANCISCO.. Jacinta Passos: a busca da poesia. Aracaju: Edições GFS, 2007. 
GILFRANCISCO.. A lírica da crítica social na poesia de Jacinta Passos. in: Jornal da Cidade. Aracaju, 31 de janeiro e 1º. de fevereiro, 2006/ Sergipe Educação e Cultura (blog), 2010. Disponível no link. (acessado em 9.7.2015.
JARDIM, Rubens. As mulheres poetas na literatura brasileira (12). in. Rubens Jardim (blog), 25.11.2011. Disponível no link. (acessado em 9.7.2015).
LIMA, Eliane F. C.. O coração lírico e militante de Jacinta Passos - Literatura de ontem 15. in Literatura em vida, 2010. Disponível no link. (acessado em 9.7.2015).
Jacinta Passos, jornalista e poeta, Salvador (1943)
LOBO, Júlio César; AMADO, Janaína. A lírica da crítica social. In: AMADO, Janaína. (Org.). Jacinta Passos, Coração Militante (Poesia, prosa, biografia, fortuna crítica). 1ª ed., Salvador: Editora Corrupio; Editora da UFBA, 2010, v. 1, p. 491-492.
MACHADO, Dalila Maria Cordeiro. A história esquecida de Jacinta Passos.. 1ª ed., Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2000. v. 1. 50p.
MACHADO, Dalila Maria Cordeiro. A história esquecida de Jacinta Passos. In: 3º Congresso ABRALIC, 1992, Rio de Janeiro. Limites. Rio de Janeiro: BSCSH, 1992. v. 1. p. 367-374.
OLIVEIRA, Rosângela Santos. Jacinta Passos, loucura ou marginalização?. III EBE CULT - Encontro Baiano de Estudos em Cultura, 2012. 
PAES, José Paulo. Entre lirismo e ideologia. Revista Exu - Fundação Casa Jorge Amado,  nº 7, Salvador, janeiro/fevereiro, p. 28-35.
PAIXÃO, Fernando.. A infância como ponto de partida. In: Janaina Amado. (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/ Corrupio, 2010, v. , p. 537-541.
ROSCILLI, Antonella Rita. A mais corajosa voz poética feminina: a poeta baiana Jacinta Passos. in: Revista da Academia de Letras da Bahia-ALB, n. 54 (março de 2016), p. 99-105. 
ROSCILLI, Antonella Rita. A palavra e a ação de Jacinta Passos, poeta e militante politica brasileira (La parola e l'azione e l'azione di Jacinta Passos, poetessa e militante brasiliana). Texto bilingue. Em: Sarapegbe, Rivista italiana di Dialogo Interculturale. A. III, n. 9  (jun-ago. 2014). Disponível no link. (acessado em 6.4.2021).
SILVA, Beatriz Azevedo da.. Jacinta, Passos de uma escritora à margem. (Dissertação Mestrado em Literatura e Cultura). Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2014.
SILVA, Beatriz Azevedo da.; VIEIRA, Nancy Rita Ferreira. A presença de Jacinta Passos no jornalismo baiano dos anos 1940: uma proposta de inserção do público feminino na política. In: V Colóquio Mulheres em Letras, 2013, Belo Horizonte. Anais do V Colóquio Mulheres em Letras: escritura, valores, sentidos. Belo Horizonte: UFMG, 2013. p. 106-113.
SILVA, Beatriz Azevedo da.; VIEIRA, Nancy Rita Ferreira. A local e a distante obra de Jacinta Passos: uma possibilidade de. In: XVII Simpósio Baiano de Pesquisadoras(es) sobre mulheres e relações de gênero, 2012, Salvador. Estudos Feministas e de Gênero e as Matrizes de Desigualdades: Sexismo, Racismo e Lesbo-homofobia, 2012. p. 131-132.
VIEIRA, Nancy Rita Ferreira. Mulheres no umbral: representação literária da casa e da rua na literatura baiana de autoria feminina. (Tese Doutorado em Letras e Linguística). Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2005.


Jacinta Passos, com a filha Janaína (1948).

Mensagem às crianças do mundo
Crianças da Ásia, a velha escrava lendária
que embalou o berço dos primeiros homens do mundo,
crianças da Ásia, a velha escrava lendária
de cujo seio escorre a riqueza como um leite precioso
que os outros homens do mundo arrancam da boca dos seus filhos.
Crianças chinesas, pequeninos heróis de olhos oblíquos,
na célula inicial do vosso ser
ficou impresso o heroísmo cotidiano da resistência
que já se tornou uma forma de vida do vosso povo, crianças da China.
Crianças da Europa,
da França, Polônia, Itália, Bélgica, Suécia,
vossas pátrias entregaram-se ao invasor
como mulheres que se entregam com medo, sem amor,
vossas pátrias são escravas silenciosas, crianças da Europa.

Crianças alemãs,
fabricadas,
mecanizadas,
exatamente iguais como soldadinhos de chumbo,
que aprendem somente a odiar,
que não conhecem um brinquedo,
crianças sem infância,
vós não sois vós mesmas, crianças da Alemanha.
Crianças judias, vosso povo continua a sofrer,
sobre vós pairam as mesmas mãos assassinas
que degolaram, como há dois mil anos na Judeia,
centenas de cabecinhas infantis e risonhas como as vossas, crianças judias.
Crianças da Rússia, a pátria misteriosa
cujo roteiro os donos do mundo ocultavam
como os antigos roteiros dos tesouros que os bandeirantes, ávidos, buscavam,
crianças da Rússia, a pátria misteriosa
que Stalingrado revelou ao mundo.
Crianças nativas das ilhas oceânicas,
vossos olhos descobrem
que para além das praias e dos coqueiros não existe apenas o mar.
Vossos olhos espiam assustados
as grandes aves metálicas e os monstros marinhos carregados de homens,
homens dos continentes distantes que vêm matar e morrer nas vossas ilhas
oceânicas

Crianças da África, dessa África que no deserto e nas selvas
luta há milênios, luta para ser, luta elementar e titânica
contra o sol, o vento, as águas, as feras bravias e o homem branco.
Crianças da América mestiça, a mulher nova e livre
que concebeu Juarez, Castro Alves, Whitman e Bolívar.

Crianças do mundo, guardai esta mensagem
até o dia em que vossos olhos descubram
que não é apenas um papel rabiscado ou uma lição difícil de soletrar.
Muito além desta hora terrível,
o pão,
o fogo,
a água,
a terra,
o ar,
alegrias elementares pelas quais os homens lutam,
permanecem.

Muito além das dores e dos ódios milenares,
muito além de todas as coisas,
muito além do bem e muito além do mal,
a vida permanece.
Muito além desta hora terrível,
chegará um tempo no tempo
em que a polícia, a moral, as leis e todas as coisas acidentais
serão inúteis para a comunidade humana
como remédios para um organismo que recuperou a saúde.
Chegará um tempo no tempo
em que na terra conquistada, os homens, todos os homens, como vós, minhas
puras criancinhas
receberão a vida, a vida simplesmente, como o dom supremo.
- Jacinta Passos (1942), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945.




Jacinta Passos
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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Jacinta Passos - serei poesia. In: Templo Cultural Delfos, agosto/2022. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
____
** Página atualizada em 6.8.2022.
* Postagem original de julho/2015.




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