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Augusto de Lima - o poeta

Augusto de Lima - fonte: ABL
Antonio Augusto de Lima, poeta, magistrado e político, nasceu em Congonhas de Sabará [hoje Nova Lima], MG, em 5 de abril de 1859, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de abril de 1934. Na Academia Brasileira de Letras, concorreu a primeira vez em 1902, na vaga de Francisco de Castro, eleito Martins Júnior. Um ano depois, apresentou-se candidato à vaga de Urbano Duarte. Foi eleito em 5 de fevereiro de 1903, mas só tomou posse quatro anos depois, em 5 de dezembro de 1907, sendo recebido pelo acadêmico Medeiros e Albuquerque.
Augusto de Lima era filho de José Severiano de Lima e de Maria Rita de Lima. Iniciou o seu curso de humanidades no Seminário de Mariana, onde teve como professor de Latim o então padre Silvério Gomes Pimenta, mais tarde arcebispo de Mariana. Cursando depois o Seminário do Caraça. Desistindo de ser padre, foi prestar os exames preparatórios em Ouro Preto, em 1877. Em 78, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi amigo, entre outros, de Raimundo Correia, Afonso Celso Júnior, Silva Jardim, Valentim Magalhães, Teófilo Dias, Pinheiro Machado e Assis Brasil. Fundou, em 1880, com Raimundo Correia, Alexandre Coelho e Randolfo Fabrino, a Revista de Ciências e Letras. Obteve o título de bacharel em 1882, tendo, durante o curso, exercido o jornalismo, no qual se mostrou propagandista das idéias da República e da Abolição. Passou a colaborar na imprensa, sobretudo no jornal O Imparcial, às vezes sob os pseudônimos I, Lilvio e Lauro.
Voltou a Minas, onde foi nomeado promotor do Termo de Leopoldina, e, em 1885, era juiz municipal. Em 1889, foi nomeado promotor de direito de Conceição da Serra, no Espírito Santo, onde permaneceu até 1890, quando deveria seguir, no mesmo posto, para Dores de Boa Esperança, em Minas, mas logo foi escolhido para chefe de polícia do Estado, em Ouro Preto.
Agitava-se, naquela ocasião, o problema da mudança da capital do Estado de Minas, e a tese de Augusto de Lima era a de que a nova capital devia ser instalada no antigo Curral de El Rei, depois Belo Horizonte, ponto de vista que era também o do Barão de Lucena, ministro da Justiça. Foi nomeado presidente do Estado, mas não quis, por si só, fazer a mudança do governo, e submeteu o assunto ao Congresso Constituinte, e só três anos depois, em 1898, transferiu-se para Belo Horizonte, a capital do Estado. Augusto de Lima, deu o seu nome a uma das mais belas avenidas de Belo Horizonte.
Deixando o governo do Estado, voltou Augusto de Lima ao seu posto de juiz, servindo na capital. Ao fundar-se a Faculdade de Direito, de Minas Gerais, foi escolhido para ser um dos professores, indo reger a cadeira de Filosofia do Direito, acumulando com o cargo de diretor do Arquivo Público, até 1910. Nesse ano, foi eleito deputado federal pelo seu Estado, sendo reeleito em várias legislaturas. Na campanha política de 1929-1939, da qual resultou a vitória da revolução, teve parte relevante, pronunciando memoráveis discursos. Na Câmara, o nome de Augusto de Lima aparece relatando e assinando pareceres na Comissão de Diplomacia e Tratados, de que foi membro, notadamente de 1910 a 1913 e de 1920 a 1923. Em 1934, foi eleito para a Assembléia Constituinte, e dela fazia parte, quando teve de submeter-me a uma cirurgia, vindo a falecer.
Segundo ocupante da Cadeira 12, eleito em 5 de fevereiro de 1903, na sucessão de Urbano Duarte e recebido em 5 de dezembro de 1907 pelo Acadêmico Medeiros e Albuquerque. Recebeu o Acadêmico João Luís Alves.
:: Fonte: ABL - perfil Augusto de Lima. (acessado em 27.7.2015).

Poesias, de Augusto de Lima, 1909
OBRA DE AUGUSTO DE LIMA
Poesia
:: Contemporâneas. [Prefácio Theophilo Dias].  Rio de Janeiro: Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1887, 175p. 
:: Símbolos. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, Ouvidor 21. 1892.
:: Poesias. [Prefácio Raymundo Correia]. Rio de Janeiro / Paris: Editora H. Garnier, 1909, 300p.
:: São Francisco de Assis: poesia. Bello Horizonte: Imprensa Oficial, 1930, 136p.; 2ª ed., Editora Santa Maria, 1961, 142p.
:: Coletânea de poesias - 1880-1934Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1959, 164p.
:: Poesia. 1959.
:: Tiradentes, poesias. (drama lírico). 1937). inédito.
:: Antes da Sombra, poesias. inédito.

Crônica
:: Noites de sabbado. Rio de Janeiro: Alvaro Pinto Editor, 1923, 414p.

Reedição da obra poética
:: São Francisco de Assis: poesia. [organização Aristóteles Dummond; introdução Augusto de Lima Júnior]. Coleção Afrânio Peixoto, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2000, 79p.
:: Poesias (Contemporâneas – Símbolos – Laudas inéditas - Juízos críticos). Coleção Afrânio Peixoto, nº 82. Rio de Janeiro: ABL, 2008, 282p. Disponível no link. (acessado em 15.7.2015).

Antologia (participação)
:: Poetas brasileirosRomânticos - Parnasianos - Symbolistas - Regionales - Poetas nuevos.  [traducción anotada Enrique Bustamante y Balliavián]. Rio de Janeiro: Emp. Industrial Editora o Norte, 1922, 175p.
:: A poesia mineira do século XX - antologia. [organização Assis Brasil]. Rio de Janeiro: Imago, 1998.



Augusto de Lima - fonte: ABL
POEMAS ESCOLHIDOS DE AUGUSTO DE LIMA
A serenata
[a D. Olga de Suckow]

Plenilunio de Maio em montanhas de Minas!
Canta, ao longe, uma flauta e um violoncello chora.
Perfuma-se o luar nas flôres das campinas,
subtilisa-se o aroma em languidez sonora.

Ao doce encantamento azul das cavatinas,
nessas noutes de luz mais bellas do que a aurora,
as errantes visões das almas peregrinas
vão voando a cantar pela amplidão afôra...

E chora o violoncello e a flauta, ao longe, canta.
Das montanhas, cantando, a nevoa se levanta,
banhada de luar, de sonhos, de harmonia.

Com profano rumor, porém, desponta o dia,
e na ultima porção da nevoa transparente

a flauta e o violoncello expiram lentamente.
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892. (grafia original).


Almas paralelas
Alma irmã de minha alma, espelho vivo
de outro espelho fio que te retrata,
alma de luz serena e intemerata,
cujo influxo de amor me tem cativo!

Bem sinto, que em mim vives e em ti vivo;
no entanto (e eis o desgosto que me mata!),
do amor a doce vaga me arrebata
e não posso atingir teu vulto esquivo.

O mesmo curso têm nossos destinos
do gozo o mel, da dor os desatinos
a um nada inspiram, sem que ao outro inspirem.

Mas, triste sorte! Ó bela entre as mais belas!
Eles são como duas paralelas;

– Próximos correm, sem jamais se unirem!...
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Bucólica
Na orgia dos sons, das cores,
ficou minha alma pagã;
bebendo o aroma das flores,
bebeu a luz da manhã.

Abriu-se-me a flor da vida
sob um sol fecundo e ardente;
amo a palmeira florida
e o soluçar da torrente...

Tenho taças de verdura
junto aos troncos seculares,
em que bebo a linfa pura
do néctar que vem dos ares.

Entendo o canto das aves,
que agitam o azul dos céus,
como de um templo nas naves
as litanias de Deus.

Nas clareiras escalvadas
das grandes, floridas matas,
choram frescas alvoradas
de pérolas as cascatas.

Entro altivo nas imensas
babilônias vegetais,
sob as lianas suspensas,
como arcadas triunfais.

Nas voltas da trepadeira,
leio estéticos segredos
e aprecio a sobranceira
atitude dos rochedos...

A natureza é uma mestra,
uma mestra maternal,
que nos dá lições de orquestra
e nos ensina o ideal.

Na orgia dos sons, das cores,
ficou minha alma pagã;
bebendo o aroma das flores,

bebeu a luz da manhã.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Cólera do mar
[a Assis Brasil]

Disse o rochedo ao mar, que plácido dormia:
“Quantos milênios há que, tu, negro elefante,
tragas covardemente esses, cuja ousadia
se arriscou em teu dorso enorme e flutuante?”

O mar não respondeu; mas um tufão horrendo
cavou-lhe a entranha e fez estremecer de medo
o coração do abismo. Então o mar se erguendo,

atirou um navio aos dentes do rochedo!
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Cantemos!
Cantemos, sim! Nossos cantares, goze-os
o mundo, celebrando-os mais e mais:
tu cantarás meigos idílios róseos;
eu, as vermelhas odes marciais.

Eu cantarei a dor, o ceticismo,
a vida em luta, a rispidez da sorte,
o sangue, a tréva, as convulsões do abismo
e os descalabros trágicos da morte.

Tu cantarás as coisas mais suaves:
o germinar das plantas no jardim,
o alvor da neve, o voejar das aves
e tudo mais que for suave assim.

Canta, mas sem esforço e que a beleza
de teu corpo não sofra com a idéia;
pois não convém à tua natureza
os candentes arrojos da epopéia!

Não deve de teu colo o puro arminho
as irritantes notas acolher:
devem cantar somente nesse ninho
as aves da alegria e do prazer.

Repara em ti! Não fosses tão modesta,
e então dir-te-ia que os mais ricos temas
tens na própria beleza, e só com esta
cantarias poemas e poemas.

Canta! Às vezes, um verso meu acaba
uma estrofe estrondando com fragor:
é o baque de uma idéia que desaba,
ao despertar de um sonho enganador.

Continuarás o interrompido carme,
e, embora as nossas almas em contraste,
há de o mundo louvar-te e há de louvar-me
o que cantei e o que também cantaste.

Mas, no momento de cantar os ternos
hinos do amor singelo, ardente e santo,
então nos ouçam séculos eternos,

cantando num dueto o mesmo canto.
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Contradições
– Não vos levem do amor as sugestões lascivas.
Mar de vagas azuis na superfície, encerra
no fundo o lodo amargo. Almas do amor cativas,
não fora ele e seria um paraíso a terra.

– Almas que não amais, a sede vos devora,
um desejo infinito arde em vossas entranhas.
Não é a luz do ideal a que adorais na aurora,
nem vos conduz ao céu a estrada das montanhas.

Amai e vivereis; o amor é o grande centro
da vida, ele alivia o vosso seio enfermo:
é um mar das azuis tendo pérolas dentro;
amai, pois sem o amor a terra fora um ermo.

Fala o Prazer assim: – Vinde, que eu vos protejo.
Diz o Tédio: – Evitai a nódoa deletéria.
E as almas virginais murmuram: – Que desejo!

Mas as outras em coro exclamam: – Que miséria!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Culto ideal
A embriaguez da luz, dos sons, do aroma
Fez rebentar-me na alma tua imagem:
sonhei-te entre a virente e basta coma
de um bosque, à luz da aurora, aos sons da aragem.

Meu ser ora subia ao sol distante
pelo deserto azul, como um condor,
ora adejando, como uma ave errante,
colhia um pensamento em cada flor.

No veludo sombrio das montanhas,
longínquas como a idéa do passado,
harmonias angélicas, estranhas
atraíram-me o ouvido fascinado.

Nesse instante, brotou em minha mente,
como um ideal à flor da fantasia,
a tua imagem cândida, ridente,
coroada das rosas da alegria.

Então, no peito, ó virgem de meus sonhos,
a ti que o Belo universal resumes,
ergui castelos rútilos, risonhos,

feitos de luz, de sons e de perfumes.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


De tarde
Eu vi voando caminho do ocidente
o bando ideal de minhas ilusões;
do sol um raio trêmulo, dormente
dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
a crença, o amor, meigas aspirações...
Creio até que, entre as aves, tristemente
iam partindo nossos corações.

Além, além... e os pássaros risonhos
foram-se todos. Vênus lacrimosa
brilhou: – no mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos
ficou inda a pairar, triste e formosa,

a ave formosa e triste da saudade.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


De profundis
Não serei eu quem, lamentoso, brade
do profundo negror da infanda sorte;
pois já não teme o aniquilado a morte,
para que aos céus implore inda piedade.

Pela turva espiral de trevas há de
ir minha alma descendo, altiva e forte,
até que, por destino, enfim, suporte
o destino comum à humanidade.

Sucede à dor, que punge, dor pungente,
e se à esperança o coração se abraça,
é que mais rudes golpes já presente.

Mas um consolo há na desgraça:
não penhorar a condição presente;

pois do fundo do abismo ninguém passa!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Esperança e saudade
Sorte falaz a que nos guia a vida!
Porque há de ser tão rápida a ventura,
que só a amamos, quando é já perdida
ou depende de uma época futura?

O que o presente mal nos afigura
era esperança, há pouco apetecida,
e, uma vez no passado, eis que perdura
como saudade que não mais se olvida.

Há sempre queixas do atual momento
e, entre as datas, se eleva o pensamento,
como uma ponte de sombrio aspecto.

Em busca da ventura que ignoramos,
temos saudade ao bem que não gozamos,

ilusão de ilusões, sonho completo!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Floresta e mar
Uma floresta é um mar. Que de rumores
em seu seio, onde a seiva ardente mora!
É o destino comum ao mar e à flora
ter a mesma tragédia, as mesmas dores.

Ambos mostram riquezas e esplendores:
o mar, pelas marés, pérolas chora;
e, ao receber a selva a luz da aurora,
surgem-lhe à tona, como espuma, as flores.

Que majestade no oceano, quando
vem a noite do espaço desdobrando,
sobre ele, a negra clâmide de Atlante!

Porém, quanto a floresta mais me agrada,
ostentando-se à luz da madrugada

rumorosa, aromática, brilhante!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Flor carnívora
[a Lucindo Filho]

Há uma flor de lindo aspecto
e colorido brilhante,
cujo perfume fragrante
atrai ao cálix o inseto.

As asas fechando e abrindo,
este o mel nectáreo bebe,
no entanto a flor o recebe,
as pétalas contraindo.

Contrai-se e se abotoa,
e tanto os nervos constringe
que a corola o suor tinge
da seiva fecunda e boa.

E na rescendente cela
o aventureiro encerrado,
depois de a flor ter sugado,
ei-lo sugado por ela.

Tal a sorte da alma louca,
que atraída pelo gozo,
o doce filtro amoroso
vai beber em tua boca.

Pois és a imagem exata
da bela flor assassina,
que melifica e fascina,

perfuma, seduz e mata.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Humus homo
[a João Pinheiro]

Há qualquer coisa que nos solicita
dentro da terra, e liga (obscuro arcano!)
seu coração e o coração humano:
quando um deles palpita, o outro palpita.

Urna sem par da humanidade aflita,
Céres nutriz faz do suor insano.
O homem que, por castigo, é soberano
seu ventre famulento não evita.

A terra é do homem, o homem é da terra;
tudo quanto este encerra, aquela encerra:
a mesma essência, idênticos destroços.

Ah! quando encaro a terra pelo instinto
fatal de meu destino, tremo e sinto

dentro da carne estremecer meus ossos!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Metamorfose
Afirmam sábios que, nos verdes mares,
uma exótica planta às vezes brota,
cujo frágil hastil liga a remota
região das algas à região dos ares...

O salso germe, que, no hastil, se apruma,
filho da funda, submarina rocha,
– branco lírio – à flor da água desabrocha,
aljofrado de pérolas de espuma.

E, quando ao sopro do terral se inclina,
e ouve os lamentos de longínqua plaga,
bebendo eflúvios de fragrância vaga,
chora os irmãos da selva e da campina.

Chora; e do espaço mal a noite desce,
raia o cálice em pétalas singelas
e, assimilando o fogo das estrelas
– estrela sobre as ondas fosforesce.

Mas rompe o dia aos beijos da alvorada,
nem mais flor, nem mais astro: é um ente vivo!
Largando o hastil, em que se viu cativo,
o zoófito livre sobrenada...

Ora, isento de peias e de mágoa,
vai perlustrando o líquido caminho,
sem se lembrar do leve hastil mesquinho,
que o suspendeu do fundo à tona da água.

Celebrem outros o sublime arcano,
metamorfose, que a ciência encanta;
quanto a mim, só lastimo a viúva planta,

que ficou sepultada no oceano...
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Mundo interior
Quem me vê meditabundo
e de olhos fechados, brada:
“Eis uma alma encarcerada,
indiferente a este mundo.”

Mal sabe a turba inexperta
que, por mais que se retraia
de nossa matéria a raia,
mais a razão se liberta

Pois, da abstração da Utopia
surge não raro um compasso;
é um sonho infinito o espaço,
mas real a Astronomia.

Se sondo, investigo, estudo,
buscando a ciência que almejo,
fito os astros,- nada vejo,
cerro os olhos, - vejo tudo.

Nas horas em que medito,
(quão breves são essas horas!)
em minha alma abrem-se auroras
com portas para o infinito.

Nesse mundo de esplendores,
com os sentidos devoro
o acorde, prisma sonoro,
o prisma, acorde das cores.

E para que mais me encante,
o pensamento divino
torna-me o olfato mais fino
e a vista mais penetrante.

Quanto à minha alma, entretém-na
a harmonia eternamente;
porque o silêncio inclemente
só na matéria é que reina.
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Ícaro
Busco embalde, librado em minhas asas,
do espaço o fim num desvario louco:
ao calor de não sei que olhar em brasas,
vão elas derretendo pouco a pouco.

A universal orquestra das esferas
nas orgias da luz retumba em festas,
e o éter inebria as primaveras,
que vêm adormecer pelas florestas.

É possível que, em cima, haja a secreta
chave do enigma místico e profundo,
que nos cerca, e que possa algum planeta
informar-me o que somos neste mundo.

Mas não posso subir! O crânio ardente,
sempre no globo agrilhoado e preso!
– Orgulhosa razão, és impotente,

minhas asas de cera, eu vos desprezo.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Nostalgia panteísta
Um dia, interrogando o níveo seio
de uma concha voltada contra o ouvido,
um longínquo rumor, como um gemido,
ouvi plangente e de saudades cheio.

Esse rumor tristíssimo, escutei-o:
é a música das ondas, é o bramido,
que ela guarda por tempo indefinido,
das solidões marinhas donde veio.

Homem, concha exilada, igual lamento
em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
aos recessos do espírito volveres.

É de saudade, esse lamento humano,
de uma vida anterior, pátrio oceano

da unidade concêntrica dos seres.
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


O cético
“Percorro da ciência o labirinto,
e em tudo encontro um eco duvidoso:
matéria vã, espírito enganoso,
mentis, tudo é mentira, eu só não minto.

Vejo, é verdade, a vida e a vida sinto,
o calórico, a luz, a dor e o gozo,
a natureza em flor, o sol formoso
e o céu das cores da Aliança tinto.

Mas quem, senão eu mesmo, vê tudo isto?
e quem pode afirmar-me que eu existo,
visões celestes, velhas nebulosas?”

E em seu crânio a razão desponta e morre,
como o santelmo fátuo, que discorre
na solidão das minas tenebrosas.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


O homem e o mar
[Baudelaire]

Homem livre, hás de ser sempre amigo do mar,
o mar é teu espelho, aí vês tua alma ao largo,
os grandes lamarões no infinito rolar:
– nem teu espírito é menos profundo e amargo.

Apraz-te mergulhar em tua própria imagem,
nela imerges o olhar, nadando, e o coração
não raro se distrai da própria agitação
ao rumor dessa queixa indômita e selvagem.

Quão discretos sois vós, quão tenebrosos sois!
Homem, ninguém sondou teus fundos sorvedouros;
mar, ninguém viu jamais teus íntimos tesouros;
tanto sabeis guardar vossos segredos, pois.

E, do Tempo, no entanto, as rápidas torrentes
Vão passando e, sem dó, nem pena vos bateis;
tanto presais a morte e os exícios cruéis,

implacáveis irmãos, eternos combatentes!
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


O paradoxo
Quem pôde jamais dizer-me
com certeza donde vim,
se sou simplesmente um verme,
ou se Deus está em mim?

Mistério! a vida eu a sinto
como um fluido incandescente
nas veias; porém não minto
dizendo que a acho excelente...

Mata-me o tédio do mundo
e nisto encontro prazer.
Como Hamlet meditabundo,
agito o “ser e não ser”.

Sou uma antítese viva,
talvez um sonho do caos,
extrato que Javé ou Silva
fez dos gênios bons e maus.

Contrastes me não surpreendem:
fascina-me o Bem; o Mal
tem atrações que me prendem
dentro de um fosso fatal.

A metafísica nunca
fez cousas tão encontradas:
sou rico, e habito a espelunca,
choro, dando gargalhadas.

Às vezes, até duvido
se sou, e me palpo então,
e no vivo peito ardido
sinto da Morte a canção.

É que ardem no paraíso
infernos, engana o amor,
o lábio mente e o sorriso
é uma paródia da dor.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Os sentidos
Há uma correspondência que equilibra
todas as formas num consenso eterno:
dos sentidos humanos cada fibra
liga a nossa existência ao mundo externo.

Os olhos querem luz; flores, o olfato;
frutos, o paladar; o ouvido, harpejos;
macia polpa setinosa, o tato;
o coração, afeto; os lábios, beijos.

Há, porém, de outras laços um sistema,
que a natureza em nós conserva inerte:
para a ciência e a fé sempre é problema;
basta, no entanto, um toque que os desperte...

E como vós, ó sensações, outrora
adormecidas no organismo estáveis,
eles dormem também, presos embora
ao turbilhão das cousas impalpáveis.

Cérebro humano, criador da Psique,
centro radial do cosmos consciente,
para que ainda mais perfeita fique,
deixa que as formas Psique nua ostente!
- Augusto de Lima, em "Laudas inéditas", no livro "Poesias  (Contemporâneas – Símbolos – Laudas inéditas)". Coleção Afrânio Peixoto, nº 82. Rio de Janeiro: ABL, 2008.


O vulcão e o sol
[a Raimundo Correia]

I
Treme a montanha e se abre em ímpetos indômitos:
ruge-lhe o ventre, e um filtro ardente de atro enxofre
as veias lhe percorre... até que, em rubros vômitos,
a descarga de fogo arrebenta de chofre.

A bílis borrascosa estruge-lhe na entranha,
como um feto maldito. Os calcinados ossos
do velho paquiderme estremecem na estranha
e sinistra mudez dos quaternários fossos.

E parecendo ouvir a voz lenta, vibrada,
da lendária trombeta, o ictiossauro na gruta
subterrânea escancara a inválida queixada
e, nas patas firmado, atentamente escuta...

Do túrbido cairel betuminoso e horrendo,
que a larga face abrindo, arfa estentoreamente,
o colosso de fogo aos céus alto se erguendo,
descreve na amplidão mil roscas de serpente.

E dobrando, solene, o dorso audacioso,
cinge os flancos do espaço em tantálico ardor.
Entretanto, no céu sereno e grandioso,
rola o sol triunfante a luz do eterno Amor.

II
Assim tu, coração, enquanto em paroxismos
despedaças a flor de nossos sentimentos,
e a atiras desfolhada aos pérfidos abismos,
aos ímpetos dos ventos;

Não importa! refulge, esplêndido e espontâneo,
enchendo-nos de luz, caudal veia por veia,
no pino da razão, no ardente céu do crânio,

o eterno sol da Idéia!
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Ressonância
[a Affonso Celso Júnior]

Há, na escala do alheio sentimento,
mais de uma nota, que, uma vez ferida,
vem despertar-nos na alma adormecida
a mesma vibração, o mesmo acento.

O violoncelo, o mágico instrumento,
basta que um som na orquestra comovida,
com os seus, ressonante, coincida,
ressoa, embora em mudo isolamento.

Mas, se não tem a respectiva corda,
a nenhuma das vozes ele acorda
e, indiferente, se conserva a tudo.

O coração também: em cada fibra
responde a um toque irmão; mas, quando o vibra,

um sentimento estranho – fica mudo...
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Riso e pranto
Duas frações o grande todo humano
encerra: uma que ri, outra que chora.
Dúplice monstro, contrastando Jano,
tem numa face - a noite e noutra - a aurora.

Mas em seu seio eternamente mora,
como o pólipo no profundo oceano,
a dor que o riso mentiroso inflora,
a mesma dor que verte o pranto insano.

Basta que riso ou lágrima ressume
da contração de um músculo irritado,
temos amor, pesar, ódio ou ciúme.

Nem sempre o riso é uma expressão de agrado,
e às vezes quem mais chora se presume

feliz, por parecer mais desgraçado.
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Síntese
Que importa à natureza o velho tema.
do ser e do não ser – o berço e a tumba,
se alguém folgue ao prazer, se à dor sucumba,
se ria ou chore, se suspire ou gema?

Seio de mãe e entranha de Saturno,
ela alimenta com intenso afeto
tudo que produziu, e por seu turno
devora avidamente o próprio feto.

O trágico problema em vão se agita,
à velha geração sucede a nova,
e a cada novo ser, que à luz palpita,
tece-se um berço, rasga-se uma cova.

E o homem, de um só dia peregrino,
de manhã deixa o berço, mal desperta,
e, ao voltar pela noirte – atroz destino! –,
acha o berço ocupado, a cova aberta.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Sísifo
Por um alto desígnio e lei estranha,
há muito cumpro a original sentença
de guindar uma rocha a uma montanha,
até que fique imóvel e suspensa.

Vou a subir; porém, mole tamanha,
na luta ascensional, quem há que vença?
Eis que solta, rolando, o abismo ganha,
quando firme no píncaro se pensa.

Até quando esta luta? O tempo voa,
na hecatombe das horas se esboroa
a esperança que ao alto me envereda.

Vamos! Coragem! Um supremo esforço:
que a penha galgue da montanha o dorso,

ou que ao menos me esmague em sua queda!
- Augusto de Lima, em "Símbolos". 1892.


Sonho transformista
[a Gaspar da Silva]
Vera de Suckow e Antônio Augusto de Lima, 1888.
 Coleção Luís Augusto de Lima.

O giro do Ser é vário,
do Tempo ao eterno escopro.
O gozo de hoje é precário,
e foge-nos como um sopro.

Quem diz que a flor no pedúnculo
não é uma alma a cismar,
e que os brilhos do carbúnculo
não são chamas de um olhar?

A podridão é antiética;
cria os vermes e os perfumes,
e na sua treva hermética
palpitam ridentes lumes.

É uma retorta o ossuário,
em que se fabricam flores;
do humor frio de um sudário
fazem-se as tintas das cores.

É monótona a existência
antes da dissolução;
só depois a nossa essência
paira livre na amplidão.

Ou pelo deserto lívido
vai correndo errante, errante...
ou da flor no cálix vívido
se faz perfume fragrante.

Arranquem-me a ardente túnica
da vida agitada e vã:
vejam, minha ambição única
é de ser lírio amanhã.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Supremo bem
Supremo bem, arcano misterioso!
A plenitude da alma satisfeita,
o abraço eterno que o desejo estreita
à posse infinda do sonhado gozo!

Quimera vã que o espírito rejeita:
como é que à perfeição de um ser glorioso
pode unir-se o desejo, filho e esposo
da humanidade efêmera e imperfeita?

Mas também possuir o ideal puro,
sem desejo, sem fibras, inconsciente...
Tédio implacável ou enigma escuro!

O desejo sem posse é o mal presente.
Se a posse sem desejo é o bem futuro,

melhor é desejar eternamente!
- Augusto de Lima, em "Laudas inéditas", no livro "Poesias  (Contemporâneas – Símbolos – Laudas inéditas)". Coleção Afrânio Peixoto, nº 82. Rio de Janeiro: ABL, 2008.


Vertigem da arte
[a Randolfo Fabrino]

No frontispício de uma antiga igreja,
talhado em duro mármore polido,
abre as asas um anjo que branqueja
entre as flores de pedra adormecido.

O olhar num sonho místico abismado,
imóvel fita a altura friamente:
– gênio estranho que aos céus arrebatado,
em pedra se tornasse de repente!

Era manhã. No rosto alvo e divino,
que o pó do Tempo envolve no seu manto,
vi cintilar o orvalho matutino,
deslizando na pedra como um pranto...

E julguei um instante que chorasse
aquele ente em vida à luz da aurora,
e que se contraísse aquela face,
sem me lembrar que o mármore não chora!

Extático ante os góticos primores
que um talento infeliz, gênio sem palma,
cinzelasse, talvez, sonhando amores,
e escondendo na pedra o sangue da alma;

Tive a vertigem (louco desvario!)
de perder-me no espaço indefinido,
só para ver de lá o olhar sombrio

do triste anjo de pedra adormecido...
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


Vida!
Olha esta gota de água cristalina:
é tão leve, tão tênue e pequenina,
que a sede vegetal mais estimula,
e nem ao menos molha
do lírio o hastil, o cálice ou a folha,
em que, líquida pérola, tremula;
dir-se-ia um pingo de sidérea mágoa.
Tu, que já penetraste os oceanos
e devassas recônditos arcanos,
não a desprezes, olha-a:
que vês na gota cristallina de água?

Nela se espelham fulgidos, celestes
prismas, que a luz exterior difunde,
como em puro diamante lapidado.
Mas se o olhar limitado
de uma lente revestes,
porque a vista sagaz mais se profunde,
verás, então, do turbilhão da Vida,
surdirem novos seres, e estes seres
aumentando-se em linha indefinida,
de modo a não poderes
contar sequer seu número. Detém-te
e observa a formação vária, infinita
dos corpos, cujo frêmito latente
um mesmo protoplasma anima e agita.

Mas não! O olhar perturba-se em vertigens
de febril paroxismo.
Nem procures saber-lhes as origens,
a esses entes anônimos, que viste.
Para o prescrutador olhar humano,
como no grande, existe
no infinito minúsculo – um abismo.


Homem, na gota de água há um oceano!
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.


FORTUNA CRÍTICA DE AUGUSTO DE LIMA
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1883, 7 v.

COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de (José Galante de). Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Academia Brasileira de Letras, 2001, 2v.
DINIZ, Ana Elizabeth. Os poemas de Augusto de Lima, o poeta do universo. Especial. O Tempo. 25.10.2010. Disponível no link. (acessado em 27.7.2015).
LIMAJosé Augusto de.. Augusto de Lima: seu tempo, seus ideais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1959, 322p.
LOPES, Mercês Maria Moreira. Augusto de Lima. Belo Horizonte: Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais/ Imprensa Oficial, 1959.
VERBETE. Lima, Augusto de. CPDOC/FGV. Disponível no link. (acessado em 27.7.2015).




Augusto de Lima - fonte: ABL
REFERÊNCIAS E OUTRAS FONTES DE PESQUISA
:: Academia Brasileira de Letras - ABL
:: Antonio Miranda
:: Antônio Augusto de Lima. perfil/Governo de Minas Gerais


© A obra de Augusto de Lima é de domínio público

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Como citar:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Augusto de Lima - o poeta. Templo Cultural Delfos, julho/2015. Disponível no link. (acessado em .../.../...).
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** Página atualizada em 27.7.2015.




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